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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL

ANA LUIZA VARGAS

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA (REVENGE PORN): Perpetuação da Violência de


Gênero em Meios Digitais

Ijuí (RS)
2021
2

ANA LUIZA VARGAS

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA (REVENGE PORN): Perpetuação da Violência de


Gênero em Meios Digitais

Trabalho de Conclusão do Curso de


Graduação em Direito objetivando a aprovação
no componente curricular Trabalho de
Conclusão de Curso - TCC.
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
Vice-reitoria de Graduação - Núcleo de Apoio
ao Curso de Direito.

Orientador: Dr. Mateus de Oliveira Fornasier

Ijuí (RS)
2021
3

ANA LUIZA VARGAS

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA (REVENGE PORN): Perpetuação da Violência de Gênero


em Meios Digitais

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de


Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Rio
Grande do Sul - UNIJUI, submetida à aprovação da banca
examinadora composta pelos seguintes membros:

______________________________________________
Mateus de Oliveira Fornasier

______________________________________________
Joice Graciele Nielsson

Ijuí, 14 de junho de 2021.


4

Dedico este trabalho a todas as mulheres,


especialmente àquelas vítimas de
violência de gênero. Vocês não estão
sozinhas.
5

“Num mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é


poder.” Yuval Noah Harari
6

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca das características
do crime de revenge porn, manifestamente um crime contra as mulheres em razão de
seu gênero, trazendo dados e estatísticas. Busca conceituar a privacidade sexual e
sua consequente invasão na rede mundial de computadores. Busca demonstrar a
quebra de confiança e as consequências vivenciadas pelas vítimas da pornografia de
vingança. Ainda, apresenta o contexto histórico da violência de gênero, explanando o
fenômeno social em uma escala global. Com isso, o trabalho traz argumentos que
afirmam que o revanchismo pornográfico se trata de um novo fenômeno de violência
de gênero que se utiliza das novas tecnologias para se perpetuar. Apresenta a Lei n°
13.718/2018 (Lei de Importunação Sexual) que entrou em vigor para reparar a lacuna
legislativa em relação à punição penal dos disseminadores de conteúdos íntimos e
sexuais. Por fim, debate mecanismos subsidiários de repressão à violência de gênero
cometida através do revanchismo pornográfico.

Palavras-chave: Pornografia de Vingança. Violência de Gênero. Direito das


Mulheres. Crimes Digitais. Lei de Importunação Sexual.
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ABSTRACT

This conclusion of course work is an analysis of the characteristics of revenge porn


crime, clearly a crime against women because of their gender, bringing data and
statistics. It seeks to conceptualize sexual privacy and its consequent invasion of the
world wide web. It seeks to demonstrate the breach of trust and the consequences
experienced by victims of revenge pornography. Furthermore, it presents the historical
context of gender violence, explaining the social phenomenon on a global scale. Thus,
the work brings arguments that claim that pornographic revenge is a new phenomenon
of gender violence that uses new technologies to perpetuate itself. It presents Law No.
13,718/2018 (Sexual Intrusion Law) which came into force to repair the legislative gap
in relation to the criminal punishment of disseminators of intimate and sexual content.
Finally, it debates subsidiary mechanisms for the repression of gender violence
committed through pornographic revenge.

Key-words: Revenge Porn. Gender Violence. Women's Rights. Digital Crimes. Sexual
Harassment Law.
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................9
2. PRIVACIDADE SEXUAL ...................................................................................... 11
2.1 Conceito sócio-jurídico da pornografia de vingança (revenge porn) ........... 11
2.2 Aspectos da invasão de privacidade na internet ........................................... 16
2.3 A disseminação não consentida de conteúdos íntimos sexuais e a quebra
de confiança ............................................................................................................ 23
2.4 A pornografia de revanche em dados ............................................................. 27
3 Dispositivos legais de repressão ao crime de exposição não consensual de
conteúdos íntimos sexuais. ................................................................................... 29
3.1 A violência contra a mulher: contexto histórico ............................................ 29
3.2 Novo mecanismo de perpetuação da violência de gênero: revenge porn e a
era da informação ................................................................................................... 41
3.3 A responsabilização penal do disseminador de conteúdos íntimos sexuais
sem consentimento a partir do advento da Lei 13.718/2018 ............................... 52
3.4 Análise sócio-jurídica da Lei Maria da Penha, Lei Carolina Dieckmann e o
Marco Civil da Internet como mecanismos subsidiários de repressão à
pornografia de vingança ......................................................................................... 57
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67
9

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da pornografia de vingança,


buscando conceituar o fenômeno de violação dos direitos da mulher da rede mundial
de computadores. Busca compreender o revenge porn como um mecanismo de
perpetuação da violência de gênero que utiliza mecanismos tecnológicos e da
interação de internautas na internet para disseminar conteúdos íntimos e sexuais sem
o consentimento da vítima. Dentro da macro temática envolvendo Direitos de Gênero
e Tecnologia, uma das problemáticas emergentes é a perpetuação da violência de
gênero nos meios digitais. Nesse sentido, as discussões envolvendo o revenge porn
têm se mostrado de suma relevância na tipificação envolvendo os crimes virtuais e no
combate à violência de gênero, uma vez que há uma crescente expansão dessas
condutas em escala global, gerando consequências devastadoras para as vítimas,
acompanhada de uma sensação de impunidade.
Através na análise dos crimes de revenge porn, o trabalho discute como essa
nova modalidade de crime caracteriza-se pela perpetuação da violência de gênero
nos meios digitais. O presente trabalho busca esclarecer o seguinte questionamento:
quais os mecanismos de repressão da conduta de disseminação não consensual de
imagens íntimas sob a perspectiva da violência de gênero? Assim, parte-se da
hipótese de que o ciberespaço se apresenta como um ambiente hostil de perpetuação
da violência de gênero já existente na sociedade e na cultura. Nesse sentido, faz-se
necessário analisar quais os mecanismos de repressão à disseminação não
consentida de conteúdos íntimos online, determinando qual a responsabilidade dos
provedores de internet e a sanção penal para os disseminadores.
Afirma-se que o ciberespaço é uma extensão da cultura do mundo real,
portanto a violência terá expressões tanto no mundo real quanto no mundo virtual. A
violência de gênero ocorre através da opressão das mulheres, condicionando-as a um
papel biologicamente determinado. Sendo assim, a pornografia de vingança
apresenta-se como um novo meio de perpetuação da violência de gênero, utilizando-
se dos meios cibernéticos e das novas tecnologias para se concretizar. O revenge
porn é um crime tipificado no ordenamento jurídico brasileiro, no artigo 218-C,
segunda parte, do Código Penal, categorizando-se como importunação sexual.
Porém, sua identificação ainda é tímida, acabando por não resultar em uma
persecução penal efetiva.
10

O objetivo do presente trabalho foi o de investigar os crimes do revenge porn


como uma extensão da violência de gênero, a qual se materializa através dos meios
cibernéticos e a partir das novas tecnologias. Ainda, conceituou as ações que se
caracterizam como revenge porn, indicando do que se trata a invasão de privacidade
e a disseminação não consensual de imagens íntimas sexuais de mulheres, através
da perspectiva da violência de gênero. Por fim, categoriza os dispositivos legais de
responsabilização do disseminador de conteúdos íntimos sexuais sem consentimento
e com o intuito de promover uma vingança contra a vítima.
Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por
meio eletrônico, analisando também os dispositivos legais, a fim de enriquecer a
coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do revenge porn,
revelar a importância da proteção estatal para com as mulheres e demonstrar como
as lutas feministas auxiliam nas mudanças sociais, a fim de garantir direitos iguais a
todos.
11

2. PRIVACIDADE SEXUAL

O presente capítulo buscará investigar o conceito sócio-jurídico da pornografia


de vingança, a fim de debater a conduta do crime, prevendo quais ações determinam
a divulgação imprópria de conteúdos íntimos sexuais. Em seguida, abordará os
aspectos da invasão de privacidade na internet, definindo o conceito de privacidade e
sua consequente violação na rede mundial de computadores. Ainda, discutirá os
aspectos da disseminação não consentida de conteúdos íntimos sexuais e a quebra
de confiança entre a vítima e o disseminador. Por fim, apresentará estatísticas sobre
o crime de pornografia de vingança, a fim de demonstrar que tal conduta tem como
maioria vítimas as mulheres.

2.1 Conceito sócio-jurídico da pornografia de vingança (revenge porn)

O revenge porn ou pornografia de vingança caracteriza-se por uma conduta de


divulgação de cenas ou conteúdo de áudio envolvendo nudez ou sexo, sem
autorização do indivíduo que produziu esse conteúdo, com o objetivo de praticar a
vingança ou a humilhação da vítima. Além disso, caracteriza-se como revenge porn a
disseminação de conteúdos sexuais íntimos, através da invasão de dispositivos
eletrônicos por uma pessoa que não tenha relação alguma com a vítima. O
consentimento, nesses casos, trata-se da divulgação imprópria (LANA, 2019, p. 10).
No Brasil, a pornografia de revanche emerge como novidade, vinculada à
violência sofrida pelas mulheres, revelando o lugar inóspito que a internet é para elas,
em razão da lacuna legislativa de proteção e equiparação de gênero. A pornografia
de vingança ocorre quando uma mulher (geralmente) tem suas fotos íntimas
disseminadas pelas redes sociais pelo parceiro ou alguém com quem mantenha
relações íntimas de afeto, sem seu consentimento. Em muitos casos, a própria vítima
quem produz o conteúdo sexual íntimo e acaba por sofrer uma violação de
privacidade, na medida em que o disseminador utiliza da confiança depositada para
divulgar as cenas íntimas.
A pornografia de vingança envolve os casos em que uma pessoa produziu o
conteúdo sexual íntimo e outra o divulgou, uma vez que a conduta lesiva se trata da
divulgação indevida e não da produção do conteúdo, a não ser que a vítima não tenha
conhecimento de que estava sendo filmada, fotografada ou gravada. Entretanto,
12

“remanesce a ideia equivocada de que, nos casos em que a tomada das imagens foi
consensual, há autorização (tácita ou expressa) da mulher na divulgação delas”
(GUIMARÃES; DRESCH, 2014, p. 10). Essa ideia só reforça estereótipos de gênero,
afirmando que a mulher não tomou as devidas cautelas para evitar a conduta,
culpabilizando, assim, a vítima e não o disseminador.
O termo “vingança” nos remete a imaginar que alguma ação da mulher deu
ensejo à retaliação. Assim, é necessário analisar o termo com cautela, em razão de
que “mesmo sem ser essa a intenção, os termos acabam por justificar a conduta de
quem dissemina as imagens, por caracterizá-la como uma resposta” (LANA, 2019, p.
10). Entretanto, o fenômeno do revenge porn vai muito além disso. Por essa razão, a
expressão “disseminação não consentida de imagens íntimas” (RUIZ et al, 2017, p.
02, tradução nossa)1 é mais apropriada.
A terminologia adotada no Brasil para descrever as condutas criminosas de
exposição de conteúdos íntimos sexuais é uma tradução literal de revenge porn,
utilizada nos Estados Unidos. No país norte-americano, há uma intensa discussão
acerca da criminalização de tal conduta, sendo que a o estado da Califórnia foi
pioneiro na promulgação de uma lei específica sobre pornografia de revanche, ainda
em 2013 (LINS, 2016). A exposição de ex-namoradas já era uma prática comum nos
EUA muito antes dos avanços da internet. Nos anos 1980, revistas pornográficas
passaram a criar sessões para publicação de conteúdos sexuais produzidos pelos
leitores, o que instigou o público masculino a expor ex-companheiras. Com o avanço
da internet e sua popularização, “a categoria ‘realcore pornography’” (contendo fotos
e vídeos amadores) emancipou-se da mídia física se tornando a partir dos anos 2000,
um subgênero pornográfico bastante popular na rede” (LINS, 2016, p. 251).
Ao tratarmos do pornô de revanche, pode-se apontar ao menos quatro
elementos discernentes: uma mídia (digital ou não) efetivamente mostrando uma
pessoa ou mais; o sentimento pessoal de quem está sendo retratado nas imagens de
que aquele momento é íntimo; a falta de autorização para a disseminação; e a
disseminação intencional dessa mídia (dolo). Essa mídia pode envolver fotos, vídeos
ou mesmo áudios íntimos que foram tornados públicos. O impacto negativo que recai
sobre a vítima é o fato de ela ser identificada através da mídia vazada, mesmo que
seu rosto não apareça no conteúdo (HARTMANN, 2018).

1 Texto original: “non-consensual intimate images – NCII”.


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O papel na sociedade é predeterminado por normativas culturais, mas na


grande maioria das sociedades é reservado a elas o papel de cuidado com o lar, os
filhos e mesmo o marido. A liberdade sexual não é algo atribuído socialmente ao sexo
feminino, sendo aceito apenas dentro de determinados contextos íntimos, como a
reprodução.
Dito isso, a pornografia de vingança pode ser entendida como um novo meio
de repressão à liberdade sexual. Trata-se do velho discurso de punição “da mulher
que nega ou subverte o papel que lhe foi imposto” (BARBOSA; SANTOS, 2020, p.
177). A internet proporcionou um novo meio de repressão se concretizando através
da humilhação e exposição. Por isso,

a divulgação de qualquer conteúdo que desconstrua esta imagem de


recato e santidade possa criar danos irreversíveis à sua personalidade,
repercutindo na negação de qualquer imagem que tenha sido
socialmente construída e, por consequência, destruindo seu caráter,
sua imagem profissional, sua imagem social e até mesmo seu amor
próprio e sua autoestima. (BARBOSA; SANTOS, 2020, p. 178).

O revenge porn tem como grande maioria das vítimas as mulheres, de forma
que se um homem tiver seu conteúdo íntimo sexual divulgado sem consentimento,
ainda que haja danos à sua reputação, acaba por reforçar seu papel pré-determinado
de virilidade. A terminologia adotada é alvo de críticas, na medida em que pode
remeter à perversão sexual, como se essa fosse a intenção da vítima desde o começo.
Além disso, a “vingança” pode remeter à uma resposta de condutas da vítima, como
se ela tivesse contribuído, dando motivos ao disseminador agir de tal maneira. Ao
divulgar imagens íntimas sexuais de uma mulher “se impõe a ela uma severa
condenação, uma vez que a sociedade interpreta que uma mulher que ‘se dá o
respeito’ não deveria se colocar nestas situações” (BARBOSA; SANTOS, 2020, p.
179).
Os recentes avanços tecnológicos das tecnologias de informação, tais como as
redes sociais, os smartphones e outros dispositivos de compartilhamento de conteúdo
que permitem o acesso móvel à internet, trouxeram mudanças na forma com que nos
relacionamos uns com os outros e com os meios digitais (LINS, 2016). A pornografia
de vingança se materializa através da relação social com a internet. O termo revenge
porn é comumente utilizado no meio acadêmico, por militantes feministas e nas
manchetes de notícias para chamar atenção de tal prática, que
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visaria danificar a imagem e a moral da pessoa exposta, em especial


mulheres, dando também status de crime a situações que são
apresentadas, grosso modo, como uma nova e tecnológica faceta da
violência contra as mulheres, sendo necessários, por isso,
enfrentamentos políticos específicos e elaboração de soluções
jurídicas mais rigorosas. (LINS, 2016, p. 247)

