Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O despertar de um recomeço
Nas entrelinhas do tempo
O despertar de um recomeço
Título original: Nas entrelinhas do tempo
Subtítulo: O despertar de um recomeço
ISBN: 978-85-8108-852-5
Revisão: R. Douglas
Diagramação:R. Douglas
LITERATURA BRASILEIRA
ROMANCE DE FICÇÃO
www.instagram.com/douglas.escritor
Copyright © R. Douglas.
Todos os direitos reservados. Apenas trechos deste livro podem ser utilizados ou reproduzidos
sem autorização por escrito do autor.
“Tudo é construção mental”
Nota do autor
Tempus fugit,
Carpe diem
Prólogo
Um simpático grupo de idosos jogava conversa fora enquanto
desfrutavam do agradável aumento da temperatura na Piazza III Novembre, à
luz do sol a meio do outono.
- Hey, amici!
Um dos velhos aproximou-se lentamente do táxi onde se encontrava o
homem que lhes direcionara o cumprimento.
- Sí, buongiorno.
O rapaz tirou o que parecia ser o recorte de um folhetim e o mostrou ao
velho. Depois, folheou o dicionário inglês/italiano e perguntou:
- Tu conosciquest´uomo? – seu italiano era um horror, ainda assim o
simpático velhinho não só entendeu o que ele dissera, como parecia conhecer o
homem com o rosto estampado no papel envelhecido.
- Sí, sí. – Respondeu jocoso ao ver a tentativa bizarra do turista em
esconder o sotaque.
O rapaz de olhos azuis e cabelo castanho-claro liso, cobrindo as orelhas
até a metade, esperou um pouco imaginando receber o complemento da
resposta, que não veio.
Chegou a abrir novamente o dicionário, mas pedir ao taxista que
intermediasse a conversa agora, lhe parecia bem mais prático.
Aprendo italiano outro dia.
O velho que queria ver o rapaz com expressão confusa se aventurar no
italiano novamente, apenas apontou o dedo quando percebeu que isso não
aconteceria.
- Osteria. – Leu o homem saindo do táxi, não sem antes receber a
resposta do que significava. Taberna, e eu pensei que ele já tivesse superado.
Fez um sinal de espere ao motorista e voltou-se novamente para o
senhor.
- Graziemille! – abanou uma das mãos em um gesto espalhafatoso.
Desta vez o velho nem disfarçou o sorriso ao vê-lo passar.
Indo na direção indicada, o americano chamava um pouco mais de
atenção do que um turista comum, muito devido a uma caixinha de vidro
transparente que carregava.
Apenas um casal de jovens turistas aproveitava o facho de luz do sol
que atingia as mesas do lado de fora do estabelecimento. Pela fumaça que
14
fumegava de seus copos, notara que aquele lugar não vendia apenas as bebidas
associadas a uma taberna que o homem estava acostumado.
Poucas luzes amareladas ajudavam o sol a iluminar o local que, com
duas janelas de frente para o nascente, possuía um charme pitoresco e uma
atmosfera aconchegante.
Seguiu direto para o balcão, rústico, de madeira escura bem trabalhada.
Não foi difícil encontrar o homem que procurava, pois ou seria o cara de gorro
preto e casaco verde-escuro lendo um jornal, ou outras quatro ou cinco senhoras
espalhadas pelo recinto.
Sentiu o forte cheiro de álcool ao se sentar.
- Um pouco cedo para beber, não? – Falou em inglês, torcendo, instantes
depois, para o homem não ter entendido, afinal, não foi o seu melhor “puxar
assunto”, nem seu momento mais delicado, ainda mais depois que olhou em
volta e não viu nenhum copo. Hum, pode ser que tenha superado.
Aproveitou a não manifestação de seu interlocutor para tentar de novo.
- As árvores ficam bem bonitas por aqui nesta época, não é? Do alto,
nas montanhas, se consegue uma paisagem incrível, como se o lugar tivesse sido
protegido da ação do homem – colocou a caixa de vidro com uma pedra dentro
sobre o balcão, bem à vista.
A ausência de resposta continuou. Sabia que era aquele o homem que
procurava, mesmo este estando bem diferente da foto, até porque se fosse apenas
um rapaz italiano que não falasse inglês, no mínimo se manifestaria nesse
sentido. Aquele homem era alguém que não queria ser encontrado, pelo menos
não por um americano.
Após alguns constrangedores segundos de silêncio, percebendo uma
sutil olhadela para o objeto dentro da caixa, decidiu tentar mais uma vez.
- Posso te pagar um...
- Não sei quem você é, nem o que quer, mas já adianto – dobrando o
jornal com rispidez, virou-se finalmente, falando em inglês com uma fluência
invejável – não construo mais bombas. – Olhava nos olhos do americano.
- E quem disse que vim até Lamon atrás de bombas?
- Não? Então veio atrás de que? – Sua barba desgrenhada e os olhos
caídos, davam àquele jovem uma expressão bem mais velha que a idade que de
fato possuía.
- Ora, atrás de descanso, de belas paisagens, de montanhas e...– botou a
mão sobre o objeto de vidro.
- E? – Pela primeira vez o rapaz de gorro demonstrava algum interesse
na conversa.
15
Abrindo os olhos
?? de ??? de ??
Sem saber o quanto havia dormido nem que horas eram, despertado de
seu repouso pela incidência da luz solar que persistia em procurar brechas entre
as cortinhas, August Hermes ainda sonolento, com os óculos sujos e visão
embaçada, abriu o guarda-roupa. Praticamente sem abrir os olhos, esticou o
braço na direção costumeira para pegar a camisa do seu uniforme de trabalho.
Por mais que puxasse pela memória, não se lembrava o porquê de ter
fugido da sua rotina noturna habitual e dormido com seu sapatênis branco, de
calça jeans e óculos, apesar deste último não ser tão incomum assim.
August não toma bebidas alcoólicas, sendo assim, acabou por culpar o
cansaço oriundo de um fim-de-semana mais curto do que deveria.
Passando rápido os olhos entreabertos em seu relógio de pulso,
assustou-se.
5h14m.
Enfim deve ter parado. Você resistiu bem meu camarada, muito bem.
Pensou sem sequer se dar ao trabalho de retirá-lo, gostava de tê-lo em seu braço.
Limpou superficialmente os óculos, vestiu a camisa e aproveitando o
fato de que já se encontrava bem-trajado, saiu do quarto esfregando os olhos,
imaginando estar muito atrasado para o trabalho, visto que seu despertador
provavelmente já tocara, no entanto, sem conseguir acordá-lo.
Com um pressentimento estranho lhe causando incômodos em toda
região do tórax, só despertou e recuperou os sentidos de fato, quando recebeu a
incidência de mais luz, oriunda agora do exterior do quarto a caminho do
banheiro.
Abriu de vez os olhos meio avermelhados, ainda ardidos, limpou
novamente os óculos e que surpresa teve ao olhar para baixo e reparar a casa,
chegou a esfregar o rosto mais de uma vez para garantir que enxergava direito.
Mas o que é isso? Onde estão as minhas coisas? Pensou utilizando o
recurso da retórica a medida que se aproximava do belo corrimão artesanal
branco-gelo da escada.
Tudo estava mudado, tudo mesmo. August não conseguiu encontrar, em
uma primeira vista, nenhum dos objetos que ele mesmo escolheu para ocupar
cada espaço daquela casa.
Será que aquele sonho foi... não...
18
- Preciso ir ao banheiro!
- Mas temos banheiro aqui em cima! – gritou sem entender.
- Eu sei! – respondeu no mesmo tom, sem olhar para trás – Eu moro
aqui!
Observando de longe, Daiane arqueou as sobrancelhas e apontou para o
telefone fixo no canto da sala de estar.
- Polícia – falou em tom reduzido e quase que por separação silábica.
Recebeu apenas um sorriso simpático e um leve balançar lateral de
cabeça de seu patrão.
Desde que se mudou, August só utilizava o banheiro do primeiro andar.
No começo era para se exercitar tendo que descer e subir as escadas, agora,
tornou-se uma questão de hábito.
Neste momento na cabeça do jovem, pairava um único pensamento.
Que eu não molhe a minha cama, por favor, que eu não molhe a minha
cama.
Capítulo 2
- Acha mesmo que seu avô venderia uma casa como essa? Ainda mais
se fosse uma casa com histórias para contar e presente de um amigo?
- Tem razão… não venderia – foi obrigado a concordar.
- Outro aspecto importante da minha conclusão é sua entonação.
- Ahm?
- O jeito como fala e gesticula, é muito parecido com seu pai Huginin,
presumo. – O jovem fez que sim com a cabeça. – E também idêntico ao seu avô.
Hoje, você e Huginin parecem irmãos.
August deixou sobressair o lábio inferior.
- Aí você ligou isso tudo ao futuro herdeiro como dizia a carta e
descobriu quem sou, ou quem serei, sei lá?
- É isso aí.
- Ok. Concordo que foi uma bela dedução. Vamos prosse... – August
parou de falar de repente.
Rudolph deu a ele alguns segundos de silêncio, imaginando que ele
ordenava a sequência de perguntas. Não foi o necessário. Mais de um minuto se
passou e o silêncio manteve-se. Quando decidiu interpelar o jovem, ele o
interrompeu.
- Com licença – já estava de pé. – Preciso ir ao banheiro outra vez.
- Tudo bem, eu aguardo.
Capítulo 4
Como isso pode ser tão real? Olhava para suas mãos espalmadas. Eu
sequer a conheço de verdade.
O barulho da água da torneira jorrando o atentara para a realidade que
ele insistia em negar.
Mesmo nunca tendo estudado os sintomas, as causas ou alguma forma
de tratar ataques de pânico, mesmo sem nem saber que estava de fato tendo
ataques de pânico, August conseguiu cessar todo o mal-estar que sentira no
escritório do Sr. Holister. Seu único incômodo agora, era bem diferente,
limitava-se a uma sensação, a um sentimento forte e indefinido, a uma pessoa.
Ana Schmidt.
Capítulo 5
- Até li muito a respeito, sou de fato um aficionado por este tema, mas
estamos longe de descobrir algo desse tipo. Agora, de uns poucos dias para cá,
ou anos, não sei! – o último pedaço da fala recebeu um tom ainda maior de voz
– Conheci cartas que viajam através da estrutura tempo-espaço, perdi meu pai e
acabei vindo parar a mais de um ano antes do meu próprio nascimento! Ou isso
é um sonho, ou fiquei louco!
- Sei...
- Ou as duas coisas! – Interrompeu ele já andando pelo cômodo. – É
isso! Com certeza são as duas coisas.
- Sei como se sente August.
- Sabe? – Indagou condescendente.
- Sim – arqueou as sobrancelhas. – Consegue imaginar como me senti
quando você apareceu de repente dentro da minha casa, vindo possivelmente do
futuro, cumprindo uma espécie de profecia escrita em uma carta antiga vinda
nem sei de onde e escrita por nem sei quem?
Pela primeira vez desde seu despertar, August parara para pensar no que
alguém, além dele, estava sentindo ou pensando com tudo aquilo que estava
acontecendo. Pensamento este que não durou muito.
O sonho é meu! Só importa o que eu sinto ora!
- Também estou sedento por respostas lógicas que expliquem tudo isso
meu jovem – completou o Sr. Holister.
August se recompusera em partes e voltou novamente a tratar tudo como
uma situação real.
- De fato, o senhor tem razão. – A maldita sensação de estar caindo em
um poço fundo batia a porta. August sabia que era preciso se acalmar, e
precisava fazer isso rápido.
- Está tudo bem filho?
- Está, foi só uma tonteira. – Disfarçou. – Acho que entendo como o
senhor possa estar se sentindo. Se eu puder lhe esclarecer algo, ficarei
extremamente satisfeito. – Respirou fundo. Se recompôs por completo, pelo
menos externamente.
- Agradeço. E, para começar, você poderia tentar lembrar o que lhe
aconteceu antes de acordar no meu quarto de hóspedes, seu futuro quarto, esta
manhã e… talvez, me contar. – Sorriu meio sem graça. – Isso já ajudaria
bastante.
O jovem voltou a sentar-se.
- Não é necessário que eu tente, me lembro perfeitamente de tudo que
aconteceu antes de vir parar aqui, desde a visita surpresa dos meus pais, até o
35
Temos companhia
Sentado no cercado de pedra com menos de um meio metro de altura
que delimitava a praça, de costas para a vista responsável por trazer os turistas
ali, Munin aguardava o sacerdote que conversava com alguns fiéis em frente à
igreja.
O céu limpo, o clima agradável e as árvores de tronco fino dali já
chamando o outono, deixavam o lugar ainda mais bonito e inspirador, no
entanto, Munin apenas lutava contra o desejo de botar as pernas para cima dos
blocos de pedra do cercado, se deitar e tirar um longo cochilo.
- Ei, você me parece ser o senhor Munin – disse o reverendo se
aproximando.
Munin levantou-se para cumprimentá-lo.
- Em minha defesa, esta cidade é bem barulhenta, ainda mais nos fins
de semana.
- É sim, com certeza – ironizou. Enfiou a mão no envelope que trazia e
retirou uma folha dobrada como uma carta, fechada com um lacre dourado. –
Aqui está o...
Munin fez um movimento rápido para evitar que o padre retirasse por
completo a carta do envelope.
O religioso se assustou.
- O que foi?
O jovem olhara rapidamente para os lados.
- Não foi nada, me desculpe. São maus hábitos da profissão –
desconversou. – De qualquer forma, muito obrigado.
- Nós é que agradecemos. A doação que a sua família fez para a paróquia
foi muito generosa, ainda mais por documento não aceito pelos historiadores. –
Antes de entregar de vez o envelope, o padre sentiu-se na obrigação de ser
sincero.
- Tudo bem, nós já sabemos. – Respondeu Munin se virando, colocando
o envelope em seu tronco, debaixo da blusa e o prendendo em sua cintura,
cegando a apertar o cinto para tal.
- É realmente uma fonte incrível – insistia. – Remete-se aos reis
católicos Fernando II e Isabel I e até sobre a viagem em que Colombo descobriu
a América, todavia, é uma pena que o tenham considerado forjado.
- É... – terminava de se ajeitar – é uma pena mesmo. Mesmo assim, nós
te agradecemos – despediu-se com outro forte aperto de mão.
38
Capítulo 7
Capítulo 8
- Se essa história toda for verdade e meu pai realmente morreu em 2016,
como estamos em 1984, ele ainda está vivo! Assim como meu avô!
A empolgação foi contagiante.
Todos o acompanharam na felicidade após ver a satisfação voltar ao seu
rosto, menos Ana, que se apegara em outro detalhe, desta vez, um detalhe não
tão sutil.
- O que? – arregalou os olhos – Eu ouvi bem? Você disse 1984?
A ausência de resposta do parceiro, seguido por uma careta, foi pior do
que um “sim”.
- August? Por que você disse que estamos em 1984?
O jovem coçou a cabeça. Neste momento, os demais presentes no quarto
pareciam mesmo uma plateia, daquele tipo que não faz parte do espetáculo, só
assiste.
O jovem engoliu seco e retirando os óculos com uma mão, esfregou os
olhos com a outra.
- Desculpe por ter soltado isso assim Ana, sem preparar o terreno antes.
Eu mesmo, até minutos atrás, achava que tudo – fez um gesto com os braços
apontando em volta – não passava de um sonho. Para ser sincero, você me trouxe
para a realidade – seu olhar não escondia o tamanho da satisfação em ter a
companhia da jovem outra vez.
Como era de se esperar, a jovem permaneceu incrédula.
- 1984... como isso é possível?
- De modo técnico, ainda não sabemos, mas, apesar da minha negação
inicial, agora percebo claramente que tudo é real, desde as cartas misteriosas, as
agências, o fenômeno, até esta viagem ao passado. – A seriedade apresentada
por August, não só na fala, mas também em sua expressão, assustara a jovem.
Ana permaneceu quieta, ainda que por dentro gritasse com todas as
forças. Isso não pode estar acontecendo!
- Lamento muito Ana, mas essa é a verdade. – Acrescentava August
contrito. – O que nos resta é tentar entender como tudo isso foi possível e
descobrir como voltar, se é que existe um lugar para voltarmos, ou uma maneira
para isso.
Ana manteve a calma, externamente expirava normalidade, algo que
não condizia em nada daquilo que August havia se acostumado.
- Está mesmo bem? – Indagou-a preocupado.
A jovem esboçou um sorriso por educação. A incerteza e o medo a
inundava de pensamentos e sensações.
47
Capítulo 9
- Tem sim, dois – confirmou August. – e não parece que irá ficar só
nestes – concluiu sorrindo.
- Típico. Então nosso bebezinho ali já é o quinto na linha de sucessão.
– Acrescentou Ferdinand tornando a trocar de canal. – No futebol, o Nottingham
virou ontem para cima do Luton e é líder isolado da Premier League, mas ainda
está no começo, acredito que se o Arsenal parar de perder para os times do meio
para baixo da tabela, ainda chegue – sorriu esperançoso.
- Gosto do seu otimismo filho.
- Aprendi com o senhor.
- É, mas nesta acho que não vai – fez uma expressão desanimada.
August até pensou em revelar a eles que o Everton FC ia dominar o
futebol inglês naquela temporada e nas próximas, vivendo sua melhor fase desde
que fora fundado, como vira em um documentário esportivo, mas decidiu
guardar a informação para si. Ninguém gosta de spoilers.
Vendo o Sr. Holister e seu filho conversarem sobre futebol,
especialmente sobre o Arsenal, Ana trouxe logo seu avô a mente, caindo em si
outra vez e deixando a preocupação tomar conta de sua face.
August logo percebeu e fez um sinal para Ferdinand trocar outra vez de
canal.
- E aí está o cara na crista da onda!
- Ainda está negro! – Ana não se conteve ao voltar sua atenção
novamente para a televisão e ver Michael Jackson arrebentando em uma de suas
apresentações.
- Como é que é? – Daiane pausadamente, deu voz ao pensamento de
todos os que ouviram, claramente, o que Ana dissera e apenas conheciam o Rei
do Pop em sua tonalidade natural.
Ana se calou. A ficha parecia ter caído.
- Ele mudará de cor? Tipo, trocará de pele? – Ainda que de forma bem
inocente, Daiane queria os detalhes.
Pensando que Ana estivesse sem condições até de falar, August tomou
a liberdade de responder.
- Ele irá sofrer de uma doença que causa manchas brancas por todo o
corpo chamada vitiligo. Em função disso, aderiu a um composto orgânico, cujo
nome não me recordo, mas que atua na produção de melanina, causando um
clareamento irreversível.
- Caramba! E isso virou moda? – Daiane estava estupefata – Não possui
nenhum problema, os tais efeitos...
- Colaterais – completou Ferdinand.
49
tinha antes, muito mais serena e simpática. O raro bem estar estampado na face
de Ana o deixava satisfeito.
- É um prazer conhecê-los, eu sou Ana Schmidt – direcionava o olhar
de forma individual, passando por todos até parar nos atuais anfitriões – Os
senhores são os avós do Frank?
- Sim minha jovem – confirmou Suzan.
- Você também o conhece? – Indagou Rudolph.
- Pode-se dizer que sim – balançou a cabeça entre uma olhadela e outra
na direção de August. – Ele nos ajudou a encontrar a mensagem escrita pelo
senhor em uma das paredes daquele galpão da entrada.
