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BEACHROCK E O SAMBAQUI DA ILHA DO CABO FRIO

David Canabarro Savi1; Maria Cristina Tenório2; Flávio Rizzi Calippo3; Felipe Antonio de
Lima Toledo4; Manoel Mateus Bueno Gonzalez5 e Marisa Coutinho Afonso6
IEAPM - Marinha do Brasil (david_canabarro@uol.com.br); 2 Museu Nacional e MAE/USP;
3
CEANS; 4IO/USP; 5NUPEC e MAE/USP; 6 MAE/USP

Abstract. We discuss the spatial relationships between the beachrocks and the shellmounds
located at Ilha do Cabo Frio, Arraial do Cabo, Rio de Janeiro (southest Brazil). These
beachrocks present a high percentage of carbonate (92%), very different from the quartz-rich
beach sediments. They present an emerged and a submerged portion, and the shellmound may
have submerged because we found archaeological layers 2 meters deep. We suggest that these
archaeological structures might have submerged by the same processes/events that formed
and provoked the fracture and subsidence of the beachrock. The shellmound presents two
layers: one mainly composed by mollusk shells and other quite sandy. We collected fish
bones, bone and lithic artifacts and perforated shark teeth. Two radiocarbon dates from the
lowest visible site strata show a difference of more than 1.000 years (2219 ± 32 and 1242 ±
31 years BP). Shells samples present older dates than the charcoal (3302 ± 40 and 3074 ± 33
years BP). Taking into account the reservoir effect it is probable that the site formation
happened between 2700 and 1200 years BP. Samples collected from the submerged part of
the beachrock suggest that there is a direct correlation between the beachrock structure and
the composition of the sedimentary layers beneath the shellmound.

