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A GEOGRAFIA HUMANISTA

ANGLO-SAXÔNICA- DE SUAS ORIGENS


AOSANOS90*
Werther Holtzer**

partir de uma perspectiva ou período de tempo


INTRODUÇÃO demasiadamente restrito, o que dificulta a de-
limitação de seu campo, que muitas vezes é
confundido com o da "geografia da percepção
Este artigo procura delimitar o campo de e do comportamento" ou com estudos de "per-
estudos da geografia humanista. de seus an- cepção ambiental".
tecedentes, na década de 50, aos dias de hoje.
Nosso convite é que deixemos nos levar
Procuramos deixar de lado modelos que pela riqueza dos contextos, das individuali-
classificam as ciências humanas a partir da dades e contradições que vão compor essa
idéia de paradigma ou de outras correlatas, geografia que ainda tem muita Terrae ln-
como enunciaram Kuhn (1962), Popper (1972) cognitae para ser explorada.
ou Lakatos (1978). Optamos por utilizar como
A geografia humanista começou a ser
referência a proposta de um enfoque con- gastada, como disciplina, nos Estados Unidos
textual (Johnston, 1986 A), que sugere que ao final pa Segunda Guerra Mundial. Como
os conteúdos de uma determinada disciplina observa Mikesell (1986}, a disciplina nessa
vão refletir as demandas da sociedade. Esse época teve um expressivo aumento no
enfoque pode ser complementado pela pro- número dos alunos, gerando a cpntratação
posição de que os coletivos de pensamento de novos professores e a criação de novos
têm uma organização anárquica onde os indiví- cursos. Esses fatos levaram a uma estru-
duos, constituídos em pequenos grupos (cole- turação da geografia norte-americana a partir
tivos ou grupos de interesse), se unem em tomo de campos temáticos, com uma proliferação
de um objetivo comum (Feyerabend, 1970). de subcampos.
São poucos os trabalhos que inventariaram A formação desses primeiros geógrafos do
a geografia humanista, e o fizeram sempre a pós-guerra, segundo Mikesell (1986}, estava

*Recebido para publicação em 07 de janeiro de 1993.


**Arquiteto (1984). Bacharel em Comunicação Social (1990). Professor de Projeto Urbano da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense- UFF- e Mestre em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), com dissertação
da qual deriva este artigo.
R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 55 (1/4): 109- 146, jan.ldez. 1993.
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voltada para a compreensão dos diversos lançaria os pilares de sua obra e da própria
fenômenos relativos à disciplina (urbanos e geografia cultural. Ali seriam delimitados três
rurais, físicos e biológicos, etc.), para a com- campos distintos para a geografia: o estudo
preensão dos processos históricos e para as da terra como meio de processos físicos; o
técnicas que instrumentalizavam a disciplina. estudo das formas de vida como sujeito de
Sua obrigação fundamental seria a de com- seu ambiente físico; e o estudo da diferen-
preender os pontos, linhas e áreas dos mapas. ciação de áreas ou de hábitats da terra. Este
Esse retrato nos revela um geógrafo ainda último campo, do estudo da diferenciação de
voltado para os padrões clássicos da disci- áreas, seria o mais valorizado pelos geógra-
plina, apesar dos trabalhos precursores de fos norte-americanos.
Christaller, Lõsch e Werber. Mikesell (1986) Para efeito deste artigo, a questão da dife-
comenta ainda que somente com a publi- renciação de áreas tem interesse limitado, en-
cação de "Location and Space Economy" de quanto que a questão da fenomenologia da
lsard (1956), e do manifesto de Kuhn (1962) paisagem e do método proposto peloautorpara
acerca do desenvolvimento das ciências a captar o significado e a riqueza dessa dife-
partir de paradigmas, os novos geógrafos se renciação são de grande importância. Os
sentiram como integrantes de um novo para- próprios humanistas destacariam essas ca-
digma que revolucionaria a disciplina - a geo- racterísticas dos trabalhos de Sauer. Buttimer
grafia analítica. (1976) citaria a proposta do autor para a des-
Apesar do clima de euforia inicial, provo- crição da paisagem como um exemplo da re-
cado pela geografia analítica nos meios geo- flexão sobre o significado experiencial da
gráficos norte-americanos, a esperada revo- ocupação da terra pelo homem.
lução da disciplina não se confirmou em mui- Essa valorização seria, em outras pa-
tos aspectos. Mikesell (1986) faria uma con- lavras, a do mundo vivido, e pode ser
sideração fundamental a esse respeito: a de atribuída à importância dada por Sauer, em
que a nova geografia se instalara em alguns seu "The Morphology of Landscape", à visão
subcampos importantes e acabara com o pro- fenomenológica da ciência. Para o autor, toda
jeto hartshorniano de uma geografia regional a ciência poderia ser considerada como feno-
autóctone, mas não fora capaz de ocupar os menologia. A geografia teria, neste contexto:
campos já tradicionais da geografia histórica
"O papel concebido como sendo o esta-
e da geografia cultural. Seria nesses campos
belecimento de um sistema crítico que inclua
que se gestaria a geografia humanista.
a fenomenologia da paisagém, de modo a cap-
tar todos os significados e cores do variado
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cenário terrestre" (Sauer, 1983 A, p. 320).
AS ORIGENS DA GEOGRAFIA O resultado dessa concepção seria o de
HUMANISTA uma geografia não-positivista, que observa-
va os objetos contidos na paisagem em suas
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inter-relações, e que propunha uma visão
integral (ao mesmo tempo individual e genéri-
Carl Sauer e sua contribuição na ca, física e humana) dos fatos do lugar.
formação da geografia humanista O termo paisagem, segundo o autor (Sauer,
1983 A), fora escolhido justamente porque
Não podemos nos referir à geografia cultu- definia a área moldada pela associação de
ral sem citar a obra de Carl Sauer. Por sua vez, formas distintas, tanto físicas quanto cul-
é difícil falarmos na geografia humanista sem turais. A paisagem era assim utilizada como
nos reportarmos, em algum momento, à geo- uma unidade dialética da expressão cultural,
grafia cultural. Os temas favoritos de ambos que se prestava à integração de todos os
os campos têm muitos aspectos em comum. fenômenos abordados pela geografia a par-
Estão entrelaçados. Razão que nos leva a in- tir da valorização da hábitat do homem.
vestigar a importância de Carl Sauer para o Muitas das questões abordadas por Sauer
surgimento de uma geografia humanista. em ''The Morphology of Landscape" foram fun-
Seria em "The Morphology of Landscape", damentais para a geografia cultural norte-
publicado em 1925 (Sauer, 1983 A), que Squer americana, entre as quais destacamos: a
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valorização da relação do homem com a paisa- tensão,das percepções e das vivências. Esse
gem, que é por ele formatada e transtornada aspecto seria especialmente criticado por Du-
em hábitat, e avisão integral da paisagem como can (1980) ao estudar o caráter superorgânico
característica que individualiza a disciplina. atribuído à cultura pelos geógrafos culturais.
A geografia humanista também se apóia Apesar disso, como já observaram auto-
nesses temas, diferenciando-se da primeira res como Mikesell (1978), Lévy (1981) e Ley
por enfatizar o mundo vivido e a intenciona- (1981) a geografia humanista é herdeira di-
lidade humana como fator de modificação e reta da geografia cultural, e particularmente
de ligação com o hábitat. das idéias de Sauer. Alguns de seus prin-
A questão que mais aproxima as duas cipais expoentes tiveram formação cultu-
tradições geográficas é, com certeza, a sua ralista, como Relph e Tuan. Além disso, a
insistência em afirmar que a geografia está geografia cultural manteve vivos, durante
"além da ciência". Para Sauer, ainda em "The amaréanalíticanageografia,oculturalismo,
Morphology of Landscape": o antropocentrismo e, principalmente, ores-
peito pela diversidade de temas, o que per-
"A melhor geografia nunca deixou de con- mitiu aos geógrafos incursões por campos
templar as qualidades estéticas da paisagem mais amplos que os oferecidos tanto pela
para a qual não conhecemos outro método que geografia tradicional quanto pela geografia
não seja subjetivo" (Sauer, 1983 A, p. 344). analítica.
Sobre o mesmo assunto o autor seria mais
afirmativo em "The Education of a Geogra- John Kirtland Wright e a
pher": imaginação geográfica
"Além de tudo o que pode ser transmitido
pela instrução e que pode ser dominado me- Diversamente de Sauer, que teve influência
diante técnicas, se encontra o domínio da per- difusa sobre os geógrafos que proporiam a
cepção e da interpretação individual, a arte da geografia humanista, Wright teve uma influên-
geografia. A geografia regional verdadeira- cia direta. Como veremos adiante, seu seu
mente boa é arte refinadamente figurativa, e discurso presidencial pronunciado por oca-
a arte criativa não está circunscrita a padrões sião da 43ª Reunião Anual da "Association of
ou a métodos" (Sauer, "1983 B, p. 403). American Geographers", em 30 de dezembro
de 1946 (Wright, 1947), seria recuperado
Junte-se a isso sua recusa em aceitar os quinze anos mais tarde por Lowenthal (1961 ),
ditames da geografia quantitativa, que foi mani- que procuraria dar continuidade e aprofundar
festada com a publicação de "The Education as questões ali levantadas.
of a Geographer" em 1956, e mantido até em
seus últimos artigos como "On the Background Wright foi incansável divulgador da geo-
of Geography in the United States", de 1967, grafia. Seu trabalho de graduação (1913) ver-
onde alertaria: sava sobre a história européia, enquanto que
sua tese de doudorado, defendida em Cam-
"Uma humanidade massificada está para bridge (1922), discorria sobre a geografia
ser submetida a símbolos matemáticos e a muçulmana medieval. Foi, também, durante
funções de relações espaciais. Eu não acredi- quase 20 anos (1920-1937) editor da "Ameri-
to que esta sofisticação seja um conceito váli- can Geographic Society''. Sua preocupação
do, nem que isso dê graça e verdade à imagi- com a história da geografia pode ser eviden-
nação geográfica" (Sauer, 1981, p.244). · ciada, por exemplo, em seu "AtlasofHistorical
Outra questão levantada por Sauer desde Geography in the United States" publicado
1925 era a da dimensão temporal envolvida em 1923, que está entre as muitas obras do
nos fenômenos espaciais abordados pelos autor dedicada ao tema.
geógrafos, esuapreocupação "ecológica" para Compreendemos, então, que o citado dis-
com o destino das culturas e da humanidade. curso, publicado no "Annals of AAG" em 1947,
No entanto, uma diferença fundamental en- com o título de "Terrae lncognitae: the place
tre as duas geografias deve ser destacada. of imagination in geography" (Wright, 1947),
Trata-se da ênfase, dada pela geografia cul- sintetiza preocupações que o autor demons-
tural, ao caráter coletivo da cultura e, por ex- trava ter desde a década de 20, como, por
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exemplo a de conhecer outras geografias que David Lowenthal e uma nova


não a institucionalizada. epistemologia da geografia
Em "Terrae lncognitae". Wright reconhe-
ceria a existência de terras incógnitas literais David Lowenthal foi mais do que um pre-
e simbólicas, observando que se hoje não cursor. Ele foi, juntamente com Tuan, um dos
mais existem as literais, a curiosidade nos genitores da geografia humanista. Sua obra
leva a explorar locais que pessoalmente não se avultaria e se consolidaria na época da
conhecemos~ as terras incógnitas pessoais. afirmação da geografia humanista com o
O sentido dessas terras incógnitas variaria campo da geografia. Podemos dizer que o
segundo o conhecimento disponível, pos- autor também influenciou no aparecimento da
suindo, segundo o autor, dois graus distintos geografia comportamental, muito mais devido
na geografia: a sua preocupação em desvendar o funciona-
mento da percepção humana do que pelos
"... o conhecimento de fatos observados questionamentos centrais de seu trabalho, que
e o conhecimento derivado de uma inter- eram epistemológicos, vinculando-o efetiva-
ferência dos fatos observados, ... " (Wright, mente ao pensamento da geografia humanista.
1947, p. 3).
Segundo esse ponto de vista, todos pos- Lowenthal pertence a uma geração sub-
suem imaginação geográfica, cabendo ao seqüente à de Sauer e de Wright. Sua
geógrafo estar sensível às terras incógnitas tese de doutorado, defendida em Wisconsin
simbólicas, e a investigação geográfica co- nos meados dos anos 50, versava sobre
vertê-las de terrae incognitae da ciência em George Perkins Marsh e fora orientada por
terrae cognitae científica, e o da educação Sauer. De meados dos anos 50 aos meados
geográfica converter as terrae incognitae dos anos 60, qividiu seu tempo entre a Uni-
pessoais em terrae cognitae pessoais. versidade das lndias Ocidentais e o "lnstitute
of Race Relations" situado em Londres.
Em ambos os casos caberia à imaginação Nos anos 60 e 70 foi professor de ciências
geográfica tornar as imagens mentais em políticas, geografia, landscape architecture
uma nova visão, uma nova criação. Essa e environmental psychology, nas Univer-
concepção implicava a valorização da sub- sidades de Harvard, MIT, Nova Iorque,
jetividade. que o autor não via como antítese Berkeley, Minnesota, Clark e do "University
da objetividade, mas como: College" de Londres.
"Uma disposição mental de conceber as coi- Aqui nos interessa o pensamento do autor
sas referindo-se a alguém, ou seja, como apare- na ocasião em que foi publicado seu artigo
cem a um !indivíduo! pessoalmente, ou tal co- intitulado "Geography, Experience and lmagi-
mo possam ser afetadas por interesses e dese- nation: towards a geographical epistemology"
jos pessoais de alguém" (Wright, 1947, p. 3). (Lowenthal, 1961). Este artigo era a versão
Essa argumentação a favor da subjetivi- de um trabalho apresentado no XIX Congresso
dade nos leva à questão central proposta de Geografia realizado no ano anterior em
no discurso de Wright: a de que os geógrafos Estocolmo. Nele, Lowenthal retomava, explici-
não devem se utilizar somente de sua própria tamente, questões levantadas por Wright
imaginação geográfica, mas também da dos (1947) quinze anos antes, considerando como
outros. A geografia seria composta, então, objeto de estudo:
de dois domínios distintos: uma área nuclear "A natureza dessas terrae incognitae, e a
central reduzida, que concentrava os es- relação entre o mundo exterior e as imagens
tudos formais (ou a geografia do conhe- que estão em nossas cabeças" (Lowenthal,
cimento), denominada pelo autor de so- 1961, p. 241).
fogeografia; uma área muito mais ampla,
composta de trabalhos não científicos (livros logo na introdução de seu artigo, Lowenthal
de viagens e de ficção, pinturas, etc.) e procurava diferenciar seu pensamento do que
de concepções subjetivas do mundo (ou dominava a geografia da época, observando
o estudo do conhecimento geográfico), de- que sua pesquisa era epistemológica e não
nominada pelo autor de geosofia. Este metodológica, preocupando-se com todo o
segundo conceito seria recuperado por pensamento geográfico: o científico e os ou-
Lowenthal, contribuindo com toda a certeza tros, ou seja, com a geosofia como fora pro-
para o surgimento da geografia humanista. posta por Wright.
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O autor dizia que a geografia é a ciência pelo grande número de artigos e livros pu-
que mais incorpora elementos da vida co- blicados, inclusive traduzidos para o portu-
tidiana, o que não impedia de distinguir entre guês (Tuan, 1980 e 1983). Vamos dedicar-nos
um núcleo formal (científico) e um núcleo in- agora aos seus primeiros artigos, publicados
formal mais amplo. Segundo ele, existiria uma no periódico "Landscape" no início da década
dualidade entre a concordância básica sobre de 60, quando o jovem professor lecionava
o caráter do mundo, baseada em nossas ca- na Universidade do Novo México. Esses tra-
racterísticas fisiológicas, e uma visão mais balhos já contêm os traços do humanismo
pessoal, que só é compartilhável parcial- que marcaram sua produção nas décadas
mente e transitoriamente. subseqüentes.
Essa experiência pessoal está calcada em O primeiro artigo de Tuan, intitulado "Topo-
uma visão antropocêntrica, segundo a qual: philia or Sudden Encounter with Natura"
"Mundos pessoais separados, de experiên- (Tuan, 1961 ), já prenunciava o estilo pes-
cia, de aprendizagem e de imaginação fun- soal do autor, onde as idéias centrais estão
damentam qualquer universo de discurso" apoiadas em muitos exemplos retirados da
(Lowenthal, 1961, p. 248). literatura, das artes e de outras ciências pró-
ximas à geografia. Não se tratava de um
De qualquer modo, o autor considerava texto eminentemente técnico,. mas sim de
que tanto a visão geral do mundo como uma obra aberta, marcada pela erudição.
os ambientes pessoais transcederiam, de
alguma maneira, a realidade consensual ob- ''Topophilia" procurava mostrar como ex-
jetiva, ou seja, o que as pessoas percebem periências banais, vividas por pessoas sen-
compartilhadamente pertenceria ao mundo síveis (poetas, no caso), podem transcender
"real", gerando um ajuste imperfeito entre o domínio do racional. Para Tuan essas ex-
o mundo exterior e as visões pessoais que periências ocorrem principalmente com pes-
são tidas sobre ele. soas relacionadas com a Terra, como geó-
As visões pessoais seriam, então, únicas grafos, geólogos, naturalistas e fazendeiro.
por vários motivos: porque cada pessoa tem No entanto, as evidências dessas experiên-
seu ajuste pessoal e porque seleciona o seu cias são incrivelmente escassas quando se
meio e reage aos estímulos de maneira di- trata de registros escritos.
ferente. Apesar dos limites colocados pelas
necessidades lógicas, pela filosofia e pelos Na geografia, observaria o autor, esta des-
padrões de grupo, a pessoa estrutura o mun- crição vivida da paisagem podia ser en-
do a partir de sua vivência pessoal, e sua contrada facilmente nas obras dos natu-
ralistas do Século XIX, mas foi cedendo
linguagem se ajusta às visões pessoais que
tem do mundo. Isso acontece porque: lugar ao texto impessoal dos cientistas con-
temporâneos. Para Tuan:
"... toda informação é inspirada, editada e
distorcida pelo sentimento" (Lowenthal, 1961, "... parte do trabalho dos geógrafos é re-
p. 257). tratar todos os aspectos das cenas (paisa-
gens ou regiões) pelas quais têm uma afei-
Estavam aí os fundamentos de uma nova
ção especial. Afinal de contas, muitos de
epistemologia para a geografia, ~ue orien-
nós devem ter tido o primeiro romance com
tariam posteriormente a geografia humanis-
o seu objeto de estudo através de alguns
ta. Suas considerações básicas estavam na ·
encontros reais com a cor, o odor- o tempera-
crença de que:
mento - de um lugar" (Tuan, 1961, p. 30).
"A geografia do mundo é unificada somente
pela lógica e ótica humana, por luz e cor Esta afeição foi denominada por Tuan
do artifício, por arranjo decorativo e por de "topophilia" definida como o amor pela
idéias do bom, do verdadeiro e do belo" natureza. Para ele, as obras "poéticas" de
(Lowenthal, 1961, p. 260). Bachelard - "La Terre et les Revêries de
la Volonté", "La Poétique de !'Espace" e
"L'Eau et les Rêves"- são exemplos para
Vi-Fu Tuan e a topofilia o estudo da topofolia. O autor sugeriria que
os geógrafos deveriam se unir aos poetas
Tuan é hoje um dos principais protagonistas no desfrute do esplendor de seu objeto de
da geografia humanista, como se pode ver estudo, ou seja, da Terra.
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Em outro artigo, intitulado "Can There Be das questões epistemológicas abordadas