- Mensagem? Qual mensagem? Não me lembro de ter escrito nada na
lá.
A jovem arqueou as sobrancelhas pensativa.
- Claro! – deu um leve tapa com as pontas dos dedos em sua própria
cabeça – Viemos antes do senhor escrevê-la, August ainda não deve ter lhe
contado a história… opa! – a jovem parou de falar de repente. Lembrou-se das
interferências. – Disse algo que não deveria? – perguntou apreensiva olhando
para os presentes, pensando ter falado demais.
- Não Ana. Posso te chamar de Ana, não é?
- Claro que sim senhor Holister, até prefiro assim. – Abriu o sorriso.
- Não creio que conseguirei todas as vezes, mas tentarei – sorriu. – Pode
ficar tranquila, todos da minha família já sabem das cartas e dos seus mistérios
envolvidos, isso contribui bastante para que eles me ajudem a manter a
discrição. E sobre as interferências, é melhor falarmos com mais calma depois,
mesmo assim afirmo que não disse nada além.
Ana sentiu-se aliviada.
- O que não sabiam – continuou o Sr. Holister – assim como eu até
pouco tempo, é que receberíamos visitantes de outro tempo – brincou – mesmo
assim, tenho certeza que todos ficaríamos honrados em escutar suas histórias,
não é pessoal?
Todos fizeram um sinal de positivo com a cabeça, apenas Daiane
também concordou falando:
- Com certeza! Se não for incômodo, será um enorme prazer da nossa
parte. – Disse querendo apresentar uma primeira impressão a jovem, melhor do
que apresentara ao primeiro visitante do dia.
- Que ótimo, fico feliz em saber disso. Com certeza não será incômodo
algum, pelo contrário, o que sabemos pode ser útil para vocês nos ajudarem,
quem sabe, a entender tudo isso e voltarmos para casa. No entanto, – Ana ficou
51
meio sem jeito, parecia mais acanhada do que de costume – estou com um pouco
de fome. Se importam de me dar algo para comer antes? – sorriu embaraçada.
Gargalhadas.
- Claro que não minha querida, estávamos almoçando quando chegou.
Ficaríamos muito felizes em ter você e August se juntando a nós – respondeu
Suzan, esbanjando simpatia.
Antes que saíssem do quarto, Ana os abordara com uma nova dúvida:
- Só um momento! – Olhava curiosa para o atual dono da casa. – Se a
sua família conhece a história das cartas que viajam através do tempo, por que
Frank não sabe de nada?
- Porque só tem três anos – respondeu Daiane mais que depressa.
Não seguraram o riso.
- O que foi? Qual a graça?
- Daiane, a moça está se referindo ao Frank mais velho, do tempo deles,
– explicava Ferdinand – já com seus trinta e poucos anos, entendeu?
- Ah sim, entendi – sorriu sem graça.
- Interessante. – Disse Rudolph pensando alto.
- Você não sabe o porquê, não é? – Foi a vez de August acertar a mosca.
- Não mesmo – foi falando e balançando a cabeça. – Vocês têm certeza
disso?
Os jovens se olharam, dando de ombros quase que em simultâneo.
- Ah, agora eu já falei mesmo – rendeu-se Ana sacudindo os braços. –
Temos sim. Ele estava atrás do pergaminho que hoje o senhor possui, imagino,
para tentar corroborar uma teoria sobre o poder dos faraós no Egito Antigo.
Até mesmo Suzan mostrou surpresa.
- Difícil saber o motivo, porque sempre fomos abertos com nossos filhos
sobre isso, e uma prova disso é que a mãe dele sabe. Só se ela escolheu não
contar – olhou para o marido.
- Bom, o motivo fica sendo uma incógnita, mas o fato dele não saber foi
crucial. – Concluiu August.
- É mesmo? – Fora Ferdinand quem regalara os olhos agora.
- É sim, mas essa história fica para mais tarde, pois acabo de ouvir daqui
o estômago da Ana e começo a ficar com medo.
52
Um velho conhecido
Durante a refeição, retomaram a conversa sobre a, antes impossível,
situação dos jovens e como ela poderia ter sido acontecido. Suposições, eram só
o que podiam fazer. A ficha de nenhum dos presentes havia caído ainda.
- Primeiramente, – August falava – após a confirmação de que fizemos
mesmo uma viagem no tempo, pelo menos até o momento, acredito que o
assunto mais importante a ser tratado são as possíveis interferências.
Todos à volta da mesa, inclusive Daiane, assentiram.
- Para tanto porém, é preciso discutirmos antes qual teoria de linha
temporal vamos aderir.
- Como assim? – Indagou Ferdinand.
- A abordagem de linha temporal que escolhermos, irá influenciar
diretamente na possibilidade ou não de interferências – Ana tomou a palavra.
As cabeças moveram-se ao mesmo tempo. – De maneira inicial, temos três
teorias a serem destacadas, cada uma mais improvável e difícil de provar que a
outra – sorriu, confirmando com o olhar se August partilhava de seu
posicionamento.
- Manda ver senhorita Schmidt! O improvável é para nós, como o ar que
respiramos. – O velho Sr. Holister demonstrou continuar bastante animado.
- Ok, mas é Ana, só Ana – brincou.
- Eu disse que não conseguiria – sorriu.
- Tudo bem, vamos às teorias então! – Bateu uma leve e tímida palma.
Os olhares seguiam ainda mais vidrados na jovem, inclusive o de
August, que adorava ver Ana desenvolvendo qualquer tipo de raciocínio.
- Vale lembrar que estamos tratando apenas da viagem no tempo ao
passado, que por si só já é uma “impossibilidade explicativa” gigantesca.
- Quer dizer que se fosse para o futuro, a explicação seria mais fácil? –
Ferdinand tentou entender.
- É. Viajar para o futuro já foi explicado e provado por Albert Einstein,
é apenas uma questão de velocidade atrelada a engenharia e muito, muito
dinheiro.
- Sério? – Interrompeu meio cético.
- Sim – a jovem sorriu satisfeita. Havia feito a mesma expressão
incrédula que Ferdinand, quando ouviu isso pela primeira vez. Desde então,
nunca mais parou de pesquisar a respeito.
53
olhos, a velocidade da luz não sofre alteração, ainda que o trem esteja na mesma
velocidade.
- Exatamente. – A resposta foi tempo suficiente. – Poderíamos pensar
que o reflexo sofreria alguma mudança devido à luz externa ter que se equiparar
a velocidade do trem para só então chegar a nós, mas isso não acontece.
- Hum, a ideia é bacana, mas ainda estou na mesma – Ferdinand
demonstrava um pouco de acanhamento. Só um pouco.
- Agora ficará claro. Einstein descobriu que o tempo e o espaço
precisavam ceder para que a velocidade da luz se mantivesse constante, em
outras palavras, o trem ficaria menor e o tempo dentro dele a esta velocidade,
passaria bem mais devagar do que para um observador do lado de fora. Isso, já
acontece na vida real, porém a diferença é tão ínfima, que não percebemos.
- Vale ressaltar a impossibilidade de um trem atingir essa velocidade,
pois, de acordo com a teoria, aí entrando na parte da matemática, quanto mais
velocidade, mais peso, e um trem para alcançar essa velocidade, ficaria tão
pesado que tornaria isso inviável. – Acrescentou August.
- Mas, imagino que no espaço seja outra história, não é? – Indagou o Sr.
Holister.
- É sim – respondeu Ana com o pensamento de encerrar a explicação. –
Como foi provado em 1971, por meio de uma experiência envolvendo relógios
atômicos extremamente precisos e um jato americano que voava próximo a
velocidade do som, seria possível viajar para o futuro, tendo esse preceito como
base, pegando uma nave capaz de atingir uma velocidade realmente alta, dar
uma volta pelo cosmos e retornar a Terra. O tempo para o astronauta à bordo da
nave terá passado bem mais lentamente do que para os que aqui ficaram.
- Isso é sério mesmo? – Ferdinand ainda estava descrente.
- É sim – August completou. – Na experiência que comprovou essa
dilatação temporal, um relógio ficou em solo, enquanto o outro foi colocado à
bordo do jato que deu uma volta no globo e quando foram comparar, o relógio
levado para um passeio pelo planeta, havia andado mais devagar.
- Einstein é de fato impressionante – Ferdinand estava, de fato,
admirado.
- Sem dúvida e tem mais, – August acrescentava – no futuro, cientistas
já aceleram átomos a 99% da velocidade da luz e como o corpo humano é feito
de átomos… existe a possibilidade, mas é como Ana falou, para chegarmos lá
precisamos de mais desenvolvimento tecnológico e muito, muito mais dinheiro.
56
instante, estando sujeita assim, a interferências diretas. – Fez uma breve pausa
para ver se a acompanhavam.
- Acredito que seja essa a ideia que sempre associamos às cartas. –
Rudolph mostrou que sim.
- Exatamente. – August dava sequência. Cabeças virando novamente. –
Meus pais também me apresentaram às cartas dessa maneira, onde se alguém
enviasse uma delas para o passado e interferisse na ação ou não ação de alguém
em algum ponto da história, as mudanças seriam sentidas na realidade da pessoa
que enviou a carta, ou seja, em um futuro que já havia se tornado presente de
uma maneira diferente.
- Eita! Aí complicou foi tudo. – Daiane coçou a nuca e riu meio sem
graça.
- Exemplificando... – Ana deu sequência, parando alguns segundos para
pensar em um fato relevante, especialmente para a época em que agora estava –
já sei! John Lennon.
O nome pegou-os de surpresa. Mesmo depois de quatro anos, alguns
britânicos ainda não conseguiam acreditar que o ex-Beatle tinha morrido.
- John foi baleado e morto em 1980, certo? – Confirmaram. – Então,
vamos supor que a Daiane hoje, pegasse uma das cartas que viajam através do
tempo e enviasse para ele o avisando de seu assassinato. De acordo com a
hipótese de uma linha temporal única, o que ele decidir fazer após receber a
carta, lá em 1980 – enfatizou – vai mudar o hoje, 1984, entendeu? – Olhou para
a governanta.
Uma breve pausa para absorção.
- Acho que... – franziu a testa. – Quer dizer que se o John escolher passar
o dezembro de 1980 fora de Nova York devido a carta que enviei, ele apareceria
vivo hoje?
- Basicamente. Essa é a ideia.
Daiane coçava forte a cabeça. As marcas de expressão em sua testa
sobressaltaram de novo.
- Mas, e o funeral, as homenagens, toda a comoção? Isso tudo
aconteceu! Não pode desaparecer assim, do nada.
- É isso aí. – August confirmou. – Para nós, é exatamente onde essa
teoria se perde. Achamos que não se pode mudar o que já foi vivido, sentido,
presenciado. É impensável, entendem? – Perguntou, aguardando uns poucos
segundos o balançar de cabeças. – Assim sendo, vamos dar lugar a outra
abordagem, um pouco mais complexa, imaginando ainda uma linha temporal
única.
58
Capítulo 11
Chegando na mesa o partiu pela metade com uma faca em um corte vertical –
esqueçam o surgimento ou desaparecimento mágico de memórias, pessoas ou
coisas, o passado que vivenciamos já foi, é um fato e ninguém pode mudar isso,
de acordo?
- Agora sim! – Ferdinand gostou.
- Pois bem, na primeira abordagem, se mexermos com nosso passado
ele mexe com a gente, hoje, no presente, ignorando tudo o que já passamos em
função dessa… “mexida”, trazendo as próprias mudanças com ela.
- Essa mexida é o que conhecemos com interferência. – Acrescentou o
Sr. Holister.
- Isso, e para diferenciarmos os tipos de interferência, vamos chamar
essa de... – pensou por um instante. Sorriu travesso quando a ideia surgiu –
interferência AS, de Ana Schmidt.
Ana chegou a derramar um pouco do suco de seu copo.
- Está brincando, não é?
- Você apresentou a hipótese, é justo que fique com o crédito – quanto
mais August falava, mais ele sorria.
- Para de brin...
- Na verdade é uma ótima ideia para diferenciarmos uma das outras –
interrompeu Ferdinand. – Gostei, digo, não da hipótese em si, mas do nome da
interferência – ainda que em tom de brincadeira, fez questão de deixar bem
claro.
Sorriam enquanto olhavam para a jovem.
- Se vai facilitar as coisas, então tudo bem. – Mesmo um pouco sem
graça, Ana aceitou a, pode-se dizer, homenagem. – Ficamos com a interferência
AS.
- Maravilha! Vamos continuar então. – A cada sincero sorriso de Ana,
August ficava mais empolgado e cada vez mais longe das sensações que sentira
mais cedo. – Olhem para o muffin. Nesta abordagem, ainda na ideia de linha
temporal única, esse muffin nunca mais será inteiro de novo, pois eu já o parti e
nada que eu ou alguém fizer irá mudar isso, compreendem?
- Mas, e se ao invés de mandar a carta para o John, eu mandar a carta
para você, pedindo para não cortar o muffin, ou até para mim mesmo, me
obrigando a não fazê-lo? – Demorou, mas Daiane entrou nos trilhos.
Ferdinand comemorou como se fosse um gol do seu time do coração.
- Agora você arrasou mulher! – Deu-lhe um forte beijo na bochecha,
recebendo um tapa brincalhão no ombro.
60
- Pode acreditar, ele seguiu sim – confirmou August meio sem graça.
Ana não ia ficar só naquilo.
- Então fala aí, como é o seu nome todo? – Fez uma expressão tão jocosa
que August jamais a deixaria sem resposta.
- August Hermes Heimdall Dunkeld.
- Ah! – Ana teve um insight – O guardião da ponte do arco-íris! Agora
entendi! – Gargalhava.
- É isso aí, este é o motivo.
Os demais não entenderam absolutamente nada da crise de riso dada
pela senhorita Schmidt, mas antes que se delongassem naquele assunto e
perdessem o foco de vez, August trouxe a conversa de volta aos trilhos.
- Essa teoria também, mesmo tendo seus pontos altos, possui um fator
diferencial que me incomoda bastante, além de inúmeras... complicações.
- Paradoxos? – Indagou Ferdinand.
- Exatamente, paradoxos. E o fato de que ela nos deixa refém do nosso
próprio destino, fazendo com que a nossa acidental viagem ao passado, não
passe de uma peça no quebra-cabeça montado pelo tempo, e isso não me agrada
nada.
Ana ainda se recuperava das gargalhadas enquanto os demais pensavam
sobre a hipótese de linha temporal única envolvendo as Interferências AH -
August Heimdall.
- Poderia dar mais detalhes sobre os pontos, digamos, negativos dessa
teoria? – Pediu Ferdinand – Porque confesso que estou pendendo para ela.
- Claro, posso sim – August deu um gole em seu suco de laranja. – Essa
abordagem entra em conflito com um paradoxo que chamamos de “Paradoxo do
avô”.
- Espere, – Daiane interrompeu – é este mesmo o nome, ou está
inventando também?
- Não, o nome é este mesmo e, basicamente, é autoexplicativo –
continuou August. – Trata-se do seguinte: alguém viaja ao passado e mata o
próprio avô, o que seria impossível por meio dessa teoria, pois a pessoa que
viajou no tempo após matar um galho da sua árvore genealógica, não deveria
nascer, entendeu?
- Quer dizer que se você matar seu avô hoje, confirma que essa teoria,
onde tudo está interligado, está errada? – Ferdinand queria trocar tudo em
miúdos.
- Não, pois o meu avô hoje, já é pai do meu pai, então eu ainda nasceria.
No caso, eu teria que matar meu pai ou minha mãe... – gesticulava com o copo
63
nas mãos – mas para a finalidade da sua pergunta, sim, isso seria uma prova que
refutaria por completo esta teoria.
- Caramba! Essa prova é forte. – Ferdinand mostrava-se desanimado.
- E tem outra – Ana estava de volta ao seu estado normal.
- Tem mais? – Até mesmo o velho Holister demonstrara surpresa.
- Sim – a jovem sorriu. – Mesmo que o problema com os paradoxos
temporais fosse resolvido, para corroborar esta hipótese seria preciso provar que
vivemos em um eterno loop de tempo, sem começo e sem fim, apenas uma série
de acontecimentos fadados a se repetir por toda a eternidade.
- Ou seja – Ferdinand raciocinava – vocês continuariam a viajar no
tempo para o August partir o muffin? – nem esperou a resposta, as ideias
pipocavam em sua mente – E ainda, na realidade de vocês, em 2016, antes de
vocês virem parar aqui, alguém já havia comido esse muffin partido por um
viajante do tempo? É isso?
Ambos sorriram e responderam juntos:
- É isso aí.
- Então serei eu a comer esse muffin partido pela eternidade – brincou
pegando uma das metades e levando à boca.
Não seguraram o riso.
- Mas que bagunça hein! – Daiane arregalara novamente os olhos.
- É, realmente – Rudolph coçava a cabeça. – Preciso admitir – espalmou
as mãos –, pensei que o futuro fosse simplificar um pouco as coisas.
- Pois é, mas não quebrem a cabeça ainda – Ana continuou – porque a
melhor vem agora.
- Exato. Essas que apresentamos, são os dois tipos mais pensados de
interferências, pois se referem a um seguimento de linha temporal única, no
entanto, possuem vários paradoxos que impossibilitam suas confirmações como
apresentamos, e é devido a isso, que minha inclinação e da senhorita Schmidt,
ficam por conta da terceira opção, uma bem diferente das duas primeiras.
Capítulo 12
- Nem eu, mas às vezes é preciso fazer o que não gostamos. – Olhou
dentro dos imensos olhos negros da garotinha e percebeu um certo
desapontamento.
- Tudo bem. Mas vai ter só mato?
O velho balançou a cabeça e cantarolou como se estivesse pensando.
- Pode ser mato com... batatinhas! – Finalizou gritando e correndo atrás
dela querendo lhe fazer cócegas.
Capítulo 13
descartada, relaxa. Não tinha como nenhum ser vivo sobreviver a tal viagem e
principalmente à delicada aterrissagem de um meteoro – ironizou.
- Mas então vocês acreditam que existam ET´s por aí?
Todos balançaram a cabeça verticalmente.
- Não seres verdes, com cabeças enormes e formas humanoides, mas
sim, existe uma grande possibilidade de encontrarmos vida fora do nosso
planeta.
- Até a senhora? – Olhou para a patroa.
- Sim Daiane. Seria muito egoísmo da nossa parte acreditar que em um
vasto universo como este, exista vida apenas aqui.
- Exato – Ana tomou novamente a palavra. – A vida na Terra existe pela
simples localização que ela possui em relação ao sol. Se o orbitássemos mais
para perto ou para longe, nosso planeta seria tão estéril quanto os demais que
compõem o sistema solar. E se você pensar, existem incontáveis estrelas como
essa, – apontou para a janela – que iluminam o nosso planetinha azul, espalhadas
por todo o cosmos.
Daiane ficou estática. Pensava no que a garota ruiva acabava de dizer e
dessa vez, não buscava entender, pendia a acreditar.
- É, até que faz sentido, mas eu penso nisso mais tarde – coçava a
cabeça. – Por agora quero saber onde o jardim do Éden entra nessa história.