As recentes mudanças legislativas no mundo ocidental e os escândalos


envolvendo celebridades, levaram o revenge porn como um tópico de discussão
emergente. O revenge porn está inserido dentro do guarda-chuva do termo
“pornografia não-consensual” e envolve um indivíduo “vazando” uma imagem privada
sexual de outro (FIDO et. al, 2019, p. 02). Essa ação geralmente envolve o término de
um relacionamento e é o meio utilizado para corroer a reputação social do ex-parceiro.
A questão social do revenge porn está diretamente ligada à identidade de gênero e é
afetado pelo machismo que, no caso da intolerância, envolve estereótipos de gênero.
Os casos de revenge porn apresentam um desafio adicional das outras condutas
lesivas já tipificadas pelo legislador.
O revenge porn não é novidade, mas ganhou grande notoriedade com os
avanços tecnológicos das últimas décadas. Lana (2019, p. 11, grifo do autor) cita a
pesquisa do italiano Sergio Messina para relatar que no início dos anos 2000 já
“existiam fóruns de internet sobre um segmento pornográfico chamado realcore – o
compartilhamento de fotos e vídeos de ex-namoradas, frequentemente gravados ou
divulgados sem consentimento”. Ainda, segundo Gomes (2014, grifo do autor), em
2007 a expressão revenge porn já era encontrada no dicionário colaborativo online
Urban Dictionary.
A internet e a pornografia andam lado a lado, sendo que estudos mostram que
grande parte do acesso às redes é relacionado ao consumo de pornografia (LINS, p.
251, 2016). Tal fato se deu, em especial, a partir da chamada “Web 2.0” que permitiu
o compartilhamento de conteúdo on-line. Com isso, os usuários passaram a atuar
como produtores de conteúdo, “gerando o aumento substancial de materiais
amadores, como textos, vídeos, redes e mídias sociais - a internet seria um dos
lugares mais propícios para a difusão de material pornográfico” (LINS, 2016). Assim,
“diversas iniciativas sinalizam propostas para controlar o conteúdo vinculado na rede,
sendo os principais pontos de discussão a pedofilia, a pornografia e a pirataria” (LINS,
2016).
Conforme Lana (2019), o número de vídeos íntimos envolvendo o gênero
feminino é muito maior, além do impacto ser mínimo quando se trata do vazamento
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de conteúdo protagonizado por homens. As vítimas sofrem consequências no


trabalho, podendo perder seu emprego, mas também começam a apresentar sintomas
de ansiedade, depressão e dificuldade de confiar em outros e na sua imagem, levando
algumas vítimas ao suicídio (FIDO et al, 2019).
Em 2013, duas adolescentes brasileiras de 16 e 17 anos suicidaram-se em
decorrência da exposição de conteúdos íntimos sexuais nas redes sociais. Lins (2016,
p. 249) revela que, durante sua pesquisa de mestrado, entre 2012 e 2013,
acompanhou duas Delegacias de Defesa da Mulher em São Paulo, ouvindo relatos
de casos de pornografia de vingança, em decorrência de relacionamentos afetivos-
sexuais, e que tais casos eram enquadrados como “violência doméstica”, sob a
proteção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Muitas vezes, as vítimas sofriam
chantagens por parte dos homens, em relação a possível exposição dos conteúdos
sexuais íntimos. Tais casos não encontravam solução jurídica adequada, sendo que
as “queixas referentes à divulgação de conteúdos íntimos só se transformavam em
Boletins de Ocorrência quando envolviam, também, algumas circunstâncias
comumente associadas à violência doméstica” (LINS, 2016). Quando a exposição não
envolvia um relacionamento, as ocorrências eram tratadas como “brigas de internet”
e apresentavam empecilhos na produção das provas (LINS, 2016).
Políticas públicas de enfrentamento à violência do revenge porn começaram a
ser implementadas devido à grande propagação desse crime e aos consequentes
danos “inestimáveis para as vítimas - depressão, isolamento social, bullying,
deslocamentos forçados e até mesmo suicídios” (RUIZ et al, 2017, p. 2). Nos Estados
Unidos, em 2010 criou-se um site feito exclusivamente para compartilhar imagens
tiradas sem o consentimento das pessoas, especialmente de mulheres. No Canadá,
assim como no Brasil, duas adolescentes cometeram suicídio após serem vítimas de
revenge porn. Na Espanha, em 2012, uma vereadora renunciou ao cargo depois que
imagens sexuais íntimas sua foram espalhadas pela internet. Casos semelhantes
aconteceram em Malawi (2008) e no Uruguai (2013). Sendo assim, podemos observar
que se trata de um fenômeno mundial.
A problemática envolvendo o revenge porn não é regulamentada pela
Constituição Federal, assim como outras condutas on-line. Dessa forma, o desafio é
conceituar adequadamente o pornô de revanche de modo que a repressão dessa
atividade não limite desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de
expressão, mas seja capaz de proteger o direito fundamental à privacidade. Nesse
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cenário, “o segundo risco parece maior: é preciso cuidado para não subestimar as
hipóteses de configuração de dano” (HARTMANN, 2018, p. 02).
O aspecto discrepante que difere o revenge porn de outros conteúdos
disseminados on-line é o fato de que “uma foto, vídeo ou áudio de uma pessoa em
um momento privado a expõem de uma forma que a descrição normalmente não
consegue fazer, e isso é uma diferença objetiva” (HARTMANN, 2018, p. 3). De outro
lado, essa diferenciação acaba se tornando obsoleta quando identificamos o uso de
inteligência artificial para inserir o rosto das vítimas em corpos que não são seus,
gerando conteúdos íntimos falsos.
Os vídeos sexuais falsos são outra categoria de violação. Consiste na inserção
do rosto e a voz de pessoas em vídeos pornográficos. Diferem da pornografia não
consensual por que não exibem o corpo nu das vítimas, mas violam suas intimidades
e sua autonomia sexual da mesma forma, “são uma afronta à sensação de que as
identidades íntimas das pessoas são suas para serem compartilhadas ou mantidas
para si mesmos” (CITRON, 2019, p. 52, tradução nossa)2. Sendo assim, os “deep-
fake sex videos” são condutas de revenge porn praticadas por ex-companheiros. Há
relatos na internet de ex-parceiros que usaram fotos de suas vítimas para produzir
vídeos falsos delas, causando enorme constrangimento. Afinal, pessoas leigas não
conseguem distinguir um vídeo falso de um verdadeiro.

2.2 Aspectos da invasão de privacidade na internet

Nos últimos dez anos o tratamento jurídico e doutrinário acerca da privacidade


ganhou notoriedade, em razão da popularização de novas tecnologias de informação.
Três fenômenos contribuíram para uma nova abordagem do tema: 1) a estruturação
de uma base de dados que permite um grande fluxo de informações; 2) a
popularização da informática e a ampla utilização da internet que resultaram em uma
grande exposição das informações pessoais; 3) a padronização dos equipamentos e
sistemas informáticos, permitindo a coleta de dados (LINS, 2020).
Coma modernização dos espaços urbanos, decorrente da ascensão da
burguesia no Século XVIII, diversas atividades domésticas que eram exercidas até

2Texto original: “they are an affront to the sense that people’s intimate identities are their own to share
or to keep to themselves”.
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então comunitariamente passaram a ocupar os espaços privados, dando uma noção


inicial de direito à privacidade (LINS, 2020). A definição de “momento privado” é
complexa e envolve discussões jurisprudenciais e doutrinárias sobre direito. Em 1983,
o Tribunal Federal Constitucional alemão definiu o conceito de autodeterminação
informativa, muito antes do uso de dados pessoais por empresas privadas nas redes
digitais (HARTMANN, 2018, p. 04). O Tribunal Constitucional espanhol já reconheceu
a existência de um “direito fundamental à proteção de dados de cunho pessoal”
(HARTMANN, 2018). Esses entendimentos jurisprudenciais tratam do
reconhecimento da autonomia individual nas escolhas e versam sobre a amplitude e
o contexto da disseminação, do compartilhamento e do uso de informações pessoais
(HARTMANN, 2018). A partir disso, a privacidade pode ser conceituada como “um
modo específico de vivência pessoal, isolada, numa esfera reservada, consoante
escolha espontânea do interessado” (SILVEIRA; CALDONAZZO, 2014, p. 85).
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 5°, inciso X, que a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis. O Código
Penal estabelece sanção para quem cometer crimes contra a honra, determinando
penas comissivas em seus artigos 138 a 140. O Código Civil, ao tratar dos direitos de
personalidade, estabeleceu em seu artigo 21 que “a vida privada da pessoa natural é
inviolável” (SILVEIRA; CALDONAZZO, 2014, p. 85). Entretanto, a CFBR acabou por
não proteger os direitos personalíssimos nos meios cibernéticos. Como se sabe, o
direito é obrigado a se adequar aos novos fenômenos sociais e, assim, normas que
protejam os direitos dos usuários de Internet é essencial para o bom convívio online.
Privacidade sexual contempla as normas sociais que estabelecem as barreias
e os limites que envolvem a vida íntima. Envolve, também, a extensão da qual outros
têm acesso às informações sobre os corpos nus das pessoas, especialmente as
partes que envolvem o sexo e o gênero. Incluem os desejos sexuais, fantasias e
pensamentos; as expressões sobre sexo, sexualidade, gênero e atividade sexual.
O fundamento da privacidade sexual permite que os indivíduos estabeleçam
em qual contexto seus corpos nus podem ser filmados, fotografados, vistos e exibidos.
É o próprio indivíduo quem deve decidir para quem ele compartilha sua orientação
sexual, gênero ou histórico sexual. Se uma pessoa divide sua história de agressão
sexual na infância com seu parceiro, os termos da privacidade sexual não permitem
que o outro compartilhe essa informação. Quando uma pessoa compartilha fotos
íntimas com outra não está consentindo ao direito de um hacker invadir seu sistema
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pessoal e compartilhar essas imagens com estranhos. Por isso, merece


reconhecimento e proteção, na mesma proporção que protegemos nossas
informações bancárias e de saúde.
A privacidade sexual inclui a decisão pessoal sobre a vida íntima, de como
confiar em outros com informações sobre sexualidade e gênero ou apenas de expor
o corpo nu, na medida que “somos livres apenas na medida em que podemos
gerenciar os limites ao redor de nossos corpos e atividades íntimas” (CITRON, 2019,
p. 05, tradução nossa)3. Além disso, a privacidade íntima é importante mesmo quando
não há um relacionamento envolvido. É preciso respeitar a privacidade do outro
quando esse está provando roupas em uma loja, tomando um banho na academia ou
usando um banheiro público. Nós devemos ser capazes de decidir quem sabe sobre
nossa sexualidade (CITRON, 2019).
A privacidade sexual se preocupa com a autonomia sexual e dignidade dos
indivíduos, uma vez que as pessoas devem ser capazes de estabelecer limites sobre
seus corpos, informações íntimas e atividades íntimas. Quando um ex-parceiro revela
a transexualidade de outro sem seu consentimento envolve uma quebra de confiança
depositada na informação confidencial. Sendo assim, a temática da privacidade
sexual se preocupa com o impacto de subordinação nas mulheres e minorias.
Ameaçar ou envergonhar mulheres e outras minorias com fotos íntimas, informações
sobre sua sexualidade e gênero transgrede seus interesses privados. Isso pode
ocorrer, também, quando há postagem de vídeos de sexo falsos ou imagens de
mulheres sendo estupradas.
Hartmann (2018, grifo do autor) cita o conceito de “exposure” criado por Solove
(2006), o qual classifica as diferente instâncias e relações que a privacidade opera,
caracterizando o dano causado pela exposição de momentos íntimos. Ainda, o autor
cita Galison e Minow (2005) para descrever a “expectativa de privacidade”, ou seja, o
nível de proteção em uma sociedade de gradual redução dessa e, portanto, coloca o
conceito em uma espiral decrescente.
A internet surgiu nos anos 1960, a partir de um projeto norte-americano que
visava estabelecer comunicações entre pessoas geograficamente isoladas. O projeto
logo mostrou-se frutífero e apto a enviar mensagens, tornando-se um meio de
comunicação eficiente e amplamente utilizado pelo meio acadêmico. Em seguida,

3 Texto original: “we are free only insofar as we can manage the boundaries around our bodies and
intimate activities”.
19

criou-se um mecanismo de envio de arquivos de programas e imagens. Com a


implementação do mecanismo às universidades de outros países, a rede passou a se
chamar Internet (LINS, 2020).
Nos anos 1980, desenvolveu-se os recursos gráficos para os computadores,
permitindo a criação de páginas completas, com textos, imagens, áudios e vídeos. “A
partir de então, a Internet passou a ser palatável ao grande público e tornou-se uma
rede pública mundial, a ‘World Wide Web’, acessada com o uso de programas de
navegação específicos” (LINS, 2020, p. 06). Estima-se que nos anos 1990, a cada
100 dias a rede dobrava o número de usuários.
Aos usuários de Internet, são disponibilizados essencialmente quatro serviços:
a apresentação de páginas de hipertexto (a Web), o correio eletrônico, seja privado
ou público, a transferência de arquivos e a identificação de endereços (LINS, p. 07,
2020). A invasão de privacidade “decorre da própria natureza da rede que, por ser
muito ‘aberta’, facilita a identificação de usuários e o acesso aos seus equipamentos”
(LINS, 2020).
Barbosa e Santos (2020) explicam que o termo “ciberespaço” (cyberspace),
cunhado pelo escritor Wiliam Gibson em 1984, determina o espaço no qual as
comunicações são mediadas pelo computador. É notório como o avanço dos
dispositivos eletrônicos e da internet mudaram a história da humanidade, tornando as
comunicações mais dinâmicas. Mas é preciso fazer uma ressalva, especialmente
“quando se considera o ciberespaço como um expoente da liberdade de expressão e
da democracia, portanto livre de censura, nascem questões sensíveis ante à ausência
de filtros sobre o que é postado na rede” (BARBOSA; SANTOS, 2020, p. 176). A
propagação que os conteúdos online se disseminam é inimaginável, uma vez que a
interação entre usuários de plataformas é instantânea.
Como os meios digitais são fundamentados pela plena liberdade de expressão,
acaba por gerando um enorme problema: a vulnerabilidade de determinados usuários.
Assim, é possível afirmar que essa vulnerabilidade é “decorrente do mau uso das
plataformas de provedores de conteúdo, que permitem que terceiros criem e
divulguem materiais próprios, sem que haja prévio controle editorial” (BARBOSA;
SANTOS, 2020, p. 176). As mulheres encontram-se nesse rol, uma vez que o
ciberespaço nada mais é do que uma extensão do mundo real, um mundo pautado
pela discriminação e violência histórica. Mulheres são alvos de revenge porn visto que
delas é esperado um certo recato, sendo que a liberdade sexual ainda é um tabu.
20

Dessa forma, se faz necessário

tratar a divulgação não consentida de imagens íntimas como meio de


violência de gênero, que se refere a comportamentos que causem
danos físicos, psicológicos ou sexuais aos atores da relação, ainda que
dentro do “livre” ciberespaço (BARBOSA; SANTOS, 2020, p. 176)

A invasão de privacidade na internet pode ser entendida como a “violação à


privacidade a divulgação, através da Internet, de dados ou fatos que atentem contra
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa” (LINS, 2020). Essa
divulgação pode ocorrer através de sites ou por correio eletrônico. A Internet,
entendida como uma rede mundial de computadores, traz um agravante quanto à
violação da privacidade: o fato pode ser divulgado em uma escala que nenhum outro
meio de comunicação em massa pode alcançar. Sendo assim, “os fatos podem ser
divulgados a partir de países que, por não dispor de legislação para tal, não punirão a
ocorrência, dando um caráter de impunidade à atitude delituosa” (LINS, 2020, p. 7).
A transgressão da privacidade na Internet pode se dar das mais variadas
formas, em razão da diversidade de recursos de informática existentes. A coleta de
informações do usuário em seu computador sem seu consentimento ocorre com o uso
de programas de invasão ou através da identificação dos acessos feitos no
computador. Ainda, para entrar na rede no lugar do usuário a fim de obter informações
a seu respeito, pode ser concretizado através do uso de codinome, senha ou outros
dispositivos de segurança do usuário (LINS, 2020, p. 07).
A natureza do momento privado é relevante na medida em que o termo “pornô
de revanche” remete à um conteúdo pornográfico. Porém, o conceito jurídico deve ser
utilizado de maneira ampla. Por exemplo, quando alguém expõe uma foto de nudez,
não necessariamente em uma ação sexual, mas sim, envolvendo a intimidade de
outro(a). Os conteúdos podem não ter conotação sexual, mas só o fato de exporem a
privacidade de alguém já se caracteriza como revenge porn. Assim, “manter
momentos não sexuais (segundo a interpretação das pessoas envolvidas) fora do
escopo do instituto limitaria desproporcionalmente o uso de qualquer proteção legal
desenvolvida até agora para as vítimas” (HARTMANN, 2018, p. 17). Segundo o autor,
seria benéfico considerar o potencial libidinoso de quem visualizou a mídia como um
critério, significando que os visualizadores da mídia estabeleçam a conotação sexual
e não a vítima. Na prática, é possível observar o caráter protecionista dessa
interpretação, na medida em que abrange mais vítimas.
21

A definição de momento privado exige algumas reflexões. “Com o advento da


Internet, o direito à privacidade alonga-se para o campo virtual, gerando novas
incitações jurídicas” (SILVEIRA; CALDONAZZO, 2014, p. 88). A ordem social
estabelecida pelo Direito visa proteger os indivíduos diante do desrespeito aos direitos
fundamentais. Sendo assim, quando há uma transgressão da norma, busca-se a
reparação da violação. Porém, nos casos de

divulgação de fotos íntimas na internet ou arquivos de grande


importância, dificilmente o dano será reparado de maneira sólida e
completa, já que acarreta em traumas, obstruções familiares e
pessoais, levando a uma devastação do indivíduo. (SILVEIRA;
CALDONAZZO, 2014, p. 89)

Um dos mecanismos jurídicos de proteção da privacidade e dos dados


pessoais é o habeas data, que está previsto na Constituição Federal, em seu artigo
5°, inciso LXXII. Silveira e Caldonazzo (2014) citam Alexandre de Morais (2008, p.
141) para elucidar que:

