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Tipos de Paradigmas
“Velho Paradigma” “Novo Paradigma”
Características
Atores Grupos sócio-econômicos Grupos sócio-econômicos
atuando como classes e não atuando
envolvidos em conflitos de especificamente como
distribuição. classes, mas em nome de
coletividades atribuídas.
Natureza Formas homogêneas de Formas heterogêneas e/ou
ação coletiva determinadas difusas de ação coletiva; os
pela condição de assalariado movimentos sociais, sendo
e/ou proprietário dos meios de natureza “interclasse”,
de produção. constituem-se como atores
coletivos cuja ação não se
baseia numa disposição
homogênea em torno dos
meios de produção.
Conteúdos Crescimento econômico e Pacifismo, feminismo, anti-
distribuição; segurança racismo, ecologia, direitos
militar e social, controle humanos e formas não
social. alienadas de trabalho.
Valores Liberdade e segurança no Autonomia pessoal e
consumo privado e identidade, em oposição ao
progresso material. controle centralizado, etc.
Modos de atuar: Organização formal, Informalidade,
Interno associações representativas espontaneidade, baixo grau
em grande escala. de diferenciação horizontal
e vertical.
Modos de atuar: Intermediação pluralista ou Política de protesto
externo corporativista de interesses; embasada em exigências
competência entre partidos formuladas em termos
políticos; respeito à regra da predominantemente
maioria. negativos ou
confrontacionais.
1
Utilizou-se aqui a tradução de FARIA (1992) do quadro presente em OFFE (1983).
quadro acima. Vamos vincular o que vai ser analisado aqui à segunda frente de análise
de Klaus Offe.
Neste particular, OFFE (1983) vai proceder a uma crítica minuciosa dos atores,
valores, agenda e modos de atuar dos novos movimentos sociais. Ser crítico, é bom que
se note, não significa negar a pertinência (ou mais radicalmente, a própria existência) de
tais movimentos. Ser crítico também significa aclarar aspectos obscuros ou mal
interpretados de tais características apontadas. Assim, vai-se aqui analisar o que OFFE
(1983) diz a respeito dos atores envolvidos no processo, o que é bastante ilustrativo do
tipo de crítica que Offe faz.
Atento à constituição social dos novos movimentos sociais, OFFE (1983) observa,
citando pesquisas, que seus membros são majoritariamente oriundos de três grandes
segmentos sociais: A “nova classe média” (com ocupações profissionais ligadas ao
ensino e à distribuição da informação; à provisão de serviços de saúde, controle social e
administração), setores da “velha classe média” (especialmente pequenos produtores
rurais) e, por fim, o que chama de setores periféricos ou “sem-renda” (decommodified,
em inglês) (estudantes e donas-de-casa, por exemplo).
Nota, ademais, que uma “acusação” geralmente endereçada a tais movimentos é
que seriam “românticos”, desejosos de “retornar à comunidade” (daí que sejam
geralmente comparados aos populistas russos do final do século XIX), irracionais, em
suma, e, por extensão, sem experiência política.
Segundo OFFE (1983) nada disso se sustenta. Segundo ele, “a nova classe média
que é o elemento mais significativo dos que dão suporte a estes movimentos e a seus
ideais não podem ser considerados ‘desenraizados’, mas estão ao contrário conectados
fortemente com e têm experiências no uso das instituições políticas e econômicas”
(OFFE, 1983: 36). De fato, “aqueles com maior propensão a se engajar em formas não-
convencionais de ação política o fazem em adição ao fato de que também se engajam
em formas ‘ortodoxas’ de comportamento político” (OFFE, 1983: 36). Em suma, os
membros de tais movimentos conhecem e participam tanto de formas convencionais
como não-convencionais de participação política. Não são neófitos, portanto.
Por outro lado, fazem parte de estratos altamente qualificados da sociedade e isso
se reflete em suas demandas. Assim, nada de “volta romântica ao passado rural e
pacífico” está presente em sua “ideologia”. O que se vê é, antes, demandas por “arranjos
que permitiriam uma maior realização de valores especificamente ‘modernos’ (tais
como liberdade individual, princípios humanistas e universalistas [em oposição às]
formas de organização centralizadas, burocratizadas e tecnoligia-intensivas)” (OFFE,
1983: 36). Um ideário bastante refinado, como se vê. Nada há de irracional nisso dado
“os altos graus de realização educacional” de seus membros (OFFE, 1983: 37).
E OFFE (1983) termina observando: “dentro desse enquadramento não-ideológico,
habilidades cognitivas e ferramentas intelectuais são usualmente empregadas para
defender as causas e as demandas feitas pelos novos movimentos sociais, e
conseqüentemente os ativistas principais e líderes informais são geralmente recrutados
entre professores, advogados, jornalistas e outros membros de [tais] profissões” (OFFE,
1983: 38).
OFFE (1983), portanto, não está afirmando que como as questões relativas ao
“velho paradigma” estão solucionadas pela atuação do Estado de Bem-Estar social
haveria mais tempo disponível para que tais atores se dedicassem às novas demandas
típicas dos novos movimentos sociais. Isso seria muito simplório, como simplórias são
as acusações de irracionalismo dirigidas a tais movimentos. O que está aqui em questão
é algo mais intelectualmente refinado. De fato, tais movimentos são o lado reverso do
Estado de Bem-Estar social e de seus ganhos, especialmente no que tange à educação e
o que esta representa em ganhos no conhecimento socialmente produzido. Marxista,
OFFE (1983) está atento às conseqüências dialéticas do fazer social. O que parece claro
é que tais movimentos são portadores de alto nível de reflexividade, suas demandas são
ancoradas em conhecimentos que seus membros possuem por serem agentes bem
qualificados. Por outro lado, reflexividade também criada por seu conhecimento das
vias institucionais costumeiras de atuação política.