Capítulo 14
fato é que, não é porque eu não acredito nesses escritos, que eu não acredite em
Deus. Para mim, Deus não se limita a apenas um povo que vagou pelo deserto
e batalhou contra outros povos para dominar um território, não, para mim Deus
é a resposta para as perguntas que nem mesmo os jovens do futuro conseguem
responder.
Rudolph deu um disfarçado e orgulhoso sorriso.
- Quais perguntas? – Daiane não dava descanso.
- Tente-se lembrar da pergunta que o Rud fez quando o senhor Heimdall
começou a explicação.
- Só August, por favor – pediu com jeitinho.
- É claro, também prometo tentar. – Assentiu a Sr.ª Holister.
O silêncio permaneceu até Daiane se lembrar.
- Foi sobre a grande explosão?
- O Big Bang. A grande explosão cósmica que gerou tudo do nada. Bom,
eu quietinha aqui em 1984 já não gosto da ideia do nada, imagina os cientistas
do futuro – arqueou as sobrancelhas e olhou outra vez para os jovens.
- É onde entra Deus. – Soltou Ana sem perceber. Estava completamente
envolvida pela fala de Suzan.
- “E Deus disse: haja a luz”. – Testas franzidas. – Quem disse que a luz
da tal explosão cósmica não é a mesma luz do Gênesis? Para mim será, até que
me convençam do contrário. Assim como foi quando parei para pensar e percebi
que se não temos o mesmo DNA, não poderíamos ter vindo todos de Adão e
Eva, e ainda quando li, na própria Bíblia, que Deus colocou um sinal em Caim
quando este fora banido, para que não fosse ferido por quem o encontrasse,
ficando claro que existia vida fora do Éden.
- Na Bíblia diz isso? – Daiane duvidou.
- Sim – respondeu de forma serena.
- Vou verificar – levantou-se com a intenção de ir buscar sua Bíblia.
- Vamos continuar com a teoria por aqui, ok? – O Sr. Holister sabia
como lhe dar com a governanta.
- Certo, eu procuro depois – sentou-se. – Por favor August prossiga.
O jovem olhou para a parceira à procura de consentimento. Fisicamente
com a ficha ainda por cair, Ana balançou a cabeça.
74
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
- Ora, por que? Deve ter sido isso que nos trouxe até aqui, quem sabe
nos leve de volta.
August passou alguns instantes com a boca aberta e os olhos
arregalados.
- “Deve”? “Quem sabe”? – encolheu os ombros – Quem é você? Onde
está a minha perfeitinha Schmidt?
Mesmo não sendo com uma entonação amorosa ou mesmo carinhosa,
tanto August quanto Ana, sentiram algo diferente após a utilização, ainda que
impensada, do pronome possessivo pelo jovem, que aliás, não demorou a dar
sequência.
- Ana – falava bem mais calmo agora –, é perigoso demais, não sabemos
o que pode acontecer, não sabemos nem se o selo foi de fato o responsável por
nos trazer aqui. – Colocou a mão sobre a mão da jovem. – Vamos devagar, ok?
Vamos deixar para usar este recurso como última opção, afinal não sabemos os
efeitos ou poderes, sei lá, que este pequeno objeto possui, e se ele tiver mesmo
a capacidade de servir como máquina do tempo, sabe lá onde ele pode nos deixar
– terminou em tom divertido.
Ana concordou fazendo sinal de positivo com a cabeça, aliás, depois de
pensar melhor, ela mesma percebera que a sugestão foi péssima.
Até gostaria de visitar a Idade Média, mas, Deus me livre ir parar na
pré-história! Riu alto enquanto pensava.
- O que foi Ana?
- Nada não – desconversou. – Apenas tive um lampejo de imaginação
fértil aqui.
- Sim.
- Você disse mais cedo que eu, no futuro, tinha escrito a mensagem
desse pergaminho no galpão lá da entrada, é isso?
- Bom, na verdade foi a Ana quem disse.
Olharam para a jovem.
- Então, não sei se foi o senhor quem escreveu, mas sim, o texto que
acabou de traduzir estava escrito lá em uma das paredes, com uma tinta vista
apenas sob luz ultravioleta.
- Hum. – Expirou guardando o papel onde havia escrito a tradução da
mensagem contida no pergaminho.
- Mas, por que a pergunta?
- Não, não, por nada. – Desconversou.
August e Ana nem deram importância, voltaram o foco para o
pergaminho e ficaram vidrados por mais alguns minutos, até a frustração vir à
tona.
- Não adianta quebrarmos a cabeça aqui, o segredo não está mais no
passado, na história em si, está no futuro representado por este selo. – August
apontou para o objeto dourado reluzente no fim do pergaminho. – Enquanto não
conseguirmos analisá-lo, não seremos capazes de descobrir o que ele faz
realmente.
Apesar de compartilhar da mesma frustração do jovem, o Sr. Holister
continuava intrigado.
Quem diria que chegaríamos a isso.
- Entendi o que você disse sobre os selos e a importância, diria
fundamental, deles quando estávamos almoçando, mas tem certeza que algo tão
pequeno possa ser o responsável? – perguntou.
- Bom, de fato estamos lhe dando com uma tecnologia muito avançada,
muito além da nossa compreensão, pois mesmo daqui trinta anos, no tempo do
qual viemos, esta possibilidade ainda é utópica – explicava August gesticulando,
confirmando cada vez mais a tese do Sr. Holister de que ele era de fato neto do
seu velho parceiro de buscas, BO. – Por outro lado, nanotecnologia seria uma
explicação plausível para as cartas que rompem a barreira tempo-espaço e
viajam através dele. Além do mais, Lawrence, creio eu, utilizou o que tínhamos
de mais desenvolvido em equipamentos tecnológicos em nossa época para
analisá-los, percebendo diferenças entre as estruturas dos selos e a maneira
como agiam, ou agem. Portanto, mesmo sabendo que ele não era uma boa
pessoa, ou de confiança, tenho convicção de que as respostas estão de fato neles,
nos selos dourados, – olhou para Ana – utilizados como lacres às vezes.
94
Capítulo 21
XIX 84
- Pensei que poderiam estar com fome após tanto tempo enfurnados aqui
e – seguia arrumando uma improvisada mesa de café sobre a escrivaninha –
como minha primeira impressão pode não ter sido muito agradável – olhou para
August – preparei um lanche para vocês.
- Que isso Daiane, não se preocupe com o ocorrido mais cedo, se fosse
eu no seu lugar, teria atacado antes de pedir qualquer explicação – disse o jovem
sorrindo e já servindo aos outros e a si com chá preto e leite. – Eu tenho é que
lhe agradecer pelo voto de confiança.
Daiane sorriu encabulada.
- Muito obrigado Daiane, não sei o que seria de nós sem você –
comentou o Sr. Holister se juntando a August e servindo-se.
- Eu sei, mas se eu disser em voz alta, corro o risco de ser despedida. –
Disse ela com um sorriso satisfatório caminhando em direção à porta.
Já passava muito das cinco, porém uma pausa para o chá é sempre bem-
vinda.
Sentaram-se e foram aproveitar o chá da tarde, da forma como manda o
manual da Duquesa Anna de Bedford, uma das precursoras deste costume
oriental na Inglaterra do século XIX.
Capítulo 22
- Não. Tudo bem, nem cheguei a conhecê-la, sequer sei seu nome. Deve
ter sido difícil para o meu pai e para meu tio, ser criado sem mãe com certeza é
pesado. Dá para entender porque o vovô não gosta de falar sobre isso.
- Verdade. – Concordou a jovem.
- Sabe o que é estranho?
- Hum?
- É que, às vezes, parece que eu me lembro dela, como se a tivesse
conhecido, entende?
- Ahm?
- É. Acho que já o vi algumas vezes quando era mais novo, mas não
consigo me lembrar direito. Parece que minha mente bloqueou parte das minhas
lembranças da infância.
- Como assim? Você acha que sua avó pode ter voltado em algum
momento e depois ter ido embora de novo?
- Não, acho que não, mas tenho certeza que eles escondem algo de mim
nessa história.
- É possível que quisessem te proteger. – Sugeriu Ana tentando
confortá-lo.
- Bom, se essa foi a intenção deles, então foi bem sucedida, pois não
tenho nenhum sentimento em relação a ela. – Deu um sorriso amarelo.
- Vai ver foi melhor assim. Coisa do destino. – Ana abriu um sorriso de
orelha a orelha.
August a acompanhou novamente.
- Sabe o que acho do destino, mas neste caso... vamos deixar assim.
Encaminharam-se então em direção à porta, com o clima menos tenso
do que Ana imaginara após conversarem sobre um assunto tão delicado.
A jovem seguia um pouco mais a frente. Outra vez parou abruptamente
e August a acompanhou no movimento.
Virando-se devagar, Ana apontou o dedo para uma das estantes com
livros. Ao ver que ele direcionou o olhar para onde apontava, perguntou:
- Antes de irmos, poderia pegar aquele livro verde-escuro localizado na
primeira prateleira para mim?
August assentiu e se dirigiu até lá.
- Este aqui? – perguntou ele já com a mão sobre o único livro da
prateleira base da estante.
- Exatamente. Traga ele para que eu possa ler enquanto descanso, por
favor.
- Claro!
103
A magia da ciência
No início da vigésima hora do dia, todos se reuniram na sala, enquanto
Daiane, fugindo completamente da rotina, ainda preparava o jantar.
Como um bom anfitrião, Rudolph fez as honras.
- Bom, todos sabemos que August e Ana vieram do futuro,
especificamente do ano de 2016, ano em que ocorreu ou ocorrerá, o possível fim
do mundo no dizer deles.
Os presentes que não tinham conhecimento daquela informação, se
alarmaram, de forma contida, apenas demonstrando surpresa através das
expressões faciais. Apesar de tudo que já viram e até vivenciavam, ainda se
encontravam descrentes.
- Convidei meu velho amigo de jornada para nos ajudar a encontrar
respostas – continuou – de como e por que eles vieram parar aqui, e decidirmos
o que deverá ser feito de agora em diante. Essa portanto, é a essência da nossa
reunião.
Respiraram fundo. Sincronizados. Todos compartilhavam da mesma
preocupação, do mesmo medo do desconhecido.
- Pode-se dizer que estamos correndo contra o tempo para salvarmos o
futuro do planeta – completou sentando-se e estendendo o braço na direção dos
jovens, dispostos um ao lado do outro no sofá mais espaçoso do recinto. –
Concedo a palavra a August e Ana, para nos contarem tudo que sabem a respeito
das cartas e de como aconteceu a tal catástrofe que destruiu o planeta, ou melhor,
a realidade deles e os trouxe para cá, para os anos 80.
- Mas, e quanto as interferências? – Interveio Ferdinand ainda
preocupado.
- Consegue lembrar das três? – Indagou Ana.
- Com certeza. Elas ficaram martelando minha cabeça à tarde toda.
- Ótimo! – expirou sorrindo – Poderia trazê-las a pauta novamente de
forma resumida?
- Mas é claro – sorriu orgulhoso. – Vamos lá! Interferência AS: tudo
que vocês fizerem aqui, irá alterar o futuro de onde vieram, assim como o que
fizermos para mudar o nosso passado, irá afetar o presente em que estamos, no
mesmo momento em que acontecer, ignorando, ou seja, fazendo com que deixe
de existir, tudo que foi vivido do ponto da interferência em diante, é isso?
- Em linhas gerais sim, perfeito.
- Que teoria é...
105
XIX – 84
19 – 84
1984
Capítulo 24
Capítulo 25
Mais uma vez não foi possível tirar o assunto da pauta durante a
refeição. Todos pensavam e opinavam a respeito do que poderia ser feito a partir
de agora.
- Por que vocês não datam o pergaminho e tentam enviá-lo de volta?
Talvez ele abra um portal para vocês também – sugeriu Ferdinand.
- Não podemos nos dar ao luxo do “talvez” – respondeu August. – Além
do mais, é preciso descobrir como evitar que Lawrence cause a catástrofe, se é
que foi realmente ele quem a causou.
- Podemos ir à prisão Mamertina e evitar que Lawrence consiga o selo
ESCARAVELHO – sugeriu Ana. – Com isso ele não teria como brincar com o
tempo e causar aquela coisa.
- Que ótima ideia Ana! – August abriu um sorrisão.
- Essa é sem dúvida uma excelente ideia senhorita Schmidt! –
concordou o Sr. Dunkeld e sugeriu na sequência – Mas antes da viagem para a
112
antiga Alba Longa, o que me dizem de tentarmos enviar essa aqui de volta ao
tal LHC? – Levantou a mão mostrando mais uma vez a carta que trouxera
consigo.
- Agora que sabemos como enviá-la, observar o acontecimento e quem
sabe obter respostas, me parece ser o mais sábio a se fazer primeiro. Talvez essa
pessoa ou instituição, não sei, para onde destinaremos a carta, saiba como parar
a catástrofe que se avizinha. – Concordou o Sr. Holister.
- Como assim já sabemos? – Interveio August sabendo que o anfitrião
se referia a ele.
- Ora, você sabe, não?
- Bom, eu posso tentar – fez uma expressão de incerteza – mas consegui
enviar o pergaminho por pura sorte, aliás, nem o enviei na verdade, porque ele
não veio conosco – sorriu sem graça.
- É verdade – Ana ainda não tinha pensado no que o parceiro acabara de
comentar. – Ele deve ter se perdido no tempo quando você o soltou.
Ficaram pensativos por alguns instantes.
- Talvez ele tenha aberto o portal para vocês antes de se desmaterializar
– sugeriu Suzan.
- Mesmo tendo um talvez, isso faz sentido – concordou a senhorita
Schmidt. – O que acham de ficarmos com essa teoria por enquanto?
- Por mim tudo bem. Se todos estiverem de acordo, vamos responder a
carta e enviá-la ao remetente original, torcendo para que o PILAR DJED não
seja tão poderoso quanto o UDJAT – disse August até um pouco animado,
olhando para cada um com a intenção de confirmar a ausência de objeções.
Todos balançavam a cabeça positivamente olhando entre si. Pareciam
animados e confiantes.
- Ok, enviar a carta realmente é o melhor a se fazer, mas o que
responderemos? – perguntou Ana.
- Dizemos a verdade – respondeu Suzan enquanto retirava alguns pratos
da mesa e continuou – Contamos que vocês dois chegaram e perguntamos o que
fazer.
Depois de alguns segundos de entreolhadas, aquiesceram.
- Está resolvido! Assim que terminarmos o jantar estabeleceremos
contato com o futuro! – concluiu o Sr. Holister, ficando meio na dúvida na
sequência – Enviaremos a carta para o futuro mesmo, não é?
- É sim – respondeu August sorrindo. – Este selo em específico somente
viaja em uma linha fechada. A primeira vez vai para o passado, no caso para
nós, aqui nos anos 80 e somente retorna para o futuro, para o remetente original.
113
Bom, pelo menos é isso que a experiência de todos os envolvidos com esses
selos ao longo do tempo diz.
- LHC. – Completou.
- Exato. – Concluiu August.
- Deixe-me vê-la mais uma vez amigo? – pediu Rudolph estendendo a
mão.
Colocando a carta sobre a mesa, o anfitrião permitiu que todos
admirassem aquele objeto tão comum e tão misterioso.
Um simples pedaço de papiro, que por causa de um selo dourado
arredondado, poderia efetuar mudanças drásticas na história da humanidade e
perpetuar o caos.
Inacreditável!
- Se você é de fato meu neto, sabe que não acredito nessas coisas –
forçou um sorriso.
- É, sei sim. Ainda assim devíamos procurar um analista. Talvez fazer
uma terapia de regressão, o que me diz?
- Pode ser.
- Sério?
- Sim. Quando tudo isso acabar, prometo que eu vou.
- Ótimo! Aí aproveitamos para fazer uma bateria completa de exames e
passar no nutricionista – foi falando e batendo nas costas do avô, já em direção
a sala. – O senhor precisa cortar um pouco das batatinhas…
Capítulo 26
- Então este lacre deve ser pressionado de baixo para cima e o lacre
representado pelo escaravelho, deve ser pressionado de cima para baixo? –
Indagou Wilson.
- É – Ana balançava a cabeça – essa é a minha ideia, agora se vai dar
certo já...
- Vai fundo! – Wilson interrompeu a jovem utilizando as palavras de
incentivo do neto. Exista e se estabeleça, gostei. Pelo visto colocar o velho
Schmidt na história, pode ajudar novamente.
Mais uma vez, Ana mostrou-se receosa, mas foi por pouco tempo.
August não ia deixá-la correr esse risco.
- Obrigado Ana, você é mesmo incrível – estendeu a mão para a jovem.
– Eu assumo daqui.
- Mas August, isso pode ser perigoso.
- Sim e por isso peço que me dê a carta e se afaste.
Ana a entregou, porém sua resposta foi na direção contrária.
- Não. Não vou me afastar. Estamos nisso juntos – colocou a mão sobre
o ombro do parceiro.
- Tem certeza? – August temia mais por ela do que por si próprio.
- Tenho sim guardião da ponte. Ativa logo a Bifrost – abriu um largo
sorriso.
August sentiu uma corrente elétrica percorrer o seu corpo.
- Beleza, vamos nessa! – respirou fundo e posicionou-se de frente para
a mesa.
Todos na sala prenderam a respiração.
Capítulo 27
Capítulo 28
Após algum tempo, não muito, August despediu-se de seu avô e foi para
o seu futuro/presente quarto.
- Pode entrar! – respondeu Ana após ouvir as batidas do jovem na porta.
Entrou.
A jovem ainda terminava de ajeitar sua cama, mas já havia arrumado a
de August.
Quando ele a viu, vestida em um belo e de certa forma, não tão
comportado pijama azul, antes usado pela mãe de Frank, pois o calor já se fazia
presente mesmo com a hora avançada, ficou estático, literalmente de boca aberta
por um momento, parecia encantado e ao mesmo tempo distante.
Ainda ligeiramente encurvada, ajeitando o lençol, Ana somente virou a
cabeça, e observando a expressão de August disse serena e risonha.
- O que foi? Não vai me dizer que deseja mesmo sentir o gosto dos
mosquitos dos anos 80?
Ele rapidamente se recompôs.
127
De volta ao trabalho
18 de setembro de 1984
- Essa era sim, sem a menor dúvida, uma boa ocasião. – Comentou
sorrindo o Sr. Dunkeld ao passar calmamente pela governanta.
Puseram-se em volta da mesa. Todos pareciam consentir novamente que
August era quem deveria abrir e ler o conteúdo da carta. E, assim ele o fez.
Que tenha dado certo! Pedia Ana em seu interior.
August abriu o envelope também de papiro, com o selo DJED afixado
e retirou a carta.
Bastou apenas uma passada de olho para identificar que se tratava da
mesma carta que enviaram, porém a desejada resposta conferia traços inéditos
ao objeto e pela expressão de satisfação de August, todos perceberam logo que
o plano havia funcionado.
O jovem ergueu o braço e antes de fazer qualquer comentário, começou
a ler a resposta.
- “Com as esperanças renovadas após saber da chegada dos viajantes, é
hora de colocarmos o plano em prática, pois na minha concepção, vocês são os
mais qualificados e confiáveis para executá-la, visto que outras tentativas, com
outras pessoas, ainda não obtiveram sucesso. Estamos correndo contra o tempo
e vocês são a única chance de evitar a completa destruição, de tudo o que
conhecem e mais. Como sabem não posso me prolongar, seria arriscado, então
precisarão confiar em mim e só me responderem quando realmente tiverem
necessidade, ou quando obtiverem resultado nas buscas.”
