Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DO SUL
Ijuí (RS)
2021
2
Ijuí (RS)
2021
3
______________________________________________
Mateus de Oliveira Fornasier
______________________________________________
Joice Graciele Nielsson
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca das características
do crime de revenge porn, manifestamente um crime contra as mulheres em razão de
seu gênero, trazendo dados e estatísticas. Busca conceituar a privacidade sexual e
sua consequente invasão na rede mundial de computadores. Busca demonstrar a
quebra de confiança e as consequências vivenciadas pelas vítimas da pornografia de
vingança. Ainda, apresenta o contexto histórico da violência de gênero, explanando o
fenômeno social em uma escala global. Com isso, o trabalho traz argumentos que
afirmam que o revanchismo pornográfico se trata de um novo fenômeno de violência
de gênero que se utiliza das novas tecnologias para se perpetuar. Apresenta a Lei n°
13.718/2018 (Lei de Importunação Sexual) que entrou em vigor para reparar a lacuna
legislativa em relação à punição penal dos disseminadores de conteúdos íntimos e
sexuais. Por fim, debate mecanismos subsidiários de repressão à violência de gênero
cometida através do revanchismo pornográfico.
ABSTRACT
Key-words: Revenge Porn. Gender Violence. Women's Rights. Digital Crimes. Sexual
Harassment Law.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................9
2. PRIVACIDADE SEXUAL ...................................................................................... 11
2.1 Conceito sócio-jurídico da pornografia de vingança (revenge porn) ........... 11
2.2 Aspectos da invasão de privacidade na internet ........................................... 16
2.3 A disseminação não consentida de conteúdos íntimos sexuais e a quebra
de confiança ............................................................................................................ 23
2.4 A pornografia de revanche em dados ............................................................. 27
3 Dispositivos legais de repressão ao crime de exposição não consensual de
conteúdos íntimos sexuais. ................................................................................... 29
3.1 A violência contra a mulher: contexto histórico ............................................ 29
3.2 Novo mecanismo de perpetuação da violência de gênero: revenge porn e a
era da informação ................................................................................................... 41
3.3 A responsabilização penal do disseminador de conteúdos íntimos sexuais
sem consentimento a partir do advento da Lei 13.718/2018 ............................... 52
3.4 Análise sócio-jurídica da Lei Maria da Penha, Lei Carolina Dieckmann e o
Marco Civil da Internet como mecanismos subsidiários de repressão à
pornografia de vingança ......................................................................................... 57
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 64
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67
9
1. INTRODUÇÃO
2. PRIVACIDADE SEXUAL
“remanesce a ideia equivocada de que, nos casos em que a tomada das imagens foi
consensual, há autorização (tácita ou expressa) da mulher na divulgação delas”
(GUIMARÃES; DRESCH, 2014, p. 10). Essa ideia só reforça estereótipos de gênero,
afirmando que a mulher não tomou as devidas cautelas para evitar a conduta,
culpabilizando, assim, a vítima e não o disseminador.
O termo “vingança” nos remete a imaginar que alguma ação da mulher deu
ensejo à retaliação. Assim, é necessário analisar o termo com cautela, em razão de
que “mesmo sem ser essa a intenção, os termos acabam por justificar a conduta de
quem dissemina as imagens, por caracterizá-la como uma resposta” (LANA, 2019, p.
10). Entretanto, o fenômeno do revenge porn vai muito além disso. Por essa razão, a
expressão “disseminação não consentida de imagens íntimas” (RUIZ et al, 2017, p.
02, tradução nossa)1 é mais apropriada.
A terminologia adotada no Brasil para descrever as condutas criminosas de
exposição de conteúdos íntimos sexuais é uma tradução literal de revenge porn,
utilizada nos Estados Unidos. No país norte-americano, há uma intensa discussão
acerca da criminalização de tal conduta, sendo que a o estado da Califórnia foi
pioneiro na promulgação de uma lei específica sobre pornografia de revanche, ainda
em 2013 (LINS, 2016). A exposição de ex-namoradas já era uma prática comum nos
EUA muito antes dos avanços da internet. Nos anos 1980, revistas pornográficas
passaram a criar sessões para publicação de conteúdos sexuais produzidos pelos
leitores, o que instigou o público masculino a expor ex-companheiras. Com o avanço
da internet e sua popularização, “a categoria ‘realcore pornography’” (contendo fotos
e vídeos amadores) emancipou-se da mídia física se tornando a partir dos anos 2000,
um subgênero pornográfico bastante popular na rede” (LINS, 2016, p. 251).
Ao tratarmos do pornô de revanche, pode-se apontar ao menos quatro
elementos discernentes: uma mídia (digital ou não) efetivamente mostrando uma
pessoa ou mais; o sentimento pessoal de quem está sendo retratado nas imagens de
que aquele momento é íntimo; a falta de autorização para a disseminação; e a
disseminação intencional dessa mídia (dolo). Essa mídia pode envolver fotos, vídeos
ou mesmo áudios íntimos que foram tornados públicos. O impacto negativo que recai
sobre a vítima é o fato de ela ser identificada através da mídia vazada, mesmo que
seu rosto não apareça no conteúdo (HARTMANN, 2018).
O revenge porn tem como grande maioria das vítimas as mulheres, de forma
que se um homem tiver seu conteúdo íntimo sexual divulgado sem consentimento,
ainda que haja danos à sua reputação, acaba por reforçar seu papel pré-determinado
de virilidade. A terminologia adotada é alvo de críticas, na medida em que pode
remeter à perversão sexual, como se essa fosse a intenção da vítima desde o começo.