O habeas data é uma ação constitucional, de caráter civil, conteúdo e


rito sumário, que tem por objetivo a proteção do direito líquido e certo
do impetrante em conhecer todas as informações e registros relativos
à sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares
acessíveis ao público, para eventual retificação de seus dados
pessoais.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro esforça-se para acompanhar as


mudanças sociais. Com o advento do Marco Civil da Internet e a Lei Carolina
Dieckmann (Lei n° 12.737/2012), além de outras mudanças legislativas, busca-se
prever e determinar sanções para os crimes cometidos através da rede mundial de
computadores. É de suma importância que tais legislações estejam em vigor no
território brasileiro, uma vez que a lacuna legislativa pode trazer uma sensação de
impunidade e “liberdade ilimitada, dando segurança aos indivíduos que atuam de má
fé, anonimamente ou de maneira ilegal nesse espaço” (SILVEIRA; CALDONAZZO,
2014, p. 91).
O crescente número de casos de exposição íntima de mulheres por ex-
parceiros que, na maioria dos episódios, não se conformam com o fim do
relacionamento, intentam contra a integridade moral e psíquica da vítima. A exposição
de mulheres serve unicamente para o propósito de atingir a moral feminina, na medida
que delas é esperado “uma postura sexual mais pudica, contida e moralmente
22

adequada aos padrões sociais e religiosos dominantes” (GUIMARÃES; DRESCH,


2014, p. 8-9). Ainda, a exposição de uma mulher perpassa sua pessoa e atinge,
inclusive, seus familiares.
Os conteúdos de pornografia de vingança alcançam uma proporção
descomunal na rede mundial de computadores, tornando-se “virais”, definição
comumente utilizada para identificar aqueles arquivos “que adquirem um alto poder
de circulação na internet, alcançando grande popularidade, configurando-se como um
fenômeno de Internet típico da Web 2.0” (GUIMARÃES; DRESCH, 2014, p. 9, grifo
nosso).
Inúmeras ações podem ser realizadas através das redes: “transações
bancárias, compartilhamento de arquivos, postagem de fotos, comunicação em
segundos com alguém que se encontra do outro lado do mundo, etc.” (SILVEIRA;
CALDONAZZO, 2014, p. 85) Com tantas possibilidades, surgem novas violações.
Como uma balança, a Internet proporciona benefícios e malefícios. A invasão de
privacidade, a obtenção de dados pessoais para fins fraudulentos e a comercialização
das informações pessoais são algumas das consequências advindas com a Internet
(SILVEIRA; CALDONAZZO, 2014).
A privacidade na Internet pode ser compreendida como o direito de controlar
de qual forma terceiros podem utilizar-se das suas informações pessoais, o que
poderá implicar em uma exposição indesejada da intimidade. A Internet estruturada
da forma como conhecemos hoje trouxe à tona “situações que caracterizam a violação
de privacidade: a revelação de fatos privados embaraçosos e ao uso de métodos
questionáveis para coleta de informações” (LINS, 2020, p. 12). Dessa forma, como
mecanismo de comunicação, a Internet possibilitou

a revelação de fatos privados, inclusive em uma escala nunca antes


atingida, por se tratar de uma rede mundial. Nesse caso, a jurisdição
das leis nacionais poderá ser um empecilho à investigação do delito, à
identificação dos responsáveis e ao seu julgamento. Abre-se, então,
uma oportunidade para o tratamento da questão no nível dos fóruns
internacionais adequados. (LINS, 2020, p. 12)

A solução jurídica é a criação de uma legislação que trate sobre a proteção


dados pessoais e sua consequente violação. Em países europeus essa já é uma
realidade. No Brasil, recentemente foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados
(Lei n° 14.010/2020) dispondo sobre
23

o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por


pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com
o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de
privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa
natural. (art. 1°, da LGPD)

O artigo 5°, inciso VI, do Marco Civil da Internet (2014), estabelece o


rastreamento do endereço de IP utilizado para enviar e receber dados da Internet.
Essa previsão tem como finalidade descobrir o remetente de uma informação, sendo
possível a identificação do autor de um conteúdo divulgado de forma online, no caso
de uma transgressão. Em contrapartida ao direito de privacidade, há o direito à
liberdade de expressão, sendo necessário manter a harmonia entre ambos
(SILVEIRA; CALDONAZZO, 2014).

2.2 A disseminação não consentida de conteúdos íntimos sexuais e


quebra de confiança

Pornografia não consensual envolve a prática de distribuição de imagens


sexuais sem o consentimento do sujeito que as produziu. Pode acontecer através do
furto de imagens dos aparelhos eletrônicos da vítima ou mesmo quando ela confia a
alguém suas imagens íntimas e essa pessoa as compartilha. Esse tipo de violação
tem como qualificação a quebra de confia dentro de uma relação, amorosa ou não. A
pornografia não consensual remove a autonomia das vítimas de decidirem quem pode
ver seus corpos nus, na medida em que seus corpos são compartilhados em sites
pornográficos e/ou com pessoas de seu círculo social.
O direito individual no sentido clássico restringia-se a proteger a pessoa e seus
segredos. Hoje, o conceito de privacidade relaciona-se com os direitos à
personalidade, assegurando o controle da circulação dos dados pessoais. Assim, a
privacidade adquiriu um caráter relacional e não mais um caráter individual. Não se
trata de um poder arbitrário do titular, mas “se expressa através de um complexo de
interesses, tanto do titular quanto da coletividade, que pode originar poderes,
obrigações e ônus aos envolvidos” (LANA, 2019, p. 28). Exerce-se como um direito à
delimitação da expressão da personalidade ao mundo exterior.
Na era digital, os conceitos de relacionamento e privacidade são redesenhados.
As tecnologias de informação permitem dosar a quantidade de informações
disponibilizadas em um perfil online. Sendo assim, “as relações virtuais criam a
24

sensação de eliminar algumas dificuldades de interação existentes na vida cotidiana,


permitindo um certo controle da intensidade dos relacionamentos” (LANA, 2019, p.
29). Segundo Lana (2019), a tecnologia estimula a exposição exacerbada e não
consensual, na medida que permite que informações pessoais sejam compartilhadas
em meios do qual o sujeito não faz parte e, portanto, não tem controle (como grupos
de WhatsApp). Os sujeitos são condicionados pelas mídis digitais a renunciar à
própria intimidade e a expor outros.
O consentimento é um dos pilares do revenge porn, sendo necessário defini-lo.
“O consentimento é específico em relação à audiência e ao meio” (HARTMANN, 2018,
p. 19). Em muitos casos, o consentimento envolve a autorização para gravar o
conteúdo íntimo, mas não para compartilhar. O termo revenge porn surgiu justamente
pela observação dos casos em que um casal se separava e um dos dois compartilhava
as imagens íntimas de cunho sexual sem autorização implícita ou explicita do outro.
“Em muitos países, essa prática não constituía um crime e, da perspectiva do direito
civil, a pessoa que havia feito a gravação tinha direito de propriedade intelectual sobre
o material” (HARTMANN, 2018, p. 20). Assim, mecanismos foram criados para punir
essas ações, na medida em que a ausência de autorização para gravar a mídia íntima
já era penalizada e gerava menos controvérsia.
A Disseminação não consensual de imagens íntimas é o termo utilizado para
se referir aos atos “em que fotos, vídeos e/ou montagens de conteúdo íntimo e/ou
sexual são divulgados e compartilhados sem o consentimento de todos/as os/as
retratados/as” (ALEIXO; BASTOS, 2016, p. 226) O crime pode acontecer através dos
meios midiáticos, cibernéticos ou impressos, mas sua maior incidência ocorre por
meio da Internet e das redes sociais (ALEIXO; BASTOS, 2016). Esse termo é
comumente mais utilizado, uma vez que “elimina a vingança como motivação
necessária à conduta, que pode ocorrer, por exemplo, com fins de mero
entretenimento do agressor ou para humilhação da vítima” (ALEIXO; BASTOS, 2016)
Para ser caracterizado como tal, é necessário a falta de consentimento de pelo menos
uma das partes envolvidas.
Além disso, para a caracterização do revenge porn “não é necessário prévio
laço de confiança entre agressor(es) e vítima(s), nem pré-existência de
relacionamento entre eles” (ALEIXO; BASTOS, 2016, p. 226), sendo apenas essencial
ao tipo a “violação aos direitos de imagem, de liberdade e de dignidade sexual”
(ALEIXO; BASTOS, 2016). Entretanto, o Código Penal estabeleceu uma agravante
25

caso o disseminador e a vítima tenham uma relação íntima de afeto. Ainda, importante
destacar que o consentimento para a produção da mídia não implica em
consentimento para a sua divulgação. Essa divulgação imprópria reforça os padrões
de inferiorização da mulher, na medida que “as práticas, as intencionalidades e os
discursos que envolvem o fenômeno revelam sua inserção em uma violência
estrutural de gênero, em que padrões socioculturais discriminatórios” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227).
A autorização para publicação de conteúdos íntimos deve ser entendida na
medida em que a privacidade se constitui em diversos níveis. Por exemplo, uma
pessoa pode permitir que outra compartilhe seu conteúdo privado a um grupo fechado
de pessoas. Assim, surgem duas interpretações acerca do consentimento. Uma
interpretação mais tradicional da separação entre as esferas pública e privada, “essa
segunda autorização poderia ser caracterizada como um ato de disponibilidade total
do interesse de privacidade por parte da pessoa fotografada, já que ela permitiu que
a foto fosse ‘tornada pública’” (HARTMANN, 2018, p. 19). Já segundo um
entendimento mais matizado das relações sociais online entende que o consentimento
não está limitado ao sim ou não. Seguindo essa linha de raciocínio, compreende que
as pessoas tomam decisões contextualizadas, ou seja, em determinados momentos
não desejam ser retratas dessa ou daquela forma, sendo necessário uma
interpretação ampla do consentimento.

“A regulação do revenge porn e sua aplicação judicial devem refletir


essa complexidade e nunca presumir que o consentimento para o
compartilhamento com uma determinada audiência em um
determinado momento significa a autorização para disseminação
indiscriminada.” (HARTMANN, 2018, p. 19).

O nível de reprovabilidade varia entre a não intencionalidade até a


premeditação motivada pela vingança ou a obtenção de lucro (HARTMANN, 2019, p.
20). Porém, a intenção do disseminador pouco interfere na relevância do dano
causado à vítima. “A mídia contendo um momento íntimo pode ser acessada e depois
tornada pública em razão do vazamento da senha que protegia a conta na qual essa
mídia estava hospedada” (HARTMANN, 2019). Nos casos em que a mídia é
compartilhada sem a intenção do disseminador, ou seja, quando há uma violação de
suas senhas, a vítima pode se sentir menosprezada e insegura, sendo obrigada a
conviver com a sensação de que tudo pode acontecer de novo (HARTMANN, 2019).
26

Ainda, a conta hackeada pode pertencer à vítima, fazendo com que ela se sinta
violada, na medida em que não autorizou outros a manterem mídias íntimas sob sua
posse.
Mais do que qualquer outro elemento, o que permite medir o dano à vítima são
as características da mídia, assim como seu grau de disseminação e não as intenções
do causador do dano. Sendo assim, o

revenge porn é caracterizado pela multiplicidade de combinações das


variáveis listadas, em paralelo com o tipo especial de sofrimento cruel
das vítimas e o uso de ferramentas, canais e veículos on-line para
disseminar e, por vezes, obter a mídia. (HARTMANN, 2019, p. 22).

Apesar da paridade entre revenge porn, o discurso de ódio e a difamação


online, o tratamento Jurídico dado a cada uma desses casos é diferente. Dessa forma,
a censura é necessária no combate ao revenge porn, uma vez que o direito de
resposta ou a compensação financeira não reparam os danos causados às vítimas.
Os principais elementos que diferem a prática do pornô de vingança de outros
crimes digitais estão na novidade do fenômeno, o interesse sexual do conteúdo e a
forma de mídia. “Diferentemente do discurso de ódio ou da opinião que afeta a honra
ou a imagem, o revenge porn resulta de condições técnicas especiais viabilizadas
apenas pela Internet” (HARTMANN, 2019, p. 23). A resposta legal para os casos de
revenge porn deve apontar critérios de definição que não imponham a censura
indiscriminada. Assim, é necessário observar os critérios relativos à vítima, ou seja,
se ela não tem capacidade para determinar o tamanho da audiência e quando as
pessoas envolvidas não possuem condições de determinar os meios de gravação ou
disseminação da mídia.
O pornô de revanche traz consequências severas, na medida em que o
conteúdo divulgado é disseminado de forma rápida e a sua exclusão acaba sendo
improvável, perpetuando os danos da conduta. Essa morosidade só prejudica as
vítimas expostas. O prejuízo sofrido pelas vítimas é profundo, a elas é negado o
controle sobre sua intimidade sexual. “Como o silêncio que as vítimas de violência
doméstica suportaram por muito tempo, as vítimas são forçadas a esconder o abuso
de pessoas que poderiam ajudá-las” (CITRON, 2019, p. 55, tradução nossa)4. No caso

4 Texto original: “Like the silencing that domestic-violence victims have long endured, victims are
forced to hide the abuse from people who could help them”.
27

do pornô de vingança, as vítimas encontram dificuldade em se relacionar novamente.


Esse fato pode alterar suas personalidades e causa diversos problemas de confiança.

2.4 A pornografia de revanche em dados

A pornografia de vingança é um crime cometido especialmente por homens


contra mulheres. A motivação para o crime pode ser diversa, mas geralmente envolve
o término do relacionamento entre o disseminador e a mulher exposta. O baixo índice
de denúncias é o motivo pelo qual não há dados oficiais sobre tal crime. Por isso, o
Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas elaborou o Projeto Vazou em
2018, apresentando dados sobre a pornografia de revanche no Brasil.
Segundo dados do projeto, 84% das vítimas identificam-se como mulheres. Em
82% dos casos relatados, a vítima mantém ou manteve um relacionamento com o
disseminador, englobando um vínculo de namoro ou amizade. Por isso, em 60% dos
casos a disseminação não consentida se deu através de conteúdo registrado/gravado
com consentimento da vítima. As imagens, vídeos ou áudios foram compartilhados
com o disseminador devido à prática de “sexting” e motivado em uma relação de
confiança. As plataformas digitais mais utilizadas pelos disseminadores foram da
empresa Facebook Inc., sendo que os dados apontam o uso do WhatsApp (70%),
Facebook (26%), e-mail (19%), sites pornográficos (14%), Instagram (7%) e Snapchat
(5%) como meios da divulgação imprópria. Os arquivos de imagem correspondem à
87% dos conteúdos íntimos divulgados impropriamente. A motivação para o crime
envolve a vingança (44%), ameaça (22%), extorsão (10%), entre outros. Em 58% dos
casos estudados pelo Projeto Vazou (2018), as famílias das vítimas tomaram
conhecimento do vazamento do conteúdo íntimo sexual.
O crime de pornografia de vingança traz consequências psicológicas severas,
sendo que 63% das vítimas desenvolveram sintomas de ansiedade, 58% isolou-se
socialmente, 56% apresentaram depressão, 33% delas sofreram com o transtorno de
estresse pós-traumático e 32% demonstraram pensamentos suicidas. Outras
consequências foram relatadas pelas vítimas, tais como: assédios em lugares
públicos (27%), abandono dos estudos (16%), mudança de residência (11%),
agressões (7%) e consequências relacionadas ao emprego (11%). A maioria das
vítimas (39%) relataram que não se recuperaram da exposição. Dentre as vítimas,
28

30% iniciaram tratamento psicológico e 30% buscou ajuda de grupos de apoio, nos
círculos de amizade e empoderamento.
A dificuldade de uma persecução penal eficiente que condene o disseminador
de conteúdos íntimos sexuais sem consentimento na prática de um crime ainda é a
realidade brasileira. As mulheres que denunciaram o crime de revenge porn relataram
que em 82% dos casos não houve investigação policial. Dos casos em que houve a
instauração de um Inquérito Policial, 86% dos casos não houve processamento
judicial. O desejo de 72% das vítimas é de que o disseminador seja punido e 60%
delas manifestou interesse na remoção dos conteúdos divulgados sem consentimento
das plataformas online.
Beatriz A. Lins (2016, p. 250) apresenta estatística da ONG SaferNet,
demonstrando que no ano de 2015, dos 1.862 atendimentos realizados pela
organização, cerca de 322 dos casos envolviam “sexting/exposição íntima”, ou seja,
“imagens de nudez e sexo compartilhadas sem consentimento, também conhecidas
como ‘nudes’” (LINS, 2016, grifo da autora). Segundo a ONG, em 74,5% dos casos
as mulheres eram expostas. Os números revelam uma subnotificação dos casos
envolvendo a pornografia de vingança, além de uma subcategorização das condutas,
separando as vítimas mulheres adultas das vítimas menores de dezoito anos, as quais
são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Na segunda hipótese, os
casos são imediatamente encaminhados como denúncia de “pornografia infantil” para
o competente órgão de justiça.
Segundo dados formulados em 2014 pela ONG End Revenge Porn, 90% das
vítimas de pornografia de vingança são mulheres, “dentre as quais 57% alegaram que
o conteúdo foi divulgado sem a sua autorização por um ex-companheiro” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227). Dentre as vítimas, 93% alegaram que sofreram algum dano
emocional, sendo que 51% afirmaram que sofreram com pensamentos suicidas
(ALEIXO; BASTOS, 2016). Os dados da ONG SaferNet apontam que a maioria das
vítimas são mulheres jovens, uma vez que “das mulheres que solicitaram ajuda
através de seu canal na Internet, 88% tinham idades entre 13 e 25 anos” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227). Os efeitos da exposição indesejada revelam-se
extremamente diferentes entre as vítimas do sexo masculino em comparação às
vítimas do sexo feminino, na medida que
29

60% dos homens afirmaram que continuariam a enviar suas imagens


íntimas para outrem, no entanto, apenas 15% das mulheres disseram
que o fariam, em pesquisa realizada pela consultoria de tecnologia
eCGlobal Solutions intitulada “Sexting no Brasil – Uma ameaça
desconhecida”, em 2012. (ALEIXO; BASTOS, 2016, p. 228)

Com isso, é possível concluir que a disseminação não consentida de


imagens íntimas é uma forma de reforçar a violência sexual contra a mulher e de
perpetuar o sexismo estrutural. As consequências são mais gravosas para as
mulheres, na medida em que se reforçam uma cultura de controle do corpo feminino
e de reprovação dos prazeres femininos. Além disso, os dados apontam que as
vítimas mulheres sentem-se concorrentemente responsáveis pela exposição e que as
consequências lhe são merecidas.