- Legal, teremos buscas! – disse Ana super empolgada, interrompendo
a leitura e atraindo os olhares de todos. – Me desculpem pessoal, foi uma
descarga de euforia. Não sei porque ainda não consigo controlá-las. Por favor,
continue August.
O parceiro não conseguiu segurar o riso disfarçado ao continuar.
- “Todos os selos conhecidos por vocês foram enviados ao passado por
engano, ou melhor, foi uma sabotagem feita por um grupo de pessoas, as quais
não aceitaram o uso da tecnologia para, no dizer deles, controlar o tempo, então
se infiltraram no laboratório e durante meses enviaram os selos já produzidos
para o passado através de cartas. A maior parte foi de selos DJED, já testados
com sucesso, porém enviaram também seis selos ainda em fase de estudo,
protótipos, correspondentes a quatro selos ESCARAVELHO e dois selos
UDJAT. São esses que procurarão. Devido a problemas com a única tecnologia
capaz de produzir estes selos e o fato deles não estarem em nossa realidade, mas
na de vocês, fizeram com que eu os procurasse. Portanto peço empenho, pois
todo o futuro, próximo e distante, está em vossas mãos. Com os poucos restauros
concretizados em nosso sistema até o momento, consegui apenas identificar dois
131
possíveis locais para onde essas cartas teriam sido enviadas. Não faço ideia de
qual tenha sido o objetivo, se é que existe um, talvez possam até estar em branco
ou terem sido separadas dos selos, com estes sendo utilizados para outras
finalidades, se não tiverem sido destruídos, é claro. Contudo, o lugar e tempo de
destino delas são os seguintes: Roma 1939 e Lisboa 1502. Lhes desejo sorte.
LHC”.
- É… – suspirou o Sr. Holister – De fato vocês não estão aqui por acaso.
A tal coisa espacial está vindo pra cá.
- Podemos confiar nesse tal LHC? – perguntou Suzan – Nem sabemos
quem ele é.
- A questão nem é confiar ou não, mas sim, qual outra opção temos além
dessa, afinal não quero e não posso ficar neste tempo, preciso descobrir o que
aconteceu com as pessoas e com o lugar de onde vim – respondeu August
respirando fundo. – Quero salvar esta realidade e voltar para a minha.
- Mas vocês têm uma opção! Pelo menos na questão de voltar para casa
– disse Daiane atraindo a atenção de todos novamente. – Basta tentarem ativar
o tal selo do pergaminho que o senhor Holister tem e torcer para a abertura de
uma porta que os leve de volta. A mesma que os trouxe para cá. – Encolheu os
ombros após receber tantos olhares surpresos.
- Sim, é uma opção, mas já falamos sobre ela ontem. Deixar nosso
destino por conta do acaso, não faz meu estilo. Por mais difícil que seja acreditar
nessa história descrita aqui na carta, será preciso efetuarmos as buscas para
tirarmos a prova, isso se vocês toparem, é claro – fez uma pausa procurando
algo para tentar uma descontração. – Caso digam sim, vamos nos juntar a
Emmanuel Kant e seu empirismo nessa.
Com o último argumento, August pareceu ter despertado o interesse de
praticamente todos eles, menos Daiane.
- O que é esse tal empirismo?
- É uma doutrina segundo a qual todo conhecimento provém unicamente
da experiência, ou seja, é preciso viver para saber. – Respondeu o Sr. Dunkeld
muito bem humorado como sempre.
- Então tá! Estou com vocês!
- Maravilha! – Bradou August satisfeito. – Então, vamos ao
planejamento!
- Eu tenho uma ideia melhor – interveio seu avô, fazendo-os rir antes
mesmo de concluir a fala. – Vamos ao café da manhã, porque estou cheio de
fome.
132
- Acho que você tomou o meu lugar nessa parceiro – comentou Ana
risonha se lembrando de ocasiões parecidas.
- Acho que sim – August entendeu.
Capítulo 30
Capítulo 31
pois foram enviados pelo mesmo grupo de pessoas, as quais tiveram o trabalho
de se infiltrar e enviar as cartas pouco a pouco, deixando a entender que os
destinos não foram escolhidos ao acaso, tinham um objetivo afinal, caso
contrário, poderiam tê-las destruído, concordam? – argumentava o Sr. Holister
– É bem provável que possuíam algo mais em mente, além de apenas sabotar o
projeto.
- Tem toda razão – concordou o Sr. Dunkeld e completou – E, acho que
para descobrirmos o motivo, é preciso descobrirmos primeiro qual tipo de grupo
eram e quais ideais defendiam. Não podemos, de nenhuma maneira, como eu
posso dizer… generalizar.
- E também podemos partir da premissa que eles ainda não sabem como
as interferências funcionam, ou... – August fez uma pausa buscando o foco de
Ana.
A jovem continuava em seus devaneios. Foi preciso um estalar de dedos
de Ferdinand para trazê-la à realidade.
- O que? – Estava mesmo voando.
- August disse que o pessoal do futuro responsável por sabotar o tal
projeto das cartas, provavelmente ainda não sabe como lhe dar com as
interferências.
- Ou sabem e o fizeram justamente para mudar algo. – Mesmo sem ter
ouvido uma palavra do que os outros discutiam, Ana entrou nos trilhos
rapidinho. – Se os destinos das cartas enviadas tiverem algum objetivo
correlacionado, talvez eles saibam exatamente o que as interferências causam.
Neste caso, é preciso descobrirmos o que esse grupo quer, ou queria, não sei,
para tentarmos limitar os possíveis locais onde as cartas podem estar.
Com exceção de August, já acostumado com o brilhantismo da parceira,
os demais precisaram de alguns segundos para deixarem de admirar a
inteligência e o raciocínio rápido da jovem ruiva viajante do tempo.
- Sem dúvida aquela visita foi importante – sussurrou Rudolph sorrindo
para Wilson.
- Certo, neste caso vamos enumerar as cartas que conhecemos e seus
respectivos assuntos – August dava sequência – talvez encontremos um padrão
ou um objetivo específico por trás de cada uma, ou um objetivo geral por trás
de todas em conjunto.
- A primeira carta que tivemos contato foi a que estava com seus pais,
não foi? – Indagou Ana.
- Foi. O assunto abordado nela era as Cruzadas, especificamente a
chamada “Cruzada das crianças”.
138
Capítulo 32
Capítulo 33
Surgindo das sombras por trás dos agentes, um homem robusto puxou
ambos para um raro beco, que dava nos fundos de algumas residências.
- Está duvidando do meu julgamento agente?
- Não, claro que não, mas...
- Olhe – interrompeu apontando para uma casa. – Foi ali que ele entrou.
A agente precisou se aproximar mais para ter certeza.
- Onde aquela passagem leva?
- É o que vamos descobrir.
Capítulo 34
- Pronto! Fiz o mais difícil, agora é com vocês! – Rodou o papel com a
ponta dos dedos.
- Hum... interessante – comentou o Sr. Dunkeld. – Isso põe as coisas em
perspectiva.
Cruzada
Soldado – evangelizar
Guerra – padre
Pombo – coroa – funcionário
Paulo – Egito – profecia
União – fé
Império – firme
Escolhido – potência
Tratado – guerra
Cruzada
Soldado – evangelizar
Guerra – padre
Pombo – coroa – funcionário
Paulo – Egito – profecia – monoteísmo
União – fé
Império – firme – fé
Escolhido – potência católica
Tratado – guerra (fim) – reis protestantes
pesquisa ao qual o Large Hadron Colisor, “LHC”, é utilizado, também faz todo
sentido.
- Uau! Estupendo Ana! Não existem adjetivos para caracterizar seu
brilhantismo à altura. – Parabenizou-a August.
- De fato. É um grande prazer presenciar sua mente trabalhando minha
jovem – elogiou-a o Dunkeld mais velho.
A jovem senhorita Schmidt corou.
- É mesmo! É possível que o LHC seja um dos responsáveis por essa
descoberta de como “rasgar” a estrutura tempo-espaço e talvez, quem sabe,
possa nos ajudar a voltar para o nosso tempo! – Falou August animado, porém,
mudara de expressão rapidamente – Se não tivéssemos a 25 anos de sua
construção.
A decepção veio aos rostos na mesma velocidade que a satisfação.
- Desanima não meu neto! Vamos nos concentrar na busca pelos dois
selos iniciais, tenho certeza que teremos essas respostas quando os encontrarmos
e estabelecermos novamente a comunicação com o tal LHC.
Externamente, Wilson Dunkeld possuía uma expressão de alegria
contagiante, no entanto por dentro, o incômodo sentido toda vez que ouvia as
letras LHC, o perturbava.
Se eles soubessem.
- Seu avô tem razão August, agora temos por onde começar. – Ana o
animava.
- Exato. Vamos procurar algo relacionado a alguma carta, ou a um
motivo aparente em Roma no ano de 1939, que levasse os religiosos, católicos,
a tentarem mudar o passado. Fiquem à vontade para usar os livros e qualquer
outro material de pesquisa que precisarem. – Disse o Sr. Holister apontando para
toda a extensão de seu escritório.
- E, é preciso torcer para eles não terem conseguido efetuar uma
alteração pouco significativa, ou vamos em busca de outra KV55. – Comentou
August mais em tom de brincadeira do que de desânimo. Já estava sobre o efeito
Schmidt.
Capítulo 35
A conversa sobre onde os dois lacres citados pelo LHC na carta estavam
começou e o primeiro pensamento a surgir, praticamente em todos, foi o início
153
- Já disse que isso não será problema, não se preocupe. Vamos nos
concentrar em aproveitar bastante a viagem e trazer dois lacres ou selos, ao invés
de um. – Tranquilizou Wilson, demonstrando muita confiança. – Eu tenho um
plano.
O local onde o capitão e sua equipe entraram estava um breu, não se via
nada para além de onde os minis holofotes acoplados em seus trajes iluminava.
- Vamos pessoal! Apressem-se! Não podemos perder o rastro! – O
capitão puxava a fila.
Pelo pouco que podiam reparar, aquela falsa parede que usaram como
porta de entrada, os levaram para uma espécie de túnel, ainda no nível da rua,
dando a impressão de passar por dentro de várias outras casas.
- Droga! Típico.
O túnel havia se dividido em dois. Agora tinham uma importante
escolha a fazer.
- Três, você segue o da direita sentido centro para ver onde vai dar –
apontava. – A dois e eu vamos por aqui. Tenho certeza que ele não se arriscaria
voltar para um lugar repleto de agentes, mesmo assim precisamos ter certeza.
Mantenha contato.
Logo que se distanciaram do agente chamado de “três”, o capitão levou
a mão ao minúsculo comunicador, quase um ponto eletrônico preso a sua camisa
na altura do pescoço, e o desligou. A agente chamada de “dois”, percebeu.
- O que está fazendo? Temos que manter...
O capitão a interrompeu só com o cessar de passos e um olhar, tão
compenetrado que a fez dar um passo atrás.
- Estimo muito sua pessoa e sua presença na equipe, sabe disso. – A voz
do homem trovejava pelo túnel. – Você é uma agente excepcional, mas se voltar
a questionar o meu julgamento, está fora! Entendeu?
A agente engoliu seco.
- Sim capitão.
- Ótimo – religou o comunicador. – Agora vamos ver o que esse Aquila
está armando.
155
Entrando no clima
19 de setembro de 1984
Capítulo 37
balões, mas também pela típica fala de vendedor. Ele incorporou o personagem
como um ator profissional.
- August? – Chamou Ana sussurrando após ver um movimento estranho
– Acho que isso não vai dar certo.
- Sei que está desconfortável com isso Ana, mas para não chamar
atenção, é preciso chamar atenção.
- Entendo, mas até dele? – apontou com a cabeça para o guarda que a
passos largos e com cara de poucos amigos ia na direção de Huginin.
- Agora lascou. – Fez uma careta.
O plano parecia ter ido por água a baixo, pois o guarda exigia que
Huginin se retirasse com seus balões, a ponto de começarem a discutir feio
devido a isso, espantando quase todos os visitantes e até os devotos que ali
faziam orações.
- Esses planos que a minha família faz eu vou te contar viu! – comentou
August coçando a cabeça, observando aflito o desenrolar bastante enrolado da
conversa entre o pai, bem mais novo que ele próprio, e o guarda.
Após alguns minutos, a discussão seguia intensa. O guarda negro,
robusto, com feições fortes e intimidadoras, perdeu a paciência com a postura
ofensiva de Huginin e seu italiano horrível, e partiu para cima dele a fim de
algemá-lo.
Huginin resistiu.
Vendo a situação enfrentada por seu pai, August não se conteve e foi
para cima do guarda também.
Ana desesperou-se, só não pôs-se a gritar porque Christine a impediu.
- Ainda temos um trabalho a fazer – lutava para manter a calma.
Mesmo sendo dois contra um, e o guarda não sendo mais nenhum
jovenzinho, não tiveram chance. Nenhuma das aulas de artes marciais que
August e seu pai fizeram, ambos obrigados pelo Sr. Dunkeld, os ajudou. Foram
dominados facilmente. O homem da lei era barra pesada.
Algemados, foram conduzidos ao carro do guarda da prisão, presos por
desordem e desacato.
Ana e Christine, aparentando não saberem o que fazer, perdidas e um
tanto quanto apavoradas com a situação, se retiraram pouco depois do guarda
retirar todos os visitantes, e voltaram para o hotel, enquanto o homem da lei
após pegar os balões, que flutuavam soltos desde o início da discussão, fechou
temporariamente o local. Era preciso levar os desordeiros.
161
A Encíclica Oculta
Chegando ao hotel, se reuniram no quarto dos pais de August, onde Ana
e Christine já os esperavam.
Cumprimentos entre todos pelo sucesso do plano. As cartas de
possibilidade mais concreta, estavam em suas mãos: o pergaminho e, agora, a
carta de Paulo.
Bons minutos foram destinados a admiração do conteúdo da carta
escrita por um apóstolo e por um faraó, além é claro, de uma pessoa que,
paradoxalmente, pode nunca ter existido. Fato levantado novamente por August
e Ana.
Durante a fala do jovem, Christine, comentou baixinho próxima a seu
sogro.
- Este rapaz é parente de vocês, não é?
- É sim – respondeu rápido. – É um sobrinho distante. Muito parecido
com Hug, não é?
- Ainda mais parecido com o senhor. – Matinha o olhar fixo no jovem,
especialmente quando este detinha a palavra.
- E aí, quem está com fome? – Wilson tratou logo de mudar de assunto.
Um pouco mais tarde do que o horário habitual, desceram para almoçar
no restaurante do próprio hotel. Lá, o novo seguimento de raciocínio de August
foi apresentado a todos, juntamente com alguns outros detalhes da história da
carta do LHC, que haviam ficado para trás devido a pressa, com alguns ajustes
é verdade, principalmente no que diz respeito a participação do próprio casal em
tudo que acontecera no futuro e sobre o possível fim do mundo. O Sr. Dunkeld
não os queria preocupar.
- Bom, não faço a menor ideia de como esse tal LHC conseguiu uma
tecnologia que possa rastrear uma carta pelo ano, mas se for ajudar, existe um
fato interessante envolvendo a Igreja Católica em 1939, em especial um Papa. –
Introduziu Christine esperando até que todos estivessem à mesa para dar
continuidade.
- Sabia que ela não decepcionaria – disse August baixinho para seu avô.
– Ela nunca decepciona.
- Como amantes da história – introduzia –, vocês já devem saber,
pegando o assunto lá do princípio, que em 756, Pepino, o Breve, rei dos francos,
cedeu ao Papa um grande território no centro da Península Itálica, de certa forma
originando os chamados estados pontifícios...
165
- Até tenho acesso a boa parte dos Arquivos do Vaticano, pois entreguei
a eles documentos importantes que encontrei durantes minhas pesquisas
envolvendo a contrarreforma, e com isso consegui alguns privilégios, todavia,
em relação a encíclica oculta nada posso fazer. – Lamento.
Um silêncio decepcionante se fez presente, não durando muito é
verdade, pois o avô de August, após esmiuçar a última fala de Christine em sua
mente, tentou trazer a esperança de volta.
- Não desanimem! É arriscado, mas acho que tenho a solução – disse
pegando o telefone e saindo da mesa por alguns instantes, deixando a todos
curiosos.
- Lá vem... – comentou Huginin.
- Da última vez deu certo. – Afirmou August com fé em seu avô.
- Da última vez só tinha um guarda e ainda era amigo – insistiu seu
futuro pai. – Agora estamos falando da Guarda Suíça, soldados que nasceram
para ser soldados, dispostos a doarem a vida para cumprirem o seu dever.
- Mas o dever deles é proteger o papa. Não vamos atacar o papa. –
Rebateu o Sr. Holister.
- Acredite em mim, nada dentro do Vaticano escapa à Guarda Suíça.
Os jovens viajantes do tempo, trocaram olhares preocupados.
Ao retornar minutos depois, o Sr. Dunkeld começou a expor outras de
suas ideias:
- Está feito. Conversei com um ex-parceiro do RH e meu em algumas,
consideráveis, buscas antes de se tornar sacerdote, na verdade cardeal.
Um amigo cardeal que era agente? O que falta mais? Um presidente?
Pensava Ana.
- Trocando em miúdos, objetivando questionamentos posteriores –
Wilson conhecia a família que tinha – durante uma busca na América do Sul,
ocorreu um acidente onde alguns jovens acabaram morrendo e ele se culpou e
se culpa até hoje por isso. Desde então, se desligou da agência e decidiu seguir
a vocação de fazer o bem, procurando o “perdão espiritual”, nas palavras dele.
- Nobre. – Comentou August.
- Percebendo que nossa missão, aproveitando o gancho, também é nobre
e que esta carta, se existe, ninguém nunca a viu, aceitou nos ajudar, pois
concordamos que o plano não implicará mal algum a Igreja ou a terceiros.
- Mas pai, não acha que é muito risco por uma carta? Ou melhor, pela
expectativa de uma carta?
- É uma carta importante filho. Precisa acreditar em mim, o risco vale
muito a pena.
168
Huginin não conseguia ver tamanha importância, mas optou por confiar
em seu pai.
- Então vamos terminar de comer e subir, é preciso elaborarmos mais
um plano! – Bradou Rudolph no maior estilo Ana Schmidt, atraindo inclusive,
um olhar curioso da jovem ruiva.
como já sabem. Por ser conhecida, entrará sozinha para não levantar suspeita ou
uma revista esmiuçada. Lá, o cardeal Genaro vai acompanhá-la no lugar do
arquivista, que receberá uma ligação urgente solicitando sua presença no museu
do vaticano mais distante dos arquivos, para explicações rápidas a visitantes
ilustres, pois o guia responsável por isso, infelizmente, estará com um ligeiro
desconforto abdominal, impossibilitando-o de se afastar por muito tempo do,
como se diz por aqui, bagno. – Passava as mãos na barriga. – Escolhemos o
horário indicado por Genaro, de pouco movimento e sem substituto imediato
para a função de arquivista, que inclusive já não será o responsável habitual, o
que poderia complicar o plano. Então, quando ele perceber o engano e retornar,
já teremos a carta nas mãos com certeza.