an. Existential Architecture? architecture pela geografia humanista. Ignorada por
and human nature" (Tuan, 1963), o autor se quase quarenta anos, a obra de Dardel tor-
dedicaria a explorar as relações entre o na-se agora leitura obrigatória para quem
existencialismo e a experiência cotidiana, desejar trilhar os caminhos da teoria da
comparando três visões ocidentais da na- geografia, principalmente sobre uma ótica
tureza humana: a cristã, a humanista e a fenomenológica ou humanista.
existencialista. As duas primeiras são criti-
O esquecimento a que foi relegado este
cadas, enquanto que a obra de Sartre e
pequeno livro justifica-se pela biografia de
as de outros existencialistas são tomadas
seu autor. Dardel era, antes de tudo, um
como diretriz para aproximar a geografia
professor que passou a vida lecionando em
das experiências vividas.
liceus franceses. Não é nessa atividade pro-
Esses artigos que comentamos aqui, ape- fissional que devemos procurar a inspiração
sar de singelos, apontam para os vários de "L'Homme et la Terre", mas sim no profun-
caminhos que seriam seguidos mais tarde do interesse do autor pela filosofia, principal-
pela geografia humanista: a procura da in- mente nas obras de Kierkegaard, Jaspers
terface com as artes, da base feno- e Heidegger.
menológico-existencialista, e da valorização
da experiência vivida. Dardel se opunha à redução da geografia
a uma simples disciplina científica. Para ele
Podemos encontrar também pontos de a geografia demonstrava que os fatos da exis-
contato com outros autores da época, como tência humana não podem ser objetivados
Lowenthal, por exemplo, na valorização da pela ciência, exigindo outro tipo de análise
memória como produtora de imagens prove- (Besse, 1990).
nientes da experiência concreta, e na impor-
tância atribuída a essas impressões colhidas A primeira preocupação de Dardel seria
pela memória no relacionamento entre o corpo para com a definição de espaço geográfico.
e o espírito. O autor diferenciaria entre este e o espaço
geométrico, observam;lo que:

Eric Dardel, um humanista "A geometria opera sobre um espaço abs-


trato, vazio de todo o conteúdo, disponível
esquecido para todas as combinações. O espaço geo-
gráfico tem um horizonte, um modelado, cor,
Ao reservarmos um lugar neste artigo para
densidade. Ele é sólido, líquido ou aéreo,
o pequeno livro de Dardel, intitulado "L'Homme
largo ou estreito: ele limita e ele resiste"
et la Terre: nature de la realité géographique"
(Dardel, 1990, p. 2).
(Dardel, 1990), que foi publicado em 1952,
procuramos resgatar a importância de um Essa diferenciação é fundamental, pois
precursor que foi esquecido. Diversamente determina dois tipos de geografia: a moder-
de Wright, que teve seguidores quase que na, produto renascentista, devido à volta do
imediatos, o livro de Dardel só seria resgatado homem ao mundo exterior na ambição de
em meadosdadécadade 70, porRelph (1976), fazer uma geografia universal que compre-
no seu já clássico "Piace and Placelessness", endesse c1 mundo geograficamente; e uma
e, posteriormente, para os países francófonos, geografia anterior, vivida em ato existente
pelo geógrafo André-Louis Sanguin (1981 ). a partir da vivência cotidiana, que trata da
Um extrato do livro de Dardel foi publicado geograficidade (geographicité) do homem
por Pinchemel, Robic e Tissier (1984). Pos- como modo de existência e de destino.
teriormente seria publicado integralmente em
Para Dardel, a geografia deveria decifrar
italiano (Copeta, 1986). Finalmente, em 1990,
os signos ocultos da Terra, ou seja, o que
sairia a reedição francesa, acompanhada de
eles revelam sobre a condição e o destino
biografia e comentários de autoria dos editores humano. O espaço geométrico seria, então,
(Dardel, 1990). homogêneo, uniforme e neutro, enquanto
Esse interesse tardio por Dardel é explicá- que o espaço geográfico é único, tem nome
vel. Como observou Besse (1988), ele con- próprio, o que exige uma atitude exploratória
seguiu associar, melhor do que ninguém, a que alie ao rigor da ciência a observação
filosofia à geografia antecipando-se a muitas pessoal e poética.
·-:-:-:-:-:-;-;.;.;.;.;.·,·.;.;.:-·..;-· .. ··:·:·:·:·:·:·:·: ..,,_.,:...•.·.;.;.;.:.;.; -~-~ .·,-:.;.;.;.;. ;.;.;.;.·.: .··:·:·:···. :-:-:-:·:-;.;.;.;.;.;.;.;.·~·-·-:.::-:···: ·:·:-:-:-~·:-;.;.;.:,;.;.·.;. ··:·:·:·:·:·:· :-:·:-:-:-:-:•:1 ;.;.·.;.·-;·:·:·:·:·:·.·:·: .·:-:-:·:·:·!·:·:·:·:·:·:·:-:·:·:·:·:·:·:·:·:-:-:·:·:·:•:·:·:·:•:

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O autor observaria que a espacialização
da matéria exige um comportamento ativo, A GEOGRAFIA
onde a distância é um elemento primordial,
estruturadordo mundo que nos rodeia. A partir PROTO-HUMANISTA
da noção de distância define-se o "perto" e :-•.•,!.•-t.•.·.·············-·.;.•.•.·-t.•.······1•'•!•'·'·!·:•:.;.:-t.;.;.•:•, •.•,•,_:,•.•.;,•.•.•.•.·.;.•.•.·.·.-.••.•.·.·.·.•.·.•.•.•.-.•.·.:-·.:·:·:·l·:-:-:-:-:•.

o "longe", e se determinam as regras de ori-


entação no espaço, onde o referencial é o A introdução da questão da
próprio corpo e o suporte onde ele se instala: percepção ambiental na geografia
a casa da família, a vila natal, as colinas.
Já nos referimos aqui ao .artigo "Geography,
Esse espaço primitivo, que envolve nossos Experience and lmagination" de Lowenthal
pensamentos, vontades e desejos, engloba (1961 )que,em nossa opinião, foi um pioneiro
tanto o espaço material, próximo ao espaço n~ introdução do tema da percepção am-
geométrico concreto, quanto ao espaço onde biental na geografia. Tema que já fora in-
se desenvolve a existência, associado ao con- troduzido na disciplina por Wright (1947) e
ceito de extensão. A direção e a distância Kirk (1951) e, sob outro enfoque, por Gilbert
definiriam uma situação, que é "um sítio estável White (1945).
e inerte", e que vai delinear o arcabouço da
geograficidade: Coube a Lowenthal retomar as proposições
de Wright e formatá-las segundo as pesquisas
"Do plano da geografia, a noção de situação cor~entes na área da psicologia experimental,
extravasa para os domínios mais variados ass1m como de outras ciências humanas co-
da experiência do mundo. A 'situação' de um mo a sociologia e a filosofia. Seu artigo de
homem supõe um 'espaço' onde ele 'se mo- 1961 baseava-se em mais de 200 títulos dos
ve'; um conjunto de relações e de trocas; dire- mais diversos assuntos, o que provocou uma
ções e distâncias que fixam de algum modo
renovação de idéias na geografia cultural e
o lugar de sua existência" (Dardel, 1990, p. 19).
histórica norte-americana (Mikesell, 1978), se
Mesmo este espaço geográfico, material, tornando, mais tarde, fonte de consulta para
se decompõe, segundo o autor, em alguns geógrafos comportamentais como Downs
elementos que extrapolam a noção de su- (1970).
perfície, colocando-se em um nível difícil- Ageografia daquela época, no entanto, era
. mente alcançável pela ciência. Esses ele- um campo rigidamente delimitado, fechado
mentos são: o espaço telúrico, o espaço
em sua singularidade de ciência descritiva e
aéreo e o espaço aquático. Existem também
de síntese. Os geógrafos teriam que passar
os elementos produzidos pelo homem: o
espaço construído e a paisagem. Para o primeiro pela renovação imposta pela adoção
autor, a paisagem é uma manifestação mais dos métodos quantitativos, para posterior-
ampla e complexa que a de lugar, pois ela mente vislumbrarem as possibilidades ofere-
realiza todas as relações homem-terra, que cidas para a disciplina pela "percepção
estão além da ciência. · ambiental". .
Por esse motivo, Lowenthal só foi reconhe-
. Ta!, como Wright fizera em "Terrae lncog-
cido por um grupo restrito de geógrafos, com
mtae , Dardel também apontaria para a ne-
cessidade de uma análise qa geografia a partir pouca penetração em outras ciências sociais.
de uma abordagem temporal. Ahistóriadageo- Trajetória diversa teve o arquiteto e contem-
grafia, então, não deveria ser confundida com porâneo Kevin Lynch que, a partir da publica-
a história da descoberta da terra ou com o de- ção de seu livro."The lmage of de City" (1960},
se~volvimento da ciência geográfica, ela de- a~lerou as pesquisas sobre percepção am-
vena retratar as diversas concepções da biental, renovando-as em várias ciências so-
realidade geográfica. Dentre estas, estaria a ciais, entre as quais a geografia.
geografia científica, que é a racionalização do
movimento das descobertas. Para o autor, na
sua época seria·difícil se conceber uma geo- A Corrente "Metodológica" e a
grafia diversa da geografia científica; no en- percepção ambiental
tanto, não se deveria esquecer da função pri-
meira da geografia, ou seja, a de ser uma ins- Kevin Lynch era arquiteto e professor de
tância entre o conhecimento e a existência. city planning no MIT. Fora aluno de Frank
.• •,· ·.·.·.·.·.•.•.1,·:·:-.·:t.•,•.-.•.•.•.•.•.·.•,•:t.•:·.•:.;·:·:·~·.·· .·.·.·:·:·:·,•;:•:•.•:•.:-.•.·.·.•.·. ·.·.·.·.•.•·.•.·.·.•.·.·,•.·.·.·.·,•.:-.-•..-.;.;.·.;.;.;.•.·.·.·.·.·.·.·.;.;.:·:·:.:·:·:·:·:·:·: ;.;,:-:·:·:·:·:-:•:•i•:•:·:·:·:·:·:·:

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Lloyd Wright, tendo cursado também psicolo- dológica, enquanto que a de Lowenthal
gia e antropologia. Pertencia à tradição nor- dirigia-se para uma reflexão epistemológica
teamericanadoantiurbanismo(Choay, 1965), e para a renovação de sua discíplina.
originada em pensadores como Jefferson, As observações de Lynch e de Lowenthal
Emerson e Thoreau. Esses ofereciam, como não estavam isoladas de um contexto, ao con-
alternativa ao modelo urbano centralizado, trário, eram a vanguarda dos estudos sobre
odeumasociedadebaseadanoindivíduo,com b comportamento humano no ambiente, que
moradia e produção descentralizadas. Por suscintavam interesse desde a década de 40,
outro lado, Lynch herdara de seus mestres a partir da psicologia da Gestalt e de estru-
arquitetos elevado grau de pragmatismo filo- turalistas como Piaget e lnhelder. A ênfase,
sófico, devido à tradição organicista. no início dos anos 60, era para a abordagem
Em "The lmage of the City", que era resulta- metodológica, como podemos depreender do
do de um trabalho de campo realizado em ci- panorama aleatório que traçamos a seguir.
dades norte-americanas, Lynch explicitaria di- Os psiquiatras Fried e Gleicher (1961 ), por
daticamente a metodologia utilizada. Suas exemplo, estavam dedicados ao tema da "per-
premissas básicas eram: que a cidade é um cepção e saúde mental", tendo como objeto
produto de indivíduos construtores, que a mo- de estudo os moradores de um slum. Eles con-
dificam em pormenores sem afetar sua estru- siderariam que as relações de vizinhança ba-
tura; que a percepção individual da cidade é seavam-se numa estruturação espacial subje-
parcial e fragmentária; que a imagem urbana tiva, que resultava na produção de uma ima-
possui legibilidade, que é construída indivi- gem espacial (spatial imagery).
dualmente; e, finalmente, que a cidade possui
uma imaginabilidade, que é a atribuição, a um Jonge (1962) aplicaria os métodos e cate-
objeto físico, de um caráter simbólico (Lynch, gorias propostos por Lynch em cidades ho-
1960, p.1-13). landesas, obtendo resultados idênticos e
concluindo que era possível sua generaliza-
Essas premissas levariam o autor a con- ção para as sociedades ocidentais.
cluir que a imagem pública é uma sobre-
O antropólogo urbano Gulick (1963), apli-
posição de imagens individuais, e que a
cando a metodologia de Lynch no Líbano, con-
análise dos objetos percebidos poderia ser
cluiria que lá eram mais valorizadas as áreas
reduzida a cinco categorias: vias (paths),
do que edifícios isolados, recusando-se a acei-
limites (edges), bairros (districts), cruzamen-
tar a ligação da imaginabilidade apenas com
tos(nodes)emarcos(landmarks)(Lynch, 1960,
a percepção da forma visível e enfatizando
p. 47 e 48). Ele se deteria, propositalmente,
o seu significado social.
nesses aspectos físicos, deixando de lado sig-
nificados sociais e históricos (Lynch, 1960, p. 46). Thompson (1963), um professor de admi-
nistração, dizia que as distâncias e outros pa-
Alguns dos resultados do trabalho de Lynch drões geográficos subjetivos podem afetar o
devem ser enumerados: a importância dada comportamento dos consumidores, o que
à literatura e aos estudos antropológicos e psi- exigiria que as áreas comerciais fossem pro-
cológicos como fontes de referência para a jetadas considerando os mapas dessas re-
pesquisa da imagem ambiental e a valorização presentações.
da imagem ambiental como componente fun-
damental de nosso equipamento de sobrevivên- Um trabalho do psicólogo experimental
cia, permitindo a mobilidade intencional e redu- Terence Lee (1964), que influenciou geógra-
zindo nosso medo em relação ao ambiente. fos comportamentais como Downs, é a visão
acabada dessa corrente metodológica. Para
Muitas da observações de Lynch se asse- o autor o único modo científico de se aproximar
melham às feitas por Lowenthal na mesma do comportamento humano no espaço seria
época. Entre elas a da valorização da per- a observação sistemática, objetiva, destacada
cepção individual e da imagem ambiental e controlada (Lee, 1964, p. 13). Isso, apesar
como fator de sobrevivência e estabilização do reconhecimento da ligação entre o espaço
da relação homem/meio. Mas existia uma di- social e o espaço físico na mente, mas que
ferença fundamental: a pesquisa de Lynch deveriam ser separados para fins da análise
estava voltada para uma aplicação meto- científica.
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A corrente "epistemológica" e a que o de Prince, tentava resolver os proble-