Partindo das considerações feitas acima, pode-se fazer algumas considerações
finais acerca da relação entre estratificação social e participação política democrática,
sempre à luz da idéia de reflexividade.
Uma primeira consideração deve abordar necessariamente o uso que se fez aqui da
noção de reflexividade. Não se analisou a presença desta noção em Anthony Giddens,
Emile Durkheim e Klaus Offe por acaso. Deve-se notar que são três autores
pertencentes a três correntes teóricas distintas. O mais clássico deles, Durkheim, é um
dos fundadores do funcionalismo em teoria social; Offe é o que se costuma chamar de
neomarxista; e, por fim, Giddens, um autor de difícil classificação, se se considera
aqueles que gostam de abrir diretórios nos quais devem se encaixar necessariamente os
autores (não deixa de ser curioso que o mesmo ocorra com Max Weber, autor que o
próprio Giddens reconhece como a principal fonte de suas reflexões). Como quer que
seja, o que se quer indicar é que a noção de reflexividade é muito menos ambígua em
sua utilização por diversas correntes teóricas (seu significado permanece o mesmo) que
outras noções que, surgindo em um campo teórico, acabam por migrar para outras
formas de teorização social. Veja-se, por exemplo, o caso da noção de classe social.
Central ao marxismo, que faz dela a base de sua teoria da estratificação social e de
análise política, ela findou por ser incorporada por outras correntes teóricas. Acontece
que nesse processo, ela foi cuidadosamente purgada de seu significado no marxismo.
Apropriação indébita? Ou estaríamos diante de mais um caso em que noções teóricas se
incorporam de tal forma ao universo social que este já não pode pensar-se a si próprio
sem recorrer a elas? Respostas negativa, para a primeira pergunta, e positiva, para a
segunda, seriam, achamos, as mais corretas. Em suma, apenas mais um caso de
reflexividade, o que força a utilização do conceito (ainda que não seja exatamente o
mesmo) por correntes teóricas que não o tinham em seu bojo originariamente. Apenas
para completar o caso das classes sociais: não se pode a partir daí inferir que “todos os
teóricos modernos são, em alguma medida, marxistas” apenas porque a noção de classe
social é utilizada como categoria analítica. Vale, isso sim – e voltando à noção de
reflexividade –, notar que a noção de reflexividade é uma daquelas noções básicas para
quem quer pensar o fazer social, o agente social e sua constituição.
A última consideração é apenas um esboço de resposta às questões que foram
levantadas no início deste trabalho. Assim, parece que em primeiro lugar que, na linha
de argumentação durkheimiana, que atores sociais só podem se transformar em atores
políticos reflexivamente. A simples existência no plano social estratificado não garante
a nenhum ator o status de ator político. A organização propriamente, sim, o garante. É
por isso que estruturas políticas como o Estado-Nação lançaram e continuam a lançar
desafios aos atores sociais que se abrigam no seu interior. Se não por nada, a própria
idéia de legitimidade de uma norma, de uma lei ou de uma decisão estatal traz à tona a
questão de se saber se elas, que dizem respeito a todos, mas foram decididas por poucos,
em especial os organizados, não são algo que deve ser no mínimo discutido. Ora, esse é
o próprio coração de todo problema político. Não existiria política se tal questão não
existisse ou fosse colocada. A questão é que, para ser levantada, ela implica em
reflexão, em questionamento, em suma, em reflexividade.
O que nos leva diretamente para questão sobre a relação entre estratificação social
e lutas políticas. Ora se os atores são reflexivos e se suas interações são
circunstanciadas, os seus objetivos políticos também o serão. Parece uma obviedade,
mas não é. Tal constatação deve levar o analista da ação política dos vários grupos
existentes, se organizados para tal, para bem mais do que sua posição na estrutura
estratificada e hierarquizada numa determinada sociedade. Exige que meça o alcance
dos a prioris analíticos dos quais está partindo.
Um exemplo pode ilustrar bem este caso. Por muito tempo os partidos de esquerda
no Brasil analisaram a realidade brasileira, e da classe operária em particular, nos
quadros muito estreitos do marxismo oficial da União Soviética 2. Acontece que,
claramente, o Brasil não é uma sociedade como aquelas que foram o berço do
capitalismo ocidental, e nem, portanto, a classe operária brasileira teve uma
conformação similar a dos países europeus. Similarmente, a origem, a ideologia e a
forma de atuação dos operários americanos também conheceu uma história diferente da
européia. Portanto, ambos precisariam necessariamente ser analisados conforme essas
singularidades. Curiosamente, contudo, na medida em que a atuação dos mencionados
partidos de esquerda influenciavam na organização do movimento e das demandas
operárias, sua análise acaba por ser um dado relevante no que se refere à organização
política do operariado brasileiro. Mas, note-se, o outro lado é tão ou mais importante
quanto esta atuação dos mencionados partidos e suas análises “marxistas”: o
corporativismo incentivado e “gerenciado” pelo Estado brasileiro. Claramente, há duas
concepções de estratificação influenciando os agentes políticos que se dispõem a
mobilizar a classe operária brasileira. O que se quer indicar aqui é apenas isso: qualquer
análise teórica sobre o operariado deve levar isso em consideração. Isso e mais, é claro,
aquilo que o próprio operariado chega a formular reflexivamente, pois não há
“consciência” que possa vir de fora para dentro. Há, sim, grupos que tentam dominar
grupos, ainda que, supostamente, pretendam falar em seu nome e organizá-los. Qual vai
ser o curso de ação tomado vai depender deste jogo e de suas conseqüências.
2
Ver MANTEGA (1990), especialmente capítulos 3 e 4.
BIBLIOGRAFIA CITADA