É, parece um bom plano.
Capítulo 39
ainda mais charme e beleza a seu interior único e sua fachada inconfundível.
Michelangelo, Rafael, Perugino e Botticelli, são alguns dos nomes que se podem
encontrar nas obras espalhadas pelo lugar, praticamente todas, retratando algum
aspecto que contribuiu para a formação da religião.
Justamente no ano em que August e Ana se encontram, 1984, o Vaticano
foi declarado pela UNESCO, Patrimônio Mundial da Humanidade.
Admirando e, de certa forma, analisando minuciosamente tudo à volta,
August acompanhado apenas por Ana, parou e olhou fixamente para o chão,
parecia observar um lugar específico. Um lugar de lembranças tão marcantes,
que o fez fechar os olhos para tentar visualizar o acontecido. Estático,
concentrado. Permanecendo assim por alguns minutos.
Ana, aguardou até que ele saísse de seu mergulho interior.
- Posso saber qual o motivo de uma inspiração tão profunda quanto
aquela executada ao sairmos do carro de entregas nos arredores de Gloucester?
August sorriu ao trazer em sua mente a lembrança daquele dia.
Inesquecível!
- Olhando para este brasão, me lembrei do trágico acontecimento
ocorrido na data escrita nele – 13 de maio de 1981 – exatamente aqui. – Olhou
novamente para o chão. – Tentaram assassinar um Papa.
- Em 81?
August entendeu o porquê do questionamento.
- Na verdade não me lembrei, porque sequer havia nascido – se explicou
– mas a comoção foi tão grande por todo o mundo e os efeitos tão importantes,
principalmente na segurança aqui do Vaticano e do Papa, que parecia estar
acontecendo de novo, em todos os vídeos e reportagens que assisti sobre o fato.
– Fez uma pausa. Outra inspiração enquanto corria os olhos pelas colunas
dóricas circundando o local. – As expressões de todas aquelas pessoas chorando,
perplexas e atônitas, vão ficar na minha mente para sempre, assim como ele, o
hoje, atual Papa, visto que estamos na década de 80 – sorriu. – Eu gostava dele,
foi uma das pessoas que admirei, muito pela forma de conduzir seu pontificado
e, é claro, seu semblante mais que acolhedor, muito parecido com o do meu avô
aliás.
Ana sentiu uma grande paz naquele momento.
- É religioso, August?
Não obteve resposta de imediato, mesmo assim não perguntou
novamente. Viu pela testa franzida do parceiro que ele procurava uma resposta,
parecia querer encontrar uma resposta.
171
- Além do mais, você sabe que ele era obrigado a fazer tudo que fez para
ajudar a família, não sabe? – Interrompeu Dunkeld – Sempre se culpou pelo que
aconteceu.
- É, eu sei.
- Sempre efetuava os trabalhos com o menor dano possível para as
pessoas, para todos a volta – trouxe lembranças a mente. – Ele realmente se
preocupava.
- Sim, isso é verdade. Que ele sempre pensava nos outros é
inquestionável, talvez por isso tenha sentido tanto quando...
- Olha, vamos dar este voto de confiança a ele, ok? – Interrompeu
novamente. – Meu filho está vindo, vamos mudar de assunto.
Os mais velhos, encenando uma amistosa conversa entre amigos,
começaram a falar sobre o tempo, especificamente, sobre o calor, que começava
a dar sinais de que iria embora.
- Com licença pai, posso te fazer uma pergunta? – Huginin trazia uma
expressão carregada.
- Acho que preciso ir ao banheiro. – Disse Holister fazendo o
movimento de se levantar, imaginando que aquela seria uma conversa entre pai
e filho. Enganou-se.
- Não senhor Holister, tudo bem, pode ficar. É só uma dúvida. Coisa
rápida. – Tentou tirar a importância do assunto que já havia colocado na
abordagem.
O Sr. Dunkeld balançou a cabeça assentindo.
- LHC, é quem estou pensando?
O Velho não hesitou. Sabia exatamente do que seu filho estava falando,
ou melhor, de quem. Sentiu-se orgulhoso e preocupado ao mesmo tempo.
- Não meu filho, infelizmente não. – Olhou para Rudolph. – É outra
coisa.
- É Huginin. Nem é uma pessoa, é a sigla de uma máquina, um lugar,
chamado...
- CERN. – Completou Wilson.
- CERN ?
- Isso.
- O centro de pesquisa nuclear?
- Exatamente.
- E o que o CERN tem a ver com tudo isso?
- Parece que lá será o local de construção de um acelerador de partículas
cujo nome abreviado é LHC.
173
Carta na manga
20 de setembro de 1984
Capítulo 41
Capítulo 42
- Nossa, o que foi isso hein? Fiquei tão surpreso quanto alguns europeus
na Idade Média ao ver de perto o efeito da pólvora, há muito já usado na China
e nas armas dos árabes. – Disse Rudolph querendo enfatizar o susto, aliviar o
clima e abrir a conversa de modo mais tranquilo entre todos no quarto do hotel,
pois desde a saída do Vaticano, ninguém dissera uma só palavra.
Mesmo com o comentário, pesados segundos insistiram em manter o
silêncio.
O Sr. Dunkeld era pura reflexão, nem os cochichos com seu velho amigo
ocorreram após o incidente.
Huginin, diferente da versão mais madura conhecida por August, já
havia tomado duas xícaras de chá a fim de se acalmar e mesmo assim parecia
estar no limite.
- Christine, agora que estamos mais calmos, – respirava – você poderia
nos explicar que diabos aconteceu lá embaixo? – perguntou, começando a fala
de forma tranquila, mas exaltando-se e pronunciando a última oração de forma
lenta e nervosa, quase uma separação silábica.
- É verdade Christine, ficamos muito preocupados, você poderia ter sido
presa. – Completou o Sr. Holister de forma serena tentando contemporizar a
conversa.
- Acalmem-se, o pior já passou e eu estou bem – dizia ela do jeitinho
que August se lembrara, cativante. – Agradeço muito a preocupação e peço
desculpas por não ter seguido o plano e colocado vocês nessa situação.
Todos a encaravam e ela, por sua vez, corria os olhos em cada um
demonstrando sinceridade em suas palavras, e ao fim, fixando-os em seu
marido.
- Tudo bem Cris, apenas nos dê uma explicação.
184
Capítulo 43
logo que o verdadeiro motivo, não seria revelado ali, agora, mesmo assim
insistiu.
- Não acho que foi apenas para otimizar as buscas ou por dinheiro, como
me contaram.
- E, tem razão. Não foi mesmo. – Huginin, mais uma vez não sabia o
motivo de ter que guardar segredo, mesmo assim não contrariava.
Ao responder o Sr. Dunkeld mais jovem fez a mesma expressão que o
neto fizera quando Ana o perguntara sobre o desenho na nota de dez dólares, e
a jovem percebera isso, percebera que o motivo era pessoal, algo triste e pessoal.
Assim, para tentar mudar de assunto e consequentemente o clima, que deveria
ser de festa, a jovem fingiu engasgar-se, alarmando a todos na mesa e
alcançando assim, o seu objetivo. Logo que se recompôs, trouxe novas pautas à
conversa.
- Foi uma confusão com um vendedor de balões sem noção mais cedo.
Mas o que quero mostrar ao senhor, foi o que veio depois que as bexigas foram
retiradas.
O vídeo avançou sem nenhum movimento por alguns segundos.
- A prisão foi fechada?
- Foi sim. Marco levou os baderneiros para a delegacia. Agora, o senhor
não vai acreditar quem entrou sozinho lá depois. – Congelou a imagem.
Na tela agora, surgira o melhor enquadramento possível para a
identificação de um homem de preto, que entrou na prisão Mamertina, olhou
rapidamente para os lados e saiu após se agachar e tocar uma das paredes em
um determinado ponto, no que parecia ser uma fresta, bem próxima ao chão.
- Quem é esse homem?
- Olhe de perto senhor.
- Não é possível. – Arthur o reconheceu.
- É sim, já verificamos. O problema é que, apesar de saber exatamente
onde procurar, ele não encontrou a carta.
Arthur seguia vidrado na tela, agora, como se sua dor de cabeça tivesse
desaparecido, trazendo um satisfatório sorriso.
- Ele encontrou sim.
190
Algo mais
Mais uma refeição agradável, característica típica daquele pequeno
grupo social, seja em qual tempo for, aliás, aspecto que deveria ser seguido pelo
menos em parte, por todos, visto o enorme prazer e bem estar que tal programa,
desfrutado em toda sua essência, proporciona.
Paralelo ao momento de descontração, conversaram sobre esportes,
demais futilidades, como todo mundo, e decidiram o que seria feito a partir dali.
Sem esquecer, é claro, do principal assunto que esteve em pauta: o conteúdo da
carta que conseguiram nos Arquivos Secretos do Vaticano.
Como brilhantemente deduziram, o conteúdo da carta tratava-se
realmente de uma mensagem para o Papa Pio XI, sem remetente, apoiando-o em
sua iminente decisão de se posicionar contra o nazismo e o fascismo, mesmo
que isso implicasse em rompimentos de relações com a Alemanha e com a
“recém amiga” Itália, além de informar sobre o cemitério encontrado abaixo da
Basílica de São Pedro, que de certo modo, é a base de fundação da própria Igreja
Católica.
Busca concluída. Vamos à próxima.
Os pais de August por ainda possuírem assuntos a tratar na Itália e por
não saberem do iminente fim do mundo, ficariam, os demais partiriam para
Lisboa à procura da outra carta.
Aproveitaram a companhia um do outro o resto da tarde e noite, e na
manhã seguinte viajaram para a terra que deixou Gonçalves Dias infeliz em sua
Canção do Exílio, porém, foi mistificada e exaltada com todo esplendor por
Camões em Os Lusíadas.
21 de setembro de 1984
mas a agulha continuava sendo pequena, muito pequena, e talvez nem estivesse
mais lá.
Por que sempre uma agulha?
- Uma boa forma para começarmos a elaborar as hipóteses é juntar
informações do contexto histórico envolvendo a cidade de Lisboa na época, –
sugeriu August e continuou o raciocínio – assim sendo, temos como plano de
fundo as grandes navegações, culminando na descoberta do Novo Mundo e
início do processo de colonização. – Seguia sempre gesticulando. – No aspecto
religioso, podemos manter o foco total na Igreja Católica, visto que as
contestações de Lutero, base da reforma religiosa, só iriam acontecer quinze
anos mais tarde na Alemanha, confirmando cada vez mais a nossa tese, de que
o grupo responsável por tal sabotagem nesse programa envolvendo o
desenvolvimento das cartas, é de fato de cristãos, especificamente, cristãos
católicos.
- Concordo. O expansionismo da religião católica para terras de além
mar é um ótimo motivo para enviar uma mensagem de apoio ou com dicas,
quem sabe, para a tal promoção do evangelho, como eles mesmo dizem. –
Concordou Rudolph.
- Certo, então o que temos de concreto em relação a fatos possivelmente
alterados ou pretendidos pelos ativistas religiosos do futuro nesse contexto? –
perguntou Ana.
- Precisamos fazer como da última vez, pôr para fora toda e qualquer
hipótese, por mais maluca que possa ser, para tentarmos juntar peças e montar
esse quebra-cabeça, mesmo nos levando a perder tempo com tentativas errôneas.
É a melhor opção. – Acrescentou o Sr. Dunkeld.
- Certo, então, pra começar, que tal Vasco da Gama? – sugeriu Ana.
- Pouco provável – respondeu o Sr. Dunkeld, argumentando na
sequência – Nesta época ele já havia contornado a África e chegado a Índia,
fundando inclusive a colônia portuguesa de Cochim, onde foi sepultado na igreja
de São Francisco em 1524, quando fazia sua terceira visita àquele país. Só
depois seus restos mortais foram traslados para Lisboa. – O segredo das buscas
eram os detalhes, toda informação podia ser útil. – Além do mais, as viagens
desse grande navegador, chegando a se tornar vice-rei da Índia, eram puramente
de interesse comercial. Mesmo tendo, de certa forma, influenciado muitas
colônias a aderirem ao catolicismo, estabelecer uma rota de comércio
potencialmente lucrativa por aqueles mares, sempre foi seu principal objetivo.
- De fato. Os navegadores do Novo Mundo devem ser nosso foco
principal, até porque para os ativistas seria muito mais interessante estabelecer
192
Capítulo 45
Presente de um grego
Através das janelas do táxi era possível observar a bela Lisboa, onde a
estrutura urbana une o clássico e o moderno em perfeita harmonia, prendendo a
atenção de quase todos, quase todos, pois mesmo sentado no banco da frente
bem ao lado do motorista que explicava, em inglês, cada curva da estrada ao
melhor estilo guia turístico, August apenas pensava naquele sonho tão real que
tivera no avião, passando os olhos na jovem Ana Schmidt várias e disfarçadas
vezes pelo retrovisor lateral.
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, antigamente designado por
Arquivo Geral do Reino, popularmente referido apenas como Torre do Tombo,
é uma unidade orgânica nuclear da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das
Bibliotecas que se constitui como arquivo central do Estado Português desde a
Idade Média, tendo os seus primeiros Guardas-Mores sido, também, Cronistas-
Mores do Reino.
Com mais de 600 anos, a Torre do Tombo é uma das mais antigas
instituições portuguesas ainda ativas.
Neste belo e hoje moderno prédio, poderia se encontrar a segunda e
almejada carta com o selo ESCARAVELHO citada pelo LHC, pelo menos
assim eles acreditavam. História, documentos e informações transbordavam
naquele lugar.
Com passe de estudiosos, graças ao nome Dunkeld, tiveram livre acesso
aos documentos, sendo possível assim pormenorizar a história de Portugal.
- Nossa! É muito papel! – A jovem Schmidt ficara impressionada.
Tendo a sorte novamente a favor deles – ou nem tanto, visto que o
assunto é por obrigação um conhecimento nacional – por ali se encontrava um
historiador, perito em Grandes Navegações, em especial na viagem de Cabral as
Índias em 1500, na qual, por assim dizer, descobriu o Brasil.
Homem alto, de aparência impecável. Usava óculos pretos
arredondados e trajava esporte fino, parecia pronto para dar uma palestra. E, se
aproveitaram disso.
- Com licença senhor – Ana fez a abordagem. – Poderia nos ajudar com
uma pesquisa? Não sabemos nem onde procurar.
O homem, com a função de ser uma espécie de guia turístico do lugar,
abriu um sorriso tão largo, que todos perceberam que horas seriam pouco.
199
Mão amiga
Depois de algumas voltas sem necessidade, só por garantia, o taxista
parou o carro.
- Consegui despistá-lo, onde querem descer?
- Em algum hospital por favor. – Respondeu Ana. – O senhor Holister
precisa de atendimento médico.
- Tudo bem senhorita Schmidt, não é necessário, foi apenas uma leve
torção, gelo e repouso bastam. – Interveio ele.
- Neste caso, pode nos deixar aqui mesmo. Ali parece ser um bom lugar
para comermos algo e despistarmos os perseguidores. – Respondeu o Sr.
Dunkeld apontando para um movimentado café na rua Garrett, no coração de
Lisboa. – Preciso lhes contar uma coisa.
- Têm certeza que não querem que eu chame a polícia? – O motorista
parecia preocupado.
- Temos sim, obrigado. Não foi nada demais.
- Vocês é que sabem – deu de ombros fechando direito a porta do lado
do carona.
Desceram, se despediram do motorista e assim que começaram a
caminhar na direção do belo estabelecimento, recebendo os primeiros raios de
iluminação artificial, na rua da estátua do escritor português Fernando Pessoa,
Ana teve a impressão de ter visto o Kadett preto mais uma vez. Por instinto
empurrou a todos no rumo da entrada de uma igreja.
Quando se deram conta, já estavam dentro da imponente construção,
uma bela igreja das tantas que ali se encontram, esta chamada Basílica dos
Mártires.
- O que houve Ana? Você o viu? – Indagou August preocupado desde o
momento em que olhara aquela sigla.
- Não tenho certeza, foi mais o reflexo – sorriu a jovem meio sem graça.
- De qualquer forma, vamos aguardar. – Sugeriu o Sr. Dunkeld. – Um
pouco de oração não nos fará mal.
Sorriram.
Ficaram ali algum tempo, se misturando entre os fiéis que acabaram de
assistir uma missa, e saiam do local calmamente.
Esperar a poeira baixar.
205
- Ah, neste caso será um prazer ajudar, minha vocação é praticar boas
obras – respondeu o simpático presbítero com um largo sorriso. – Esperem aqui
só um momento, darei umas ligações e verei o que posso fazer.
- Muito obrigado.
August e seu avô olharam para ela bastante confusos e surpresos
também, é verdade, porém mais confusos, principalmente por não saberem
como a jovem havia respondido à abordagem do padre.
- Você fala português?
Ana balançou a cabeça para os lados.
- Hum, arranho um pouco de português e espanhol. Os dois serem
parecidos facilitou minha aprendizagem – brincou.
August voltou a arquear as sobrancelhas.
- E por que não disse antes? Poderíamos ter ganhado muito tempo na
Torre do Tombo se tivesse falado em português com o primeiro funcionário que
nos atendeu! Sem falar da nossa viagem ao Brasil.
Ana meio que deu de ombros.
- Olha só, quando percebi, seu avô já tinha chamado o historiador, aliás,
foi até melhor, porque o homem sabia tudo de grandes navegações e nos ajudou
muito, principalmente por ter explicado tudo em inglês.
- Nisso ela tem razão. – Wilson não perdia nenhuma oportunidade de
fazer uma gracinha para amenizar o clima, mesmo quando este nem precisava
ser amenizado.
- Agora, quanto ao Brasil, especificamente no lugar onde estávamos, o
sotaque era muito estranho, não quis arriscar, e... acontece que não gosto de ficar
bancando a sabichona – cerrou os lábios acanhada.
August gargalhou.
- Um pouco tarde para isso, não acha? – Provocou sem segurar os risos.
Ana fez uma careta.
- Ah Ana, você é mesmo especial!
O elogio saiu em meio as gargalhadas, mesmo assim a jovem corou.
- O que disse para o padre? Disse que estamos de saída, não é? –
perguntou o Sr. Dunkeld.
- Na verdade não. Disse que precisávamos de um lugar para ficar.
As risadas de August cessaram na hora.
Avô e neto olharam para ela perturbados, entretanto antes de
conseguirem falar algo, ela continuou:
207
- Calma, disse apenas isso, nada além disso. Somos apenas historiadores
fazendo pesquisas e... talvez estejamos em perigo. – Fez outra careta desviando
o olhar.
- Ana! Por que foi falar isso para um desconhecido?
- Ora August, nós precisamos de ajuda e o cara é um padre – começou
a frase em um tom e terminou em outro.
Os Dunkeld´s se entreolharam. Ir embora dali rápido era o que ambos
pensavam, porém, mais uma vez antes que pudessem dizer algo, foram
interrompidos. O padre retornara.
- Boas notícias! Podemos hospedar vocês em um dos lugares mais
bonitos de Lisboa, um lugar onde todo historiador ou amante de história deveria
conhecer. Tenho certeza de que vocês vão se identificar muito. Vão adorar!