3. Dispositivos legais de repressão ao crime de exposição não


consensual de conteúdos íntimos sexuais

O presente capítulo tem como objetivo contextualizar historicamente a violência


contra a mulher, explorando os discursos legitimadores da discriminação de gênero.
Em seguida, retratará o crime de divulgação de conteúdos íntimos e sexuais,
defendendo que tal conduta representa em um novo mecanismo de violência de
gênero na sociedade contemporânea. Ainda, fará uma análise técnica-jurídica da Lei
de Importunação Sexual, com intuito de demonstrar a recente tipificação do revenge
porn como conduta delituosa no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, analisará a
Lei Maria da Penha, a Lei Carolina Dieckmann e o Marco Civil da Internet como
mecanismos subsidiários de repressão às práticas revanchistas pronográficas.

3.1 A violência contra a mulher: contexto histórico

A violência contra a mulher é um fenômeno social histórico, o qual surgiu com


a consolidação da civilização humana. Teóricos buscam encontrar justificativas para
a ocorrência tal fenômeno, sendo que uma corrente de pensamento se utiliza de
pressupostos biológicos para afirmar que a fêmea é considerada o “sexo frágil” e,
portanto, passível de dominação. Nesse sentido, o argumento biológico é utilizado
para descrever a “natureza feminina”, considerando que elas apresentam um
comportamento irracional, emotivo e ilógico, provocando a violência dos homens. “A
diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o feminino, e,
30

especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista
como justificativa natural da diferença social construída entre os gêneros”
(BOURDIEU, 2010, p. 20)
Esse discurso serviu (e ainda serve) como justificativa para o exercício da
violência contra as mulheres ao longo dos séculos. O termo violência compreende
uma forma de agressão à liberdade, integridade física e moral de uma pessoa. Não
há que se falar que o termo é o oposto de “violência contra os homens”, uma vez que
a discriminação de gênero sofrida pelas mulheres vai muito além de restrições
(CUNHA, 2014, p. 2). Outra linha de raciocínio compreende que a dominação
masculina se deu única e exclusivamente por pressupostos sociais, sendo que o sexo
biológico em nada interfere nesta equação. Simone de Beauvoir (1956) explica que “a
pessoa não nasce, mas torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psicológico ou
econômico determina a figura que a fêmea humana apresenta na sociedade; é a
civilização como um todo que produz esta criatura” (p. 273, tradução nossa)5. Assim,
as atribuições do sexo de uma espécie correspondem às características biológicas,
relacionadas à anatomia e fisiologia de um ser. Gênero é uma construção social para
determinar o papel dos homens e das mulheres na cultura, criando polos de
dominação e submissão na ordem patriarcal (CUNHA, 2014, p. 2).
Os valores da sociedade e da cultura foram criados a partir dessa noção de que
o homem é forte, dominador, racional e, portanto, deve ser o chefe de família,
enquanto que a mulher seria seu oposto: “ser feminina é parecer fraca, fútil, dócil. A
jovem deve não apenas se enfeitar, se aprontar, mas também reprimir sua
espontaneidade e substituí-la pela graça estudada e o charme ensinados a ela pelos
mais velhos.” (BEAUVOIR, 1956, p. 334, tradução nossa)6 Dessa forma, a violência
exercida contra as mulheres encontra amparo no discurso racionalista, uma vez que
o homem detém o poder patriarcal. O gênero, ao lado dos valores de classe social,
raça, etnia e sexualidade, determina a estrutura social moderna. No mesmo sentido,
afirma Judith Butler:

5 Texto original: “one is not born, but rather becomes, a woman. No biological, psychological, or
economic fate determines the figure that the human female presents in society; it is civilization as a
whole that produces this creature”
6 Texto original: “to be feminine is to appear weak, futile, docile. The young girl is supposed to not

only to deck herself out, to make herslef ready, but also to repress her spontaneity and replace it with
th studied grace and charm taught her by her elders.”
31

gênero nem sempre é construído de forma coerente ou consistente em


diferentes contextos históricos porque o gênero se cruza com as
modalidades raciais, de classe, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Como resultado, torna-se
impossível separar “gênero” das inserções políticas e culturais em que
é invariavelmente produzido e mantido. (1999, p. 06, tradução nossa)
7

Para Viviane Cavalcante e Acácia Lelis (2016), a concepção de superioridade


masculina foi consolidada por fatores culturais que ressaltavam a inferioridade
biológica e intelectual da mulher. No mesmo sentido, afirma Beuvoir (1956) que “a
menina, a quem tais façanhas são proibidas e que, sentada ao pé de uma árvore ou
de um penhasco, vê os meninos triunfantes lá em cima, deve sentir que ela é, de corpo
e alma, sua inferior.” (p. 290, tradução nossa)8 Com o passar dos anos, a dominação
masculina passou a determinar os comportamentos femininos, especialmente quanto
à sexualidade. A sexualidade feminina foi determinada culturalmente para o exercício
da função da reprodução, sendo que “toda e qualquer escolha ou atitude de cunho
sexual que destoasse da finalidade de ‘procriação’ tornava a figura feminina um ser
desvirtuado, desonesto, sem valor.” (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 62-63)
O poder patriarcal construiu uma noção geral do “feminino” em contrapartida
ao “masculino”, delimitando os comportamentos sociais esperados de cada um dos
corpos biologicamente distintos. Assim, “a noção de que gênero é construído sugere
um certo determinismo de significados de gênero inscritos em corpos anatomicamente
diferenciados, onde esses corpos são entendidos como recipientes passivos de uma
lei cultural inexorável.” (BUTLER, 1999, p. 12, tradução nossa)9 Em decorrência disso,
as vivências sexuais femininas delimitavam-se, essencialmente, às vivências
matrimoniais, a mulher passava da dominação do pai para a obediência ao marido.

A civilização patriarcal dedicou as mulheres à castidade; reconheceu


mais ou menos abertamente o direito do homem à liberdade sexual,
enquanto a mulher se restringia ao casamento. O ato sexual, se não
santificado por um código, por um sacramento, é para ela uma falta,
uma queda, uma derrota, uma fraqueza; ela deve defender sua virtude,

7
Texto original: “gender is not always constituted coherently or consistently in different historical
contexts, and because gender intersects with racial, class, ethnic, sexual, and regional modalities of
discursively constituted identities. As a result, it becomes impossible to separate out ‘gender’ from the
political and cultural intersections in which it is invariably produced and maintained.”
8 Texto original: “the little girl, to whom such exploits are forbidden and who, seated at the foot of a

tree or a cliff, sees the triumphant boys high above her, must feel that she is, body and soul, their
inferior.”
9 Texto original: “the notion that gender is constructed suggests a certain determinism of gender

meanings inscribed on anatomically differentiated bodies, where those bodies are understood as
passive recipients of an inexorable cultural law.”
32

sua honra; se ela ‘cede’, se ela ‘cai’, ela é desprezada. (BEAUVOIR,


1956, p. 369, tradução nossa)10

A construção de gênero e os papeis que o homem e a mulher devem


desempenhar em uma sociedade, acabaram por “limitar as potencialidades dos
gêneros, criando rotulações sobre o que seria ou não permitido a cada um deles no
âmbito social.” (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 61-62) Essa diferença história entre
os gêneros foi determinante na construção da violência contra as mulheres, na medida
em que “os homens detinham o poder sobre vida e morte dos membros de sua família,
e a autoridade das mulheres era comparada a das crianças” (CAVALCANTE; LELIS,
2016, p. 62). A cultura da violência de gênero acompanhou as mudanças históricas
sociais e não foi eliminada com o passar dos séculos, sendo que

o mundo social constrói o corpo como realidade sexuada e como


depositário de princípios de visão e de divisão sexualizantes. Esse
programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas
do mundo e, antes de tudo, ao próprio corpo, em sua realidade
biológica: é ele que constrói a diferença entre os sexos biológicos,
conformando-a aos princípios de uma visão mítica do mundo,
enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as
mulheres (BOURDIEU, 2010, p. 20)

Segundo Heleieth Saffioti (2002), faz-se necessário compreender as relações


de gênero associadas ao patriarcado, a fim de elucidar como o Direito legitima a
submissão feminina. As noções de gênero entrelaçam-se com o surgimento da
sociedade, uma vez que foi utilizado como fator de divisão social do trabalho e da
cultura, observando o critério de divisão do sexo (CUNHA, 2014, p. 5). Já o patriarcado
pode ser considerado uma construção mais recente, datando seu surgimento a partir
da construção da sociedade moderna.

Não é o falo (ou a falta de) que é o fundamento da divisão do mundo,


e sim é a visão de mundo que, estando organizada segundo a divisão
em gêneros relacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo,
constituído em símbolo da virilidade, de ponto de honra (nif)
caracteristicamente masculino; e instituir a diferença entre os corpos
biológicos em fundamentos objetivos da diferença entre os sexos, no
sentido de gêneros construídos como duas essências socialmente
hierarquizadas.(BOURDIEU, 2010, p. 32-33)

10Texto original: “patriarchal civilization dedicated woman to chastity; it reconized more or less openly
the right of the male to sexual freedom, while woman was restricted to mariage. The sexual act, if not
sanctified by the code, by a sacrament, is for her a fault, a fall, a defeat, a weakness; she should
defend her virtue, her honour; if she ‘yields’, if she ‘falls’, she is scorned”
33

A desigualdade de gênero não pode ser compreendida apenas como a


violência física exercida contra as mulheres, mas trata-se de um fenômeno que atinge
toda sua integridade (física, moral, sexual e psíquica), seja na esfera privada ou
pública (CUNHA, 2014, p. 3). “Entende-se que a violência de gênero em geral e a
doméstica em especial sejam fenômenos de múltiplas causas. Gênero, classe e etnia
combinam-se para determinar formas distintas de se perpetrar violência.” (SAFFIOTI,
2002, p. 11) Cunha (2014, p. 6) afirma que “o surgimento da nova propriedade privada,
do matrimônio monogâmico e da unidade familiar, tirou as mulheres do protagonismo
do espaço público, confinando-as em seus lares, separando e isolando uma das
outras”. O patriarcado, portanto, passou a determinar a relação de dominação-
subordinação entre os gêneros. Esse regime sustenta-se na medida em que

a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa


justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem
necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A
ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende
a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão
social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus
instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia
ou de mercado, reservado aos homens, e a casa, reservada às
mulheres” (BOURDIEU, 2010, p. 18)

O pacto social é também um pacto sexual, na medida em que determina o


poder masculino aos corpos femininos. A intervenção estatal no ambiente doméstico
se deu de forma lenta e gradual, na medida em que “o espaço privado foi isolado,
permanecendo fora do escopo da justiça, fora do campo de ação da sociedade
política, e o que acontecia no âmbito da família não importava ao direito, à política, ou
à justiça.” (NIELSSON, 2018, p. 147) Assim, a dominação masculina determinou às
mulheres a falta de proteção estatal, ocasionando relações assimétricas de poder e
determinando o “papel” feminino na sociedade, qual seja, o de cuidado do lar e da
família. “A sociedade civil resultante do contrato social está ancorada no
patriarcalismo, e é a sujeição da mulher que garante as condições para a fruição da
liberdade pública pelo homem.” (NIELSSON, 2018, p. 149) Os movimentos de
autonomia da mulher abriram espaço para novos modelos de construção familiar,
reduzindo o poder masculino nesses espaços. “Houve um momento de ruptura entre
o culto à mulher casta e o surgimento da figura autônoma feminina, capaz de gerir sua
família, carreira, e principalmente sua vida sexual.” (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p.
63)
34

O movimento feminista surgiu no século XIX e foi voltado para o sufrágio, na


medida em que as mulheres acreditavam que seria através do voto que poderiam
mudar outras condições da vida, como trabalho, educação salários iguais e proteção
à maternidade (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 4). O movimento sufragista ficou
conhecido como “primeira onda feminista” e foi inteiramente voltado para as lutas no
campo político. As brasileiras importaram o feminismo francês para o território
nacional, a fim de reivindicar a participação feminina em todos os espaços da vida
pública e a emancipação da vida civil. Todavia, filósofos franceses como John Locke
e Jean-Jacques Rousseau eram contrários a esse movimento. Para os filósofos, as
mulheres eram mais fracas e deveriam permanecer no lar, uma vez que não eram
aptas à vida pública (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 5).
A temática da violência de gênero passou a destacar-se a partir do
fortalecimento dos movimentos feministas dos séculos XX e XXI. Com isso, estudos
passaram a apontar os malefícios advindos da cultura machista na vida das mulheres
e meninas. Para Saffioti (2001), os homens utilizam-se da violência como recurso de
manutenção do poder dominante (SOUSA; SCHEIDWEILER; MONTENEGRO;
GERALDES, 2019, p. 242). Nesse sentido, podemos definir a violência de gênero
como “proveniente das tentativas de dominação, de controle e de exploração dos
corpos das mulheres, de suas condutas, de sua autonomia e de suas liberdades”
(SOUSA et al., 2019, p. 242).
Ao longo dos séculos XX e XXI podemos observar o crescimento dos
movimentos feministas que objetivaram emancipar a mulher da dominação patriarcal.
Ainda que tenham conquistado espaços tradicionalmente reservados aos homens, a
fundação patriarcal continua a mesma. Os movimentos em defesa da mulher
eclodiram, especialmente, nos anos 1980, com o surgimento das noções teóricas
sobre a desigualdade de gênero. Esses movimentos feministas se opunham as
relações de poder que colocavam as mulheres em uma situação de inferioridade e
vulnerabilidade. “Nessas reflexões teóricas, o sexo é a variável que explica como as
relações mais íntimas e também públicas são mediadas pela dominação. Patriarcado
e sexo são, segundo Millett (1974, p. 68), categorias sociais ‘impregnadas de política’”
(NIELSSON, 2018, p. 160) A partir dos movimentos feministas dos anos 1970, a
expressão “violência de gênero” tornou-se sinônimo para “violência contra a mulher”.
Durante o período militar, as feministas brasileiras se estruturaram em defesa
dos Direitos Humanos, através de “uma articulação desenvolvida, visando assegurar
35

direitos e conquistas no âmbito constitucional” (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 5).


Para isso, elaboraram a “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes” o qual
abordava as principais reivindicações femininas em âmbito nacional. Em
contrapartida, no âmbito internacional, as principais discussões eram voltadas às
discriminações e violência contra a mulher, bem como à garantia de seus direitos
sexuais e reprodutivos (RODRIGUES, CORRÊA, 2019, p. 5).
Desde 1916, significativos avanços legislativos beneficiaram as mulheres,
como a promulgação do Estatuto da Mulher Casada que deixou de considerar a
mulher como civilmente incapaz, distribuindo o pátrio poder a ambos os pais, além de
estabelecer outras formas de autonomia à mulher (BRASIL, 1962). Além disso, o
surgimento da Constituição Cidadã de 1988 estabeleceu a igualdade formal entre
homens e mulheres, inclusive no que diz respeito à sociedade conjugal. Ainda que a
Constituição Federal tenha inovado no tratamento jurídico estabelecido às mulheres,
estas ainda foram determinadas iguais em relação ao homem. A ordem social vigente
continua pautada pela estrutura patriarcal e, assim, “ao mesmo tempo que organizam
os processos sociais na vida cotidiana, as relações de gênero constroem as maiores
instituições e organizações da sociedade, tais como a economia, os sistemas de
crenças, o direito, a família, a política.” (NIELSSON, 2018, p. 174)
Segundo Michel Focault (1999, p. 97), “nas relações de poder, a sexualidade
não é o elemento mais rígido, mas um dos dotados da maior instrumentalidade:
utilizável no maior número de manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de
articulação às mais variadas estratégias.” A dominação masculina é clara quando
analisamos a legislação brasileira, como o Código Civil de 1916 que dispunha que “ao
homem cabia o exercício do pátrio poder e que à mulher, ao tornar-se esposa, ficavam
restritos diversos direitos civis, que dependiam da autorização do marido para serem
por ela exercidos.” (CUNHA, 2014, p. 7) No mesmo sentido, o Código Penal (BRASIL,
1940) não considerava crime de estupro a prática do ato cometido na constância do
casamento e até os dias atuais tipifica o crime de aborto, demonstrando o controle
patriarcal sobre o corpo da mulher.
Nos anos 1980 não era comum utilizar-se a expressão “violência doméstica”,
sendo que tais crimes eram tipificados como lesão corporal, deixando de remeter à
violência específica de gênero (CUNHA, 2014, p. 15). Nos crimes de espancamento
ocorridos no ambiente doméstico ou nas relações íntimas de afeto, o ponto central de
discussão era se a conduta condizia com o papel esperado de pai ou marido. Os casos
36

de violência doméstica não geravam comoção social e o rigor punitivo era brando.
Acreditava-se que tais crimes eram frutos de desequilíbrios nas relações conjugais
(CUNHA, 2014, p. 15). Antes de iniciarem formalmente com os inquéritos policiais, os
Delegados geralmente intimavam as partes para uma reconciliação. Assim, muitas
denúncias de violência doméstica foram arquivadas e a gravidade da situação era
banalizada pelos agentes policiais.
O processo de territorialização da dominação masculina é um processo
ignorado pelo Direito, na medida em que pouco intervém nos ambientes privados e
domésticos. Esse processo não é somente geográfico, mas sim simbólico. Nesse
sentido, a relação de dominação-subordinação é ignorada pelo ordenamento jurídico
e reforça a sujeição das mulheres aos homens. Não há que se falar em uma legislação
que aborde os aspectos da hiper-sexualização dos corpos femininos, especialmente
de mulheres negras, da prostituição, da exploração sexual e da desvalorização do
trabalho feminino. Dessa forma, o Direito brasileiro acaba por “legitimar a ordem
patriarcado-racismo-capitalismo.” (CUNHA, 2014, p. 9)
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças sociais para o
Brasil. No corpo do texto constitucional fora determinado que homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações. Assim, elevou a mulher ao mesmo patamar que o
homem no que diz respeito às relações jurídicas. Além disso, o Brasil é signatário da
Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher, primeiro instrumento internacional voltado para a
proteção das mulheres, o qual o Brasil tornou-se signatário em 1981 e aprovado pelo
Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n° 93, de 14 de novembro de 1983
(BRASIL, 2002). Em 1993 os direitos das mulheres foram considerados no rol taxativo
dos direitos humanos, “sendo parte inalienável, integral e indivisível dos direitos
humanos universais” (CUNHA, 2014, p. 11).
Na esfera intencional, o Brasil aderiu à Declaração sobre a Eliminação da
Violência Contra a Mulher em 1993, mesmo ano de sua elaboração. No ano seguinte,
o Brasil sediou a Convenção de Belém do Pará, também conhecida como Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, tornando-
se signatário dessa11. Tal convenção determina a criação de mecanismos de