mas causados pela aparente heterogenei-
percepção ambiental dade da geografia. O autor dizia que a ver-
Na década de 60, enquanto os geógrafos dadeira divisão do trabalho geográfico não
analíticos interessados na percepção ambi- estava entre o homem e o ambiente, mas
ental recorriam a fontes extrageográficas, ou- entre o ambiente fenomenal e o ambiente com-
tros geógrafos, voltados para aspectos epis- portamental (Kirk, 1963, p. 364).
temológicos da percepção ambiental, apoia-
Esses dois conceitos já haviam sido enun-
vam-se nas tradições da geografia histórica
ciados pelo autor (Kirk, 1951), sendo reafir-
e da geografia cultural.
mados então. O ambiente fenomenal era
Lowenthal não estava isolado quando vis- definido assim:
lumbrou o significado da percepção ambiental
"... é uma expansão do conceito normal de
para a geografia naquele início de década.
ambiente para incluir não somente fenômenos
Outros pesquisadores compartilhavam pon-
naturais, mas também ambientes alterados e,
tos de vista semelhantes e até tinham se dedi-
em alguns casos, quase inteiramente criados
cado ao assunto anteriormente, como Kirk
pelo homem" (Kirk, 1963, p. 364).
(1951), por exemplo.
Em 1961, o geógrafo inglês Hug Prince edi- O ambiente comportamental, baseado na
taria artigo intitulado ''The Geographicallmagi- psicologia da Gestalt, une a estrutura objetiva
nation" (Prince, 1961 ), com temática se- à estrutura subjetiva do padrão espacial. Re-
melhante à de Lowenthal (1961 ). O autor va- lacionar-se-ia, desta maneira, com o que é
lorizava a observaçãO direta criativa, a que percebido pelos seres humanos, como suas
evoca o "gênio do lugar", que só pode ser co- preferências, modos de pensar e tradições.
nhecido através da literatura, da arte ou da O ambiente geográfico seria a soma do
ciência. Para ele, o conhecimento do lugar é ambiente fenomenal com o ambiente com-
indispensável ao conhecimento geográfico, portamental, ou seja, unia a visão subjetiva
pois ao se relacionar com a imaginação geo- com a visão objetiva, dando uma personali-
gráfica estimula a curiosidade, atendendo às dade particular à ciência geográfica.
necessidades práticas.
Lukermann (1964) compartilhava de pontos
Prince observaria que para as ciências so- de vista semelhantes. Para ele, a geografia
ciais o fenômeno deve ser medido e delimitado era um catálago de questões que interrogam
de forma objetiva, sendo então classificado sobre nossas visões de mundo dividindo-o
em relação a outros, de modo que possamos em lugares ou regiões - a questão geográfica
generalizá-lo teoricamente. A geografia agiria (Lukermann, 1964, p. 167). A singularidade
assim ao ordenar e racionalizar as carac- da disciplina estaria em estudar os fatos ter-
terísticas variáveis da Terra. No entanto, na ritoriais a partir da área e não dos fenômenos,
prática, se dedicaria ao estudo de pequenas ou seja, tratava-se de um estudo totalmente
áreas onde os fenômenos podem ser inte- empírico.
grados e explicados.
Como o conhecimento do lugar está cal-
Seria esta a singularidade da geografia, di- cado na experiência, ele seria um conceito-
vidida entre a necessidade de se submeter aos chave, um elemento integrador da geografia,
cânones objetivos da ciência e a imaginação porque enfatizava o relativo, o cultural, a
geográfica, relativa às atitudes e opiniões que história do homem, ou seja, fazer o estudo
não podem ser testadas pela entrevista obje- dos lugares da Terra seria fazer a geografia
tiva. O autor concluiria que: (Lukermann, 1964, p. 172).
"O problema real da geografia é de como. Os três autores que citamos (Prince, Luker-
combinar a visão subjetiva, que é a essência mann e Kirk) se referiam a questões epis-
da arte da descrição, com a explicação, na temológicas da geografia como sua unidade
qual a visão subjetiva não tem lugar" (Prince, ·ou a singularidade de seu objeto. Ao intro-
1961' p. 25). duzirem novas categorias de análise prove-
Um artigo de Kirk, intitulado "Problems nientes de uma visão subjetiva (como a de
of Geography" (Kirk, 1963), bem mais denso lugar), apontaram para a incorporação e ques-
118 •.·.·.·.•.·.·.·.·.·.·.·.·.·:•.•:·.·:·:·:·:·;·:·. :·:·:·:·.·:-:·:·:·:·:·:·:·:>:·:<·:•:·:-:·:·:·:·.··~-

tionamento de conceitos da "percepção am- da Associação de Geógrafos Americanos,


biental". Esse projeto necessitava tanto de realizado em abril de 1965 em Columbus,
reflexão em nível epistemonológico quanto Ohio. Nessa ocasião, sob a inspiração de
em nível metodológico, voltada para a con- Kates e com o apoio de White e Lowenthal,
solidação de novos conceitos. realizou-se um simpósio sobre percepção
ambiental e comportamento.
Lowenthal e Prince se uniram nessa tarefa,
publicando dois artigos (Lowenthal e Prince, Inicialmente, o encontro não previa esse
1964 e 1965), onde a paisagem inglesa era simpósio, que foi incluído em janeiro de 1965,
pesquisada através da literatura e das artes. juntamente com outros temas emergentes
Iniciava-se uma linha de estudos importante como sistema de análise regional, turismo
para a geografia humanista. e recreação ao ar livre. Do simpósio resultou
Esses artigos construíam uma visão sub- uma publicação, que compilava alguns dos
jetiva da Inglaterra, explorando suas carac- trabalhos apresentados (Lowenthal, 1967),
terísticas arquétipicas, onde paisagem e lugar marcando a aceitação da percepção ambien-
se confundiam, como podemos depreender tal como tema relevante para a geografia.
dos trechos abaixo: Nesse momento, ele era encarado como uma
possibilidade de convergência e de interdis-
"As paisagens são formadas por gostos ciplinaridade, como podemos ver pelos artigos
pelas paisagens. As pessoas de qualquer país de Tuan, do psicólogo Beck, do arquiteto Lynch
vêem seu terreno através de espetáculos e de Sonnefeld.
preferidos e costumeiros, e tendem a repeti-
los como os vêem. A paisagem inglesa, muito Lowenthal, o responsável pela introdução
mais do que qualquer outra, espalha uma desta publicação de 1967, chamava a aten-
longa sucessão de imagens idealizadas e de ção para a importância que a percepção
preconceitos visuais" (Lowenthal e Prince, ambiental poderia ter para a geografia. Ele
1965, p. 186); e "Existem muitos hiatos no observava que dos três reinos QO universo
mapa da Inglaterra, quase todo lugar é um dos estudos geográficos - a natureza do am-
lugar com um significado e um caráter próprio" biente, o que pensamos e sentimos acerca
(Lowenthal e Prince, 1964, p. 31 O). do ambiente e como nos comportamos e
alteramos o ambiente - somente o primeiro
Pesquisas como estas, que exploravam havia sido explorado. Para se entenderem
conceitos geográficos a partir de uma visão os outros seria necessário o exame de todas
subjetiva, se aliariam durante um certo as facetas do comportamento humano.
período com aquelas que procuravam medir,
classificar e quantificar os comportamentos Para o autor, as interpretações científicas
humanos, como veremos adiante. do universo são apenas modelos parciais ante
o que os indivíduos sentem e interpretam.
Por esse motivo, a geografia deveria recorrer
O Simpósio da AAG em 1965 não somente à matemática, à economia ou
à geologia, como fazia tradicionalmente, mas
A descoberta da potencialidade do campo a outros campos como a metafísica, a psi-
da percepção ambiental deu origem a novas cologia comportamental, a história das
pesquisas tanto na geografia analítica, com idéias, a antropologia social e a arquitetura.
Gilbert White e Kates, quanto na geogra-
fia histórica e na geografia cultural, com Dos trabalhos apresentados no simpósio,
Lowenthal e Tuan. o que mais nos interessa é o de Tuan, intitula-
do "Attitudes Toward Environment: themes
Em um momento marcado por profundas and approaches" (Tuan, 1967), que propõe um
divergências nos meios acadêmicos da geo- projeto humanista para a geografia, ou, como
grafia norte-americana, as possibilidades de o autor sugere, uma diversidade de possíveis
abordagem abertas pela percepção ambiental "aproximações humanistas", tais como: as ati-
uniram, momentaneamente, esses profissio-
tudes do indivíduo em relação a uma região;
nais provenientes de campos tão díspares. a concepção, pelos indivíduos, da sinergia
A oportunidade de troca de experiências homem - natureza; atitude dos povos acerca
se deu por ocasião do 61º Encontro Anual do ambiente e as cosmografias nativas.
Tuan se deteria numa dessas aproxima- parar os aspectos subjetivos · da relação
ções: a das atitudes em relação à natureza, em homem/ambiente ao seu campo de estudo,
especial às paisagens que adquiriram signi- dos mais tradicionais da geografia norte-
ficado simbólico. Foram escolhidos dois arqué- americana, tinha raizes antigas na busca da
tipos paisagísticos do pensamento ocidental - interdisciplinaridade e no estudo das huma-
o deserto e a ilha tropical. Seriam analisadas nidades.
as mudanças na concepção e nas atitudes em
Em meados da década de 60 este huma-
relação a essas paisagens ao longo da história nismo culturalista estava em evidência. A
ocidental. obra de George Perkins Marsh era discuti-
Outros trabalhos apresentados no sim- da e reeditada (Lowenthal, 1958; Marsh,
pósio estavam· mais próximos da geografia 1964), os artigos de Sauer compilados e
analítica, com ênfase no comportamento hu- publicados (Leighly, 1983), e também os de
mano. Sonnefeld (1967), por exemplo, ao es- Wright (1966). Trabalhos volumosos coroa-
tudar o ajuste dos esquimós às condições vam o esforço de décadas de estudo de
ambientais do Ártico, deixa claro seu desejo questões fundamentais para a geografia
de colocar a geografia no rol das ciências cultural, apoiando-se nos mais diversos cam-
comportamentais, acreditando que, para pos do conhecimento. Tratava-se, sem dúvida,
de um esforço humanista.
isso, seria necessária a apropriação de téc-
nicas desenvolvidas por outras disciplinas Desses trabalhos, o mais impressionante, ·
comportamentais. Mais que isso, vislumbra- devido a seu enfoque interdisciplinar, é "Traces
va no ambientalismo uma possibilidade de on Rhodian Shore" de Glacken (1967). Trata-
aproximação concreta com essas ciências. se de um gigantesco painel da história do
pensamento ocidental, baseado em três
Robert Kates (1967), por sua vez, continua- questões relativas ao espaço habitável e ao
va trabalhando com catástrofes naturais, no homem: a Terra é uma criação proposital?
caso, os furacões. Como nas pesquisas ante- Suas características físicas influenciam o
riores, são feitas entrevistas com grande núme- caráter e a natureza da cultura? De que ma-
ro de pessoas e quantificados esses dados, na neira o homem modificou a Terra?
intenção de compreender a resposta desses
indivíduos às catástrofes. O autor, apesar de Esse tema já fora abordado por Glacken
constatar a variabilidade das respostas indi- em sua tese de doutorado, intitulada ''The
ldeas of Habitable World", que abrangia o pe-
viduais, tinha uma perspectiva que não o afasta-
ríodo do Século XVIII aos dias atuais. "Traces
va da geografia analítica, a de tornar os com-
on Rhodian Shore", por sua vez, se dedicava
portamentos previsíveis e as ações locacionais ao período compreendido entre a antigui-
passíveisdecontroleatravésdoplanejamento. dade clássica e o Século XVIII. Segundo o
Se o rótulo da "percepção ambiental" serviu, autor, este século delimita o surgimento da
naquele momento, para unir pontos de vista terceira questão, a do homem como agente
tão diversos e, como observa Mikesell (1986), modificador da Terra.
para difundir uma nova forma de ver a geogra- A tentativa de resumir o livro de Glacken,
fia, considerando questões subjetivas, tam- neste artigo, é tarefa inviável. O porte de
bém serviu para atenuar as profundas dife- sua obra impede uma análise mais detalha-
renças entre os geógrafos que sob ele se da de seu conteúdo. Basta folhear suas pági-
abrigaram. Na verdade, a percepção ambien- nas para se encontrarem temas da geografia
tal foi, no máximo, um tema que envolveu humanista: a divisão do mundo em duas na-
coletivos com projetos e concepções bastante turezas; conceitos e atitudes para com a natu-
diferenciadas da sua disciplina. reza; as teorias ambientalistas do Século XVII;
e a união da natureza com a arte.
Os culturalistas e a percepção Essa investigação contínua e persistente
ambiental de temas humanistas é característica de ou-
tros geógrafos, como Tuan (1967), que pre-
É nos geógrafos ligados à geografia cultural pararia um "roteiro" que resultaria em um
ou à geografia histórica que encontraremos conjunto de obras que investiga minu-
as pré-condições para o surgimento de. uma ciosamente as atitudes em relação ao am-
geografia humanista: Seu interesse em incor- biente. Também Lowenthal, dedicado a com-
120

preender a construção das paisagens cultu- Questionamentos como os de Buttimer,


rais através dos tempos, publicaria inúmeros Parsons e de Meinig relacionam-se com uma
artigos até culminar no monumental livro "The discussão proposta por Guelke (1971 ), que
Past is a Foreign Country" (Lowenthal, 1985). faria a crítica à geografia analítica encarando
Lowenthal, que já explorara conceitos sub- a explicação a partir de uma visão dedutivo-
jetivos à paisagem inglesa, dedicaria um arti- nomológica, ou seja, da geografia como uma
go à paisagem norte-americana, "The Ameri- ciência que procura estabelecer leis. Essa
can Scene" (Lowenthal, 1968) contrapunha postura coloca frente a frente os que con-
a paisagem do novo mundo, em sua escala sideram a geografia como uma descobrido-
inusitada para o europeu, com uma ação hu- ra de fatos (idiográfica) e os que procuram
mana voltada para o utilitarismo. Os resultados estabelecer leis (nomotética).
eram intervenções que visavam apenas ao Para o autor, a geografia nomotética nunca
presente e que, ao se referirem ao passado, conseguiu estabelecér generalizações con-
o idealizavam de tal forma que chegavam fiáveis, pois confunde o papel da ciência que
a forjar, para determinados locais, uma su- determina leis com a análise estatística. Assim,
posta tradição. a descoberta de muitas leis do comportamen-
Outros exemplos de pesquisas voltadas to humano não garantiria a resolução dos pro-
para fontes e métodos relativos a questões blemas da geografia humana.
subjetivas podem ser citados: um artigo do
conceituado geógrafo Roy Merrens (1969), Essas críticas marcam o início de uma
que recusava a abordagem tradicional da diferenciação que sempre existira: entre os
geografia histórica regional, propondo-se a geógrafos que abordavam a percepção am-
identificar os vários pontos de vista que con- biental, colhendo avanços de outros campos
tribuíram para a construção de determinado científicos, a partir de uma aproximação idio-
espaço, outro de· Brian Goodey (1970), que gráfica, e os com intenção de tornar a geogra-
levantava as possíveis características físicas fia uma ciência comportamental aplicada ao
de implantação e do sistema urbano proposto espaço com pretensões nomotéticas. Essa
por Thomas Morus em "Utopia". diferença começaria a se consolidar em 1971,
quando dois colegas de Guelke, que também
Encontramos, também, o questionamento lecionavam na Universidade de Toronto, Tuan
das bases científicas da geografia, apontando e Ralph, iniciariam a exploração sistemática
para novas bases filosóficas (existencialistas) de uma filosofia alternativa capaz de emba-
(Buttimer, 1969), ou que contextualizavam sar as pesquisas que os geógrafos culturais
uma "aproximação humanista para o aprendi- haviam iniciado no campo da percepção
zado", calcada na liberação dos costumes ambiental.
e numa sociedade alternativa contrária às
leis mecanicistas e aos modelos de mundo
(Parsons, 1969). Os Geógrafos analíticos e a
Essas posições seriam reforçadas por um percepção ambiental
artigo de um geógrafo cultural famoso. Em
"Environmental Apreciation", Meinig (1971) Enquanto os geógrafos culturalistas reali-
reconhecia a "descoberta" do ambiente na zavam pesquisas como as que citamos aci-
década de 60 e apontava para a necessidade ma, os ligados à linha analítica estavam in-
de uma delimitação exata desta descoberta. teressados em delimitar o comportamento
Essa delimitação era proposta a partir de humano no espaço. Um bom exemplo é o
uma aproximação com as humanidades e artigo de Downs (1971 ), resultante de sua
de uma crítica da divisão positivista do am- tese de doutorado, que estudava o compor-
biente por várias ciências da Terra, que não tamento espacial e a percepção ambiental
levavam em consideração a imaginação. O dos consumidores de um shopping center
autor observava que o material para se rea- urbano. Este trabalho levantava as principais
lizarem essas pesquisas já estava disponí- teorias locacioriais, formulava hipóteses para
vel na miscelânea composta por fotografias a medição de padrões comportamentais, de-
históricas, pesquisas etnográficas, guias tu- limitava algumas categorias cognitivas, elegia
rísticos, etc. uma amostra a ser pesquisada e aplicava
.•.• ,·.~.-.•.•.•.•.·.•.•.·.··~····--····
···:·:·:<-:·:·:·:·:-:-:·:·:•.·>:·:·:~<·=·~····:·~ ;-:-'·:···:···:····-·.;.·-:·~~.-:-:·:·:·~·:·:·:·~-:-~-:.;._::.<.,·,···-:-~-·····=·-·:·.·:·.·····;:.