Novamente olhares na direção da jovem, nem um pouco parecidos com
os de minutos atrás.
- Sorry! – Falou ela baixinho olhando para eles com um sorriso travesso
e os ombros encolhidos.
Capítulo 48
Reviravolta
22 de setembro de 1984
Com o clarear do dia, August foi surpreendido na cama onde dormia por
uma das freiras de ontem.
Opa! Seus olhos se arregalaram. Com o brusco movimento feito para o
lado, para longe da moça, August quase caiu da cama. O que é isso? Você é uma
freira!
Acordando-o abruptamente, a mulher com a respiração ofegante disse
em inglês, quase sussurrando:
- Acorde eles e venha comigo, não é seguro ficar aqui. Não estão a salvo
neste lugar. – Sua expressão não parecia com a de alguém que estava pregando
uma peça.
- O que?
August ainda arrumava os óculos quando a freira se retirou do quarto
dizendo que ia vigiar o corredor.
Sem entender nada, August se levantou sacudindo a cabeça e tentando,
por rumo, ajeitar o cabelo. Da mesma maneira que fora acordado, ele o fez com
os demais.
- Mas que diabos está acontecendo meu neto?
- Sei lá, mas a não ser que as freiras daqui saibam atuar e tenham um
senso de humor um tanto deturpado, é melhor fazermos o que ela diz.
- Será que a Guardiões nos encontrou? – Indagou Ana calçando os tênis
como nunca antes.
- Ou é isso, ou começou o Apocalipse! – Terminou de se vestir e foi
correndo para a porta atrás de mais informações. – Vamos, se apressem!
Ainda desconfiados, como era de se esperar, eles colocaram suas
próprias roupas – as mesmas do dia anterior – e também atordoados pelo
despertar instantâneo, seguiram a freira silenciosamente pelos corredores pouco
iluminados do convento, mais uma vez dando tiros no escuro, depositando a
confiança em um desconhecido.
Ela deve estar dizendo a verdade. Ela é uma freira.
Seguiram-na pelos largos corredores até chegarem nas ruínas da igreja,
exatamente onde ficava o antigo altar, lá no fundo. Ali, pararam, principalmente
por causa do Sr. Holister cujo o tornozelo inchado ainda doía, mas também
211
mão de obra vasta e diversificada – ela virou-se novamente para a saída e deu
alguns passos, movimentando a cabeça para os lados. – Pronto, já sabem que
estou do lado de vocês, agora vamos!
O grupo parecia não acreditar.
- Acontece que o principal você não disse. Para quem... – August cessou
sua indagação quando ouviu um barulho vindo da parte de trás da igreja, do
mesmo lugar por onde eles tinham passado para chegar ali.
Se entreolharam e ao comando da freira, ou melhor, da agente,
começaram a atravessar toda a nave da igreja, e como o caminho mais curto de
um ponto ao outro é uma reta, seguiam passando pelo meio dela, bem devagar,
objetivando desesperadamente evitar qualquer barulho.
- Acha que ela está falando a verdade? – Sussurrou Ana para August.
- Não sei nem se quero acreditar.
Já haviam alcançado a metade da distância do caminho que os levaria
para a saída, ou seja, estavam bem no meio da nave da igreja, com os arcos
ogivais acima de suas cabeças, contrastando com o céu azul, quase sem nuvens.
No entanto, surgindo no fim da igreja atrás do altar em ruínas, dois homens mal-
encarados, vestidos como seminaristas e o sacerdote que os levou para o
convento, começaram a correr na direção deles gritando para que parassem.
- Corram! – bradou a agente tentando sobrepor sua voz a dos homens
que agora os perseguiam.
De um lado, uma freira com uma história suspeita gritava para correr,
do outro, o sacerdote que os ajudara gritava para parar.
- O que faremos? – Ana ficou alguns instantes perdida, mas acabou por
seguir a escolha feita pela maioria, inspirada no instinto mais básico de
sobrevivência.
Todos se puseram a correr atrás da freira em direção a saída, até mesmo
Rudolph, mancando, seguia correndo graças a adrenalina que se espalhava por
seu corpo.
A agente, correndo na frente deles, a cerca de uns quinze metros do
portão da entrada, para eles de saída, diminuiu o ritmo, deixando ser
ultrapassada pelos demais. Em seguida pegou uma espécie de controle no bolso
lateral de seu hábito, estendeu o braço para trás e sem parar de correr apertou o
único botão que nele se encontrava.
Instantaneamente as pilastras ligadas aos arcos ogivais transversais que
antes sustentavam o teto, quando ainda havia um, única estrutura ainda de pé no
centro da construção, começaram a ruir devido a pequenas explosões sucessivas
213
em suas bases, até as mais próximas da porta, por onde eles conseguiram sair,
segundos antes de serem apanhados pelos destroços.
Essa foi por pouco. – Pensou ela com um discreto sorriso de satisfação
e alívio, sem demonstrá-lo a eles, é claro.
Quando chegaram ao pátio da entrada, logo que passaram pela bela e
imensa porta de madeira da igreja, pararam, e quase todos ofegantes colocaram
as mãos nos joelhos, se debruçando para recuperarem o fôlego.
- O que você fez? – August olhava incrédulo para a poeira subindo por
sobre a fachada da igreja.
- Confesso que dá primeira vez achei maneiro... mas agora é sério, chega
de explosões daqui pra frente! – disse Ana nervosa entre expirações e
inspirações.
- Te fiz uma pergunta: o que foi que você fez? Ficou maluca? – August
caminhava em direção a agente.
- Ainda não estamos seguros, temos que sair daqui – mais uma vez a
agente olhava freneticamente para os lados. – Venham rápido, entrem no carro.
– Completou ela pegando as chaves e entrando em um Kadett preto, igual ao
que tinham visto nos arredores da Torre do Tombo, estacionado bem ali.
- Espera aí... você é da Guardiões? – perguntou Ana se levantando logo
que batera o olho no carro.
- Não temos tempo para mais explicações, entrem logo!
- Eu que não entro aí! De jeito...
A fala de Ana foi interrompida pelo barulho de tiros, fazendo com que
ela pulasse imediatamente para dentro do carro, assim como os outros, com
Rudolph desta vez indo na frente para ter mais espaço devido sua lesão.
O Kadett arrancou de uma vez só, fazendo ruído e deixando marcas de
pneus no pátio, percorrendo os cinquenta metros iniciais em uma velocidade
incrível.
Saindo do calçamento feito de pedras claras, dispostas ali de modo
quase artesanal, chegando no asfalto, a agente fez uma curva fechada para
contornar a rotunda em direção a rua, fazendo com que Ana praticamente caísse
em cima de August, ficando sobre seu colo.
Os dois se olharam fixa e profundamente por alguns segundos, à cabeça
de August veio logo o sonho que tivera no avião. O tempo pareceu parar,
nenhum ruído, nenhum movimento, nada a volta, só os dois em um lugar
isolado, em outra realidade. Assim ficaram, um podendo sentir os batimentos
do outro, até o vidro de trás do carro ser estilhaçado por um dos tiros disparados
pelas pessoas que os perseguiam.
214
Se abaixaram instantaneamente.
Felizmente ninguém se feriu gravemente e a agente, demonstrando uma
habilidade incrível ao volante, conseguiu tirá-los dali.
Capítulo 50
- Hum, o problema é que estou com fome, muita fome. Ainda não tomei,
como dizem por aqui, “meu pequeno almoço”. – Brincou o Sr. Dulkeld tentando
mudar o clima, com uma expressão de desanimado e pensando lá no fundo.
Paciência eu tenho, o que não tenho é confiança.
- Hum, concordo que o capitão Neville tem sido uma pedra no sapato.
O jovem esboçou um sorriso.
- Qual foi a graça?
- O senhor fala de um jeito engraçado – expirou sorridente. – Devem ser
os janeiros.
- De fato. – Agora fora o homem quem sorrira.
- Mas, como eu estava dizendo, não são só os agentes da LEM que estão
atrás de mim não, tenho certeza que os Cavaleiros Templários também não
gostaram nada nada dessa história de eu me passar por um deles.
- E quem disse que você não é?
- Me deixaram entrar? – O jovem chegou a se levantar por uma fração
de segundo.
- Não, ainda não. Falta concluirmos o plano.
- Mas, tem certeza que o fato de eu já ter me passado por um de vocês
não me prejudicou?
O velho arredou para mais perto do garoto.
- Em primeiro lugar lembre-se: mesmo depois de entrar na Ordem, você
deve sempre se referir aos Cavaleiros Templários na terceira pessoa,
independente da pessoa com quem você está conversando.
- Desculpe, eu esqueci.
- Agora, sobre ter se passado por um Templário, relaxa, você não fez
isso. A única coisa que você fez foi falar o nome de um conjunto de estrelas, o
resto veio da cabeça do capitão. Além do mais, os Templários são inofensivos,
se não tem uma carta, não tem com o que se preocupar.
O jovem franziu a testa.
- Mas acontece que eu tenho uma carta! – Tirou o envelope de dentro
do casaco e o entregou ao doutor.
- Esconda isso! – Agora sim o doutor olhava preocupado para os lados
e demonstrava receio. – Ele respondeu?
- Sim. Esse é outro motivo que me fez vir aqui.
- Ótimo. Acredito que estamos quase acabando. – Afirmou o doutor
pegando o envelope e o guardando no paletó.
- É bom mesmo, porque não dá para fugir do capitão por muito tempo.
- Não será preciso.
- Como assim?
- Digamos que se você continuar se disfarçando como tem feito, passará
fora do radar do Neville. Ele tem outro alvo agora.
217
- Como assim outro alvo, explica isso direito! – Erick não sabia se ficava
satisfeito ou preocupado.
- Apenas dei a ele, mais uma vez, o que ele procurava.
- E o que era dessa vez?
O homem, que com sua jovialidade, parecia ainda não ter chegado na
casa dos 50 anos, desviou o olhar e o parou no topo de um prédio com arquitetura
estranha e interessante, o mais alto da cidade.
- Um traidor.
- Vai entregar um Templário a eles?
- Não! Já disse que os Templários não são traidores como todo mundo
diz, apenas possuem um objetivo e lutam por ele. Me identifico com isso –
brincou.
- Então quem?
- Seu cúmplice na fuga passada.
O rapaz arqueou as sobrancelhas.
- Ainda não entendi. O meu cúmplice na fuga passada foi o senhor.
- Sim, na verdade foi eu, mas aos olhos do capitão Neville, outra pessoa
fora quem elaborou o plano, alguém que ele de fato conseguiu ver.
218
Aliados?
Pouco mais de uma hora depois, August e os outros se encontravam
frente a um casarão afastado de Lisboa, sendo recebidos por homens de ternos
preto, cuja sigla GT se destacava em dourado gravada próxima ao peito de cada
um deles.
Conduzidos até o salão principal, um tanto hesitantes, com a
desconfiança inicial ainda mais presente agora, com a ausência da agente que os
tirara do convento, deram de cara com uma imensa mesa redonda no centro do
espaçoso cômodo. Em cima dela, um mais que apresentável café da manhã.
- Devemos comer? – Ana olhou para o parceiro.
Antes de respondê-la, August correu os olhos em busca da aprovação
do avô.
Nem seu olhar conseguiu ser tão rápido. Wilson já estava à mesa
servindo-se de bolo.
- Não vão comer? – Olhou fingindo inocência.
- Mas, é seguro? – August queria ter certeza.
Os mais experientes abriram um sorriso.
- É verdade que a Guardiões utiliza métodos um tanto inescrupulosos
para alcançar seus objetivos, mas envenenar comida não é um deles – respondeu
Rudolph fazendo companhia ao velho amigo. – Podem atacar.
- Se estão dizendo. – August aproximou-se da mesa e puxou uma
cadeira para Ana.
Um senhor careca, de óculos arredondados, porte físico avantajado,
branco e bem alto em relação a média de altura masculina da época, aproximou-
se de forma extravagante, batendo os sapatos no chão e abrindo os braços.
- Grandes Holister e Obrien! – cumprimentou-os de longe, fazendo sua
voz forte ecoar por todo o saguão. – É um prazer enorme revê-los! – baixou
ligeiramente as pálpebras – Nada como um dia após o outro, não?
- Ele é o Rei do Crime? – Brincou August, arrancando gargalhadas de
Ana, contidas na marra.
Os olhares de ambos os citados no cumprimento, deixaram bem claro
que o prazer não era tão grande assim, muito menos mútuo.
- Obrien? – sussurrou Ana para o Sr. Dunkeld, que respondeu rápido, e
no mesmo tom, ainda mastigando um pedaço de bolo:
- É meu nome de agente.
219
- Por que o título de “Sir”? Quero dizer, qual critério é utilizado para
tal?
- Por que essa pergunta agora? – Rudolph ansiava por mudar de assunto.
- Curiosidade – August deu de ombros. – Eu já conheci um número
desnecessário de agentes da Guardiões e nenhum deles era chamado assim. Se
meu avô pôde escolher um codinome e não fez por falta de interesse, quer dizer
que ele sabe o que fazer para ganhar um, certo?
- Está pretendendo entrar para a Guardiões, August? – Rudolph seguia
tentando desconversar.
- Não, claro que não, eu apenas...
- Precisa ser um dos fundadores – interrompeu o Sr. Dunkeld dando a
resposta ao questionamento do neto.
- Como é que é? – Ana arregalou os olhos. – O senhor quis dizer
descendente dos fundadores, não é?
- Não – respondeu com naturalidade. – Charles ajudou a fundar a
Guardiões do Tempo, por isso possui esse título. Eu entrei logo depois e pela
importância que ganhei dentro da agência, poderia ter recebido também, mas
como disse, eu não quis.
- Mas a agência não foi fundada há centenas de anos? – Insistiu Ana.
- Como poderia se o fundador dela ainda está vivo? – Respondeu Wilson
com outra pergunta.
Ana parou um pouco para pensar, algo que August já se encontrava
fazendo.
Olhando meio sem entender, Rudolph tentava se comunicar com BO,
que apenas dava de ombros.
- Espera, – August espalmou uma das mãos enquanto a outra levantava
os óculos – na prisão Mamertina, Lawrence nos contou sobre a carta que
começou tudo isso, uma carta escrita pelo mesmo agente que escreveu, em nome
do apóstolo Paulo, a carta com o lacre ESCARAVELHO para o faraó
Aquenáton.
- Isso! Eu me lembro dele dizendo que possuíam uma carta que dera
origem a agência – acrescentou Ana.
- Pois é, essa carta existe mesmo. – Confirmou o Sr. Dunkeld. – Arthur
a encontrou e com o dinheiro da família dele e outros investidores interesseiros,
criou a agência Guardiões do Tempo.
- Arthur? Quer dizer o Rei Arthur? – Ana não perdia nenhuma
referência.
- É isso aí – Wilson sorriu. – Que prepotência não?
222
Capítulo 52
Capítulo 53
- Quer dizer que Lawrence... – Ana fez um gesto rápido com a mão que
complementava a frase – para nos ajudar?
- É o que parece. E sua expressão preocupada e suas recomendações,
seguem o mesmo caminho.
- E qual foram?
- Escondermos o selo e darmos logo o fora daqui. – Concluiu Wilson.
Vendo um conhecido agente se aproximar, Rudolph percebeu na hora
do que se tratava.
- E, parece ser o que estamos prestes a fazer.
Capítulo 54
Em cima do muro
Com as passagens pagas pela Guardiões, a mando de Sir Galahad,
acomodaram-se novamente em poltronas uma ao lado da outra no avião, desta
vez rumo a Berlim.
Wilson Dunkeld, com uma expressão bem menos carregada após ter
interrompido o contato visual com os agentes que ele com certeza havia visto a
bordo, retirando um envelope pequeno do bolso do seu belo blazer marrom,
chamou o restante do grupo para perto de si.
- Respondendo à pergunta que a senhorita Schmidt havia feito, eu insisti
para passarmos no hotel em Belém e pegar nossas coisas, porque não pretendo
voltar à Lisboa tão cedo.
Olharam sem entender.
- Mas, senhor Dunkeld, se a informação que o senhor nos apresentou
estiver correta e a carta foi realmente enviada para Alemanha tudo bem,
voltamos para Gloucester, mas se não a encontrarmos em Munique, infelizmente
teremos que voltar. – Ressaltou a jovem.
Ele sorriu abertamente, parecia extremamente satisfeito, acompanhado
no sentimento por seu velho amigo de buscas.
- Também foi por isso que sugeri a Alemanha.
- Hum? – A jovem, com razão, não entendeu.
- Berlim além de ser bela e ter uma história incrível, é um bom lugar
para passarmos um tempo despistando a Guardiões, além disso fica próxima de
Londres. É juntar útil e agradável.
- Como assim sugeriu a Alemanha? Depois de desembarcarmos em
Berlim, não vamos à Munique? – perguntou August tão confuso quanto a
parceira – Esclareça vovô, não estou entendendo.
- Diga logo Will. Posso te chamar de Will não posso? – perguntou
Rudolph brincando.
- Pode sim claro, fique à vontade. – Respondeu Wilson com os olhos
arregalados na direção do amigo e continuou – Não precisamos, ou
precisávamos ir à Munique, sequer à Alemanha.
- Não?
- Não.
- Então por que estamos indo? – insistiu August.
- Em parte, por sua causa. – Respondeu seu avô.
- Por minha causa? Como assim? O que eu fiz?
236
Capítulo 56
Dunkeld. – Além do mais o LHC deve nos esclarecer algumas dúvidas sobre
este assunto, e já que as informações passadas por ele se confirmaram até agora,
podemos supor que ela, digo, ele, sei lá, seja de confiança, pelo menos tem dito
a verdade até aqui. – Concluiu.
- Também existe o fato de que esse grupo, ou agência chamada A
Trindade, opera na clandestinidade e atuar dentro do local mais visado da
religião não deve ser nada fácil.
- Também faz sentido – concordou August.
Ana sorriu imediatamente após o comentário de Rudolph, chamando a
atenção deles.
- O que foi Ana? Qual a graça? – perguntou August.
- Desculpem gente, não foi nada. – Respondeu ela se recompondo, ainda
deixando escapar umas poucas e contidas gargalhadas. Jaque.
Todos concordaram em deixar as teorias e discussões para depois, para
quando chegassem em casa. Assim sendo, os dois grisalhos voltaram ao mundo
ainda incompreensível, rico e cheio de sentimentos, estudado a fundo por
Sigmund Freud, enquanto August continuava desconfortável sem saber o que
dizer para a jovem ao seu lado, que lia um livro emprestado pelo Sr. Holister,
chamado The last Sherlock Holmes Story – A última história de Sherlock
Holmes –, publicado em 1978 no Reino Unido.
Após ler mais um capítulo, a bela jovem de cabelos ruivos, que mesmo
amarrados cobriam toda parte de trás do pescoço, por estar com os olhos
cansados, decidiu guardar o livro, levantando-se para ir ao banheiro.
Quando Ana abriu a bolsa, bem ao seu lado, desta vez com os olhos
abertos, August viu as flores guardadas no bolso maior e protegidas por um
plástico, de forma a serem danificadas o mínimo possível com a viagem.
Ela então, guardou delicadamente o Sherlock e se dirigiu ao fundo do
avião.