11BRASIL. Decreto n° 1.973, de 1° de agosto de 1996. Promulga a Convenção Interamericana para


Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho
37

repressão à violência contra a mulher por parte dos Estados signatários. Importante
frisar que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versam sobre direitos
humanos possuem força normativa equiparada a emendas constitucionais12. Dessa
forma, criou-se mais uma garantia legal de proteção, na medida em que o Estado
brasileiro se obrigou perante a comunidade internacional a implementar medidas de
proteção às mulheres. Em caso de omissão ou negligência da justiça brasileira, as
vítimas podem recorrer a mecanismos intencionais de proteção dos direitos humanos.
Entretanto, os direitos garantidos às mulheres são classificados como
“especiais”, não sendo vislumbrado as necessidades femininas como humanas e
normais. Nesse sentido, podemos citar a licença maternidade que é considerada um
“privilégio” e não uma ação necessária à coletividade. Assim, “quando as
necessidades sociais das mulheres são levadas em conta, o são sob a ótica
masculina.” (CUNHA, 2014, p. 8-9). Dessa forma, podemos afirmar que a igualdade
estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro é uma falácia, na medida em que foi
pautado por uma falsa noção de neutralidade de gênero. Como consequência, “a
percepção de que a mulher não é socialmente e legalmente igual ao homem alimenta
muitas maneiras de ver as mulheres como objetos sexuais que lhes negam plena
agência e humanidade.” (NUSSBAUM, 1999, p. 17, tradução nossa)13
Um estudo realizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher analisou
casos de estupro, espancamento e assassinato de mulheres ocorridos no período de
1981 a 1986 (CUNHA, 2014, p. 13). Um dos problemas apontado pelo estudo era o
constrangimento que as vítimas enfrentavam ao realizar o exame de corpo e de delito
no Instituto Médico Legal. A prova era considerada de difícil resultado quando a vítima
não era mais virgem ou quando já haviam se passado 48 horas do crime. Muitas
vezes, as vítimas tomavam diversos banhos e jogavam suas roupas fora, a fim de se
verem livres dos vestígios deixados pela agressão, o que tornava o trabalho dos
peritos penoso. Outras vezes, “o perito também deixava de registrar as marcas da

de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acesso em: 7


mai. 2021.
12 BRASIL. Emenda Constitucional n.° 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts.

5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128,
129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá
outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm. Acesso em: 7 mai. 2021.
13 Texto original: “the perceeption that women are not the legal and social equals of men feeds into

many ways of viewing woman as sexual objects that deny them full humanity and angency.”
38

violência física, prova da resistência ao ato sexual, como se o exame fosse meramente
ginecológico.” (CUNHA, 2014, p. 14)
O crime de estupro já era considerado crime hediondo na época em que o
estudo fora realizado. A maior dificuldade enfrentada pelas vítimas estava na
comprovação da violência, uma vez que nos tribunais a moral sexual das partes era
constantemente questionada. Em muitos casos, a defesa abordava fatos pessoais da
vítima, em que nada contribuíam para a resolução do caso, mas levantavam dúvidas
sobre a idoneidade da vítima. Aspectos como o número de namorados, a idade em
que a vítima deixou de ser virgem e até o fato dela morar sozinha contribuíam para
um questionamento acerca da “ingenuidade” da ofendida. No mesmo sentido, o
acusado era considerado como anormal, doentio e que sofria de problemas mentais
por cometer tal crime. Outro aspecto apontado pelo estudo, em mais de um processo
analisado, afirmou-se a ocorrência do crime pelo simples fato de o acusado ser negro
(CUNHA, 2014, p. 14). O racismo também era sofrido pelas vítimas, uma vez que a
defesa, muitas vezes, questionava a capacidade de um homem branco de se envolver
com uma mulher negra.
O crime de estupro era punido de forma severa uma vez que entrava em jogo
a manutenção da família. A sexualidade feminina resumia-se à reprodução, sendo que
nos julgamentos o coito em si era muito mais relevante do que as agressões físicas e
sexuais que a vítima sofria. Assim, o interesse estatal era voltado para punir o
agressor que se “apropriou” da mulher de outro homem, interferindo na sua linha
sucessória (CUNHA, 2014, p. 14). A Lei 12.015/2009 alterou o tipo penal do crime de
estupro, descrevendo a conduta como “constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso” (BRASIL, 2009). Essa alteração legislativa permitiu que homens
também fossem consideramos vítimas de estupro.
A expressão “feminicídio” não era utilizada pelo Direito para descrever o
assassinato de uma mulher no âmbito familiar ou de relações amorosas motivado pelo
seu gênero até a promulgação da Lei n.° 13.104/201514. Os homicídios entre cônjuges
eram considerados crimes passionais, sendo tratado como um desvio de conduta do

14BRASIL. Lei n.° 13.104/2015, de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora
do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no
rol dos crimes hediondos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 7 mai. 2021.
39

agressor, não representando um risco real para a sociedade. Durante o julgamento, o


papel de “boa esposa” da vítima entrava em jogo, mesmo quando o casal já havia se
separado. As principais teses de defesa dos homicidas levavam em consideração “a
legítima defesa da honra, a coação irresistível, a embriaguez completa e a
imprudência e a negligencia do agressor.” (CUNHA, 2014, p. 16) As duas primeiras
teses defensivas consideravam a mulher como causadora da conduta, a qual havia
agredido a honra do marido ou coagido a matá-la.
Os crimes de estupro, espancamento e femicídio analisados pelo estudo
revelam como a violência de gênero estava enraizada nas relações doméstica. O
estudo contatou que na grande maioria dos casos havia alguma relação íntima e de
afeto entre a vítima e o agressor. Analisando os dados da pesquisa, pode-se afirmar
que “não se trata apenas de uma constatação numérica, mas da existência de um
território simbólico de poder construído no espaço doméstico, gerador de violência”
(CUNHA, 2014, p. 17). Por isso, as mudanças estruturais advindas com a
promulgação da Lei n.° 11.340/2006 (BRASIL, 2006), popularmente conhecida como
Lei Maria da Penha, são de extrema importância no combate à violência de gênero.
A violência doméstica é um fenômeno complexo, que se apresenta de forma
cíclica, ocasionada de forma conjunta pelos sujeitos dessa relação. Tratando-se de
relações íntimas de afeto ou familiares, torna-se muito difícil para a vítima romper com
o ciclo da violência sem auxílio externo. A dependência recíproca é um dos fatores
mais importantes quando tratamos desse tipo de agressão. Ocorre que em muitos
lares os homens são os provedores da família, dificultando a ação das mulheres para
denunciar os casos de violência doméstica. As dependências emocionais e
financeiras são os principais fatores que fazem com que as mulheres tenham
dificuldade em romper com as agressões. Nesse sentido, Bourdieu (2010, p. 52)
afirma que

é preciso assinalar que não só as tendências à “submissão”, dadas por


vezes como pretexto para “culpar a vítima”, são resultantes de
estruturas objetivas, como também que essas estruturas só devem sua
eficácia aos mecanismos que elas desencadeiam e que contribuem
para sua reprodução. O poder simbólico não pode se exercer sem a
colaboração dos que lhe são subordinados e só se subordinam a ele
porque o constroem como poder. (grifo do autor)

A igualdade de gênero avança de forma lenta e gradual nas esferas sociais,


políticas e legais. A promulgação da Lei Maria da Penha é exemplo disso, tornando-
40

se referência na proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. A criação de


uma lei específica de proteção à vida da mulher se deu de forma árdua, sendo
necessário uma condenação brasileira na Corte Interamericana de Direitos Humanos
por omissão e negligência para que políticos despertassem o interesse no tema. Da
mesma forma, a criminalização das condutas de disseminação não consentida de
conteúdos íntimos sexuais anseia debates jurídicos e políticos. Anteriormente à
entrada em vigor da Lei n° 13.718/2018 (Lei de Importunação Sexual), os crimes de
revenge porn eram classificados como injúria ou difamação, sendo passiveis de
indenização moral e material na esfera cível. Nas situações especiais em que
envolviam um relacionamento recorria-se ao trato da Lei Maria da Penha e, ainda,
quando expõem ou praticados por menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente
abrange a conduta.
A Lei Maria da Penha foi criada com intuito de concretizar os princípios
estabelecidos na Carta Magna, bem como na Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Violência contra a Mulher e na Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher definindo medidas de proteção
e assistência às vítimas de violência doméstica. A Convenção de Belém do Pará
dispõe em seu artigo 1° que “entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato
ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual
ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.” (BRASIL,
1996) Assim, a Lei n.° 11.340/06 determinou em seu artigo 5° que

para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica,
compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido
com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único.
As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual. (BRASIL, 2006)

A Lei Maria da Penha estabelece a criação de Delegacias de Polícia


especializadas no atendimento às vítimas de violência doméstica ou de gênero. O
atendimento especializado é parte fundamental no enfrentamento a esse tipo penal,
uma vez que a vítima, já fragilizada com os fatos que a levaram a recorrer à tutela
41

estatal, necessita de acolhimento. Outra medida estabelecida pela lei é o poder da


vítima de solicitar medidas protetivas de urgência, proibindo o agressor de se
aproximar dela ou de sua família, sob pena de ser decretada sua prisão processual.
Além disso, as vítimas são beneficiadas com a Assistência Jurídica Gratuita e podem
ser assistidas pelas Defensorias Públicas Estaduais.
Entretanto, mesmo diante de significativos avanços legislativos que visam
erradicar a violência contra a mulher, surgem barreiras difíceis de serem quebradas.
A aplicação da lei e sua efetividade ocorre através da correta aplicação da lei pelos
juízes togados. Estudos compilados do livro “Lei Maria da Penha: aplicação e eficácia
no combate à violência de gênero” demonstram que a aplicação da lei ainda não
ocorre de forma plenamente satisfatória, uma vez que muitos juízes acabam por
promoverem e perpetuarem o discurso patriarcal de gênero que estabelece os papéis
sociais do homem e da mulher (CUNHA, 2014, p. 19). O livro traz exemplos de
processos nos quais as vítimas foram discriminadas quando procuraram a assistência
judiciária estatal, como quando um advogado de defesa utilizou a tese da legítima
defesa da honra. Nesse caso, o juiz não refutou a alegação, mas entendeu que “não
se tratava de legítima defesa porque a violência não ocorreu imediatamente após o
suposto ato de traição da vítima.” (CUNHA, 2014, p. 19).
A violência de gênero é, portanto, uma das mais brutais transgressões dos
Direitos Humanos, na medida em que tal violência ultrapassa a integridade física das
mulheres, atingindo também sua saúde psíquica, moral, sexual e econômica. Evidente
como o patriarcado influencia nas decisões judiciais mesmo após a promulgação de
uma lei específica que visa erradicar a violência de gênero. Butler (2002, p. 39)
defende que

o poder, ao invés da lei, abrange tanto as funções (proibitivas e


regulatórias) quanto produtivas (inadvertidamente geradoras) das
relações diferenciais. Assim, a sexualidade que emerge dentro da
matriz das relações de poder não é uma simples réplica ou cópia da
própria lei, uma repetição uniforme de uma economia de identidade
masculinista.

3.2 Novo mecanismo de perpetuação da violência de gênero: revenge


porn e a era da informação
42

O século XX foi marcado pelo desenvolvimento das telecomunicações,


culminando com a democratização da Internet. A Internet revolucionou as relações
sociais, estruturando uma rede que conecta pessoas ao redor do globo. Com isso, os
fenômenos sociais sofreram mutações gerando novos contornos. O uso desenfreado
das tecnologias relacionadas à informática tem redesenhado o panorama global nos
mais variados aspectos da vida cotidiana (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 6). Com
isso, surgem novos desafios para os operadores do Direito, na medida em que a
sociedade contemporânea é global e está inteiramente ligada ao uso da Internet
(RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 6). Esse desafio lançado pela tecnologia remonta
à primeira Revolução Industrial, de modo que trouxe significativas mudanças sociais.
O surgimento da Internet revolucionou a maneira com a qual as pessoas se
comunicam, criando novos laços de interação e de interação. A chamada “Era da
Informação” possibilita o trânsito de arquivos para qualquer parte do mundo de
maneira rápida e eficiente. Dessa forma, afirma-se que pela primeira vez na história
dominamos a informação através dos computadores e do trânsito incansável de
informações (FERRI; MARQUES; CAPATO, 2018, p. 236). O avanço tecnológico
alterou o modo como nos comunicamos, transformando as relações de trabalho,
pessoais e sociais. O acesso à Internet trouxe diversos benefícios à sociedade,
possibilitando uma troca de informações ilimitada. Além disso, trouxe uma nova forma
de entretenimento às pessoas, possibilitando a criação de plataformas digitais de
interação. Alguns usuários utilizam-se da Internet para cometerem crimes,
escondendo suas identidades em perfis falsos. Essa nova modalidade delitiva tem
sido chamada de crimes digitais e vêm crescendo de forma exponencial
(RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 2).
Apesar das facilidades advindas com o avanço das tecnologias de
comunicação digital, novas práticas criminosas surgiram ao longo das últimas
décadas. Criminosos aproveitaram-se dos meios não seguros da Internet para praticar
delitos que, muitas vezes, nem eram tipificados pelos Códigos Penais dos Estados
por se tratares de novas modalidades delituosas. As leis não conseguem acompanhar
as mudanças sociais na velocidade com que elas se transforam. Primeiro observa-se
o surgimento do fato na sociedade para depois ocorrer a tipificação de tal conduta
como tipo delitivo. Assim, “evidente que torna-se imperioso a adequação da legislação
e do tratamento jurídico às práticas criminosas realizadas através da Internet.” (FERRI
et al., 2018, p. 237) A Convenção de Budapeste sobre o Cibercrime (2001) define os
43

crimes cometidos através da Internet como aqueles que são praticados por meio ou
através dos computadores, de modo que a maioria se utiliza da Internet como meio
(FERRI et al., 2018, p. 238).
Os crimes cibernéticos ainda são novidades para o ordenamento jurídico
brasileiro, especialmente quando tratamos das condutas delituosas. A divulgação não
consensual de imagens íntimas guarda íntima relação com os direitos de
personalidade, o qual encontra amparo pela Constituição Federal, em seu artigo 5°,
inciso X (FERRI et al., 2018, p. 239). Ainda, o revenge porn pode ser considerado uma
violação ao direito de imagem, o qual é mencionado no rol taxativo de direitos e
garantias fundamentais. Assim, deve ser compreendido que “a imagem, a honra,
privacidade, intimidade, entre outros direitos, representam a singularidade de uma
pessoa e seu titular deve possuir todos os meios de defesa contra quaisquer formas
de ataques, divulgações não consentidas.” (FERRI et al., 2018, p. 239).
O espaço virtual de interação não se isentou da dominação patriarcal presente
em nossa cultura, sendo que “a desigualdade das mulheres em outras áreas da vida
social contribui para os maus-tratos sexuais contra as mulheres.” (NUSSBAUM, 1999,
p. 17, tradução nossa)15 A internet acaba por reproduzir o fenômeno do poder
patriarcal. Após duas décadas de popularização ao acesso à internet, tal ambiente
adquiriu uma característica ambígua: “é ao mesmo tempo um espaço de garantia de
direitos, como o de liberdade de expressão, mas também de violação desses direitos,
como o de violência contra grupos minoritários” (SOUSA et al., 2019, p. 242).
No Brasil, a lei tutela seis tipos de violência de gênero: física, moral, psicológica,
patrimonial, sexual e feminicídio. As cinco primeiras encontram abrigo na Lei Maria da
Penha, sendo que a última é fruto de movimentos feministas mais recentes em busca
de uma resposta estatal à morte de mulheres pelo simples fato de se identificarem
como tais. Entretanto, com a democratização do acesso à rede mundial de
computadores, outras formas de violência de gênero emergiram. Sendo assim,
movimentos acadêmicos e políticos passaram a se mobilizar em busca de uma
resposta punitiva por parte do Estado. O uso das redes sociais como ferramenta de
interação trouxe como consequência que as “práticas violentas fossem multiplicadas
no ciberespaço, com o agravante da dificuldade de identificar e punir os agressores”
(SOUSA et al., 2019, p. 243). Dessa forma, surge a violência online de gênero.