Palavras-chave: beachrock, sambaqui

Os arenitos ou conglomerados de praia segmentos que, somadas as suas porções


(beachrocks) são normalmente formados emersas e submersas, atingem, aproxima­
por grãos quartzosos consolidados por ci­ damente, 400 metros de extensão em uma
mento carbonático, situados na zona entre direção NE/ SW e 200 metros de largura
marés contendo intraclastos biogênicos; máxima (Figuras 2 e 3). Além disso, o
normalmente marcam a linha de costa afloramento não se encontra de forma
pretérita, bem como a constituição sedi­ paralela à linha de praia atual e sim de
mentar da antiga praia (Suguio 1992). forma oblíqua, obedecendo a um
Na praia da Ilha do Cabo Frio, cidade de escalonamento altimétrico que varia de três
Arraial do Cabo – RJ, um desses corpos metros acima do nível do mar a cinco
geológicos foi localizado (Figura 1). Po­ metros de profundidade, respectivamente,
rém, diferentemente dos demais aflora­ entre seus extremos NE e SW. O beach-
mentos deste tipo que foram descritos no rock está superposto em sua porção emersa
Brasil, este beachrock apresenta uma com­ por um sambaqui, que também está
posição predominantemente carbonática presente em contato adjacente no flanco
(92%) que contrasta, significativamente, nordeste na parte submersa do arenito.
com a composição, rica em quartzo, dos
sedimentos atuais da praia a que está asso­ O sambaqui da Ilha do Cabo Frio (Tenório
ciado (Savi 2004). et al. 2005) apresenta duas camadas: uma
De uma maneira geral, o afloramento da camada malacológica com 9 cm de espes­
Ilha do Cabo Frio encontra-se dividido em sura média e abaixo desta uma camada
compacta marrom arenosa. A camada ma­ investigar a ocorrência de tais vestígios,
lacológica é composta por carapaças de como hipótese de trabalho o presente
moluscos com predomínio de Pintacta estudo procurou assumir que tais
imbricata (Roding,1798), ossos de peixes e evidências tenham sido submersas em
artefatos (ósseos e líticos). Foi encontrada decorrência dos mesmos processos e/ou
grande quantidade de pontas ósseas elabo­ eventos que formaram e condicionaram o
radas a partir de esporões de raia, de pei­ fraturamento e a conseqüente subsidência
xes não identificados e, em bem menor do beachrock.
quantidade, de aves. Foram coletados tam­ A amplitude altimétrica entre as camadas
bém dentes de tubarões perfurados. Do emersas e submersas deste sambaqui é da
material lítico destacam-se as lascas, os ordem de dez metros. A morfologia das
blocos, e os fragmentos de quartzo. camadas sugere atuação tectônica pós-de­
Apesar da análise dos restos faunísticos posicional, não sendo descartado um sim­
ainda não estar concluída, os resultados ples rompimento da camada de sambaqui
obtidos, até o momento, estão indicando associado com variação do nível do mar.
que os alimentos consumidos eram obti­
dos, predominantemente, no costão exis­ A transição entre o arenito e o sambaqui é
tente no lado da Ilha, voltado para o canal. estudada através da comparação constitu­
Como o sambaqui está sobre uma duna cional: morfometria, granulometria, pre­
estável e sob uma outra em constante mo­ sença de oólitos e bioclastos. Os teores de
vimentação numa área de vento muito in­ carbonato são maiores no beachrock do
tenso, durante a formação do sítio o mate­ que no sambaqui submerso e emerso (50%
rial arqueológico era depositado e cons­ em média), podendo sugerir um enrique­
tantemente retirado pelo vento, o que re­ cimento supergênico, sendo a transição
sultou num achatamento das camadas, afi­ uma hipótese que ganha peso e será enri­
namento da camada arqueológica e perda quecida com a datação das camadas.
de estratigrafia. No arenito com análise microscópica foi
Embora as amostras de carvão tenham sido identificada matriz de calcita micrítica,
coletadas na base do sambaqui, as datações com até 15%. O principal fragmento en­
apresentaram resultados com uma dife­ contrado foi carbonático (bioclastos), a
rença de mais de mil anos (2219 ± 32 e composição mineralógica foi de carbona­
1242 ± 31 anos AP). Por outro lado, data­ tos, quartzos e minerais acessórios de tur­
ções obtidas a partir de carapaças de mo­ malina, granada e minerais de ferro. Os
luscos apresentaram datas mais próximas grãos são subarredondados e moderada­
entre si porém mais recuadas (3302 ± 40 mente selecionados. A presença dos mine­
e 3074 ± 33 anos AP). Descontando-se o rais pesados, dos fragmentos de conchas e
efeito reservatório que tende a aumentar a o ambiente de jazimento indicam rocha
antigüidade das conchas (Estoe et al. 2002; sedimentar de plataforma rasa com aporte
Angulo et al. 2005), é provável que o sítio e/ou erosão de material carbonático. Não
tenha se formado entre 2700 e 1200 anos foram observadas estruturas sedimentares
antes do Presente. na amostra de mão. A classificação do
A idéia de que camadas arqueológicas do beachrock pode ser definida como um cal­
sambaqui acabaram submergindo e possam cário aloquímico espático (Folk); um cal­
ter se preservado embaixo d’água decorre carenito (Pettijon) e um calcário compacto
do fato de terem sido encontrados (a dois (Dunham). Especula-se que sua idade es­
metros de profundidade) blocos de cama­ teja próxima aos 5000 anos A.P., embora
das arqueológicas (estratigraficamente ainda não haja datação radiométrica ou
contextualizadas) semelhantes às que com­ identificação bioestratigráfica.
põem o sambaqui (Figura 4). Apesar de A composição do beachrock foi compa­
existirem outras possibilidades para rada à composição dos sedimentos que
ocorrem imediatamente abaixo da porção composição das camadas que estão situa­
emersa do sambaqui da Ilha do Cabo, atra­ das sob o sambaqui.
vés da coleta de um testemunho à percus­
são, indicando que quanto mais estas fei­ Referências
ções apresentam semelhanças, maior é a
probabilidade do sambaqui tornar-se sub­ ANGULO RJ, SOUZA MC, REIMER PJ,
merso à medida que os sedimentos praiais SASAOKA SK. 2005. Reservoir
(inferiores ao sambaqui) se consolidam, effect of the southern and southeastern
em conseqüência da própria dissolução e Brazilian coast. Radiocarbon, 47:1-7.
cimentação do carbonato de cálcio pre­ EASTOE CJ, FISH P, GASPAR MD,
sente em sua composição. LONG A. 2002. Reservoir corrections for
O testemunho recuperou 90 cm de sedi­ marine samples from the south Atlantic
mento. A base do testemunho é composta coast, Santa Catarina State, Brazil.
predominantemente por grãos de quartzo Radiocarbon, 44(1):145-148.
muito pouco arredondados (~90%) e o SAVI DC. 2004. Beachrock da Ilha do
restante por fragmentos de carapaças car­ Cabo Frio. In: 42º Congresso Brasileiro de
bonáticas, não sendo possível à identifica­ Geologia, Simpósio de Geologia Marinha,
ção de espécies, devido ao alto grau de Araxá, MG. Anais: Sociedade Brasileira de
fragmentação. Em torno de 70 cm ocorre Geologia.
um intervalo com sedimentos de coloração SUGUIO K. 1992. Dicionário de Geologia
avermelhada com cimentação insipiente. Marinha. São Paulo: Editora T.A. Queiroz,
Este intervalo é composto por 70% de 171 p.
quartzo (fração > 0,250mm) com baixo TENÓRIO MC, AFONSO MC, SAVI,
grau de arredondamento e 30% de frag­ DC, PINTO DC, GONZALEZ, MMB,
mentos carbonáticos com bom grau de AMENOMORI SN, VALENTE, RC.
arredondamento. A maior parte dos sedi­ 2005. O Sítio ou os Sítios da Ilha de Cabo
mentos finos é composto por material car­ Frio. Resumos. XIII Congresso da
bonático argiloso, que está cimentando o Sociedade de Arqueologia Brasileira.
sedimento mais grosso. Ocorre neste inter­ Campo Grande. MS
valo a presença de oólitos que apresentam
características similares aos oólitos obser­ Agradecimentos
vados no beachrock. Em direção ao topo,
ocorre um predomínio de grãos de quartzo Os autores agradecem o apoio da FAPERJ,
bem arredondados (~80-90%) com pre­ do CNPq e a Rodolfo Angulo (pelas
sença de oólitos dispersos no sedimento (< datações). A pesquisa faz parte das
5%), e alguns fragmentos carbonáticos. atividades de pós-doutorado de Maria
O sedimento observado no intervalo 65-75 Cristina Tenório no MAE/USP. As
cm apresenta recristalização de carbonato amostras para datação foram processadas
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de cálcio sobre os grãos de quartzo e dos no CHRONO Centre, Queen´s
oólitos, o que indica um processo inicial de University, Belfast, e medidas na Oxford
cimentação. Esta observação sugere uma Radiocarbon Accelerator Unit.
correlação direta entre o beachrock e a
Fig. 1. Imagem de satélite mostrando a Fig. 2. Ilha do Cabo Frio – beachrock
área de estudo, Arraial do Cabo – Ilha do emerso (foto: IEAPM)
Cabo Frio, à direita (foto: IEAPM)

Fig. 3. beachrock imerso (foto: IEAPM) Fig. 4. Estrutura arqueológica submersa


(foto: Flávio Rizzi Calippo).

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