Durante a ausência de Ana, August pensava em formas de iniciar uma
conversa mais profunda, assim como no jardim na base da Guardiões, sem
envolver cartas ou buscas, nada ligado ao que estavam passando, mas a
sentimentos, gostos e sonhos que envolvessem uma vida normal.
Preciso de algo que nos aproxime mais, mas como “amigos íntimos”,
não como parceiros, afinal está difícil de esconder, o que acredito ser minha
240
Philia por ela, o que deixa explícita minha imperfeição. Pensava entre o que
sentia e o que poderia dizer.
Romântico como sempre fora, August ao pensar em sua dita
imperfeição, referia-se ao grande filósofo grego Aristóteles que dizia que “o
amor em qualquer das suas expressões, é o sentimento dos seres imperfeitos,
posto que sua função é levar o ser humano a perfeição”.
O que essa garota tem que me faz ficar assim? Parece que nunca estive
com outra mulher.
Todavia, quando Ana retornara, mesmo após toda aquela reflexão
profunda sobre o amor e a seleção de frases de efeito dispostas na ponta da
língua, ele apenas conseguiu perguntar:
- Então, ele já se encontrou com Moriarty?
Capítulo 57
Claro que ele não seria indiscreto a ponto de perguntar, mas seu avô
percebeu o porquê daquela felicidade tão explícita.
Até que enfim!
23 de setembro de 1984
Mudança... de foco
De Berlim para Londres, de Londres para Gloucester.
Estas buscas fariam a alegria de qualquer turista adepto de belas
paisagens e aventuras, é claro.
Mesmo não sendo propriamente um turista, pelo menos nunca
apresentou características para ser classificado como tal, Rudolph Holister
aderiu algumas práticas desse tipo de viajante e chegou em casa vestindo uma
camisa escrito Keep Calm and Live in Berlim – Mantenha a calma e viva em
Berlim – além de trazer consigo, um bonequinho de porcelana do Papa João
Paulo II para presentear Suzan, adepta do catolicismo, comprado em sua breve,
porém marcante visita a Cidade do Vaticano.
Já no fim da manhã, de volta aos assuntos importantes, Suzan contou a
eles o que havia escrito na carta, na verdade contou exatamente o que escrevera
na carta, pois fez uma cópia antes de enviá-la.
A carta enviada, direcionada ao LHC pela senhora Holister, continha
todas as informações a respeito do progresso e as dúvidas manifestas,
principalmente sobre o papel das organizações envolvidas. Suzan fez um
resumo de tudo o que seu marido havia lhe falado pelo telefone e
competentemente compilou todas as informações em poucas linhas, afinal já
quase não restava espaço no papiro, utilizado várias e várias vezes.
Mesmo com o selo UDJAT sendo adquirido depois da primeira ligação
feita pelo marido, Suzan ainda escrevia quando recebeu a segunda.
Mãe!
Chegando em casa com sacolas de compra, a jovem futura mãe de Ana
Schmidt, parecia não ter levado as chaves.
- Vamos até lá.
- O que? Ficou maluco?
- Anda, venha! – August já havia saído do veículo e se distanciava.
Ana precisou correr para o apanhar.
- E vamos falar o que?
- Sei lá, a gente improvisa.
A jovem abriu a boca e arregalou os olhos, só não deu meia volta para
a situação não ficar estranha, afinal, August já havia gritado para a moça prestes
a entrar em casa.
- Ei moça! – achegou-se em uma corridinha – Nós não somos daqui e
estamos meio perdidos – coçou a parte de trás da cabeça.
A bela jovem ruiva, de óculos com armação preta, bem rústica,
aparentando não ter nem dezoito anos, virou-se para eles com uma expressão
simpática.
- Pois não, o que precisam? – Entregou as compras para a mulher que
abrira a porta.
Vovó!
- Só um minuto. – August olhou para trás e viu Ana estática, com toda
pinta que dali não sairia.
O jovem sabia que a parceira se arrependeria muito caso perdesse uma
oportunidade como aquela, então, deu um empurrãozinho.
- Ei Linda! Onde precisamos ir mesmo? – gritou para Ana e voltou-se
sorrindo, ainda sem graça, para a jovem à porta – Ela que sabe das coisas.
Ana demorou um pouco a reagir, mas segurou as emoções e foi até eles.
- Queremos ir... até a Catedral, sabe onde é? – A pergunta ainda
demorou a sair.
- Sei sim, é claro. Basta vocês seguirem...
A jovem foi falando e gesticulando, mesmo assim Ana não conseguia
focar nas informações. Estava ali, a um passo e meio da mulher que mais amava
e não sabia se a veria novamente, pelo menos não como sua mãe.
- Entenderam? – Perguntou a jovem ao concluir.
- Entendemos sim, muito obrigado! – August teve de responder.
- Precisam de mais alguma coisa? – A moça agora estranhou um pouco
a postura dos jovens.
Ana continuava imóvel.
246
Capítulo 59
- Para que August? Nem sabemos para que servem todos esses selos!
August pensou em falar, mas optou pelo silêncio.
Desabafe Ana.
- Não sabemos se vamos conseguir o último, ou qual o plano se a gente
conseguir, ou quem é o maldito LHC! – soltou a mão do parceiro e bateu com
as duas no painel do carro. – Se é uma pessoa ou um canhão de partículas!
August saiu do carro após ficar alguns minutos vendo Ana passar a mão
na cabeça, da testa à nuca, enquanto se acalmava.
- O que vai fazer? – Perguntou a jovem.
- O que deveria ter feito antes mesmo de ligar o carro. – Começou a
rodear o veículo.
Mesmo com certa dificuldade, August conseguiu retirar toda a capota
do Triumph TR4, fazendo com que o para-brisa, fosse a única estrutura existente
acima do nível do volante.
- Prenda o cabelo aí, perfeitinha Schmidt, vamos tomar um ar. – Não
achou que conseguiria arrancar um sorriso dela só com essa provocada, mas
conseguiu. Então, soltou logo outra – Mas antes eu gostaria que me explicasse
que negócio de “show” foi aquele?
- Eu fiquei sem palavras, ora! Foi só o que me veio a cabeça.
Os sorrisos estavam de volta.
- E você? Linda?
- Ah, sei lá! – gargalhou – Também foi o primeiro nome que veio.
Capítulo 60
24 de setembro de 1984
Capítulo 61
Capítulo 62
própria Itália, no mesmo dia em que Genaro liga querendo fazer uma visita,
assim de uma hora para outra, praticamente confirmamos.
- Mas se ele faz parte da Trindade, por que nos ajudou? – indagou Ana
com a mesma expressão no questionamento levantado por ela no avião.
- Isso não sabemos. Sabemos apenas que essa gente não está brincando,
somos testemunhas disso, e ter dado meu endereço a ele, mesmo que tudo isso
ainda seja uma mera suspeita que eu quero confirmar, pode ter sido um erro. –
Lamentou Rudolph.
Se entreolharam receosos.
- E quando ele virá? – perguntou August preocupado com a segurança
de todos, principalmente de Ana.
- Talvez hoje, na hora do almoço.
- Hoje? – O jovem arregalou os olhos.
- Ele desconversou, mas se tiver mesmo interessado nas cartas, como
acho que está, sim, ele vem hoje. – Com pesar nos olhos, olhando para Suzan,
sua esposa, acrescentou – Inclusive eu acho melhor...
- Pode parar por aí, Rodolph Holister! – interrompeu ela. – Na alegria e
na tristeza, lembra? Pois é, todos ficaremos aqui e enfrentaremos qualquer coisa
juntos, para o bem da nossa família e... pelo visto, da humanidade.
Balançaram a cabeça positivamente. A confiança ainda estava ali, mais
presente do que nunca.
- De acordo, mas então, é preciso pensarmos em um plano rápido para
garantirmos nossa segurança e dos selos, caso nossa suspeita se confirme. –
Ressaltou o anfitrião.
- Concordo. Apesar de sempre se preocupar com a segurança de todos
a sua volta durante os trabalhos, antes e depois de se tornar um agente, Genaro
sempre foi meio instável – acrescentou o avô de August.
Todos se posicionaram a favor.
Seguiram alguns segundos de silêncio, um pouco devido as
mastigações, mas grande parte, devido aos pensamentos.
Vamos ver se desta vez, bolamos um bom plano. Pensava August se
lembrando do traumático episódio sobre Westminster Bridge.
260
Capítulo 63
- Acham que ele quer trazer o irmão de volta? Quer dizer, voltar para
antes da...
Nem precisou terminar, o balançar de cabeça de seu avô fez as peças se
encaixarem.
Capítulo 64
- Por que não disse que conhecia o outro cara que anda enviando as
cartas?
O homem olhou para os lados e se levantou.
- Aqui não. – Começou a dar passos a fim de sair do estabelecimento.
- Aqui está ótimo! – Gritava o rapaz de pé, mas sem se mover – Foi aqui
que você me colocou nesta bagunça toda e é aqui que quero sair!
O velho sequer olhou para trás, seguiu seu caminho e só parou em uma
proteção de vidro, com pouco menos de um metro e meio, servindo de mureta
de proteção para os que querem apreciar a vista dos andares inferiores de um
complexo que muito lembrava um shopping center.
Olhando para o vai e vem de pessoas lá embaixo, apoiou-se na mureta
esperando o jovem se aproximar.
- Vai abrindo o jogo doutor, eu sei que você trabalha na Torre da
Lemniscata!
- Por que acha isso? – Perguntou em tom de voz baixo, induzindo o
jovem a fazer o mesmo. Seus olhos ainda se mantinham nas pessoas abaixo.
- Porque andei te seguindo. Não sou tão idiota quanto o senhor pensa.
- Eu nunca pensei isso Erick.
- Ah nem vem com conversinha! Eu quero respostas!
O velho percebera que a conversa entre os dois começava a se tornar o
foco de outras pessoas que por ali transitavam.
- Se não reduzir seu tom de voz agora, não terá nenhuma – virou-se
encarando-o.
O jovem respirou. Uma atenção desnecessária seria ruim para ele
também.
- Certo. Então, pode começar respondendo porque não me disse que
trabalhava na Torre da Lem.
- Vamos fazer assim – o doutor apoiou o braço direito na mureta,
ficando de frente para Erick – eu te respondo se você me responder. Sem
mentiras, o que quiser saber é só perguntar, mas será uma via de mão dupla.
- Como é que é?
- Uma resposta por outra Erick – sua expressão deixou bem claro que
não estava brincando. – E para a sua primeira, sim, eu trabalho na Torre da Lem.
- Sabia! Você é o traidor que eles descobriram?
- Não – fez o gesto de negativo balançando o indicador. – É sua vez de
responder.
- Você só pode estar de brincadeira!
266
- E, por gostar de você garoto, ainda lhe digo mais: não só é possível
fazer alguém viajar no tempo, como também estamos estudando uma forma de
fazer o tempo viajar sobre esse alguém.
O rapaz não entendeu muito bem a explicação, mas não estava a fim de
gastar outra de suas perguntas.
- Acredito que esteja falando sobre ficar mais jovem, mas isso é mera
especulação e nem me interessa.
- Certo, pensei que você fosse mais curioso, mas sendo assim... mais
alguém sabe sobre a nossa – balançou a cabeça a procura de uma palavra –
parceria?
- Não. – Demorou um pouco a responder, ainda pensava nas
possibilidades levantadas por seu interlocutor. Parecia não estar em si e acabou
dando a informação que o homem mais queria.
O velho percebeu que o jovem estava na lona e abriu a contagem.
- Meu interesse em você está acabando, acho bom fazer uma ótima
pergunta.
Antes de perguntar, Erick pensou por quase trinta segundos.
- Tenho só mais uma pergunta.
- Não, você tem mais, mas só devo responder mesmo a uma. O tempo
está acabando.
- Quem é – olhou dentro dos olhos do doutor – LHC?
O homem de cabelo levemente grisalho, de bom porte físico e boa
postura, exibiu o seu melhor sorriso e abriu os braços.
- Sou eu.
269
- Bom, então neste caso, serei obrigado a fazer isso... – colocou a maleta
sobre a mesa com intenção de abri-la.
Todos rapidamente se levantaram assustados, August chegou até a
derrubar a cadeira onde estava sentado devido ao arranco para se pôr de pé.
Genaro vendo aquilo mostrou-se bastante confuso.
- O que aconteceu? – retirou uma garrafa de Cutty Sark da maleta e a
colocou sobre a mesa.
Respiraram.
- Aqui se pode tomar um clássico whisky escocês? Aquele cujo nome e
o desenho no rótulo, – virou a frente da garrafa para os demais – se remete a um
veleiro britânico ancorado em Greenwich, chamado Cutty Sark, barco este, que
após riscar os mares pelo mundo, fora transformado em navio-museu, por ter
sido uma das últimas embarcações de transporte de chá, símbolo de uma era. –
Concluiu todo pomposo.
- É, confesso que você tem uma boa memória – brincou Wilson ao se
lembrar da ocasião onde o informara sobre o fato citado, quase que com essas
palavras.
- Para aliviar a tensão, concordam? – Abriu e chegou a garrafa próximo
ao rosto, inebriando-se com o aroma.
Tornaram a se sentar aliviados. Todos apresentando sorrisos amarelos,
bastantes sem graça.
Um pouco mais de conversa enquanto terminavam de almoçar. Ouviam
atentamente Genaro contar sobre a vida difícil que teve após se desligar da
agência e sobre sua vocação para trabalhar nas obras da Igreja.
Concluíram o almoço e como tudo parecia bem, se dirigiram à sala para,
enfim, degustarem o destilado, cuja fragrância já se espalhara por toda a
cozinha.
Logo que se levantou, Genaro foi até uma das janelas da cozinha e
olhando para a entrada, respirou satisfeito.
- Vocês têm uma bela casa.
- Obrigada – agradeceu Suzan.
Ao perceber que nem todos se juntariam a ele na resenha, na sala de
estar, Genaro postergou sua saída da cozinha para ficar por último, fingindo ter
dificuldade em fechar a maleta, tendo assim quase todos de costas para si, com
exceção de Daiane, que ainda retirava as louças.
Ao invés de fechá-la, ele a abriu novamente. De forma despistada,
olhava para os lados.
271
Capítulo 66
O cardeal a ignorou.
- Basta vocês me entregarem as cartas que eu sei que estão com vocês,
para eu ir embora.
- Até podemos fazer isso, sem problema, mas em consideração ao
trabalho que tivemos, merecemos pelo menos saber o porquê de você ainda
querer o “fruto do pecado” como você sempre disse, não acha? – disse o Sr.
Wilson.
- A questão é complexa BO, mas vou tentar simplificar – respondeu com
tranquilidade. – Quero apenas evitar que vocês estraguem tudo.
- Estragar? Estamos tentando consertar! Seu contato no futuro não
avisou sobre o pouco tempo restante? – perguntou Ana – Não temos mais até
2016 para consertar isso.
- Bom, eu não sei por qual motivo vocês estão reunindo esses selos, mas
eu pretendo consertar erros.
- Não pode trazê-lo de volta Genaro, sabe disso. – Wilson achou que
havia entendido.
- O que? – O cardeal realmente se mostrou confuso. Demorou alguns
instantes para compreender o que o antigo amigo de Guardiões havia falado. –
Hum, acha que estou aqui para tentar trazer meu irmão dos mortos?
- Trazer não, ir até ele. – Respondeu Ana.
Genaro novamente arqueara as sobrancelhas.
- Ir até ele? Mas do que vocês estão falando? Acham que eu busco viajar
no tempo?
- Sim. É por isso que você quer as cartas. “Consertar seus erros”. – Ana
respondeu fazendo o sinal de aspas com os dedos.
O homem de batina olhou para Rudolph e Wilson.
- É isso que vocês acham? – O silêncio serviu como resposta – Depois
de tantos anos trabalhando juntos, acham que eu colocaria um motivo tão egoísta
à frente de salvar o mundo?
Quase todos arregalaram os olhos ao mesmo tempo.
- Ei senhor reverendo! – chamou-o Daiane. – Eu não entendo muito
dessas cartas não, mas salvar o mundo é exatamente o que todos aqui estão
tentando fazer.
- Ele me avisou que diriam isso.
- Ele quem? Seu contato no futuro? Você é mesmo da Trindade, não é?
– Ana aproveitou a deixa para ir atrás de respostas.
- É, foi ele sim.
- E quem é ele? – A jovem insistiu.
273
Capítulo 67
- Muitas mortes meu caro, foram causadas por essa mesma desculpa –
Acrescentou Rudolph.
- O que vocês acreditam não me interessa. Não vou deixar que o
sofrimento de tantos perdure, em contraste com o prazer e satisfação de uns
poucos, seja nos dias atuais ou no futuro. Vou garantir que a verdade divina
jamais seja abandonada e que a salvação venha para todos, pelo amor ou pela
dor. – Destravou a arma, deixando bem claro que a intenção de antes, apenas
amedrontá-los, havia mudado.
Ao terminar a fala, o cardeal parou com o olhar perdido, estático, como
se tivesse escutado algo.
- O que foi Genaro, pensou melhor no que está prestes a fazer? –
perguntou Rudolph.
- Silêncio. – Pediu ele levando o indicador à boca.
Lentamente o cardeal se aproximou novamente da janela, olhando para
o pátio da entrada desta vez.
- Uma mulher está chegando, aparenta ser sua filha – olhou para o
anfitrião. – Vamos manter a calma e deixá-la se juntar a nós sem maiores
problemas.
- Ah, não! – cochichou Rudolph.
- O que foi? – perguntou Wilson.
- Ela não deve estar sozinha, Fran... – nem teve tempo de terminar a
frase, o jovem Frank abriu a porta subitamente, e correndo pela casa, atirava
com sua arma de água para todo lado.
Aproveitando a distração de Genaro e com receio de que ele pudesse
atirar no garoto, Rudolph, refém mais próximo do cardeal, com uma corrente
elétrica percorrendo todo seu corpo, saltou sobre ele em um único impulso e o
jogou no chão.
Ouviu-se um disparo.
Todos se levantaram e rapidamente August e seu avô, ajudaram Holister
a imobilizar e tirar a arma de Genaro. Porém, era tarde, gotas vermelhas sujavam
o carpete.
- Ah meu Deus! Chamem uma ambulância! – gritou Suzan.
280
Capítulo 68
Capítulo 69
- Não, não é. Basta você pensar porque nunca foi pego e porque
conversamos livremente em público. Tudo o que fez, aliás, tudo que nós
fizemos, foi com o único objetivo de deixar o infiltrado à vontade, pensando que
tínhamos outro foco.
- E a cacetada no agente aquele dia? Você armou para ele!
- Não. Aquilo, confesso, foi uma grande ideia do capitão Neville.
Colocar a suspeita em cima do seu próprio agente, dentro da Torre e a vista de
todos, foi brilhante.
- Está dizendo que esse tempo todo – o jovem fez uma pausa – eu
trabalhei para a LEM?
- Sim. E agora que já pegaram o traidor, é só me entregar este selo e se
preparar para receber as condecorações ao meu lado. – Sorriu. – Você não fez
nada ilegal Erick, você é um herói!
Esfregando forte o rosto, o jovem demonstrava o tamanho da sua
revolta.
- Você faz parte dos que destruíram o mundo. Por causa de pessoas
como você e como a doutora Morgan que nós perdemos tudo! – Lágrimas
escorreram pela face rosada do rapaz – Amigos, família, o planeta. Vocês tiram
a nossa liberdade e querem que sejamos gratos por isso.