RBG 121

métodos quantitativos para estabelecer as da geografia analítica e que não permitem


funções que estruturam o comportamento. qualquer questionamento epistemológico.
A linha analítica de estudos da percepção
ambiental se consolidou mais rapidamente
O início da cisão
que a culturalista. Assim, já na virada dos No primeiro livro de Tuan, intitulado "Man
anos 70, apareceram os primeiros levanta- an Natura" (Tuan, 1971 A), já existe uma
mentos que procuravam resumir o "estado da clara idéia de segmentação do campo da
arte". Desses, talvez o mais importante seja percepção ambiental, apesar de não encan-
"Perception of Environment" de Saarinen tarmos uma preocupação evidente com dife-
(1969). O desejo do autor era de consolidar renciações ou referências à fenomenologia,
a percepção do ambiente como novo campo que seriam explicitadas em artigo do mesmo
autônomo do conhecimento geográfico, o ano (Tuan, 1971 8).
que levou a delimitar e organizar as pos-
sibilidades de estudo a partir de sua escala "Man and Natura" unia em só volume idéias
espacial. emitidas pelo autor em vários artigos pu-
blicados ao longo dos anos 60. Esse livro
Havia uma preocupação de não delimitar iniciava, segundo uma prática já usual do
rigidamente esse campo, preservando suas autor: a de explorar sistematicamente os sig-
características multidisciplinares, o que, se- nificados de conceitos-chave para o texto,
gundo ele, encorajaria o livre fluxo de métodos, no caso os de homem e natureza para a
conceitos e técnicas de mensuração. Ao se sociedade ocidental.
utilizar da escala como elemento de clas-
sificação dos estudos da percepção do am- Tratava-se de uma análise dialética, onde
biente, o autor seguia os mesmos princípios nenhum dos pares era privilegiado. Primei-
do encontro da AAG de 1965, ou seja, de ramente, o homem era estudado como ser
agrupar as diversas tendências sob o mesmo biológico, sujeito, aos condicionantes da
rótulo, minimizando as diferenças e unifican- natureza; depois com o modificador dessa
do-as pelo estudo do espaço. natureza, estruturando o mundo a partir de si
próprio. Para analisar essa estruturação o au-
Já Downs, em "Geographics Space Per- tor recusava os princípios da psicologia ex-
ception" (Downs, 1970), procurava discriminar perimental, observando que somente sob tor-
diferenças, detendo-se em aspectos meto- tura se poderia conseguir descrições de res-
dológicos. Para ele, o campo da percepção postas psicológicas a estímulos ambientais.
ambiental estava delimitado por razões eco-
Para Tuan, esses estudos tinham de estar
lógicas que só poderiam ser caracterizadas
atentos para questões diversas, o que era co-
realisticamente com a aproximação oferecida
locado da seguinte maneira:
pela revolução comportamental, para a qual:
"A dificuldade essencial é que o indivíduo .
"... o comportamento espacial é uma função humano tem um passado e está direcionado
da imagem, e a imagem representa a ligação para o futuro: em qualquer momento dado,
humana com o seu ambiente" (Downs, 1970, a influência ambiental sobre ele é filtrada
p. 70). através de suas experiências passadas, que
refletem muito as provisões de sua cultura,
Para o autor, existiam três possibilidades
e através de suas antecipações, que surgem
de aproximação para o comportamento es-
do passado. Uma pessoa pode estar cor-
pacial: a estrutural; desenvolvida por Lynch,
poralmente presente, mas sua mente - como
Appleyard e Lee, que se refere à identidade
diz o ditado - está em outra parte" (Tuan,
e estruturação da percepção do espaço; a
1971 A, p. 38).
avaliativa, de Kates, Gould e Saarinen, que
procura estimar os fatores ambientais valo- Dessa maneira, o livro de Tuan identificava
rizados pelas pessoas; e o da preferência, com clareza as diferenças que sempre exis-
de Gould e de White, que procura diferenciar tiram e que iriam, brevemente, dividir os es-
espacialmente os objetos a partir da escala tudos sobre a percepção ambiental entre a
de preferência. Como podemos ver, são pos- geografia comportamental e a geografia hu-
sibilidades que se ajustam às proposições manista.
ceu inédita {Department of Geography, Univ.
A CONSOLIDAÇÃO DA of Washington, 1971 }, investigava as relações
GEOGRAFIA HUMANISTA do existencialismo com a geografia. Tuan ex-
plorava os temas da geografia e fenomeno-
logia {1971 B} e do existencialismo e estru-
A fenomenologia existencialista e turalismo em relação à percepção ambiental
{1972 B). Mercer e Powell {1972} sistema-
a epistemologia humanista
tizavam alguns métodos não-convencionais
Coube a Edward Relph {1970} a primazia para a abordagem de aspectos subjetivos
de explorar, em um pequeno artigo, as pos- da geografia, entre eles a fenomenologia, o
sibilidades da fenomenologia como aporte idealismo e a observação participante.
filosófico capaz de unir os geógrafos cul-
turalistas interessados na percepção am- O idealismo e os aspectos
biental. Ele observou que a fenomenologia
tivera um impacto considerável no estudo
subjetivos da geografia
da percepção humana pelos psicólogos so- Além da fenomenologia existencialista,
ciais, podendo contribuir "para o desen- outras alternativas para o estudo das carac-
volvimento de uma bagagem filosófica para terísticas subjetivas da geografia foram pro-
as aproximações humanistas na geografia" postas. Destas, a que causou maior polêmica
{Relph, 1970, p. 193}.
foi a do idealismo, proposta por Guelke.
Segundo o autor, o método fenomenológico
Em artigo de 1974, o autor, apoiado no
era apropriado para descrever o mundo co-
idealismo, negaria a necessidade de teorias
tidiano da experiência imediata do homem,
mas inadequado para a análise ou explicação para a geografia humana, uma vez que a
do mundo objetivo através do desenvolvimen- ordem já está presente na ação racional,
to de teorias. Esse método, dizia ele, iria permi- podendo ser explicada quando é analisado
tir o reconhecimento e a descrição das "essên- o pensamento subjacente à ação. Assim, o
cias" da estrutura perceptiva, rejeitando as objeto de pesquisa da geografia idealista
aproximações mecanicistas da ciência e va- seriam a ação racional e os produtos das
lorizando a experiência e a intencionalidade mentes humanas.
humanas.
Como Relph fizera para a fenomenologia,
Relph observaria que, com exceção de Guelke {1974} faria com o idealismo, pro-
Sauer, a fenomenologia não fora valorizada curando características que o aproximassem
pelos geógrafos, apesar de muitos conceitos da geografia. Das três dimensões da ação
do campo serem oriundos desta filosofia. Con- humana - a física, a psicológica e a racional
ceitos que podem fornecer novas maneiras - seria privilegiada a psicológica, que abarca
de se encararem as relações do homem com
os aspectos não racionais da mente. Como
o ambiente, além de mostrar as limitações
o mundo é visto como exterior à mente, nosso
dos métodos quantitativos e positivistas.
conhecimento sobre ele depende de dados
Como resultado da utiliz;ação da feno- empíricos, categorizados a partir de uma teo-
menologia pela geografia, o autor vislumbra- ria. Esse conhecimento resulta na intenção
va dois conjuntos de conseqüências: a visão e ação sobre o mundo externo.
holística e unificadora da relação do homem
com a natureza e a crítica ao cientificismo e O trabalho do geógrafo humano, para o
positivismo que dominavam a geografia. autor, era o de reconstituir as ações que
aconteceram, utilizando-se do princípio da
As ponderações feitas por Relph foram
seguidas por um pequeno número de geógra- verificação para aferir sua avaliação. Essa
fos. Havia "no ar'' uma necessidade de se seria a razão de sua proposta (Guelke, 1975}
desenvolverem métodos alternativos que de adequar a filosofia idealista com a geogra-
unissem os geógrafos culturalistas, dedi- fia histórica. Mas essa continuaria, por longo
cados às relações subjetivas do homem com tempo, a ser uma voz solitária a favor do
a natureza. Samuels, em tese que permane- idealismo.
.·...-.-.·.·.·.·.-.·.·.·.·:-·.·.·:•:-.·.·:···:··.···:-:·:·:·:·:·:·:·:·:-.:·:·:·:·:·:•:-:·:·:·:-:-:<: <···:·:-:·:-:-:-:-:·:·:·:.::-;.:-:-:

RBG

A base culturalista da geografia t~avés da literatura. O método proposto, no


entanto, era o fenomenológico, não atingindo
humanista os "geosóficos" que continuaram alheios ao
Apesar desses primeiros esforços para se debate filosófico.
encontrarem na filosofia características que Um bom exemplo de elaboração de uma
distinguissem os humanistas da geografia cul- ''teoria da paisagem" é encontrado no artigo
tural e histórica tradicional, muitos dos traba- "Landscape Evaluation" {Appleton, 1975), re-
lhos identificados, naquele momento ou pos- sumo do livro do autor publicado no mesmo
teriormente, como humanistas mantinham for- ano. Sua preocupação era com a falta de
te vínculo com sua matriz culturalista. uma teoria estética da paisagem, tanto para
Esses estudos, que não têm maiores pre- a geografia quanto para as humanidades. A
ocupações em explicitar seu aporte filosófico, solução oferecida era da pesquisa empírica,
foram agrupados nesse artigo em três blocos: que visava ao desenvolvimento de técnicas
o da "geosofia histórica", que, seguindo a que tolerassem a subjetividade, possibilitan-
linha inaugurada por Prince e Lowenthal, fa- do julgamentos de valor que, objetivados, ser-
zia uma leitura geográfica de obras artísticas viriam para embasar conclusões científicas.
e literárias; o da "teoria da paisagem", onde Contra esse projeto, que procurava inva-
se procurava avaliar aspectos subjetivos da lidar a geosofia histórica a partfr de um empi-
paisagem; e o da "leitura da paisagem urba- rismo rigoroso e positivista, estava Meinig
na", que abordava aspectos negligenciados {1979), que tratava a questão, segundo o
do comportamento urbano. princípio de que:
Na linha da geosofia histórica, cabem des- "... qualquer paisagem é composta não a-
taque alguns artigos de Rees, que já em 1973 penas por aquilo que está à frente de nossos
sistematizara uma proposta para a utilização olhos, mas também por aquilo que se esconde
da arte pictórica para o estudo da geografia em nossas cabeças.
em artigo intitulado "Geography and Lands-
cape Painting" {Rees, 1973). Essa proposta ... nós estamos preocupados não com os
se consubstanciaria em dois artigos voltados elementos, mas com a essência, idéias orga-
nizadoras que utilizamos para dar sentido àqui-
para estudo de casos: em "lmages of the
Prairie" {Rees, 1976 A) era analisada a visão lo que nós vemos" {Meinig, 1979, p.33-34).
dos pioneiros em relação ao ambiente ,através Na "leitura da paisagem urbana" o primeiro
da pintura, considerada como um mapa com- enfoque humanista pode ser atribuído a Tuan
preensível de significados; Constable era o e Lowenthal, em trabalhos apresentados em
tema do outro trabalho {Rees, 1976 B), onde um simpósio referente ao visual blight. Esse
as obras do pintor eram consideradas como termo é difícil de traduzir para o português;
pesquisas de ciência natural, e denominadas trata daquele lixo visual que os norte-ameri-
de "arte da geografia" segundo a tradição canos são pródigos em produzir, e que tem
de Sauer. nos out doors um bom exemplo.
Um livro editado por Lowenthal e Bowden, Tuan {1973 B) se serviria do tema para
intitulado "Geographies of the Mind: essays investigar o desenvolvimento da percepção
in historical geosophy in honour of John K. em diferentes estágios da vida humana, além
Wright" {Lowenthal e Bowden, 1976), reunia de contrapor a visão do nativo à visão do
diversas possibilidades de utilização das hu- estrangeiro. Sua conclusão era de que a
manidades na reconstrução das vidas cotidia- poluição visual demonstra que a qualidade
nas que contribuem para a criação da paisa- do ambiente se refere ao nível social, à filoso-
gem cultural. Se este livro não esgotou o tema, fia moral e aos princípios ecológicos, não
demasiadamente vasto, coroou os esforços estando ligada ao nível da estética.
dos que desejavam abrir novas perspectivas
Lowenthal {1973) relacionava o tema com
de abordagem para o campo. .
a obsolescência dos artefatos, com o acúmulo
Também Seamon {1976) e Tuan {1976 B) de lixo em locais onde passam muitas pes-
elaboraram propostas para a investigação soas, com a disparidade de modelos entre
da imaginação e da experiência humana a- as diversas classes sociais, a desconexão
entre ouso e a posse da terra, com a destruição supostos filosóficos e escalas envolvidas,
e renovação da paisagem, e concluiria que propondo-se a estruturá-los em torno da
se tratava de uma geografia de excrescências. topofilia, definida como a afeição que une
as pessoas aos lugares.
O lugar como conceito da O livro explora sistematicamente quatro te-
geografia humanista mas: os sentidos e os traços comuns da per-
cepção humana, os mundos pessoais en-
Os três tipos de abordagem que vimos focados através das diferenças e preferências
acima, ligados ao conceito de paisagem cul- individuais, as percepções comuns devidas
tural, apesar da contribuição teórica relevan- à cultura e às atitudes ambientais coletivas
te, tiveram participação modesta na conso- e o espaço humanizado (principalmente das
lidação da geografia humanista. A fenome- cidades) como materialização das atitudes
nologia existencialista e o conceito de lugar presentes e passadas para com o ambiente.
seriam fundamentais, pois foram adotados
Se nessa vertente não existem, explici-
por expoentes da geografia humanista- But- tamente, preocupações filosóficas, a outra nos
timer, Relph e Tuan -que contribuíram para mostra uma constante busca de inspiração
a sua divulgação. na filosofia e em outras ciências. Há uma
Tuan, que iniciara uma investigação con- discussão da fenomenologia, do existencia-
ceitual declaradamente humanista, contri- lismo e do estruturalismo (Tuan, 1971 B e
buiria, significativamente, para adotar a geo- 1972 8), e um diálogo com a psicologia ambien-
grafia humanista de identidade própria. Seus tal (Tuan, 1972 A).
trabalhos estavam voltados para duas ver- Vem dessa vertente o primeiro artigo que
tentes: a da pesquisa das atitudes do homem discute explicitamente a geografia humanista
em relação ao ambiente (Tuan, 1967, 1968, como campo autônomo, em "Space and
1971 A, 1973 A), que culminaria com a pu- Place: humanistic perspectiva" (Tuan 1979),
blicação de ''Topophilia" em 1974; e a da in- que trava interessante diálogo com "Values
vestigação do conceito de lugar, considerado in Geography" (Buttimer, 1974 ), publicado
adequado para as características subjetivas no mesmo ano.
da pesquisa e para uma base filosófica feno- Neste artigo, Tuan afirma que espaço e
menológica, existencialista e estruturalista lugar são conceitos definidores da natureza
(Tuan 1971 B, 1972 A, 1972 B, 1975 A, da geografia. Para ele, toda disciplina possui
1975 B, 1979), culminando com o livro "Space um subcampo humanista, que trata da filoso-
and Place" de 1977. fia e da história daquela disciplina. O estudo
do espaço seria, portanto, para essa pers-
Já comentamos alguma coisa do que Tuan
pectiva, o estudo dos sentimentos espaciais
investigava sobre as atitudes do homem pa- e das idéias de um povo a partir de sua ex-
ra com o ambiente. Essa linha iniciara-se periência. Para o autor:
com o "roteiro" traçado em 1965, por ocasião
do simpósio da AAG (Tuan, 1967), passando "A importância do lugar para a geografia
pela análise comparativa de atitudes eu- cultural e humanista é, ou deveria ser, óbvia.
ropéias e chinesas para com o ambiente na- Como nós funcionais no espaço, os lugares
tural e construído (Tuan, 1968), e pela sujeitam-se às técnicas de análise espacial.
elaboração mais sofisticada de "Man and Na- Mas como um conjunto complexo e único
- enraizado no passado e crescendo para
tura" (Tuan, 1971 A), que já comentamos
o futuro-, e como símbolo, o lugar clama
aqui. Um artigo posterior sobre o assunto
pelo entendimento humanista. Na tradição
(Tuan, 1973) já marca a preparação de "To- humanista, os lugares têm sido estudados
pophilia" (Tuan, 1980). a partir da perspectiva histórica e literário-
"Topophilia" éJJm inventário de alternativas artística, ... nos falta, contudo, análise
para a investigação da relação homem/am- sistemática" (Tuan, 1979, p. 338-339)~
biente. O autor se inclui no impulso ecológico Para o autor, a noção de distância liga os
ambiental surgido nos anos 60, que exigia, conceitos de espaço e tempo, ambos orienta-
além da pesquisa aplicada, pesquisa teórica dos e estruturados pela intencionalidade do
e científica. Por isso, ele alertava para a ser e, portanto, inseparáveis da atividade lo-
disparidade entre objetivos, método, pres- comotora. Ele observa, também, que entre
125