15Texto original: “women’s inequality in other areas of social life contributes to the sexual
mistreatment of women.”
44

A violência de gênero online pode ser classificada como “uma forma de


violência simbólica, uma vez que a linguagem é o recurso pela qual ela se manifesta,
mas também sistêmica, pois deriva das relações de poder enraizadas nas estruturas
sociais” (SOUSA et al., 2019, p. 243). Trata-se de uma violência simbólica devido ao
fato de que as vítimas não se identificam como tais, contribuindo para a dominação e
reprodução de estereótipos sociais. Frequentemente, a pornografia de revanche é um
meio utilizado para perpetuar a violência psicológica praticada nos casos de violência
doméstica. Em ocorrências menos frequentes, estupradores fotografam ou filmam
suas vítimas para coibi-las a denunciarem as agressões (CAVALCANTE; LELIS,
2016).
A pornografia de vingança é um novo modelo de violência de gênero,
decorrente da estrutura patriarcal, do contexto histórico e sociológico, no qual os
homens detêm poder sobre as mulheres (DUTRA; RODRÍGUEZ, 2018, p. 186).
Tratando-se de crime perpetuado na internet, faz-se necessário destacar a dificuldade
do exercício do controle estatal em abranger tais condutas. Além disso, “parece errado
interferir legalmente nas atividades sexuais consensuais de adultos, a menos que haja
uma demonstração clara de dano (diferentemente da ofensa) a terceiros que não
consentiram.” (NUSSBAUM, 1999, p. 17, tradução nossa)16
As consequências advindas dessa incapacidade de proteção às vítimas são
claras, uma vez que disseminado um conteúdo online dificilmente será possível
rastreá-lo e extingui-lo. A tutela especifica de proteção às vítimas de revenge porn é
necessária para coibir os agressores. Entretanto, “o sistema de justiça criminal
também é parte do problema, pois é manifestamente machista e reprodutor da
violência de gênero” (DUTRA; RODRÍGUEZ, 2018, p. 187). Para os aplicadores do
direito, a mulher ainda detém uma parcela de culpa no caso concreto. Como explica
Nussbaum (1999),
até muito recentemente, era política padrão do tribunal retratar a vítima
de estupro como alguém que ‘pediu por aquilo’; tais julgamentos
raramente são feitos sobre um homem que é assaltado. [...] o que
deveríamos dizer, em ambos os casos igualmente, é que os direitos
humanos foram violados. Mas nós não dizemos isso com frequência
sobre as mulheres (p. 245-246, tradução nossa).17

16 Texto original: “it seems wrong to interfere legally with the consensual sexual activities of adults
unless there is a clear showing of harm (as distinct from offense) to nonconsenting third parties.”
17
Texto original: “until very recently it was standard courtroom policy to portray a rape victim as
someone who ‘asked for it’; such judments are rarely made about man who get mugged. [...] What we
should say, in both cases equally, is that human rights have been violeted. But we do not say that
frequently enough about woman.”
45

A pornografia de vingança deve ser compreendida como uma violência de


gênero contemporânea, na medida em que analisamos as esferas do autor, vítima e
sociedade (SALES et al., 2018, p. 106). Tais esferas são determinantes quanto ao
“juízo de valor do corpo a ser condenado socialmente, a dimensão que terá a
exposição virtual, o estigma social da vítima, tempo e durabilidade do material intimo
na internet, os espectadores, as consequências para os envolvidos” (SALES et al.,
2018, p. 106). A exposição atua como revanche do sujeito ativo, na medida que

o indivíduo, com animus revanchista - vontade de vingar-se -, decide


livremente pela exposição do material intimo sem o consentimento de
todos os envolvidos, se junto com o material será vinculado
informações pessoais (nome, endereço virtual e físico, profissão) e a
dimensão inicial da exposição, com prévio intuito de lesar a integridade
e liberdade da vítima. (SALES et al, 2018, p. 107)

Sob a perspectiva da vítima, a violência é compreendida como violência de


gênero. As consequências de exposição da imagem íntima sem prévio consentimento
geram danos psicológicos, sociais e materiais para elas. Mesmo que um conteúdo
íntimo sexual exponha ambos os sujeitos (autor e vítima), as consequências são
infinitamente ímpares para cada uma das partes envolvidas (SALES et al, 2018, p.
107). Compreender a pornografia de vingança como violência é entender que se trata
de uma “ação advinda do inconformismo de algo, que leva o indivíduo a se vingar,
utilizando como estratégia de dominação a exposição da vítima.” (SALES; ELIHIMAS;
ELIHIMAS, 2018, p. 106). Aquele que expõe a vítima está investido no poder da
relação social, detendo a autonomia sobre o corpo e a divulgação da intimidade das
vítimas, controlando a informação e conscientemente divulgando-a para quem bem
entender. No mesmo sentido, Bourdieu afirma que

se a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação,


é porque ela está construída através do princípio de divisão
fundamental entre masculino, ativo, e o feminino, passivo, e porque
este princípio cria, organiza, expressa e dirige o desejo – o desejo
masculino como o de posse, como dominação erotizada, e o desejo
feminino como desejo da dominação masculina, como submissão
erotizada, ou mesmo, em última instância, como reconhecimento da
erotizado da dominação. (2010, p. 31)

O poder patriarcal ainda encontra forças na sociedade contemporânea. As


vítimas de revenge porn são estigmatizadas e enfrentam o julgamento social, o qual
determina a relação entre a mulher e seu corpo, repreendendo práticas sexuais e de
46

liberdade plena (SALES et al, 2018, p. 107). O agressor, por outro lado, não sofre com
as consequências sociais e, na maioria dos casos, não sofre repressão por parte do
ordenamento jurídico, na medida que “as regras que poderiam o condenar foram
criadas por homens e para os homens, reforçando o sistema patriarcal como
estratégia de dominação e detenção de poder exclusiva para o sexo masculino.”
(SALES et al, 2018, p. 107)
Michel Focault (1999) conceitua o dispositivo das relações de poder,
englobando o dito e o não-dito. Nas exposições não consentidas de conteúdos íntimos
sexuais é possível observar uma relação de dominação entre o agressor e a vítima. A
relação de poder existente entre a exposição de um corpo feminino e um corpo
masculino faz parte do dispositivo pensando por Focault. Nesse sentido, “o dispositivo
é a rede que comportam as linhas de força, conduzem a uma relação estratégica de
dominação e denunciam as práticas que produzem subjetividades, criando
determinadas representações sobre o sujeito.” (SALES et al, 2018, p. 108) A segunda
dimensão apresentada por Focault, segundo Gilles Deluze (1996), são as curvas de
enunciabilidade, que correspondem ao resultado da exposição da vítima. A imagem
exposta da vítima feminina sendo “rotulada por não corresponder às expectativas de
gênero construída socialmente, onde a mulher é privada do direito ao desejo.” (SALES
et al, 2018, p. 109) A quebra de expectativa produz como resultado enunciados que
rotulam a vítima, a rotulam como algo pejorativo e, por vezes, a culpam por se expor.
Por fim, a terceira dimensão do dispositivo focaultiano, segundo Deluze (1996),
são as linhas de força que determinam o poder de denominação masculino. A
construção da sociedade patriarcal conferiu ao homem e a mulher identidades
diferentes, conduzindo-os às normas e valores sociais (SALES et al, 2018, p. 109).
Os corpos femininos e masculinos se apresentam socialmente de forma diferentes,
assumindo identidades e valores opostos. No ambiente virtual, essas identidades são
intensificadas, especialmente com a exposição da vítima mulher. O revenge porn
acaba por “perpetuar a modelagem social onde a dominação é predominantemente
masculina, sendo possível falar em termos de dispositivo da sexualidade.” (SALES et
al, 2018, p. 109). Segundo Focault (1988), o poder determina ao sexo um regime
binário entre o “lícito” e o “ilícito”, uma relação de poder que se articula através do
discurso e acaba por gerar o estado de direito (SALES et al, 2018, p. 109).
A prática revanchista se articula de duas maneiras: expondo somente o corpo
feminino ou tornando público ambos os sujeitos (feminino e masculino). Mesmo
47

quando há exposição mútua dos corpos do agressor e da vítima, apenas a mulher é


estigmatizada, enquanto o homem “é reforçado a noção de virilidade que enaltece a
masculinidade.” (SALES et al, 2018, p. 110). Essas expectativas de gênero acabam
por legitimar as linhas de força e normalizam determinadas condutas em relação aos
corpos femininos e masculinos (SALES et al, 2018, p. 110).
Segundo Judith Butler (2002), no revenge porn o discurso age quanto às
expectativas de gênero, negando à mulher o direito ao desejo. As determinações
sociais estabelecem que os impulsos sexuais masculinos advêm de sua natureza,
enquanto que os femininos são atributos sexuais, ligados à reprodução e não ao
desejo (SALES et al, 2018, p. 110). A autonomia da sexualidade feminina tornou-se
perigosa para a sociedade e é partindo dessa premissa que a “a autonomia sexual
das mulheres é vista como uma ameaça à moral, à civilização e claro, à família.”
As vítimas de revenge porn são julgadas por desfrutarem da liberdade sexual
que historicamente fora negada às mulheres. Nesse sentido, o linchamento virtual
vivenciado pelas vítimas que “detém o próprio direito ao desejo acentua o lugar
feminino na submissão em detrimento da dominação patriarcal, onde a divulgação não
consensual da imagem masculina apenas reforça a virilidade identitária do homem.”
(SALES et al, 2018, p. 111). A pornografia de revanche é um mecanismo moderno de
reprodução dos estereótipos de gênero, utilizado pelos homens para reprimir as
mulheres e reproduzir estereótipos de gênero, visando acentuar a “honra masculina”.
Entretanto, para eles

a virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social,


mas também como aptidão ao combate e ao exercício da violência
(sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga. Em
oposição à mulher, cuja honra, essencialmente negativa, só pode ser
definida ou perdida, sua virtude sendo sucessivamente a virgindade e
a fidelidade, o homem “verdadeiramente homem” é aquele se sente
obrigado a estar à altura da possibilidade que lhe é oferecida de fazer
crescer sua honra buscando a glória e a distinção na esfera pública.
(Bourdieu, 2010, p. 64)

Com o uso indiscriminado da Internet pela sociedade mundial, as mulheres


tornam-se alvos fáceis como vítimas do crime de pornografia de revanche, devido ao
seu histórico de violência de gênero. Se de um lado temos a constante sensação de
medo da sociedade de rede e as consequências para as vítimas expostas, de outro
podemos utilizar do próprio meio para chamar atenção para questões relevantes para
a sociedade global, tal como a violência de gênero. O uso consciente da Internet
48

chamou atenção para os casos de estupros coletivos que vinham acontecendo na


Índia ao longo dos anos. A partir de 2012, com o auxílio dos meios digitais de
comunicação, tornou-se público tais crimes cometidos naquele país, voltando a
atenção para as dores das vítimas (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 8-9).
Para o Direito Penal, a modalidade dos crimes cibernéticos é de suma
relevância, na medida em que a informação pode chegar a milhares de pessoas em
frações de segundo, também pode-se ofender a honra ou o decoro de alguém,
causando consequências incalculáveis. Com o crescente fluxo de troca de
informações online, a pornografia de vingança mostra-se como uma problemática de
suma relevância para a sociedade, carecendo de uma proteção estatal adequada ao
sofrimento causado às vítimas.
O primeiro caso divulgado na mídia envolvendo a pornografia de vingança
ocorreu em 1980, nos Estados Unidos (CAVALCANTE; LELIS, 2016). A vítima e seu
namorado produziram imagens suas nus em um acampamento. As fotos foram
reveladas e guardadas em seu apartamento. Steve Simpson, vizinho e amigo do
casal, invadiu a residência e roubou fotografias íntimas da vítima. O invasor enviou o
conteúdo para uma revista especializada em publicações pornográficas produzidas
por modelos não profissionais e fornecidas pelos próprios leitores. Ao preencher o
formulário de envio das imagens, ele forneceu o número verdadeiro da vítima, a qual
passou a sofrer com a exposição e com assédios. Nesse caso, a divulgação não
consentida de conteúdos íntimos e sexuais não se deu no âmbito de um
relacionamento amoroso, mas sim devido ao vínculo de amizade da vítima com um
homem. Isso demonstra que aqueles que tendem a reproduzir estereótipos de gênero
masculinos são potencialmente agressores.
Na sociedade patriarcal na qual estamos inseridos o prazer feminino ainda é
um tabu, havendo normas e convenções culturais que determinam e controlam o
desejo sexual feminino. Quando uma mulher rompe com tais barreiras sociais recebe
como resposta uma visão negativa de sua essência, que busca inibi-la e coagi-la a
enquadrar-se nos padrões de comportamento pré-estabelecidos, criados para seu
controle (SALES et al, 2018, p. 111). As vítimas de revenge porn vivenciam
linchamentos virtuais que violam sua integridade, intimidade e liberdade. Elas sofrem
juízos de valor negativos por exercerem sua liberdade sexual e acabarem expostas,
como se fosse uma resposta compatível com o exercício de sua autonomia. As
convenções sociais ignoram o fato de que
49

a mulher teve seu conteúdo divulgado por seu agressor, de forma não
consensual, com objetivo lesar a vítima, e começa um julgamento
negativo, impondo a culpa da violência para a mesma ao momento que
permitiu ser filmada ou fotografada. (SALES et al, 2018, p. 111)

A conduta de exposição de conteúdos íntimos e sexuais é regida pelo


estabelecimento de relações de poder, na medida em que a vítima mulher é “colocada
em posição de submissão às deliberações do seu agressor, que pode utilizar as
coerções para obter vantagens patrimoniais e ou sexuais, bem como o controle
constante de todos os passos das vítimas.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 291) As
relações de poder produzem efeitos não só nas relações amorosas, mas em todos os
aspectos da vida cotidiana. Focault compreende que

as relações de poder não se encontram em posição de exterioridade


com respeito a outros tipos de relações (processos econômicos,
relações de conhecimentos, relações sexuais), mas lhes são
imanentes; são os efeitos imediatos das partilhas, desigualdade e
desequilíbrios que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são
as condições internas destas diferenciações; as relações de poder não
estão em posição de superestrutura, com um simples papel de
proibição ou de recondução; possuem, lá onde atuam, um papel
diretamente produtor (1999, p. 89)

O gênero ocupa o elemento central da conduta delitiva, na medida em que o


polo ativo é representado majoritariamente por homens e, consequentemente, o polo
passivo é ocupado por mulheres (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 291). Ainda, o gênero
é o fator essencial que determina o linchamento moral, em razão da quebra de
expectativas em relação ao comportamento social idealizado pelo patriarcado de uma
mulher. Se a questão da discriminação de gênero já estivesse superada na sociedade
global, os agressores não teriam motivação para expor suas vítimas, em razão de que
não haveria repercussão negativa a elas.
Os homens também podem ser vítimas da pornografia de vingança, apesar do
número de casos se mostrar ínfimo comparado com o número de vítimas mulheres.
Entretanto, o que difere as vítimas homens e as vítimas mulheres é justamente as
consequências advindas da exposição. No primeiro caso, “os eventuais prejuízos
sofridos pela exposição, [se convertem] em demonstração pública da virilidade e
aclamação entre os outros homens” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 291). Já no segundo
caso, como já mencionado, as vítimas mulheres sofrem com o estigma social,
ocasionando em uma mudança no estilo de vida imposto pelo linchamento moral.
50

Ao ser exposta na internet, a mulher sofre três tipos de consequências: a dor


da traição da quebra de confiança de quem divulgou o conteúdo íntimo sexual, a
vergonha da exposição e o julgamento e punição social (SALES et al, 2018, p. 111).
Enquanto isso, o agressor não sofre com nenhuma consequência social, sendo
esquecido da relação de exposição. As consequências desse julgamento negativo
para as vítimas “interfere diretamente nas diversas esferas sociais, nos
relacionamentos interpessoais e na forma como a vítima enxerga a si mesma,
podendo chegar ao sentimento de auto-culpabilização, por ter se deixado filmar e ao
medo do que pode vim a acontecer em sua vida devido a propagação do conteúdo
íntimo divulgado.” (SALES et al, 2018, p. 111-112)
A pornografia de vingança condena as vítimas à violência moral, expondo-as a
um julgamento social que condena a postura da mulher, naturalizando a violência
praticada. A exposição não consentida de conteúdos íntimos sexuais fere uma
variedade de bens jurídicos mediante a perpetuação da violência de gênero, e, assim,

a Lei Maria da Penha apresenta-se como instrumento normativo mais


adequado ao enfrentamento institucional do problema, haja vista a
centralidade do conceito de violência de gênero e a consideração da
complexidade das múltiplas modalidades de violências praticadas em
virtude desse. (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 282)