- Eu, mais do que ninguém Erick, gostaria que essas malditas cartas
nunca tivessem sido criadas, mas não foram elas que destruíram o...
- Sim! Foram sim! A tecnologia voltada para ambição e criada para o
homem brincar de Deus foi a responsável por toda essa merda! – Expirou com
força. – Só os Templários possuem uma causa que vale a pena lutar.
Antes de apertar um botão em seu relógio de pulso, o velho coçou a
nuca e inspirou olhando para o teto de vidro do shopping.
- Lamento que tenha me forçado a fazer isso garoto. Eu tinha grandes
planos para você.
Olhando para baixo, Erick viu uma correria se iniciar no primeiro andar.
- Pode até ter sido de mentira doutor, mas se existe uma coisa que eu
faço bem, é fugir. – Colocou um pé na cadeira e com um impulso atingiu o
doutor no peito com o outro, jogando o no chão.
- Não faça isso Erick! – Gritou o velho esticado no chão vendo o jovem
se equilibrar na mureta de material transparente.
Após o chamado de Lawrence, os agentes começaram a subir acelerados
os andares do shopping, e o doutor sabia que se chegassem no garoto, não
hesitariam em atirar.
285
- Entendo doutor e sei o quanto é difícil passar por isso, mas – colocou
a mão no ombro dele – os seus esforços vão salvar toda uma realidade.
287
Reforço tardio
Suzan pegava o telefone para chamar a ambulância quando tiros foram
disparados do lado de fora da casa. Ela conteve-se e completou a ligação,
enquanto os outros foram para as janelas ver o ocorrido, com exceção de August
e Ana que permaneciam sentados no carpete.
- O que foi isso?
Chegaram a tempo de presenciar os guardas perderem o controle da
F1000 na curva da última rampa, devido aos pneus estourados, provavelmente
pelos tiros, e baterem contra a quina do muro que segurava o portão com uma
violência tremenda, fazendo a picape tombar.
- Ótimo momento para uma surpresa! – exclamou o Sr. Dunkeld
animado enquanto duas pessoas entravam apressadamente na casa.
- Ah, meu Deus! Ela está bem? – perguntou uma das pessoas que havia
acabado de entrar, uma mulher.
- Viemos o mais rápido possível. – Disse o homem, também recém-
chegado.
- E como sabiam que precisávamos de ajuda? – Perguntou o Sr.
Dunkeld.
- O senhor não vai acreditar em quem nos informou. – Respondeu.
August levantou a cabeça para ver os visitantes. Seus olhos marejados,
encheram-se de esperança quando percebeu que eram seus pais.
- Por favor, me ajudem!
Sua mãe, aproximou-se rapidamente para ver se podia fazer algo.
- O sangramento está bem contido, mas a bala ainda está aqui – disse
em tom de lamento. – Precisamos retira-la rápido.
August sentiu o coração bater fora do peito.
- Consegue? – Olhou para Ana e depois para sua mãe.
Christine respirou fundo. Já havia participado de alguns cursos e tal a
pedido do próprio Sr. Dunkeld, mas nunca tinha passado por uma situação real
como aquela.
Os olhos de medo do garoto lhe deram coragem.
- Tem um kit médico aí Suzan?
- Tenho sim. Vou pegar agora! – Saiu correndo em direção a cozinha.
Mais tiros foram ouvidos, fazendo com que todos se afastassem das
janelas aos saltos.
288
Olhando pelas quinas, longe dos vidros que se partiam devido aos
projéteis, Daiane e os senhores Holister e Dunkeld, descreviam a cena para os
demais, cena esta, aparentando um verdadeiro cenário de guerra, aos moldes de
batalha nas trincheiras.
Os guardas da Gendarmeria e o cardeal Genaro, não só sobreviveram ao
acidente como haviam saído do carro e agora o utilizavam como escudo durante
a troca de tiros contra agentes da Guardiões do Tempo, que vieram juntos de
Christine e Huginin.
- Não acredito! A Guardiões está nos ajudando? – Indagou Rudolph
surpreso.
- Quando recebi a ligação, fiquei tão cético quanto você. – Respondeu
Huginin.
- Eles também fazem contato com o LHC. Deve tê-los avisado que as
coisas podiam sair do controle. – Comentou Wilson.
- Resta saber se eles vão ficar com as cartas – acrescentou Ana com
muita dificuldade.
- Não fale. Descanse.
- O que foi que ela disse August? – Perguntou seu avô.
- Que a Guardiões pode apenas estar se ajudando. Eles também querem
as cartas.
- Não desta vez! – gritou Huginin próximo a janela.
- Como assim? – indagou Rudolph.
- A ligação foi bem clara. Os agentes da Guardiões estão aqui apenas
para nos ajudar. Farão de tudo para recuperarem e protegerem os selos, depois
entregarão a nós.
- E você acreditou? – Holister seguia descrente.
- Na verdade não, mas agora não temos escolha.
Com o barulho promovido pelo tiroteio e o clima tenso dentro da casa,
o garoto Frank em nada lembrava aquele menino elétrico que costumava ser,
não saía de perto da mãe, observando tudo com olhar assustado.
A ambulância chegara, porém afugentada pelos tiros, se manteve à
distância. Enquanto isso, August lutava para manter Ana acordada.
- Ei! Olha pra mim! Nem pense que vou deixar você perder esta
adrenalina. – Dizia segurando as lágrimas tentando animá-la, porém, apenas
arrancou um breve sorriso, que se transformou em gritos estridentes quando
Christine começou a limpar a ferida para retirar o projétil.
289
Capítulo 71
ainda que estivesse cedo para isso – viam-se nuvens cinzas, mais escuras do que
as precedentes de chuva, intensas como a fumaça de um vulcão em atividade,
expandindo-se rapidamente e trazendo a escuridão da noite consigo.
- Ah não! Está acontecendo. – Lamentou August que havia saído para
chamar os enfermeiros, com os olhos fixos no céu.
Correndo, o jovem retornou para dentro da casa, para junto de Ana e viu
sua mãe já terminando de fazer o curativo.
- É tarde demais, nós falhamos. – Aproximou-se da jovem – Como está
a dor?
- Suportável. Sua mãe retirou a bala. Parece não ter atingido nada muito
importante. – Respondeu ela com uma voz fraca.
- Então, só resta torcer para que Genaro faça a coisa certa – concluiu
August.
A nuvem já havia tapado completamente o sol, impedindo sua luz de
chegar à Terra, mesmo nos lugares mundo afora, onde ainda era meio do dia,
fez-se noite e a beleza de um eclipse solar surpresa encantou a todos em tais
localidades. Mal sabiam o que os aguardava.
292
Última cartada
Christine, após concluir o curativo em Ana, também saiu para ver o
fenômeno, ficando surpresa com sua magnitude. Não fazia ideia do que estava
acontecendo.
- Mas o que é isto? – perguntou pausadamente.
- Provavelmente é o fim do mundo. – Respondeu Daiane recebendo
olhares céticos de Christine e Huginin. – Sabem de uma coisa?
- O que? – disseram juntos.
- Vou antecipar um pouco o chá da tarde. – Concluiu sorrindo, seguindo
para dentro da casa.
- Pai! – Chamou Huginin.
- Sim filho. – Não tirava os olhos do céu.
- A Chris quer saber da ambulância.
- Se foi.
- Como assim se foi? – Christine aproximou-se.
- Foi junto com os policiais. As coisas devem ter ficado bem feias no
centro da cidade. – O foco do velho Dunkeld mantinha-se inalterado.
- O senhor sabe o que está acontecendo? – Indagou seu filho.
- Em partes.
- Como assim em partes?
- A parte de que isso podia acontecer nós sabíamos, agora as partes de
como e porque, não.
Filho e nora arregalaram os olhos.
- Sabiam que ia acontecer? Do que o senhor está falando? Que diabos é
isso? – Hug começou a estampar o medo em sua face ao olhar novamente para
o céu.
- É uma longa história filho. O que interessa é que... – fez uma pausa –
não a nada que possamos fazer.
Christine se pôs a frente do sogro e com as mãos em seus ombros
conseguiu atrair seu foco.
- O rapaz lá dentro disse que o Genaro pode fazer alguma coisa. O que
é?
Dunkeld olhou bem fundo nos olhos de Christine.
- Ele pode nos salvar.
- Quem é aquele vindo ali? – Indagou Rudolph aproximando-se dos três.
293
- Acho que é meu filho – expirou Wilson. – Como será que ele nos
achou?
- Eu chamei – respondeu Huginin.
Na sala, ao passar por August, que praticamente efetuava a cena que
havia descrito durante o café da manhã, Daiane parou.
- Só falta o beijo. – Sua fala saiu praticamente sem som, deixando o
entendimento apenas pela leitura labial.
August sabia que ela o estava tentando animar, então sorriu em
agradecimento.
Seguindo seu caminho em direção a cozinha, passando o olho na
mesinha de centro da sala, Daiane novamente interrompeu seus passos e foi até
ela.
- E esta carta aqui?
- Que carta? – Perguntou August.
- Esta. – Levou-a até o jovem.
A reconheceu apenas pela visão periférica.
- Deve ser a resposta do LHC. – Respondeu sem demonstrar qualquer
reação animadora.
- Mas não vi vocês a enviarem de novo.
O jovem expirou tentando se conformar.
- Enviamos informando quem poderia ser o detentor do selo restante e
pedindo uma explicação sobre como pararíamos a singularidade caso
conseguíssemos o último selo.
Daiane quase deu pulo.
- Então, o que está esperando? Mãos à obra! – acrescentou animada,
movendo o lacre desdobrando a folha. – Parece que um disquete veio jun...
- Não adianta sabermos a forma, sequer temos mais os selos. É inútil. –
Sua expressão era de fato desoladora.
- E quem disse que não? – perguntou um jovem de cabelos lisos, longos
e loiros, porte atlético, óculos escuros e jaqueta de couro preta de mangas
curtas cortadas, sobre uma bela camisa branca escrito I Love Rock ‘n Roll,
entrando na casa, seguido pelos demais.
August e até mesmo Ana, já sentada no sofá, ergueram a cabeça.
- Fiquei sabendo que estavam dando uma festa, então, decidi trazer um
presente. – Acrescentou o jovem mostrando a maleta de Genaro com os selos
dentro.
Daiane quase caiu para trás.
294
Capítulo 73
Rasgando o céu
Uma rápida conversa sobre como posicionariam os selos. A decisão foi
lógica. Cada selo precisaria estar na mão de alguém para que conseguissem
acioná-los ao mesmo tempo.
Todos se dirigiram ao pátio, na parte mais plana da entrada da casa,
próximo ao portão derrubado pelos guardas de Genaro, cujos destroços tiveram
de ser retirados para que conseguissem posicionar os selos da maneira indicada
pelo LHC.
- Vamos pessoal! Precisamos agir rápido! – Incitava August enquanto
se encaminhava para fora da casa escorando Ana junto com sua mãe.
Os tremores continuavam a se intensificar, apressando e amedrontando
ainda mais o grupo.
Sem a correria e todo o caos ocorrido em Londres, August e Ana se
mantinham mais calmos e o fato da casa do Sr. Holister ser afastada do
movimentado centro urbano, contribuiu bastante para que os demais também
contivessem os ânimos.
Munin, Huginin, Rudolph e Wilson se candidataram para ativar os selos
ESCARAVELHO nas extremidades e August, após instruir cada um deles sobre
como proceder graças as dicas de Ana, se incumbiu de ativar os dois UDJAT no
centro.
Precisa funcionar. Demonstrava confiança ao encarar cada uma das
pessoas que amava, dirigindo-se para seus postos. Pareciam estar indo para a
guerra.
Os demais se cumprimentaram, se abraçaram e o tom da conversa entre
eles era de despedida, todos receosos sobre o que os aguardava. Olhando para o
céu, o medo dentro deles crescia exponencialmente.
O barulho provocado pelo vento os impedia de escutar os estalos, como
os provocados por raios, que começavam a se intensificar dentro da
singularidade.
O fornecimento de luz encerrou-se de vez.
Com a escuridão em terra, a incomparável mistura de cores no céu ficou
ainda mais evidente.
- August depressa! Estamos ficando sem tempo!
Objetivando fazer o possível para protegê-los, imaginando que o centro
seria o local mais perigoso e que sofreria o maior impacto da força exercida pelo
rasgo na estrutura tempo-espaço em contato com a singularidade, August, com
300
Capítulo 75
ficava no topo da torre estilo medieval da casa do Sr. Holister, logo acima do
sótão.
Com os tremores se intensificando e a Terra parecendo não efetuar mais
os movimentos de rotação e translação, era perceptível a proximidade do
momento, quase não conseguiam se manter nas posições.
Chegou a hora.
Ana pressentiu que o derradeiro momento havia chegado.
- Me ponha no chão, consigo ficar de pé.
Assim ele fez. Encarando-a, bem próximo de sua face, perguntou com
seu inconfundível sorriso:
- Bom, eu sei boa parte do seu gosto musical, quer descobrir um pouco
mais do meu? – retirou o pequeno aparelho MP3 que sempre carregava consigo,
agora ao lado de um chaveiro da Torre Eiffel, do bolso da calça.
- Será um prazer. – Respondeu a jovem com sua habitual expressão
simpática, pegando os fones e o colocando um em seu ouvido e o outro no de
August.
- Esta é a uma das músicas que eu mais gosto. Coloquei o arquivo dela
três vezes seguidas, só para não precisar apertar o botão de repete. – Sorriu.
Capítulo 76
Capítulo 77
Ali ficaram por mais alguns bons instantes, refletindo sobre tudo que
haviam presenciado, vivido.
As horas, quando se tem um bom assunto e uma boa companhia, passam
depressa, muito depressa. É o tempo mostrando que ainda é ele o responsável
por dar as cartas.
- Sabe Hug, August e Ana são bonitos nomes para crianças, não acha?
- São sim pai, – expirou sorrindo – são sim. Talvez, se um dia tivermos
um menino, eu deixe o nome Hermes como sobrenome, talvez – expandiu o
sorriso.
Tendo recolhido os selos em uma badeja, Rudolph estranhou a ausência
de um deles.
- Está faltando um selo UDJAT.
Nem foi preciso pensar muito para deduzirem seu paradeiro.
- Com certeza ele desapareceu com eles – respondeu Balder contrito.
- É – concordou o velho amigo também com muito pesar. – E, o que
faremos com estes? – Apontou para os outros cinco.
- Vamos colocá-los de volta nas cartas e entregar a CRONOS. –
Respondeu Balder.
- Pai, com toda essa gente atrás deles, acha mesmo seguro mantê-los em
um mesmo lugar? – Interveio Huginin.
- É – parou um pouco para pensar – eu acho sim. Vamos dar uma
melhorada na segurança da agência, não só na segurança.
Quase que de forma unânime, quase porque Frank, dormindo no colo
do avô não votou, decidiram tomar chá, comer algo e esperar um pouco mais
para colocar a mão na massa e começarem a reconstruir o mundo, afinal, todo
reaparecer do sol é digno de admiração.
homem careca, de porte físico avantajado, adentrou sem fazer barulho. Era
tarde.
Utilizando sua chave, com o intuito de não acordar ninguém, mesmo
duvidando que alguém estivesse dormindo após tudo que aconteceu, tentou ligar
a luz.
- Não está funcionando.
Uma voz ecoou pelo salão, fazendo o coração do homem disparar de
susto.
Com os olhos aos poucos se adaptando a escuridão, conseguiu ver de
onde a voz havia se originado.
Iluminado pela fraca luz do luar, um homem encontrava-se sentado no
primeiro degrau de uma escadaria, que possuía respingos vermelhos em degraus
um pouco mais acima.
O visitante foi até outro interruptor e conseguiu ligar algumas fracas
luzes amarelas embutidas no teto.
- Ah meu Deus Sir Lancelot! O que aconteceu?
O homem que antes lhe dirigira a palavra, com o rosto inchado e os
olhos vermelhos, sentado em uma poça de sangue, olhando para as marcas nos
degraus da escada, segurava um velho nos braços.
- Isso, Sir Galahad, é a recompensa por se fazer a coisa certa.
Capítulo 78
Munin, que desde quando o vira não conseguia tirar aquele disquete da
cabeça, saiu da casa correndo e foi até a mureta de madeira da varanda.
- Aí pessoal! Vocês precisam ver uma coisa!
- Ah meu Senhor, o que será agora? – Lamentava Daiane desligando o
fogão e se dirigindo para sala.
Todos os que ainda se encontravam fora da casa, também se apressaram
para descobrir o motivo da agitação.
- O que foi filho? Por que esse desespero todo? – Indagou Balder entre
uma respiração e outra.
- Vejam vocês mesmos – abriu um arquivo em vídeo no computador.
- Isso aí foi o LHC quem mandou? – Perguntou Rudolph.
Munin engoliu seco antes de confirmar.
Vários segundos foram necessários para que o arquivo carregasse.
310
Epílogo
Um jovem boa pinta, de cabelos louros e lisos na altura dos ombros,
óculos escuros e jaqueta preta, conversava amistosamente com uma atendente
de uma pequena loja de conveniências afastada do centro urbano de Gloucester.
À princípio, o objetivo era pedir informações, todavia, a resposta para a
pergunta “Onde mora um tal de Rudolph Holister?”, parecia bem complicada,
pois o papo já estendia-se por uns dez minutos.
Vindo da dispensa, outra funcionária achegou-se e interrompeu a
conversa. Com cara de poucos amigos, tudo levava a crer que ela chamaria a
atenção de sua companheira de trabalho, afinal, mesmo com o movimento sendo
quase nulo, ali não era lugar para ficar flertando. No entanto, a expressão
carregada, tinha outro motivo.
- Munin?
O jovem se virou assustado. Reconheceu a voz e, mas quem disse que o
nome lhe veio à mente.
- Munin Dunkeld! – A jovem confirmou. – Que mundo pequeno!
O rapaz até chegou a abrir a boca, mas não ia arriscar, se lembrara da
última vez que a viu.
A moça, recém chegada, percebeu logo a situação e com um gesto o
incitou a falar.
- Jeni… – parou por aí.
- Judith! – completou enraivecida – Seu cretino miserável! Por que me
deixou plantada daquele jeito?
- Bom… – até tentou pensar em uma boa desculpa, mas nenhum motivo
era bom o suficiente para levar e depois deixar uma moça sozinha dentro de um
restaurante, fugir pela janela do banheiro e ir encontrar-se com a bartender que
acabara de bater o ponto.
- Vamos! – A moça gritava – Quero ver se é tão bom de lábia para
inventar desculpas, como é para xavecar!
Mesmo com uma plateia de apenas quatro pessoas, contando com um
casal que acabara de entrar, Munin ficou constrangido e deu logo um jeito de
sair dali.
- Eu tive uma urgência – afastou-se do caixa andando para trás – igual
a que eu tenho agora… preciso ir! – Virou-se e apertou o passo em direção a
saída.
314
www.instagram.com/minhaprimeiracegonha
www.instagram.com/douglas.escritor
318
www.facebook.com/douglasrodriguesescritor
www.instagram.com/douglas.escritor
319
www.facebook.com/douglasrodriguesescritor
www.instagram.com/douglas.escritor
320