os ocidentais existe uma tendência de espa- corava desvendar os valores ocultos sob a
cialização em termos temporais, enquanto prática acadêmica cotidiana, especialmente
em outras sociedades existe um vocabulário na prática da geografia. O livro discutia crité-
autônomo para denominar esses termos. rios filosóficos para o estudo dos valores,
Isso porque a experiência de apreensão do ressaltando a contribuição que poderia vir
espaço é semelhante, independentemente do existencialismo. O existencialismo, se-
da linguagem, ou seja, ela é mais básica gundo a autora, aborda os valores que per-
do que a experiência do tempo. meiam todos os aspectos de nossa vivência
O espaço, diz Tuan, é orientado e estrutu- e pensamento, chegando até nós como co-
rado a partir do corpo humano, resultando nhecimento adquirido através de nossa ex-
em uma experiência primitiva de espaço, liga- periência pessoal.
da ao ego; uma experiência pessoal de espa- Apesar do destaque dado ao indivíduo, ou-
ço; e uma experiência grupal de espaço, que tro ponto é sublinhado por Buttimer, o de
é intersubjetiva. que os valores que influenciam nossa vida
Nesse contexto se destaca o conceito de derivam da civilização, da educação formal,
lugar, construído a partir da proximidade de da socialização e do meio, podendo ser
contato ou de uma longa associação com moldados ou modificados sob contextos ins-
o ambiente. O autor distinguia a cena (scene) titucionais ou acadêmicos. ·
da paisagem do lugar: a primeira seria, por A partir desta constatação, a autora discuti-
natureza, alterável a cada mudança de pers- ria a perspectiva sociológica dos valores da
pectiva, enquanto que o lugar teria uma exis- geografia norte-americana a partir dos con-
tência estável, independente do indivíduo que textos que influenciaram os estilos pessoais.
percebe. Sua conclusão seria que os modelos atuais
Estas investigações de Tuan acerca do refletem, mais do que uma ideologia, uma
lugar, como conceito espacial mais adequado matriz tecnológica que valoriza a eficiência
para a geografia humanista, continuariam nos funcional e espacial utilizando-se dos siste-
anos seguintes, culminando com a p~blicação mas espaciais, das estruturas e do dinamis-
em 1977 do livro "Space and Place: the pers- mo tecnológico.
pectiva of experience" (Tuan, 1983 A). Este Segundo esse ponto de vista, a geografia
livro era dedicado às mesmas questões que se debatia naquele momento entre uma de-
haviam sido abordadas em "Piace an ex- finição sistêmica, que vê a disciplina como
perential perspectiva" (Tuan, 1975 A), onde uma empresa produtiva ligada à instituição
o lugar era caracterizado a partir da expe- sociopolítica, e uma definição vocacional, vol-
riência e das várias escalas dessa relação. tada para os projetos de vida dos indivíduos
Em "Space and Place" a questão básica a partir de seus interesses intelectuais.
era: o que são o espaço e o lugar em termos Haveria três tipos de valores na geografia
de experiência humana? Aqui a base filosófica norte-americana: o do "homem cultural", das
fenomenológica estava implícita,· as atenções escolas da paisagem; o homo economicus,
se voltavam para assuntos relativos ao corpo da tradição espacial; do decision marker, da
e aos valores espaciais, a sensação de api- escola comportamentalista. Buttimer criticaria
nhamento como experiência intersubjetiva, a especialmente esses últimos por submeterem
variabilidade das habilidades espaciais em o homem a modelos cognitivos e afetivos.
função da experiência, o espaço mítico ex- Estes seriam contrapostos à fenomenologia,
trapolando a visão pessoal do mundo, a inter- que permitia uma mudança do enfoque dos
relação entre tempo e lugar e para o espaço sistemas espaciais para a experiência do
arquitetônico como síntese da criação do homem, principalmente no tocante a seus
espaço humanizado. significados e a sua intencionalidade.
A geografia do futuro, dizia a autora, deve-
Os valores da geografia ria se dedicar à exploração do mundo eetidia-
humanista no, engajando-se nos problemas sociais e
explorando a vocação erudita e as questões
Em 1974 seria publicado o livro "Values éticas, em suma, revolucionando o pensa-
in Geography"(Buttimer, 1974), que pro- mento geográfico.
A delimitação de um novo O reconhecimento da geografia
campo da geografia humanista.
Podemos concluir, a partir do que foi colo- O ano de 1976 marca o reconhecimento
cado anteriormente, que no início dos anos dageografiahumanistacomocampoautônomo
70 havia um grupo de geógrafos culturais pela mídia especializada norte-americana.
e históricos empenhados na renovação de Os artigos de Tuan- "Humanistic Geography"
sua disciplina a partir de um enfoque centrado (Tuan, 1976 A} - e de Buttimer - "Grasping the
na subjetividade das ações humanas. Para Dynamism of Lifeworld" (Buttimer, 1976} - fo-
atingirem seus objetivos, adotaram uma base ram publicados no Annals of AAG üulho de
filosófica fenomenológico-existencialista ·e o 1976}. O livro de Relph (1976}, intitulado "Piace
conceito espacial de lugar, configurando um and Placelessness", era a publicação revisada
campo próximo que denominaram de "geo- de sua tese de doutorado (''The Phenomenon
grafia humanista". of Place", 1973}.

Nesse processo, alguns, como Tuan, es- Buttimer (1976) dedicava-se à humaniza-
forçaram-se para distinguir este novo campo ção da Terra, apropriando-se do termo dwelling
da geografia cultural tradicional, enquanto que criado por Heidegger para sintetizar a in-
outros, como Lowenthal, não se preocuparam vestigação das ciências humanas sobre a
em delimitar um novo campo. Apesar disso, natureza, o espaço e o tempo. Os fenomeno-
ambas as atitudes contribuíram para o es- logistas, dizia a autora, têm sido investigado-
tabelecimento da geografia humanista, mas res mais sistemáticos deste tema, partindo
derivaram de concepções diferentes: uns viam da experiência vivida como alternativa à ciên-
no humanismo o caminho para viabilizar no- cia objetiva.
vas abordagens da questão ambiental e da Como já fizera em "Values in Geography"
conscientização do indivíduo; outros volta- (Buttimer, 1974}, a autora selecionaria· alguns
vam-se a antigas questões da disciplina, pro- conceitos provenientes da fenomenologia
curando resolvê-las a partir do humanismo e do existencialismo, adequando-os à geo-
e, principalmente, das humanidades. grafia. Destes os mais importantes seriam
os da intencionalidade e do mundo vivido,
Nunca existiu uma "geografia fenomeno- que obrigam a apreensão do mundo cotidia-
lógica", a não ser em racionalizações a poste- no como unidade dinâmica, experenciada
riori (Neil Smith, 1979; Relph, 1981}. Não hou-
holisticamente.
ve, portanto, um desvirtuamento desta em uma
geografia humanista, mais eclética. A geografia Para a autora, o aporte fenomenológico
humanista foi resultado de um longo processo a ser utilizado pelos geógrafos partia de dois
de revisão e de renovação da geografia cultural pontos fundamentais: um conceitual, referente
e histórica norte-americana. Assim como a geo- à diferenciação entre espaço vivido e espaço
grafia radical foi uma síntese de idéias anar- representacional; outro metodológico, refe-
quistas, estruturalistas e marxistas, a geografia rente à experiência subjetiva e à experiência
humanista foi umasíntesede i.déias provenien- objetiva.
tes da fenomenologia, do existencialismo, com
pinceladas estruturalistas e idealistas. A partir de uma confrontação crítica dos
pensamentos predominantes na ciência oci-
Esta base filosófica foi sintetizada e reela- dental - o empírico e o idealista - Buttimer
boi"ada pelos geógrafos, ou seja, extraíram-se concluía pela existência de três caminhos
postulados filosóficos que interessavam mais para a pesquisa na geografia: a construção
diretamente à geografia. As questões básicas de espaço como mosaico de lugares que
referiam-se à valorização do mundo vivido refletem as vontades, os valores e a memória
(Lebenswelt}, da experiência e da intenciona- humanos; o estudo do espaço social, que
lidade humana, do autoconhecimento, da in- filtra os sistemas sociais e as redes de in-
terdisciplinaridade e do intercâmbio com as teração; e o estudo do espaço em termos
humanidades. Restava apenas que o campo de processos ecológicos e de sua organi-
fosse reconhecido pela mídia oficial. zação funcional.
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127