Diariamente, as mulheres sofrem diversos tipos de violências e discriminações,


tais como agressões domésticas, disparidade salarial, racismo, assédios, entre outros.
Diante disso, uma nova forma de violência contra as mulheres surgiu com a sociedade
em rede: o revenge porn. Um crime cometido na rede mundial de computadores tem
proporções muito maiores do que um crime comum, na medida em que se espalha
com rapidez e dificilmente será excluído por completo. Segundo o perito digital,
Vanderson Castilhos, “o conteúdo íntimo viralizado na internet se torna praticamente
um vírus, sendo impossível removê-lo por completo.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p.
290)
Segundo Cavalcante e Lelis (2016), em 2008 o site pornográfico XTube
recebeu semanalmente entre duas a três queixas de mulheres que foram expostas
sem consentimento, especialmente por ex-parceiros. Em 2010, a Nova Zelândia
condenou criminalmente, pela primeira vez na história, um homem que divulgou
imagens íntimas de sua ex-namorada. O agressor compartilhou a imagem em uma
51

rede social da vítima e trocou sua senha para que ela não excluísse o conteúdo. A
pena foi estabelecida da seguinte maneira:

quatro meses pela divulgação da fotografia em espaço público, ao qual


cerca de 500 milhões de usuários cadastrados à época poderiam ter
acesso e seis meses por ameaçar e coagir a vítima por meio de
mensagens de texto com conteúdo insultuoso. (CAVALCANTE; LELIS,
2016, p. 64)
Dos casos narrados, podemos concluir que “a prática da Revenge Porn é fato
precedente ao surgimento da Internet, embora tenha sido assustadoramente difundido
por ela.” (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 64)
O termo “vingança” é alvo de críticas, uma vez que em alguns casos o agente
não age com o intuito de retaliação. Em alguns casos, o crime é cometido por
comunidades de hackers que usam das imagens íntimas para cometer extorsão (de
valores ou outros) às vítimas. Entretanto, a motivação do agressor é irrelevante se
sobreposto ao dano vivenciado pela vítima. Segundo uma pesquisa realizada pela
Cyber Civil Rights Initiative (CCRI)18 em 2015, das 1.606 pessoas ouvidas, 361 foram
vítimas de pornografia de vingança. Entre as vítimas, 83% haviam produzido o
material divulgado sem consentimento (CAVALCANTE; LELIS, 2016).
Nos crimes de violência pornográfica, Cavalcante e Lelis (2016) tratam de uma
pesquisa que aponta que 90% das vítimas são mulheres. A exposição, o
constrangimento, os danos à honra e a imagem das vítimas mulheres são
imensamente maiores do que o vivenciado por vítimas do sexo masculino, em
decorrência que o olhar cultural da sociedade tente a culpar as mulheres pela
exposição. Além do conteúdo sexual íntimo, são expostos os nomes das vítimas, seus
endereços, telefones, contatos e informações familiares. Por isso, muitas recorrem às
vias judiciais para alterarem o nome civil. Outras medidas tomadas pelas vítimas são
a troca de emprego, troca de escola, mudança de endereço e cidade, etc. “Os danos
causados às vítimas da “Pornografia de Revanche” são imensuráveis e decorrem das
extremas relações de confiança interrompidas pela conduta do agressor.”
(CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 65)
O papel na sociedade é predeterminado por normativas culturais, mas na
grande maioria das sociedades é reservado a elas o papel de cuidado com o lar, os
filhos e mesmo o marido. A liberdade sexual não é algo atribuído socialmente ao sexo

18
Iniciativa de Direitos Civis Cibernéticos.
52

feminino, sendo aceito apenas dentro de determinados contextos íntimos, como a


reprodução. Dito isso, a pornografia de vingança pode ser entendida como um novo
meio de repressão à liberdade sexual. Trata-se do velho discurso de punição “da
mulher que nega ou subverte o papel que lhe foi imposto” (BARBOSA; SANTOS,
2020, p. 177). A internet proporcionou um novo meio de repressão se concretizando
através da humilhação e exposição. Por isso,

a divulgação de qualquer conteúdo que desconstrua esta imagem de


recato e santidade possa criar danos irreversíveis à sua personalidade,
repercutindo na negação de qualquer imagem que tenha sido
socialmente construída e, por consequência, destruindo seu caráter,
sua imagem profissional, sua imagem social e até mesmo seu amor
próprio e sua autoestima. (BARBOSA; SANTOS, 2020, p. 178).

O sistema de justiça criminal foi desenvolvido sob uma perspectiva masculina


e machista, o qual “condiciona, expressa, reproduz e legitima o patriarcado,
colaborando para a divisão dos sexos e suas tarefas específicas” (DUTRA;
RODRÍGUEZ, 2018, p. 185). Nesse contexto, a vítima que procura uma resposta
estatal punitiva passa por uma série de pré-julgamentos quanto à sua conduta,
obrigando-se a demonstrar que sua reputação sexual é digna de proteção (DUTRA;
RODRÍGUEZ, 2018, p. 185). Com base na sensação de impunidade que paira sobre
as vítimas brasileiras, podemos argumentar que o sistema de justiça criminal brasileiro
tende a reproduzir a violência de gênero.

3.3 A responsabilização penal do disseminador de conteúdos íntimos


sexuais sem consentimento da vítima a partir do advento da Lei 13.718/2018

Os crescentes números de divulgações não consentidas de conteúdos íntimos


e sexuais na Internet nos últimos dez anos fez com que as vítimas clamassem por
justiça. Sem um tipo penal específico para punir por tais condutas, os agressores não
eram punidos na seara penal. A quebra de confiança das vítimas de pornografia de
vingança ou mesmo na exposição de cenas de estupro fez com que diversos países
punissem tais condutas praticadas nos meios digitais de interação.
Assim, surgiu a necessidade de dar um tratamento específico para tal crime,
na medida em que a pena, cominadas no tipo penal da injúria, não era proporcional
às consequências que as vítimas enfrentavam. O número crescente de casos trouxe
um alerta à sociedade, em razão de que qualquer pessoa pode se tornar vítima. Não
53

é difícil mensurar os danos causados às vítimas, uma vez que “na era da informação
ultrarrápida uma imagem enviada por uma pessoa a outra pode chegar a ser acessada
por milhares de outras” (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 12)
A divulgação não consentida de conteúdos íntimos e sexuais passou a ser
considerado crime no ordenamento jurídico brasileiro a partir da segunda metade de
2018. A tipificação prevista no Código Penal botou um ponto final na discussão acerca
do enquadramento da conduta como crime ou não. Antes do advento da Lei de
Importunação Sexual (Lei n.° 13.718/2018), a vítima que denunciasse um caso de
revenge porn observaria a conduta enquadrada como injúria ou difamação,
dependendo do caso concreto (BEZERRA, 2018, p. 44). Ainda assim, é possível que

em determinadas situações [ocorra] a aplicação do Estatuto da Criança


e do Adolescente ou até mesmo a incidência dos 154-A e 154-B do
Código Penal, incluídos após a Lei n° 12.737/2012, na eventualidade
do conteúdo compartilhado te ser sido obtido com a invasão de
mecanismos eletrônicos de outras pessoas, sempre de forma ilegal.
(BEZERRA, 2018, p. 44)

Anteriormente ao advento da Lei 13.718/2018, a pornografia de vingança era


tipificada como injúria, difamação ou ameaça. Tais enquadramentos legais não eram
suficientes para reprovação e prevenção do crime, na medida em que consistem em
delitos de menor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais
Criminais. Dessa forma, as medidas despenalizadores e outros “benefícios que
facilitam de forma expressiva o trâmite processual eram aplicadas as ações penais, o
que acabava por contribuir para maiores ocorrências da pornografia de vingança dado
sua ínfima punição.” (BEZERRA, 2018, p. 55) O crescente número de casos
relacionados ao fenômeno em análise fez com que o legislador brasileiro se atentasse
para a necessidade de elaborar um tipo penal especifico do delito em tela, como forma
de atender os anseios sociais.
O amparo legal dado aos crimes de revenge porn visavam proteger a honra da
vítima, visto que uma pessoa exposta sofre com a corrosão da sua imagem diante da
sociedade. Diante do contexto jurídico que se apresentava, o enquadramento legal
estava incorreto, na medida em que “ao levar a conhecimento de terceiros a vida
privada de alguém, o sujeito ativo atinge seu intento de desabonar a honra da vítima
perante a coletividade, que consiste na finalidade específica de agir do delito.”
(BEZERRA, 2018, p. 53) É possível afirmar que a maioria dos casos de pornografia
54

de revanche ocorre em decorrência de um atrito entre duas pessoas em um


relacionamento. Assim, os tipos penais não davam conta de proteger a vítima e nem
de dar uma resposta estatal compatível com os danos do crime. No mesmo sentido,
dispõe o artigo 143, combinado com o artigo 107, inciso VI, ambos do Código Penal,
que nos delitos de calúnia e difamação o querelado poderá se retratar cabalmente
antes da sentença e, dessa forma, ficará isento de pena (BEZERRA, 2018, p. 54-55).
No Brasil, quando uma mulher sofria assédio em qualquer ambiente público ou
privado, antes da promulgação da Lei 13.718/2018, a resposta estatal punitiva
encontrava dois caminhos: o enquadramento como conduta de estupro ou como
importunação ofensiva ao pudor. No primeiro caso, a resposta não era proporcional à
gravidade do fato, na medida em que o estupro tem como condição a grave ameaça
ou violência e é considerada como um crime hediondo, tornando a punição
demasiadamente rigorosa. Já no segundo caso, a tipificação “não fornecia nenhum
subsídio penal à altura da gravidade do fato, já que havia previsão somente de pena
de multa” (REZENDE, 2020, p. 3).
As mulheres que sofriam assédio sexual não encontravam resposta estatal
punitiva para tais crimes, na medida em que o ordenamento jurídico brasileiro não
criminalizava a conduta, considerando-se uma contravenção penal. A crescente
exposição midiática de casos de importunação sexual ocorridas em transportes
públicos levou a uma discussão em nível nacional de que tais condutas deveriam ser
criminalizadas, a fim de que as vítimas fossem protegidas pela legislação e os
agressores punidos de forma proporcional à conduta delitiva. A ex-senadora pelo
Estado do Amazonas, Vanessa Grazziotin, justificou a importância da promulgação
da Lei de Importunação Sexual

sob sua justificativa [de] igualdade entre mulheres e homens,


afirmando que a importunação sexual pode assumir diferentes formas:
ditados sexistas, sugestivos e observações constrangedoras,
mostrando ou usando material pornográfico, atos abusivos em que
homens praticavam contra as mulheres, agressão sexual e em casos
extremos até estupro ou violência física. (REZENDE, 2020, p. 2)

A lacuna legislativa para punição de algumas condutas sexuais que ofendiam


a integridade sexual da mulher acarretou no desamparo às vítimas, trazendo como
consequência a ausência no interesse de denunciar os assédios. Esse desinteresse
das vítimas em denunciar “influenciava grandemente no aumento das condutas contra
a dignidade sexual das mulheres, e causava uma certa privação de liberdade de ir e
55

vir nos meios de transportes coletivos, espaços públicos e outros.” (REZENDE, 2020,
p. 3) Dessa forma, observa-se que a promulgação do mencionado dispositivo legal
trouxe maior liberdade às mulheres para ir e vir, na medida em que elas encontram
amparo estatal caso sofram assédios, ocasionando na repressão de tais condutas.
A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso X, prevê a proteção da
intimidade, da honra, da imagem e da vida privada da pessoa. O Código Civil também
protege e torna inviolável a vida privada da pessoa em seu artigo 21. Além disso, a
chamada Lei Carolina Dieckmann (Lei n° 12.737/2012) inseriu o artigo 154-A ao
Código Penal, o qual “criminaliza violação indevida de segurança, a invasão de
dispositivo informático alheio, conectado ou não à Internet” (RODRIGUES; CORRÊA,
2019, p. 14). Já a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006), criada para criar medidas
afirmativas especiais às mulheres vítimas de violência de gênero, contribuindo com a
proteção das vítimas de pornografia de vingança, “especialmente nos artigos 2º, 5º e
7º, que abrange sobre direitos fundamentais, direitos humanos, integridade moral e
social, proteção física e psicológica.” (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 14)
Em setembro de 2018 foi promulgada a Lei n° 13.718/2018, conhecida como a
Lei de Importunação Sexual, inserindo ao Código Penal artigos que tornam crime a
importunação sexual e a divulgação de cenas de estupro ou imagens íntimas e
sexuais sem consentimento da vítima. O Projeto de Lei n° 618/15, de autoria da
Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), começou a tramitar em 2015, visando um
“aumento de pena ao crime de estupro, na eventualidade de ser cometido por duas
ou mais pessoas.” (BEZERRA, 2018, p. 56) No ano seguinte, o projeto foi enviado à
Câmara dos Deputados e recebeu o acréscimo da tipificação de divulgação de cenas
de estupro. O projeto ficou estagnado até março de 2018, quando recebeu nova
proposta de modificação que incluiu a divulgação de cenas de estupro, sexo ou
pornografia.
A lei introduziu o artigo 218-C ao Código Penal, criando a figura típica descrita
como divulgar cena de estupro de vulnerável, cena de sexo ou pornografia. O caput
do artigo legal descreve a conduta como oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir,
vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, através dos meios telemático,
de comunicação em massa, sistema de informática ou outros, fotografias, vídeos ou
outro conteúdo audiovisual que exponha cena de estupro, de estupro de vulnerável,
que faça apologia ou induzimento à sua prática, ou, ainda, cena de sexo, nudez ou
56

pornografia, sem o consentimento da vítima (BRASIL, 2018).19 A pena prevista para


tal crime é de reclusão de um a cinco anos, se a conduta não constituir fato mais
gravoso. O parágrafo primeiro prevê que a pena poderá ser aumentada de um terço
a dois terços se o crime for praticado no âmbito de uma relação íntima de afeto ou
com a intenção de praticar vingança ou humilhação (BRASIL, 2018).20 Já o parágrafo
segundo determina que não há crime se o autor praticar as condutas descritas no
caput do artigo em decorrência de publicação de natureza jornalística, científica,
cultural ou acadêmica, observando-se três requisitos elementares: deverá ser adotado
recurso que impossibilite a identificação da vítima, haver prévia autorização de quem
será exposto, bem como faz-se necessário que a vítima seja maior de dezoito anos
(BRASIL, 2018).21
Com o advento da lei, não há que se falar no enquadramento legal aos crimes
de injúria, difamação ou ameaça, sendo os casos de revanchismo pornográfico
enquadrados como importunação sexual. Com isso, não se está protegendo a honra
das vítimas, mas sim assegurando sua dignidade sexual. O caráter subsidiário do
artigo 218-C do Código Penal foi estabelecido na medida em decorrência de que, nos
casos de exposição pornográfica que envolvam crianças ou adolescentes, o agressor
responderá pelos artigos 241 e 241-A do Estatuto da Criança ou Adolescente
(BRASIL, 1990).22

19 Texto original: “Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de


sexo ou de pornografia.
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática
ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de
estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da
vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.”
20 Texto original: “Aumento de pena

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que
mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou
humilhação.”
21 Texto original: “Exclusão de ilicitude

§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação
de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a
identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.”
22 Texto original: “Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha

cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei
nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído
pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
57

A Lei de Importunação Sexual também alterou o artigo 225 do Código Penal


(BRASIL, 1940)23, determinação que a ação penal será pública e incondicionada em
todos os tipos penais descritos nos Capítulos I (Dos Crimes Contra a Liberdade
Sexual) e II (Dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável) do Título IV (Dos Crimes Contra
a Dignidade Sexual) do código, inclusive aqueles praticados com vítimas menores de
18 anos. Para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, basta a
representação da pessoa ofendida. Diante do contexto fático, importante frisar que no
caso das publicações de pornografia de vingança, terceiros que comentarem
“julgamentos negativos de forma a ofender a pessoa exposta, automaticamente
enquadram-se na descrição do artigo 140 do Código penal, independentemente da
nova tipificação dada a pornografia de vingança.” (BEZERRA, 2018, p. 54)
A Constituição Federal estabeleceu o princípio da igualdade entre os indivíduos
a fim de erradicar ou diminuir as desigualdades sociais. Apesar disso, o Código Penal
vigente, promulgado em 1940, continua a legitimar desigualdades, especialmente de
gênero, uma vez que se trata de um compilado de dispositivos legais escritos por
homens para homens (SALES et al, 2018, p. 112). A ausência da participação
legislativa feminina legitima o patriarcado institucional presente no Poder Judiciário
até os dias de hoje. Para romper com o ciclo de violência de gênero, portanto, é
preciso que haja efetiva participação feminina nos projetos legislativos, nas tomadas
de decisões e na vida pública em geral. É na ausência da participação feminina nos
três Poderes Estatais que “o Direito legitima o patriarcado, mantendo as decisões
pendente aos homens para a manutenção e institucionalização da dominação
masculina.” (SALES et al., 2018, p. 113)

3.4 Análise sócio-jurídica da Lei Maria da Penha, Lei Carolina


Dieckmann e o Marco Civil da Internet como mecanismos subsidiários de
repressão à pornografia de vingança

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que
trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou
imagens de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2° As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1 o deste artigo são puníveis quando o responsável
legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo
ilícito de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
23 Texto original: “Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se

mediante ação penal pública incondicionada.”