A experiência do lugar seria objeto de con- Como Tuan (1980 A} já fizera, Relph distin-
clusões comuns da geografia e da fenomeno- guia as experiências de espaço das de lugar,
. logia, em níveis diferentes, no entanto, pois identificando seis tipos de espaço: o prag-
a fenomenologia tenderia a universalizar os mático ou primitivo, ligado à ação inconscien-
dados, enquanto os cientistas sociais não te; o perceptivo, ligado à experiência imedia-
poderiam aceitar este princípio. O modo de ta; o existencial ou vivido, resultado de ex-
suplantar estas diferenças estaria em estudar periências intersubjetivas; o arquitetônico
o mundo vivido como experiência pré-cons- ou do planejamento, que envolve a vontade
ciente, e investigar o papel do espaço social, deliberada de construir espaço; o cognitivo,
considerado como a sociedade em seu ter- que é um constructo teórico; e o abstrato,
ritório, a partir da intersubjetividade. sobre o qual ocorrem as relações espaciais
Tuan, por sua vez, procurava definir uma lógicas.
"orientação humanista" em seu artigo de 1976. Os lugares, dizia o autor, são um modo
O autor d.iscutia os diversos significados do particular de relacionar as diversas experiên-
humanismo ao 1ongo do tempo, concluindo
1
cias do espaçp, sendo singulares porque
por uma definição ampla do que é a pessoa · atraem e concretizam nossas intenções. Por
humana e do que ela pode fazer. A crítica isso, o lugar não é uma categoria definida,
humanista à religião na Renascença seria mas relacionada com a experiência continua-
comparável à crítica humanista à ciência na da no mesmo espaço.
atualidade. Para ele: Este é o motivo pelo qual o lar é o centro
"O humanista hoje não nega as experiên- mais profundo da intenção, centro primitivo
cias científicas sobre o homem; ele constrói da ação ligada à essência do. ser. Os lugares
sobre elas" (Tuan, 1976 A, p. 267). se compõem de três elementos inter-rela-
cionados: os traços físicos, as atividades ou
Seriam utilizados cinco temas de interesse funções observáveis e os significados.
Jos geógrafos - ó conhecimento geográfico,
territorial e de lugar, aglomeração e privacida- Para Relph, só a compreensão dos lugares
de, modo de vida e economia e religião para a partir da experiência cotidiana poderia deter
demonstrar que a geografia humanista não a marcha da geografia do não-lugar, ligada
está ligada a um único assunto, mas sim à inautenticidade das experiências refletidas
à leitura de todos os temas geográficos. O nas atitudes ou ações de massa, referentes
humanista, dizia ele, tem que ter em mente ao domínio do outro, e que são típicas das
que 9 conhecimento é sempre parcial, existin- sociedades industrializadas. A geografia hu-
do como uma unidade integrada que funciona manista seria a geografia dos lugares.
em sua totalidade.
As críticas à geografia humanista
Tuan concluía que a geografia humanista
é construída sobre o conhecimento científico A consolidação da geografia humanista,
de modo crítico, procurando na filosofia um como conseqüência de seu reconhecimento
ponto de vista unificador que permita uma pela mídia, coincidiu com o aparecimento das
avaliação da extensa gama de fenômenos primeiras críticas e discordância sobre sua
humanos, que devem ser analisados sistema- base filosófica e seus objetivos.
ticamente, mas que estão além da metodolo- Um ensaio intitulado "Contemporary Hu-
gia científica. manism in Geography" (Entrikin, 1976) seria
O livro de Relph (1976) emitia opiniões o primeiro a discutir sobre a metodologia
semelhantes. A maneira como eram discuti- e a base filosófica da geografia humanista,
das as questões ambientais era considerada considerando-a como uma alternativa in-
insatisfatória e inquietante, pois partia de aná- viável para a geografia científica.
lises mecanicistas e simplificadoras, dissimu- Para Entrikin, as proposições humanistas
ladas de objetividade científica, às quais se procuravam adequar velhos argumentos a um
oporiam análises feitas a partir de um fenô- novo vocabulário, baseado na fenomenolo-
meno do mundo vivido - o lugar, palco de gia e no idealismo. No entanto, o núcleo de
uma diversidade de experiências que não se sua interpretação estava nos enunciados de
prestam ao estudo científico. Husserl - a redução aidética, a redução fe-
nomenológica, a teoria da intencionalidade, qualquer um que conduza sua vida humanis-
entre outros -, que seriam desconsiderados ticamente.
em relação à interpretação existencialista da- O autor criticaria Buttimer por tomar a feno-
da a esses temas, calcada no "homem no menologia como preâmbulo para procedimen-
mundo" e no "mundo vivido". tos científicos e por sua ênfase na criação
Para o autor, se o objetivo do humanismo de uma nova linguagem. Segundo ele, a crítica
estava estabelecido, tratando de descrever fenomenológica se dirige a uma distorção da
as experiências do homem tal como são vivi- linguagem pelos significados científicos, não
das, a forma de se alcançarem essas metas se dispondo a criar uma nova linguagem.
era obscura, devido às dificuldades no em- Essas discordâncias de Relph (1977), ou
prego do próprio método fenomenológico. pontos de vista diferenciados do que seria
a geografia humanista, tiveram seu lado po-
Ao fazer a distinção entre a abordagem
sitivo: o estímulo às pesquisas mais apro-
científica e a abordagem humanista, Entrikin
fundadas sobre o humanismo (Relph, 1981)
partia da suposição de que a separação entre
e sobre a relação da fenomenologia com as
a conceituação da experiência e o desejo
ciências naturais (Pickles, 1985).
de descrevê-la implica a experiência precon-
ceitual. Porém, dizia o autor, a linguagem,
A ampliação do campo humanista
que também é utilizada pelos humanista~.
não pode descrever este tipo de experiência. A discussão das propostas humanistas nos
Por esse motivo, o humanismo, ·inspirado meados da década de 70 delinearia três abor-
na fenomenologia, exigia bases isentas de dagens. A primeira se referia à crítica e/ou
pressupostos e, como não existe linguagem reconhecimento dos humanistas pelos geó-
sem pressupostos, ele não passava de uma grafos culturais e históricos. A segunda inau-
crítica. gurava uma série de levantamentos críticos
que comparavam "paradigmas" filosóficos da
Esse artigo de Entrikin serviu para levantar geografia contemporânea. A terceira procu-
algumas dificuldades metodológicas que po- rava solucionar problemas relativos à base
deriam surgir da aproximação da geografia fenomenológico-existencialista.
com a fenomenologia. No entanto, ao privi-
legiar a fenomenologia husserliana e ao en- Mikessel (1978) inaugurou o reconheci-
fatizar uma investigação isenta de pres- mento da importância dos humanistas para
supostos, criou uma imagem parcial do que a renovação da geografia cultural. O autor
era pretendido pelos humanistas, minimi- discutia as origens comuns do comportamen-
zando os conceitos fenomenológicos que talismo e do humanismo na década de 60
haviam sido apropriados pelo coletivo e re- e a crescente separação entre pesquisas ex-
duzindo seus estudos a uma simples crítica perimentais e interpretativas, entre raciona-
ao positivismo. Estes aspectos se vulga- lidade científica e racionalidade humanista.
rizaram em críticas posteriores à geografia leslie King (1976) via os paradigmas liga-
humanista, contribuindo para uma divulgação dos à fenomenologia e ao marxismo como
errônea de seus objetivos. alternativas à análise positivista, pois ambos
recusavam a separação entre fato e valor.
A discussão sobre a geografia humanista O autor preconizava uma aproximação crítica
e sobre a utilização da fenomenologia criaria 'Cios valores, um meio-termo entre a fenome-
polêmicas no próprio cÇ~Ietivo humanista nologia e o marxismo. como alternativa para
Relph criticaria os artigos de Tuan(1976 A)e a geografia.
de Buttimer (1976), atribuindo ao primeiro
uma visão limitada e ao segundo uma visão Cosgrove (1978) observava que nas hu-
programática e conservadora. manidades e nas ciências sociais sempre hou-
ve uma tensão entre conhecimento e existên-
Para Relph, existem muitos tipos de hu- cia, e que esta dialética está implícita na geo-
manismo, razão pela qual ele transcende as grafia humanista. Mas os humanistas substi-
divisões por disciplinas. O geógrafo humanista tuíram o tempo e a força das mudanças, refe-
não seria, portanto, um investigador de am- rindo-se às experiências coletivas de uma
bigüidade nas relações homem-natureza, mas maneira idealista. Os falhavam na análise
dialética entre mente e mundo porque con- poderia ajudar na resposta a essas questões,
sideravam o segundo termo abstrato. Os mar- principalmente no estudo do folclore.
xistas, apesar de falharem também ao vê-lo No início da década de 80, as discussões
como mero reflexo das forças e relações de sobre a base filosófica ficaram em segundo
produção, poderiam ajudar na resolução da plano, suplantadas por uma procura de an-
questão, que estaria na aplicação do método tecessores representativos de determinada
dialético materialista na análise da importân- postura filosófica. Cosgrove (1979) se dedica-
cia simbólica do lugar. va ao estudo da imaginação geográfica como
estava colocada na obra de Ruskin, que
Também Sayer (1979) dizia que a geografia
originara uma proposta de geografia cultural
humanista falhou no esclarecimento de pon-
calcada na morfologia e em uma teoria da
tos importantes levantados pela fenomenolo-
paisagem próxima à fenomenologia, ao discu-
gia, tais como uma concepção- inadequada
tir a inautenticidade na produção dos lugares
da função e da natureza da intersubjetividade
quando está alheia a seus aspectos morais.
e uma visão distorcida e parcial da natureza.
Estes ponto$ poderiam ser corrigidos com Entrikin (1980) discutia a adequação da
a ligação dos significados intersu.bjetivos às ecologia humana, proposta por Robert Park,
normas sociais e com a análise das implica- como uma possibilidade de aproximação do
ções do trabalho sobre a natureza. aporte humanista com a geografia social. Ele
concluía que muitos dos temas debatidos por
Jonhston (1986 C, 1980) propunha a dife- cientistas humanos e por filósofos na virada
renciação entre o humanismo e o compor- do Século XX eram similares aos da geografia
tamentalismo a partir dos modernos para- contemporânea, podendo servir no esclare-
digmas da geografia. Para ele, a geografia cimento de questões atuais.
comportamental discordava da teoria, mas
não dos métodos positivistas, enquanto que Os aportes críticos que acabamos de co-
a geografia humanista era herdeira direta da mentar direcionariam algumas das discussões
geografia cultural, a partir de uma abordagem dageografiahumanistanadécadade80.Estas
alternativa ao positivismo. discussões referenciam-se à herança huma-
nista proveniente da geografia cultural e his-
Para o autor, a geografia comportamental tórica, ocupando-se, também, de antecesso-
e também a humanista resolveram proble- res que poderiam esclarecer pontos obscuros
. mas no nível dos indivíduos tomadores de da proposta humanista, ou ainda de aportes
decisões, mas a fenomenologia não servira correlatos capazes de auxiliar na consolidação
para resolver os problemas no nível das gene- daquele campo da geografia.
ralizações. Por outro lado, a aproximação es- Essa tentativa de resolução de questões
truturalista dera conta da macroescala, mas pendentes se refletiria na discussão acirra-
tinha problemas com a microescala. da do "paradigma" humanista ante outros para-
digmas da geografia, gerando uma crítica do
Robert David Sack (1976) também pro-
coletivo humanista ao próprio conceito de para-
curava aproximações intermediárias entre po-
digma e um aprofundamento nas questões
sitivismo e a fenomenologia a partir de uma
filosóficas da fenomenologia e nas possibili-
oposição entre uma estrutura "subjetiva-
dades de aproximação com o estruturalismo.
afetiva-experimental" e outra "objetiva-ana-
lítica". Para o autor, ambos os enfoques obri-
gam uma relação dialética entre observador Os humanistas· e as humanidades
e observado, dependendo dos valores sociais Já falamos da produção "geosófica" ligada
e da linguagem compartilhada por ambos. à geografia humanista. Durante a década de
Assim, as artes e a magia, por serem mani- 70, o número de autores dedicados à relação
festações observáveis da harmonia universal, da geografia com as humanidades cresceu.
poderiam servir de ponte entre os enfoques O próprio Lowenthal continuava sua discus-
subjetivo e objetivo. são sobre as ligações entre as paisagens
do presente e as paisagens do passado, e
Bunkse {1978) propunha a aferição na
sua fonte de pesquisa era a literatura e as
medida em que o estudo das atitudes para
artes (Lowenthal, 1977 e 1978).
com a natureza pode representar a realidade
sociocultural. Para ele, o estudo da experiên- Rees (1978) se apoiaria em Ruskin para
cia vivida, proposto pela geografia humanista, distinguir o domínio da arte do domínio da
130

ciência. A concepção deste humanista do Sua ponderação era de que existem mui-
Século XIX era comparada à "geografia in- tos tipos de humanismo que por vezes che-
formal" proposta por Wright (1947), que tam- gam a se opor. O humanismo contemporâneo
bém se referia a fontes não científicas de teria similaridades com o humanismo renas-
informação, como a pintura de paisagens. centista, ambos enfatizando a importância da
ação humana, o primeiro colocando-se con-
A visão do artista, dizia Rees, como a da
criança, é unitária e holística. Ela não separa tra o humanismo científico e o segundo, con-
o ambiente percebido pelos sentidos, ou am- tra o humanismo cristão.
biente perceptivo, do que aprende sobre este O livro dividia os problemas do humanismo
ambiente, ou ambiente conceitual. Esta é a contemporâneo em três classes: a que procu-
síntese que a geografia humanista propõe, ra uma epistemologia apropriada; a do conjun-
e que no caso da pintura está ligada ao lugar to de princípios epistemológicos e ontológicos
e à identidade. Os pintores diferenciam o am- que exigem o desenvolvimento de métodos
biente, que é o espaço físico, do lugar com particulares deles derivados; e a da neces-
o qual se identificam espiritualmente. A arte,
sidade de contribuição substantiva a partir
então, ajuda a todos a satisfazerem suas ne-
desses métodos derivados.
cessidades de conforto e de segurança repre-
sentadas pelo lugar. No que se refere à primeira classe de pro-
Pocock (1981 A) ligaria a geografia à blemas, Samuels (1978) discutia a relação
literatura ao publicar uma coletânea inti- entre o existencialismo e a geografia. Para
tulada "Humanistic Geography and Literatura: ele, a relevância do "neo-humanismo" na geo-
essays on the experience of place", que reunia grafia devia ser esclarecida, e a chave desse
trabalhos de vários componentes do coletivo esclarecimento estava no existencialismo.
humanista. Nesse livro, Cosgrove, em parce- Isso porque tanto o humanismo marxista co-
ria com Thorne, retomaria a questão da ordem mo a geografia humana e a fenomenologia
moral na obra de Ruskin. Lloyd propunha existencial tinham sua ligação na curiosidade
uma análise da geografia social a partir da acerca dos laços entre a natureza e a so-
literatura.Prince dedicava-se às paisagens de ciedade, com destaque para a espacializa-
Suffolk, narradas por George Crabba. Salter c;ão dessa relação. ·
utilizava-se de "Vinhas da Ira" de Steimbeck
para fazer geografia cultural. Seamon tra- O autor rebatia as críticas de Entrikin
balhava a dialética da visão do nativo e do (1976) que dizia que a fenomenologia e
estrangeiro nos romances de Dóris Lessing. o existencialismo não fornecem estrutura
filosófica para uma perspectiva espacial. Pa-
ra Samuels, o existencialismo provê uma
A consolidação do coletivo ontologia espacial do homem baseada em
humanista dois componentes da espacialidade: a dis-
Se até meados da década de 70 havia tância subjetiva que enfatiza a mudança de
esforços isolados para o estabelecimento lugar; e a relação objetiva, que enfatiza a
de uma epistemologia e de uma métodologia situação de mudança.
próprias para a geografia humanista, o ano A geografia existencial, dizia Samuels, não
de 1978 marca o início de uma procura de se refere somente à realidade, impacto ou
definições, consolidada no livro "Humanistic valor do espaço subjetivo; ela está próxima
Geography: prospects and problems" (ley do idealismo geosófico de Wright, que diz
e Samuels, 1978 A). ser o homem, por definição, alienado (ou es-
tranho) ao mundo devido à distância. Desse
Na introdução deste livro, os autores con-
modo, fazer uma geografia existencial é fa-
textualizavam o surgimento da geografia hu-
zer uma geografia da alienação, definida
manista, colocando-a como integrante de um
como a história da procura das raízes e,
movimento que questionava os paradigmas
por extensão, dos lugares com os quais elas
e as prioridades da tradição analítica. Eles
se relacionam.
observavam que esse movimento começou
com uma crítica ao desenvolvimento tec- O capítulo escrito por David Ley (1978)
nológico que ameaça levar o planeta à des- preocupava-se com o vácuo epistemológico
truição. da geografia social desde os anos 60, que,
segundo o autor, seria preenchido ou pelo complexa do que a que o cientista normalmen-
marxismo estrutural, com ênfase nas relações te conhece. A literatura pode fornecer a evi-
econômico-funcionais, ou pelo humanismo, que dência de como Çts pessoas, no passado e em
incorpora os valores humanos e a percepção. · outras culturas, percebem a realidade resol-
O autor pensava em humanismo desvincu- vendo um problema fundamental do cientista
lado do idealismo transcendental de Husserl social, que é o de combinar aspectos subjeti-
e mais ligado à fenomenologia de Marleau- vos com aspectos objetivos.
Ponty e Schutz, que contextualiza as per- Na terceira classe de problemas referentes
cepções no mundo concreto da vida cotidiana. a propostas de pesquisas, destacamos os
O marxismo era considerado atrativo porque capítulos de Seamon (1978) e de Duncan
incorporava, como tema central, as relações (1978). Seamon se dedicava a uma aproxi-
materiais e estruturais, assim como a dis- mação bastante particular, proposta por
tribuição do poder, reduzindo, no entanto, va- Goethe, para uma compreensão mais com-
lores e ideais a epifenômenos derivados da pleta dos fenômenos. Essa aproximação de-
subestrutura.
nominada, pelo próprio Goethe, de "alta
Ley propunha a reconstrução da geografia contemplação" (Hoere Anschauung) ou de
social a partir de três "blocos construtores": "empirismo delicado "{Zarte Empirie) recusa-
o antropocentrismo autoconsciente e o mun- va a separação do ser e das coisas, procuran-
do da vida cotidiana; a natureza social ineren- do penetrar no seu íntimo através da percep-
te ao ser humano; e a intersubjetividade, iden- ção que se tem delas. O tempo e a prática
tificada com as influências contextuais sobre deveriam levar à descoberta do padrão es-
o indivíduo, como o intercâmbio entre o sujeito sencial, ou processo da coisa {Ür-Phãnomen).
e um ambiente multidimensional. Assim, fa- Seamon observava que, diferentemente de
zendo-se a união de posições divergentes, se Husserl, que se aproximava da coisa através
sintetizariam os laços entre homem e ambiente da epoche, Goethe enfatizava o processo
e intencionalidade humana e fatores estru- pensando sobre a coisa e intelectualizando
turais, vistos a partir de uma relação dialética o mínimo possível sobre ela.
entre as realidades estruturais e a construção
humana da realidade. Duncan (1978) trazia a contribuição do in-
teracionismo simbólico para a geografia hu-
Na segunda classe de problemas relativos manista. O interacionismo seria uma tradi-
ao desenvolvimento de métodos próprios ao ção filosófica genuinamente americana que
humanismo, podemos destacar o capítulo es- recusava a visão individualista do homem,
crito por Tuan (1978 A), dedicado às relações colocando-se contra a separação entre in-
da geografia com a literatura. Para o autor, divíduo e sociedade, e considerando que o
a geografia acadêmica se afastara muito das · eu é em grande parte produto das opiniões
humanidades ao se dedicar ao estudo dos pro- e das ações dos outros.
cessos naturais e dos aspectos "externos" dos
fenômenos humanos. A essa noção tradicional do interacionis-
mo, o autor sugeria a adição de dois concei-
Para Tuan, a principal função da fala é a tos marxistas: o de reificação e o dé aliena-
reconstituição da experiência, sendo a litera- ção, que permitiriam a constatação de dis-
tura um meio formal de articular esta neces- . crepâncias entre significados, consciência,
sidade humana. Para ele, tanto a arte como a razões e definições de situação, e a "reali-
ciência se abstraem do fluxo total da experiên- dade objetiva".
cia humana, segmentando a realidade e crian-
do quadros do mundo. No entanto, a primeira O livro de Ley e Samuels {1978) marca
procura a completude e a segunda, o esclare- a unificação de uma série de abordagens
cimento, sendo este o motivo pelo qual as com- humanistas, possibilitando que algumas críti-
posições literárias e não-literárias têm graus cas fossem absorvidas e outras rebatidas.
de explicitação diferentes. O coletivo humanista passava a ter posi-
ções epistemológicas bastante claras, orien-
A literatura não está preocupada com de- tadas pela fenomenologia existencialista, e
talhes factuais; apesar disso, a realidade hu- cada vez mais próximas do estruturalismo
mana apresentada pelo novelista é muito mais e do marxismo. No campo metodológico,
132

havia um grande ecletismo que perduraria até mente, conseguiram espaço na mídia espe-
meados dos anos 80. cializada. As críticas subseqüentes, que pro-
curavam incorporar o movimento a outras
O final dos anos 70 marcou o auge da
correntes ou campos, como o comportamen-
criação e da produção humanista. Se "Hu-
tal, o idealista, o neokantista ou o marxista,
manistic Geography" (Ley e Samuels, 1978)
obrigaram os humanistas a unirem seus es-
marcou o reconhecimento da existência do
forços (1978) rebatendo os autores que os
coletivo humanista, "Making Sense of Ti-
colocavam como meros críticos da geografia
me" (Carlstein, Parkes e Thrift, 1978) mar-
positivista, ou colocando as questões no
caria o reconhecimento da importância da
plano metodológico.
questão temporal para a geografia. Dos di-
versos capítulos desse livro, vamos· nos O final da década seria dedicado, pelos prin-
deter no de Tuan (1978 8), intitulado cipais nomes do coletivo, às questões e-
"Space, Time, Place: a humanistic trame". pistemológicas e à investigação metodológica
que abriam novas perspectivas de pesquisa.
O autor observava que espaço, tempo e Não podemos deixar de ressaltar que contex-
lugar estão indissoluvelmente ligados pela tualmente esse momento se assemelhava ao
experiência vivida, só podendo ser separa- que ocorrera no final dos anos 60 (1965). O
dos pela imaginação. Existiria um espaço mundo passava pela crise do petróleo, que
mítico onde o tempo é visto de três maneiras: modificou as relações mundiais aguçando as
o tempo cosmogônico, relacionado com as preocupações com as alterações ambientais,
origens do homem; o tempo humano, relativo provocadas por uma tecnologia forjada nos
ao curso da vida humana; e o tempo as- moldes positivistas. Os geógrafos humanistas
tronômico, relativo aos ciclos naturais. Os já estavam dedicados a essa questão há mais
dois primeiros são lineares e unidirecionais, de uma década, o que serviu para aumentar
o último é cíclico e repetitivo·. O pensamento seus quadros, imprimindo uma característica
ocidental, originado na fusão dos ideais gre- de certo ecletismo e de diversidade.
gos e hebraicos, se debate entre uma visão
temporal cíclica, devido aos primeiros,e uma
visão temporal seqüencial e unidirecional,
devido aos outros. A GEOGRAFIA HUMANISTA
NOSANOS80
Outro conceito espacial utilizado pelos
:•:···.<·>··:·:•:.' ·.·.··,·.·.·.·.·.·.·.·.·,····· .,.•....·.·.·.·.·.·.·-.·;·.·.·.·.·:·.·.•.·.·
humanistas foi o de paisagem, como pode-
mos ver em "The lnterpretation of Ordinary A ampliação do campo filosófico
Landscapes" (Meinig, 1979), principalmente
nos capítu'los escritos por Samuels e Tuan.
humanista
Samuels (1979) examinava a possibilidade A expansão do coletivo humanista no início
de se traçar uma biografia da paisagem. Essa da década de 80 propiciou a abertura de novas
possibilidade, dizia ele, dependia da escolha frentes de pesquisa, com a adesão de geógra-
entre a tradição grega, que enfatiza a ex- fos sociais norte--americanos e uma influên-
plicação concentrando-se em forças e ações cia crescente dos geógrafos culturais e histó-
impessoais, e a tradição hebraica, queenfatiza ricos ingleses, que imprimiram novas carac-
a atribuição, concentrando-se na ação dos terísticas ao coletivo humanista, deslocando
indivíduos. A tradição humanista estaria o debate filosófico extrageografia para um
próxima da hebraica ao focalizar o papel dos debate epistemológico intrageografia.
indivíduos na construção da paisagem. Tuan
(1979) se dedicava à diversidade de imagens Um livro publicado em 1980, ''The Human
que as paisagens evocam para diferentes Experience of Space and Place" (Buttimer e
tipos de pessoas. Sua conclusão era que Seamon, 1980), marca o início sutil dessa
a paisagem é uma composição de elementos mudança. Diversamente das coletâneas do fi-
funcionais e utilitários com os valores. nal da década passada, onde a discussão
filosófica constituía o tema central, agora era
Feitos esses comentários, concluímos que enfatizada a teorização das experiências
a década de 70 foi muito rica _na produção geográficas vividas, filtradas pela conceitua-
humanista. Seus autores de início isolada- ção humanista de· espaço e lugar. No livro
eram abordadas experiências vividas de al- geografia humanista. Ele selecionaria quatro
coólicos, idosos e dos anarquistas durante concepções distintas: uma crítica dos signi-
a guerra civil espanhola. Havia também uma ficados e dos valores a partir da fenomenolo-
vertente teórica, representada por Bobby gia {Entrikin); uma busca dos laços entre a
Wilson, que se dedicava ao interacionismo geografia e seus métodos a partir das hu-
simbólico, e por Courtice Rose, que via a manidades {Tuan); uma aproximação constru-
geografia como uma atividade de interpre- tiva que reconciliaria a geografia com as ciê.n-
tação de textos. cias sociais {Ley e Samuels); e uma derivação
O capítulo de Seamon {1980) analisava da tradição da geografia histórica e cultural
as relações espaciais que são construídas {Ciark). Para o autor, a geografia humanista
a partir do corpo humano como referencial, se opunha apenas superficialmente à geogra-
enquanto que Buttimer {1980) se dedicava fia científica devido às deficiências do conceito
a pesquisar a intensidade e a qualidade da de humanismo.
relação das pessoas com o lugar a partir Harvey e Holly {1981) diziam que o con-
da dialética entre o lar e os horizontes ceito de paradigma seria aceitável se as
a serem alcançados (horizons of reach). proposições iniciais de Kuhn e de Popper
fossem recolocadas não como revoluções,
O questionamento dos mas como extensão e reorientação de
paradigmas da geografia posições. O ecletismo "caótico" seria recu-
sado pelos autores que procuravam na
O ecletismo na utilização de aportes di- adoçãO de novas aproximações filosóficas
versos pela geografia levou a um questiona- a origem de novos paradigmas.
mento da aplicabilidade de paradigmas pela
disciplina, confluindo para uma demolição Já Johnston {i 986 B) colocaria três bases
desse referencial/conceitual. O livro "Ge- filosóficas - o positivismo, o estruturalismo
ography, ldeology and Social Concern" {Stto- e o humanismo -como as grandes referências
dart, 1981 A) reunia vários autores que ques- paradigmáticas do pensamento geográfico
tionavam o conceito de paradigma. Já na contemporâneo. Seria, no entanto, o próprio
introdução o próprio Sttodart {1981 B) ques- Johnston {1981) que acenaria com possi-
tionava a existência de uma geografia calca- bilidades concretas de uma leitura alternativa
da em uma série cronológica de eventos para o desenvolvimento da geografia, ao re-
a partir de escolas nacionais. cusar a ruptura a partir das revoluções como
No mesmo livro, Sttodart {1981 C) ques- fora proposta por Kuhn e Popper, oferecendo
tionava a relevância dos modelos criados a alternativa da análise da aparente anarquia
para explicar o desenvolvimento e as mu- na transmis~ão das idéias na disciplina.
danças nas ciências sociais, observando que Esse debate em torno do conceito de
o conceito de paradigma, como fora enuncia- paradigma daria o tom dos debates humanis-
do por Kuhn, não se adequava às mudan- tas nos dois primeiros anos da década de
ças que acontecem na geografia. 80. Com o distanciamento de dez anos, po-
Buttimer {1981) iria mais longe, ques- demos afirmar que a adoção deste conceito
tionando a aplicablilidade do conceito de poderia ter inviabilizado o desenvolvimento
paradigma na geografia. Oferecia como da geografia humanista, que se debatia entre
opção aproximações autobiográficas com- muitos temas e aportes e com a instabilidade
binadas com aproximações paradigmáticas. do coletivo que centraHzava os debates.
Berdoulay {1981 ), por sua vez, propunha
uma aproximação contextual como alternati- O ecletismo nas pesquisas
va à análise paradigmática. dos anos 80
Relph {1981) procurava demolir as.bases
que permitiriam a existência da geografia hu- No início dos anos 80, o coletivo humanista
manista enquanto paradigma. Para o autor, assistiria a uma evasão de alguns de seus
a diversidade de significados da palavra "hu- componentes, como Relph, por exemplo, e
manista", segundo o contexto, se refletia na se debateria com a multiplicação de temas,
própria concepção dos geógrafos acerca da que iam dos trabalhos mais conservadores
dos "geosóficos" até as propostas de fusão geografia da paisagem calcada na idéia de
do humanismo com o marxismo. mito. Mugerauer (1981) discutia a geografia
Levantamentos feitos na época, por exem- regional como uma disciplina hermenêutica.
plo, por Ley {1981 e 1983), mostram à di- Outro debate seria suscitado por Agnew
versidade de aproximações adotadas pelos e Duncan (1981) ao discutirem a difusão das
geógrafos humanistas. Ley via a "corrente" idéias na geografia anglo-americana. Segundo
humanista como uma perspectiva teórica os autores, os levantamentos e colocações
que objetivava ligar a geografia às humani- programáticas davam pouca importância
dades e às ciências sociais a partir de uma para a compatibilização entre as idéias filo-
orientação filosófica e teórica mais crítica. sóficas e as implicações políticas agregadas
a essas filosofias.
O grupo humanista que mantinha a linha
mais estável era o dos geosóficos, com tra- Para Agnew e Duncan, as idéias deveriam
balhos voltados para a literatura (Pocock, ser avaliadas durante o seu processo de apro-
1981; Aiken, 1981; Hudson, 1982) e para as priação pelos geógrafos a partir de três an-
artes plásticas (Rees, 1981 e Bunkse, 1981). tinomias estreitamente relacionadas entre si;
a do holismo/individualismo, a da estrutu-
Outro grupo procuraria nos filósofos e na fi-
ra/ação e a do determinismo/liberdade.
losofia o auxílio para uma abordagem interdis-
ciplinar para a geografia. Mills (1982) estudava
a obra do pensador Vico, do Século XVIII. A aproximação de humanistas
Livingstone e Harrison (1981 A), interpretavam
a "Crítica da Razão Pura" de Kant. Curry
e marxistas
(1982) recorria às idéias de Wittgenstein. Destes debates, um dos mais interessantes
O papel da imaginação na filosofia e na teo- é o que visava a aproximar os conceitos hu-
ria geográfica seria discutido por Livingstone manistas dos conceitos da geografia radical.
e Harrison (1981 B), que fazia um estudo Van Der Laan e Piersma (1982) oferecem uma
comparativo do uso coloquial das metáforas perspectiva por eles denominada de "movi-
e mitos e o uso científico dos modelos. Pa- mento metacrítico" (Goa/-critical movemen~.
ra os autores, o debate filosófico da década A geografia humanista, diziam os autores,
anterior contemplava muito pouco a estrutura estava voltada para o ser humano completo,
interna da explicação e do próprio processo cujas funções biológicas e mentais estão di-
de reconstrução racional que culmina com recionadas para fontes de informação e de
a criação de teorias. criação do conhecimento. As orientações
A importância das metáforas para a análi- metacríticas, por sua vez, estariam ligadas
se dessa estrutura e desse processo era às aproximações que criticam os objetivos
ressaltada pelos autores. As metáforas se da ciência, podendo ser identificadas com
refeririam à criação de novas categorias de as aproximações radicais, que têm uma visão
significados, da mesma forma que o mito social do homem. Para a orientação metacríti-
impõe uma ordem cósmica manifesta. Por ca, o homem não pode ser visto como indiví-
outro lado, a ciência possuiria quatro modos duo, pois ele é determinado pela sociedade,
teóricos - experimentais, lógicos, matemáti- o que implicaria uma, análise onde as rela-
cos e teóricos -, que exigem a incorpora- ções de poder são o centro das atenções.
ção de uma epistemologia que inclua suas Gregory (1981) discutia a importância do
características metafóricas e mitológicas. conceito de estrutura a partir da geographie
Era, então, proposto um modelo "metafó- humaine vidalina, fortemente influenciada
rico-mítico-modelar" ( "methaphor-mith-model" por Durkhein e Ratzel (neokantianos). Pa-
mode~ que permitiria a análise das imagens
ra o autor, a geografia vidalina tinha uma
fronteiriças entre o mito e a ciência. lição para dar à geografia humanista: a de
Outros humanistas discutiram, também, o que a transposição da linguagem para a ação
papel das metáforas na criação de teorias tem a contingência e a vida cotidiana como
pela geografia. Buttimer (1982) falava do pa- essenciais, e que essa "limitação" é admiti-
pel das metáforas na criação de conceitos da a partir da concepção de "estrutura", que
geográficos. Cosgrove (1982) propunha uma determina uma matriz de contingência.
O autor procurava as ligações entre esta esse era um período de hiperconsciência
concepção de "estrutura" da geografia vidalina teórica. Os neopositivistas, preocupados
com o conceito de estrutura proposto por Ray- com a fragmentação da estrutura episte-
mond Willians, Bordieu, Touraine, Habermas mológica da geografia, voltaram-se contra
e, principalmente, Giddens. Esse último, que os humanistas, que segundo eles prejudi-
elaborara a ''teoria da estruturação", se pro- cavam o progresso da geografia.
punha a fazer uma análise da dualidade das
Dessas críticas a mais polêmica foi "Some
formas de determinação histórica, conside-
Thoughts about Theory in Social Sciences"
rando as propriedades estruturais dos siste- (Papageorgiou, 1982), publicada no periódi-
mas sociais como meio e conseqüência das co "Geographical Analysis". Esse artigo pro-
práticas que constituem esses sistemas. ·
piciou a resposta de doze geógrafos que dis-
Gregory concluía que o marxismo e o cutiam a ''teoria das ciências sociais", que
humanismo supõem que as diferentes for- ocuparam um número inteiro (Janeiro 1983)
mas de conhecimento são constituídas das desse periódico de linha editorial neopositi-
práticas sociais da relação dialética do ho- vista. Nessa discussão se envolveram vários
mem com a natureza, explicitadas pelo tra- humanistas, entre os quais Buttimer, Ley e
balho. Assim, uma possível ponte entre o Tuan, que destacaremos aq~i.
marxismo e o humanismo exigia a retoma- Para Buttimer (1983 A) as questões colo-
da e reconstrução (via teoria da estrutura- cadas por Papageorgiou permitiam enquadrá-
ção) do debate possibilismo/determinismo, lo na linhagem dos geógrafos que tomam a
tendo como matéria-prima a vida cotidiana, geografia como síntese de distribuições com-
como é explicada pelo genre de vie e pelo parativas, o que resulta numa visão de mundo
"modo de produção". em mosaico de padrões que devem ser ex-
Cullen e Knox (1982) faziam uma análise plicados em termos funcionais/sistemáticos.
da contribuição positivista, marxista e neo- No entanto, a geografia feita exclusivamen~
marxista para a geografia urbana, procurando te em termos locacionais malogrou, dizia a
integrá-las com os princípios da filosofia e- autora, exigindo o reconhecimento de aspec-
xistencial. Para eles, a questão do ser, co- tos extra-epistemológicos, a partir do conhe-
mo fora colocada por· Heidegger, fornecia cimento crítico do "conjunto filosófico" de
uma base suplementar para a compreensão onde se baseiam os dados utilizados pela
da estrutura das cidades e de como os in- disciplina.
divíduos se vêem no interior desse sistema.
Ley e Pratt (1983) consideravam a visão
Para os autores, sua proposta metodológi- de Papageorgiou uma abstração conserva-
ca era diversa da marxista ou neomarxista dora dedicada a descrições generalizantes,
por recusar uma interpretação puramente ma- ligadas à procura de um método matemático
terialista da dialética, introduzindo três níveis qualitativo para o exame da linguagem. No
de análise das condições estruturais gera- entanto, segundo eles, uma epistemologia a-
das pela organização econômica e social: o propriada para as ciências sociais requer
principio da progressão da transformação mais versatilidade do que é possível para
dialética; o princípio de regras flexíveis e de uma linguagem de observação.
estruturas fixas; e o princípio da universalida- Para os autores, essas divergências teóri-
de, que considera as ações individuais como cas partem de uma mistificação da base
sendo interpretadas em relação aos impera- epistemológica que distingue as perspectivas
tivos existenciais fundamentais. teóricas, que na verdade se originam em dis-
cordâncias ontológicas e epistemológicas. A
O acirramento do debate teórico conseqüência dessa mistificação seria uma
visão instrumentalista, que se utiliza de mode-
entre humanistas e positivistas los preditivos para relacionar superficialmen-
Os meados dos anos 80 marcam a con- te os status ontológicos das entidades que
tinuação, mais exacerbada, do debate teórico são colocadas nos modelos.
entre os humanistas, que recusavam as ex- ParaTuan(1983),aidéiadequeasociedade
plicações paradigmáticas para a disciplina, está perigosamente fragmentada força seus
e os neopositivistas. Segundo Glick (1985), membros a uma atitude de alerta. Porém:
136