58

A violência contra a mulher nos ambientes virtuais é um cenário relativamente


novo no Brasil e no mundo. Por isso, as discussões acerca da proteção das vítimas
de revenge porn ainda estão conquistando espaço no meio acadêmico e político. Os
instrumentos legais brasileiros de proteção à mulher na rede mundial de
computadores são a Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a Lei n° 12.737/2012
(Lei Carolina Dieckmann), Lei n° 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e a Lei n°
13.718/2018 (Lei de Importunação Sexual). A posse de conteúdos íntimos e sexuais
pelo agressor pode acarretar em ameaças e constrangimento ilegal, lesando a
liberdade das vítimas, na medida em que restringe as escolhas e a autodeterminação
dessas (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 293). Segundo Rogério Greco (2017), a restrição
da liberdade da vítima “pode ter natureza física e ou psicológica, sendo lesada quando
a vítima se vê obrigada a agir conforme a vontade do sujeito ativo do crime ante o
medo de ter sua sexualidade exposta publicamente.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p.
293)
A Lei Maria da Penha, como é popularmente conhecida, entrou em vigor há
quase 15 anos, “representando um grande progresso na luta contra a violência
doméstica e familiar dissipada todos os dias em detrimento das mulheres.”
(BEZERRA, 2018, p. 45) Em 2012, a Lei 11.340/2006 foi reconhecida pela
Organização das Nações Unidas como a terceira lei mais completa e eficaz no âmbito
de atuação da violência doméstica, ficando atrás apenas de Espanha e Chile. O
mencionado dispositivo legal passou a tipificar os crimes contra a mulher ocorridos no
âmbito intrafamiliar, doméstico e das relações íntimas de afeto, assim como
“determinou a aplicação de penalidades e medidas protetivas ao tempo em que
resguarda a população feminina, dando-lhes proteção e assistência na eventualidade
de serem alvo de agressões.” (BEZERRA, 2018, p. 46)
O inciso III do artigo 5° da Lei Maria da Penha sana qualquer dúvida que possa
surgir quanto à aplicação do dispositivo legal nos casos em que a vítima e o agressor
não tenham um relacionamento público, basta que haja uma relação íntima de afeto
(BEZERRA, 2018, p. 49). Além disso, o Juizado Especial Criminal não é competente
para julgar as condutas que envolvam a Lei 11.340/2006, o que afasta a aplicação
dos institutos despenalizadores, tais como o acordo de não persecução penal, a
suspenção condicional do processo, a transação penal e a composição civil
(BEZERRA, 2018, p. 50).
59

Outro benefício advindo pela Lei Maria da Penha são as medidas protetivas
dispostas nos artigos 22 (BRASIL, 2006)24 e 23 (BRASIL, 2006)25, a fim de proteger
as vítimas do convívio social com o agressor, determinando seu afastamento de
corpos, proibição de ter qualquer contato com a vítima e sua família, bem como
podendo ser impedido de frequentar determinados locais. Tais medidas são
necessárias para as vítimas da pornografia de vingança, na medida em que na maioria
dos grande casos “as ameaças não se restringem ao momento anterior da publicação,
continuam mesmo após a divulgação do material íntimo, tratando-se, portanto, de uma

24 Texto original: “Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos
termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de
distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela
Lei nº 13.984, de 2020)
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo
de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em
vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência
ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no
caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao
respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e
determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo
cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de
desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a
qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º
do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).”
25 Texto original: “Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de


atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após
afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda
dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais
próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da
existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019)”
60

medida urgente e imprescindível para estas pessoas expostas.” (BEZERRA, 2018, p.


51)
A pornografia de revanche pode ser conduzida na forma de sextorção, o qual
“consiste na exigência de que as vítimas adotem determinadas condutas através do
recurso à grave ameaça e violência.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 294) Essa conduta
tem como finalidade coagir as vítimas mediante a exigência do pagamento de
determinada quantia em dinheiro para que o agressor não exponha o conteúdo íntimo
e sexual da vítima. Observa-se que as consequências advindas dessa conduta de
ameaça acabam por forçar as vítimas continuarem em um relacionamento não
desejado, forçam o desinteresse em denunciar a ação, bem como exigem o
afastamento das vítimas de determinadas pessoas do seu convívio social. A
imposição do medo desempenha um papel essencial na manutenção da violência de
gênero. Artenira Silva e Rossana Pinheiro (2020) defendem que a restrição da
liberdade de uma mulher através da conduta de revenge porn e sextorção devem ser
tipificadas no Código Penal “a partir da combinação dos artigos 146 (constrangimento
ilegal), 147 (ameaça) com o artigo 7, II da Lei Maria da Penha, que destinado à
tipificação da violência psicológica”.
Com a posse do material íntimo e sexual das vítimas, o agressor pode utilizar-
se do conteúdo para constrange-las a praticar condutas sexuais não desejadas. Tal
ação fere a dignidade sexual das vítimas, compreendido como elementar à liberdade
e desenvolvimento humano na sociedade contemporânea (SILVA; PINHEIRO, 2020,
p. 295). A pornografia de revanche relaciona-se com a violência sexual “quando
criminosos gravam seus ataques às vítimas como forma de demonstrar publicamente
a sua supremacia ante as instituições de justiça e conferir humilhação pública aos
sujeitos passivos do crime.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 296) Nesse sentido,
podemos compreender que a pornografia de vingança é uma forma de abuso sexual,
semelhante ao estupro, ao assédio sexual (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 296-297) e à
importunação sexual, conduta delitiva criada com o advento da Lei 13.718/2018,
podendo, ainda, ser enquadrada na proteção da Lei Maria da Penha, especialmente
em seu artigo 7°, inciso III (BRASIL, 2006), que dispõe sobre a proteção à violência
sexual exercida contra a mulher.
A aplicação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) às condutas de
pornografia de vingança é perfeitamente possível, na medida em que a lei é
interdisciplinar, aplicando-se à qualquer conduta que lesione o gênero e “de todas as
61

formas de violência contra a mulher como pela atenção às variadas modalidades de


violência.” (SILVA; PINHEIRO, 2020, p. 293) Nesse sentido, previstos no artigo 7° do
referido diploma legal, o delito de revenge porn enquadra-se na proteção à violência
sexual, moral, psicológica e eventualmente patrimonial contra a mulher (BRASIL,
2006)26. O revanchismo pornográfico trata-se de um delito de gênero, como já
argumentado anteriormente. Sendo assim, tal crime contra a mulher se enquadrando
de forma concisa na descrição legal acerca de violência moral e psicológica trazida
pela Lei Maria da Penha. A incidência do inciso II do artigo 7° da Lei 11.340/06
(BRASIL, 2006) nos casos de revenge porn é enfático, em razão de que “as ameaças
da exposição, bem como o preconceito e julgamento que recaem sobre as vítimas no
momento em que seus vídeos ou fotografias são publicizadas implicam em nefastos
danos à saúde psicológica e ao desenvolvimento pessoal da mulher” (BEZERRA,
2018, p. 49).
A Lei Carolina Dieckmann (Lei n.° 12.737/2012) foi promulgada após um ataque
a arquivos pessoais que a atriz sofreu quando, em 2012, hackers invadiram seu e-
mail pessoal, apropriaram-se de imagens íntimas e ameaçaram divulgar os conteúdos
caso a atriz não cedesse ao pagamento de uma certa quantia em dinheiro. Carolina
resistiu às ameaças e teve seu conteúdo íntimo divulgado sem seu consentimento.
Após repercussão nacional do caso, o projeto-lei n° 2793 que tramitava no Congresso
Nacional desde 2011 foi aprovado (SOUSA et al., 2019, p. 245). A Lei n° 12.737/2012
(BRASIL, 2012) criminaliza a invasão de dispositivos eletrônicos, mas deixou de
mencionar a divulgação imprópria de conteúdos íntimos sexuais. Entretanto, a

26
Texto original: “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir
e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou
a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força;
que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de
usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
62

mencionada legislação “não se refere especificamente aos tipos de violação de


direitos contra mulheres e meninas citados anteriormente, nem mesmo agrava a pena
da invasão de dispositivos digitais com intenção de captura de material íntimo”
(SOUSA et al., 2019, p. 245).
A Lei 12.737/2012 (BRASIL, 2012) inseriu o artigo 154-A ao Código Penal
(BRASIL, 1940) e prevê a tipificação das condutas lesivas de invasão de dispositivo
informático alheio27. Recentemente, a Lei n.° 14.155/202128 aumentou a pena do
caput do referido artigo, passando da aplicação de pena de detenção de três meses
a um ano e multa para pena de reclusão de um ano a quatro anos e multa. Também
alterou o segundo parágrafo do artigo, prevendo um aumento de pena em caso de
prejuízo econômico, passando de um sexto a um terço para previsão de um sexto a
dois terços de aumento. Ainda, previu um aumento de pena no disposto no parágrafo
terceiro que antes previa pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa, agora
sendo de dois anos a cinco anos e multa. A referida lei protege a privacidade das
informações pessoais em dispositivos eletrônicos. O verbo “invadir” utilizado nesse
tipo penal refere-se “à ação de entrar mediante uso de força ou sem o consentimento
dispositivo informático de outrem” (ARAUJO, 2020, p. 14). No mesmo sentido, a

27 Texto original: “Invasão de dispositivo informático


Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores,
com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do
usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1° Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou
programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo
econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos
comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não
autorizado do dispositivo invadido:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação,
comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.
§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado,
da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito
Federal.”
28 BRASIL. Lei n.° 14.155, de 27 de maio de 2021. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 (Código Penal), para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático,
furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet; e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para definir a competência em modalidades de
estelionato. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14155.htm.
Acesso em: 30 mai. 2021.
63

conduta depende da quebra ilícita de barreira de proteção virtual com o intuito de se


obter vantagem pessoal. A legislação não contempla as condutas específicas da
vingança pornográfica, tipificando uma punição específica para os agentes que
“invadem dispositivos informáticos, interrompem serviços telegráficos e falsificam
cartões.” (CAVALCANTE; LELIS, 2016, p. 65) A aplicação do artigo 154-A do Código
Penal (BRASIL, 1940) é possível nos crimes de vingança pornográfica, mas somente
quando o agente invadir dispositivo eletrônico alheio a fim de obter material para
exposição de conteúdo íntimo e sexual sem o consentimento da vítima.
O Marco Civil da Internet foi instituído a fim de garantir os direitos relacionados
à Internet e não tem por objetivo criminalizar atos advindos do uso da rede mundial
de computadores. Seus princípios são: “neutralidade da rede, liberdade de expressão,
privacidade do usuário e responsabilidade por material infringente” (SOUSA et al.,
2019, p. 245-246). A Lei n° 12.965/2014 (BRASIL, 2014) não foi elaborada visando a
proteção das mulheres. Entretanto, em seu capítulo III, o artigo 2129 dispõe que é
obrigação do provedor de internet “retirar materiais contendo cenas de nudez ou atos
sexuais, gerados por terceiros sem autorização dos participantes, a partir da
notificação da vítima, sem necessidade de ordem judicial” (SOUSA et al., 2019, p.
246). Embora o Marco Civil da Internet prevê a responsabilização subsidiária do
provedor de internet que não remover conteúdo íntimo sexual a partir da notificação,
não menciona uma punição para quem invade a privacidade e divulga material íntimo
na rede mundial de computadores (SOUSA et al., 2019).
O Marco Civil da Internet (BRASIL, 2014) prezou pela liberdade de expressão
dos usuários nas plataformas digitais. Por isso, a responsabilidade objetiva das
empresas que operam as redes sociais foi afastada, na medida em que o legislador
considerou que tal solicitação implicaria no controle dos conteúdos digitais por parte
dos usuários, podendo ocasionar censuras (ARAUJO, 2020, p. 26). Outro princípio
tutelado com o advento da referida lei é a proteção à privacidade, na medida em que
estabeleceu a responsabilização das plataformas de conteúdos informáticos que

29 Texto original: “Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da
divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais
contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de
notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que
permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante
e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
64

venham a ferir tal princípio. Nesse sentido, “o artigo 21 prevê a responsabilização


subsidiaria dos provedores de aplicações pelo conteúdo disponibilizado que viole a
intimidade das pessoas.” (ARAUJO, 2020, p. 26) O referido dispositivo legal prevê a
remoção de conteúdos que violem a intimidade de seus usuários, tal qual ocorre com
as vítimas da pornografia de revanche. Ainda assim, a remoção depende estritamente
de ordem judicial de o determine.
No ordenamento jurídico brasileiro, as aplicações e sites provedores de
conteúdo online, tais como Facebook, Instagram, Twitter, Google e Tik Tok, são
responsabilizados subjetivamente quanto aos conteúdos postados em suas
plataformas digitais. Nesse sentido, às empresas somente é aplicada a
responsabilização caso sejam notificadas por ordem judicial e não cumprirem com a
determinação de retirada dos conteúdos lesivos. Antes do advento do Marco Civil da
Internet (BRASIL, 2014), bastava que o usuário lesado solicitasse a retirada de
determinados conteúdos online e, caso houvesse descumprimento dessa solicitação,
poderia ser ressarcido por todos os danos sofridos em uma disputa judicial. A partir
de 2014, com o advento da Lei n° 12.965/14 (BRASIL, 2014), o provedor somente
pode ser responsabilizado após o descumprimento de ordem judicial (ARAUJO, 2020,
p. 25).
As empresas de plataformas online passaram a promover a denúncia de
conteúdos que possam ser ilícitos com o intuito de identificar àqueles que ferem a
privacidade e a dignidade dos usuários. Com o crescente número de casos de
pornografia de revanche, as “plataformas atualizaram suas políticas de privacidade
com propósito de minimizar o compartilhamento do conteúdo não autorizado”
(ARAUJO, 2020, p. 27). Evidentemente, é praticamente impossível remover todo o
conteúdo íntimo e sexual uma vez já disseminado pela rede mundial de
computadores, na medida em que “grande parte destas fotos e vídeos também
acabam sendo postados em sites pornográficos estrangeiros de difícil acesso das
plataformas de controle digital” (ARAUJO, 2020, p. 28).

4. CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho foi possível compreender do que se trata o


fenômeno social do revenge porn, o qual apresenta-se como uma nova transgressão
65

aos direitos das mulheres através do uso dos meios cibernéticos e das novas
tecnologias para materialização do crime. No primeiro capítulo, compreendeu-se que
a prática do revenge porn é caracterizado pela disseminação não consentida de
conteúdos íntimos e sexuais sem o consentimento da vítima. Já no segundo capítulo,
resgatou-se a violência de gênero no contexto histórico, demonstrando como tal
agressão se perpetua no contexto social atual e quais os meios legais de proteção às
vítimas.
A pornografia de vingança trata-se de crime cometido contra as mulheres
através do uso indevido da rede mundial de computadores. Tal conduta tem como
característica a disseminação de um conteúdo íntimo e sexual sem o consentimento
da vítima para a divulgação nos meios telemáticos. Esse conteúdo pode envolver uma
fotografia, vídeo ou até mesmo áudio de um momento íntimo e privado. O
disseminador pode obter o conteúdo através da invasão de dispositivo informático
alheio ou quando a vítima o envia para o agressor, sendo o último caso mais
recorrente. A conduta delituosa é majoritariamente cometida por homens contra as
mulheres, motivado por uma vingança em razão da não aceitação do exercício da
liberdade sexual por parte das vítimas. As redes sociais abriram espaço para o
cometimento de tal crime, na medida em que não foram estabelecidos, em um primeiro
momento, limites em relação ao tipo de conteúdo que pode ser divulgado.
Ainda, analisou-se a violência de gênero em seu contexto histórico e social, na
medida em que a sociedade se moldou por uma lógica patriarcal e de divisão biológica
dos sexos. Nesse sentido, às mulheres foram negados os direitos relativos à liberdade
civil e condicionou-se às fêmeas humanas o espaço do lar e do cuidado com a família,
reprimindo-se qualquer conduta que distorcesse de tal lógica. Assim, na sociedade
contemporânea, um novo mecanismo de repressão contra a dignidade sexual das
mulheres se estabeleceu: a pornografia de vingança. Fora analisado a tipificação do
revanchismo pornográfico no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando a
necessidade adequação da proteção estatal com os novos fenômenos sociais. Foi
possível concluir que o artigo 218-C do Código Penal tipifica as práticas de revenge
porn e prevê uma punição para os disseminadores. A Lei n° 13.718/2018 foi essencial
para a repressão do crime, uma vez que os dispositivos legais anteriores não davam
conta de abranger o novo meio de praticar a violência de gênero.
Dito isso, é possível afirmar que a hipótese inicialmente descrita foi
parcialmente refutada, na medida em que fora demonstrado que o ciberespaço se
66

apresenta como um ambiente hostil de perpetuação da violência de gênero já


existente na sociedade e na cultura. Ainda, a tipificação do revenge porn no
ordenamento jurídico brasileiro está de acordo com a conduta e é capaz de promover
a repressão do crime, mesmo que sua identificação pelos aplicadores do Direito seja
tímida. Entretanto, não foi possível determinar qual a responsabilidade civil dos
provedores de internet, na medida em que não há previsão legal para tanto. Com o
Marco Civil da internet, os provedores devem promover a remoção de conteúdos
inapropriados, mas não há previsão de responsabilizá-los caso isso não se efetive.
A pesquisa limitou-se a conceituar o crime de revenge porn como mecanismo
de perpetuação da violência de gênero. Demonstrou como os meios telemáticos de
informática podem ser usados para o cometimento de crimes e que a privacidade
online ainda é um conceito vago. Apresentou a violência de gênero em seu contexto
histórico-social e como tal violência está presente na sociedade atual, na medida em
que a cultura patriarcal ainda é dominante. Dito isso, se faz necessário que futuros
estudos sobre o tema analisem a efetividade da Lei n° 13.718/2018 no tempo para
determinar sua eficácia para a sociedade. Também é preciso investigar se há
aplicação subsidiária da Lei Maria da Penha para garantir as medidas de proteção
previstas às vítimas e se o Acordo de Não Persecução Penal é aplicado quando do
cometimento do revenge porn, gerando uma sensação de impunidade.
67

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