"O problema deles tem duas característi- de fontes literárias. O autor distinguia quatro
cas distintas: uma é de que ele pode ser aproximações para~ cultura nas sociedades
claramente formulado; outra mais notável avançadas: a cultura como um valor em si
é a de que, uma vez formulado, sua impor- e como força moral; a cultura vista como
tância é imediatamente evidente ... relação entre o modo de produção e as for-
Nosso problema, ao contrário, raramente mas culturais, ligada a uma estética marxista
pode ser formulado claramente; e, quando devido a Lukacs e à "Escola de Frankfurt";
pode, seu valor intelectual (em contraposição a sociologia empírica da cultura, centrada no
ao seu valor prático} raramente é óbvio" (Tuan, papel das instituições; e a antropologia social,
1983, p. 70}. que considera as práticas e produtos culturais
não somente a partir das condições materiais,
Podemos ver que o artigo de Papageorgiou mas também como representações pro-
propiciou um balanço de perspectivas teóricas dutoras de significado.
humanistas delineadas na década de 70, além
de demonstrar o pouco interesse dos huma- Para o autor, as duas primeiras, ligadas ao
nistas em conciliar suas idéias com as dos neo- humanismo e ao marxismo, poderiam ser enri-
positivistas, mesmo quando essas vinham quecidas com as idéias de Edward Thompson
travestidas de pós-empirismo ou em uma e de Raymond Willians. Esse último, por ex-
geografia comportamental voltada para méto- emplo, ressaltava que a compreensão da
dos qualitativos. hegemonia exigia uma investigação dos ele-
mentos culturais dominantes e também uma
Pontes teóricas entre sensibilização com relação às experiências
sociais, por ele denominadas de "estruturas
humanistas e marxistas do sentimento". Baseado nessas idéias, Thrift
Se não havia interesse dos humanistas procurava dar explicação para os múltiplos
em se aproximarem dos positivistas, cresciam significados atribuídos ao lugar e ao "sentido
as relações entre humanistas e marxistas. de lugar".
No mesmo ano em que o coletivo humanista"
rebatia as críticas neopositivistas, eram in- A aproximação dos geógrafos
tentadas aproximações com o marxismo. sociais com o humanismo
Cosgrove (1983) propunha uma "geogra-
fia cultural radical", visto que a geografia Outra aproximação que rendeu frutos nos
humanista toma a cultura como objeto cen- meados dos anos 80 foi a da geografia social
tral, via mundo vivido; e que o marxismo com a geografia humanista, devido principal-
necessita reconhecer que o mundo vivido mente a Peter Jackson e Susan Smith, que
é material, pois se trata do encontro coletivo discutiam a aplicação de conceitos humanis-
do sujeito com o objeto, da consciência com tas pela geografia social.
o mundo material.
Em artigo intitulado "Social Geography:
Segundo o autor, construir uma geografia convergence and compromise", Peter Jack-
marxista é sustentar a dialética da cultura son (1983) discutia a aproximação recente
e da natureza, sem deslizar para o idealismo da geografia social marxista com a geografia
ou para o materialismo reducionista. Cos- social burguesa, concluindo haver uma con-
grove via na obra do antropólogo Marshal vergência epistemológica entre os autores
Sahlins, de interpretação simbólica da cultura, que propunham um "debate construtivo". En-
abaseparaumaaproximaçãodohumanismo tre esses eram citados Ley e Gregory, que
com o marxismo. Para isso seria necessária
fundamentavam teoricamente as relações
a utilização de um materialismo histórico
entre a ação humana e a estrutura social,
que recor.hecesse o vínculo das formações
econômicas e sociais com a produção e . a partir das obras de Habermas e Giddens.
a reprodução de espaços específicos {ou Em seguida, o autor levantava a importância
paisagens), e que os modos de produção das contribuições marxista e weberiana para
são simbolícamente constituídos, implicando a geografia social, destacando os trabalhos
a dotação imediata de significados à paisa- de Althusser Castells, Thompson e Willians
gem e ao lugar. como uma alternativa "humanista marxista".
Nigel Thrift {1983) propunha uma análise No livro "Exploring Social Geography"
materialista da cultura e do lugar a partir {Jackson e Smith, 1984}, eram levantadas
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as tradições mais significativas da geografia ciou uma análise mais aprofundada da


social - o positivismo, o comportamentalis- epistemologia e da ontologia da geografia
mo, o humanismo e o estruturalismo. No humanista.
capítulo relativo às questões que envolvem Entre essas análises podemos destacar
o indivíduo e a sociedade na geografia social, o Uvro intitulado "Phenomenology, Science and
seria enfatizada a importância das filosofias Geography" de John Pickles (1985). Nesse
do signific.ado para a epistemologia huma- livro era investigada a natureza da ciência
nista, com destaque para os estudos sobre e da pesquisa geográfica. Segundo o autor,
a intersubjetividade e o mundo vivido, e dis- a separação entre os domínios da natureza
cutidas as possibilidades oferecidas pela e do homem originou dois grupos de ciências
hermenêutica e pela antropologia interpre- empíricas, a natural e a humana. Como re-
tativa na construção de uma geografia hu- sultado, ambas não podem compreender o
manista voltada para as questões sociais. contexto original e indivisível de seu objeto.
Ainda nesse livro, os autores levantavam Sob esse aspecto, a fenomenologia se
as possibilidades de contribuição metodológi- opunha a este quadro, pois fundamenta o
ca oferecidas pelo "método fenomenológico" surgimento das ciências empíricas a partir
nos estudos de campo. O desenvolvimento de uma experiência pré-teórica, elucidando
desse método por Ley, que priorizava a pers- o caminho para uma aproximação com a re-
pectiva subjetiva e a compreensão empaté- alidade pré-constituída e especificando a
tica, levava os autores a colocarem a tradi- natureza da formação dos conceitos.
ção humanista como uma "corrente radical"
próxima ao humanismo marxista. Pickles examinava as relações da geografia
com as metafísicas tradicionais (objetivismo
A produção teórica de Jackson e Smith e subjetivismo, positivismo e naturalismo),
se refletia em seus trabalhos de campo que mostrando que a pesquisa geográfica está
procuravam alternativas para a geografia so- fundamentada na ontologia da natureza física
cial. Smith (1984) considerava a etnografia e do objetivismo, resultando em uma distorção
da "Escola de Chicago" capaz de fornecer epistemológica do seu objeto de estudo ba-
uma base metodológica para a geografia so- seado numa espacialidade apropriada das
cial através do pragmatismo. O pragmatismo, ciências físicas.
dizia a autora, poderia introduzir elementos
práticos no debate sobre a ação humana, Esta ontologia condicionaria a própria a-
por não se deter no nível ontológic?, ~as propriação da fenomenologia pela geografia.
sim no nível prático que acentua a Inevita- Pickles distinguia uma "fenomenologia da
bilidade e a responsabilidade do pesquisador geografia", surgida da adaptação da feno-
como interventor no ambiente estudado. menologia aos conceitos tradicionais da
geografia, de uma "geografia fenomeno-
Também Jackson (1984 e 1985) propunha lógica", mais próxima da psicologia feno-
uma reinterpretação da pesquisa etnográfica menológica husserliana e diferenciada da
da "Escola de Chicago" e sua introdução na geo- fenomenologia descritiva de Heidegger,
grafia humanista, com o resgate de sua tradi- propiciando uma ontologia da espacial idade
ção de desvelamento dos mecanismos ocul- humana.
tos que regem a ordem moral e social das co-
munidades. Ele investigava detalhadamente Autores com mais tradição na geografia
as origens e a herança deixada pela "Esco!a humanista seguiam caminhos diversos da
de Chicago", considerando sua etnografia discussão teórica predominante. Buttimer,
como um "método humanista" para a geo- por exemplo, em "The Pratica of Geography"
grafia social. (Buttimer, 1983 8), narraria a história recente
da geografia a partir da história da vida de
o aprofundamento nas questões alguns de seus expoentes.
filosóficas da geografia Tuan discutia o processo de dominação
humanista que o homem exerce sobre a natureza e
sobre seus semelhantes (Tuan, 1984) e o
Além do debate entre humanistas e outras conceito de "boa vida" ou de qualidade de vi-
correntes da geografia, este período propi- da, em meios culturais diversos (Tuan, 1986).
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Robert Sack (1986) propunha a elaboração em versos. Xiao-Lun Wang (1990) analisava
de uma teoria para a geografia a partir das o conflito entre sentimento de lugar e senti-
diversas concepções da territorialidade hu- mento de pátria na literatura popular chine-
mana em diferentes períodos de tempo. Para sa. McGreevy (1990) falava da construção
ele, a territorialidade era um fenômeno da dos conceitos de família, de infância e de
experiência humana que pode ser espaciali- lar a partir das festas natalinas.
zado e temporalizado, mostrando o esforço
O intercâmbio entre humanistas e marxis-
da construção social de formas ligadas às
tas continuava, principalmente, através da
relações espaciais. Sua proposição era a de
geografia social. Kobayashi e Mackenzie,
utilizar a teoria da territorialidade como uma em "Remaking Human Geography" (1989),
teoria adicional à já consagrada teoria social viam possibilidades de convergência do ma-
da divisão de classes, adequando suas terialismo histórico, a partir da adoção do
análises aos diversos contextos econômi- conceito de história centrado na "ação hu-
cos ou de escala. mana", com o humanismo voltado para o
conceito de humanidades baseado na
Os diversos caminhos da "imaginação geográfica".
geografia humanista no final
Neste livro temos a contribuição de vários
dosanos80 autores como Relph (1989), que contraporia
O final dos anos 80 marca uma crescente aos métodos sistemáticos de estudo da pai-
absorção de temas humanistas pela geografia sagem e do lugar os responsive methods,
onde as categorias espaciais são contextu-
cultural. Para muitos, o que estava em jogo
alizadas a partir da vida cotidiana.
não era mais a garantia de sobrevivência da
geografia humanista, mas a retomada de Outra linha de estudos interessante é a
uma geografia cultural renovada e reno- seguida por Porteous, que se dedicava a
vadora. Sob este aspecto, chamam a atenção noções de paisagens que não estão ligadas
os numerosos estudos sobre a ·vida e a a nossa percepção visual: paisagens olfativas
obra de Sauer, a chamada "sauerologia" (smel/scape) (Porteous, 1985); o uso meta-
(Rowntree, 1988 e Glick, 1988). fórico da imagem do corpo em relação à
paisagem (bodyscape) (Porteous, 1986 A);
Diante desse ímpeto renovador que se e as paisagens interiores (inscape) e sua
impunha até nos meios mais tradicionais ocorrência na literatura (Porteous, 1986 B).
da geografia cultural, muitos temas huma-
nistas perderam o sabor de novidade, en- Finalmente, vamos nos deter na produção
fraquecidos pelo formidável debate epis- recente de Tuan e Buttimer. Tuan (1989) se·
temológico do início dos anos 80 (Cosgrove, ocupava com a relação da geografia com a
1989). Deste cenário podemos destacar os arte, colocando a apreciação estética da su-
vários caminhos trilhados pela geografia hu- perfície terrestre como um dado fundamental
manista na virada dos anos 90. para a geografia humanista-cultural (cultural-
humanist geography). Mais recentemente,
Os temas clássicos continuaram a motivar Tuan (1990) escolheria como melhor definição
trabalhos como o de Hugill (1988), dedicado da disciplina aquela utilizada na década de
à anglicização da paisagem norte-america- 40 - "a geografia é o estudo da Terra como
na; o de Pocock (1988), sobre a geografia lar das pessoas". Para ele os elementos que
e literatura, tomando categorias literárias definem a geografia são' "Terra", "seres hu-
que contêm elementos geográficos; o de manos" e "lar", recuperando e rearticulando
Bunkse (1990), que procurava na obra de humanisticamente os valores mais caros à
Saint-Exupéry a base para um humanismo geografia cultural.
artístico-literário, que teria como domínio
paralelo os valores humanos referentes ao Buttimer (1990) consideraria o humanismo
ambiente. como o grito de libertação da humanidade,
a visão da Terra como Gaia, a emancipação
Novos autores também se dedicaram aos da humanidade a partir de uma visão global
temas humanistas. Quinney (1986) discutia dos problemas ambientais. Nesse contexto
o sentido da paisagem existencial da paisa- a geografia humanista seria o fermento para
gem rural captada pela fotografia ou cantada o surgimento de uma nova civilização.
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A construção desta nova epistemologia
CONCLUSÃO ocorrià em um contexto onde era pregada
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a construção de um novo mundo. Propunha-
se a liberdade sexual, a igualdade entre
O acompanhamento da trajetória da beo- brancos e negros, o pacifismo, a conscien-
grafia humanista anglo-saxônica contem- tização ambiental, em suma, era um mo-
porânea nos permite concluir, antes de tudo, vimento pela mudança ética e moral dos
que este campo da geografia é herdeiro direto costumes. Os humanistas viram,· corre-
da geografia cultural saueriana e da geografia tamente, a necessidade de a geografia ade-
histórica. Seriam essas geografias que iriam quar-se a essa mudança, e sob esse ponto
fornecer os parâmetros para a construção de vista constituíram a vanguarda que pre-
da geografia humanista, tais como o incon- gava um novo status no relacionamento
formismo com a geografia cartesiana e po- dos homens entre si e dos homens com
sitivista, levando a colocar a geografia "além o planeta.
da ciência"; a ênfase no estudo da relação A introdução de uma base filosófica exis-
do homem com o ambiente, com a valorização tencialista propiciou uma fundamentação
da transformação da paisagem pelo homem epistemológica e ontológica necessária para
e a compreensão de que os fenômenos geo- que a geografia humanista, gerando um ques-
gráficos são tanto espaciais como temporais. tionamento extrametodológico, estivesse a-
lém do cotidiano profissional e acadêmico das
Por outro lado, podemos afirmar que a décadas de 70 e 80.
geografia comportamental teve um papel
limitado para o desenvolvimento da geografia Hoje, a contribuição da geografia humanista
humanista. Desde o princípio, ainda na se consolidou, fazendo parte da história da
geografia contemporânea. Senão, como tra-
década de 60, comportamentalistas e hu-
trar da espacialidade do indivíduo, consubs-
manistas tiveram concepções diversas da
tanciada na paisagem e no lugar? Como falar
disciplina: os primeiros visavam à incorpo-
de uma nova ética, de uma nova ontologia
ração de aspectos subjetivos à geografia ambiental? Como estudar nossa sociedade
analítica, buscando maior consistência me- homogeneizada e voltada para um processo
todológica para uma geografia aplicada; os acumulativo no nível do consumo sem con-
humanistas propunham uma nova epis- siderar os indivíduos e sua intersubjetividade?
temologia para a disciplina, com a incor- Como poderíamos enfrentar a infalibilidade
poração de questões levantadas pela filo- da ciência cartesiana e positivista? O pen-
sofia, antropologia, psicologia, entre outras samento humanista é uma ponte entre a mo-
disciplinas. dernidade e a pós-modernidade na geografia.

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RESUMO
Este trabalho acompanha a trajetória da geografia humanista nos países ·anglo-saxônicos, desde o
aparecimento das primeiras idéias humanistas, nos anos 50, até os dias de i'loje.
São analisados artigos de pioneiros como Sauer, Wright, Lowenthal e Tuan, e o livro esquecido de
Dardel.
Acompanha-se o interesse pela percepção ambiental e pela imaginação geográfica, que uniu, no
início dos anos 60, os protocomportamentalistas e os prato-humanistas.
Detivemo-nos na tentativa de individualização de um campo humanista, nos anos 70, com a escolha
de uma base fenomenológico-existencialista.
Comentamos a abordagem do mundo cotidiano e a eleição de lugar como conceito privilegiado que
levaria a geografia humanista a ser reconhecida pela mídia em meados da década de 70.
Analisamos as críticas e os dilemas por que passou esta corrente durante os anos 80, bem como sua
relação com a geografia social, cultural e marxista.
Em suma, é na análise do processo de surgimento, afirmação, consolidação, reconhecimento e di-
fusão da geografia humanista, assim como na avaliação de sua contribuição com novas perspectivas
epistemológicas e ontológicas para a geografia contemporânea, a que se dedicam as páginas desse artigo.

ABSTRACT
This work tries to follow tre trajectory of the humanistic geography in the anglo-saxons countries, from
the appearance of the first humanistic ideas in the fifties to the present days.
The articles by pioners as Sauer, Wright, Tuan and Lowenthal are analysed in detail, and the forgotten
book by Dardel.
We follow the interest in the environmental perception and in the geographical imagination that joined
in the early sixties the proto-behaviourists and the proto-humanists.
We try to set the individualization of a humanistc field in the seventies, with the choice of a pheno-
menological-existentialist basis.
We comment on the approach of the everyday world and the election of place as a privileged concept
which would take the humanistic geography to become acknowledged in the middle seventies.
We analyse the critiques and the dilemmas by which passed this trend during the eighties, as well as
their relations with the social, cultural and marxists geographers.
In summary, this word dedicates its pages to the analysis of the process of the appearance, state-
ment, consolidation, acknowledgement and expansion of the humanistic geography, as well as in the
evaluation of its contribution with new epistemologic and ontologic perspectivas for the contemporary ge-
ography.

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