Além disso, a “vingança” pode remeter à uma resposta de condutas da vítima, como
se ela tivesse contribuído, dando motivos ao disseminador agir de tal maneira. Ao
divulgar imagens íntimas sexuais de uma mulher “se impõe a ela uma severa
condenação, uma vez que a sociedade interpreta que uma mulher que ‘se dá o
respeito’ não deveria se colocar nestas situações” (BARBOSA; SANTOS, 2020, p.
179).
Os recentes avanços tecnológicos das tecnologias de informação, tais como as
redes sociais, os smartphones e outros dispositivos de compartilhamento de conteúdo
que permitem o acesso móvel à internet, trouxeram mudanças na forma com que nos
relacionamos uns com os outros e com os meios digitais (LINS, 2016). A pornografia
de vingança se materializa através da relação social com a internet. O termo revenge
porn é comumente utilizado no meio acadêmico, por militantes feministas e nas
manchetes de notícias para chamar atenção de tal prática, que
14
cenário, “o segundo risco parece maior: é preciso cuidado para não subestimar as
hipóteses de configuração de dano” (HARTMANN, 2018, p. 02).
O aspecto discrepante que difere o revenge porn de outros conteúdos
disseminados on-line é o fato de que “uma foto, vídeo ou áudio de uma pessoa em
um momento privado a expõem de uma forma que a descrição normalmente não
consegue fazer, e isso é uma diferença objetiva” (HARTMANN, 2018, p. 3). De outro
lado, essa diferenciação acaba se tornando obsoleta quando identificamos o uso de
inteligência artificial para inserir o rosto das vítimas em corpos que não são seus,
gerando conteúdos íntimos falsos.
Os vídeos sexuais falsos são outra categoria de violação. Consiste na inserção
do rosto e a voz de pessoas em vídeos pornográficos. Diferem da pornografia não
consensual por que não exibem o corpo nu das vítimas, mas violam suas intimidades
e sua autonomia sexual da mesma forma, “são uma afronta à sensação de que as
identidades íntimas das pessoas são suas para serem compartilhadas ou mantidas
para si mesmos” (CITRON, 2019, p. 52, tradução nossa)2. Sendo assim, os “deep-
fake sex videos” são condutas de revenge porn praticadas por ex-companheiros. Há
relatos na internet de ex-parceiros que usaram fotos de suas vítimas para produzir
vídeos falsos delas, causando enorme constrangimento. Afinal, pessoas leigas não
conseguem distinguir um vídeo falso de um verdadeiro.
2Texto original: “they are an affront to the sense that people’s intimate identities are their own to share
or to keep to themselves”.
17
3 Texto original: “we are free only insofar as we can manage the boundaries around our bodies and
intimate activities”.
19
caso o disseminador e a vítima tenham uma relação íntima de afeto. Ainda, importante
destacar que o consentimento para a produção da mídia não implica em
consentimento para a sua divulgação. Essa divulgação imprópria reforça os padrões
de inferiorização da mulher, na medida que “as práticas, as intencionalidades e os
discursos que envolvem o fenômeno revelam sua inserção em uma violência
estrutural de gênero, em que padrões socioculturais discriminatórios” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227).
A autorização para publicação de conteúdos íntimos deve ser entendida na
medida em que a privacidade se constitui em diversos níveis. Por exemplo, uma
pessoa pode permitir que outra compartilhe seu conteúdo privado a um grupo fechado
de pessoas. Assim, surgem duas interpretações acerca do consentimento. Uma
interpretação mais tradicional da separação entre as esferas pública e privada, “essa
segunda autorização poderia ser caracterizada como um ato de disponibilidade total
do interesse de privacidade por parte da pessoa fotografada, já que ela permitiu que
a foto fosse ‘tornada pública’” (HARTMANN, 2018, p. 19). Já segundo um
entendimento mais matizado das relações sociais online entende que o consentimento
não está limitado ao sim ou não. Seguindo essa linha de raciocínio, compreende que
as pessoas tomam decisões contextualizadas, ou seja, em determinados momentos
não desejam ser retratas dessa ou daquela forma, sendo necessário uma
interpretação ampla do consentimento.
Ainda, a conta hackeada pode pertencer à vítima, fazendo com que ela se sinta
violada, na medida em que não autorizou outros a manterem mídias íntimas sob sua
posse.
Mais do que qualquer outro elemento, o que permite medir o dano à vítima são
as características da mídia, assim como seu grau de disseminação e não as intenções
do causador do dano. Sendo assim, o
4 Texto original: “Like the silencing that domestic-violence victims have long endured, victims are
forced to hide the abuse from people who could help them”.
27
30% iniciaram tratamento psicológico e 30% buscou ajuda de grupos de apoio, nos
círculos de amizade e empoderamento.
A dificuldade de uma persecução penal eficiente que condene o disseminador
de conteúdos íntimos sexuais sem consentimento na prática de um crime ainda é a
realidade brasileira. As mulheres que denunciaram o crime de revenge porn relataram
que em 82% dos casos não houve investigação policial. Dos casos em que houve a
instauração de um Inquérito Policial, 86% dos casos não houve processamento
judicial. O desejo de 72% das vítimas é de que o disseminador seja punido e 60%
delas manifestou interesse na remoção dos conteúdos divulgados sem consentimento
das plataformas online.
Beatriz A. Lins (2016, p. 250) apresenta estatística da ONG SaferNet,
demonstrando que no ano de 2015, dos 1.862 atendimentos realizados pela
organização, cerca de 322 dos casos envolviam “sexting/exposição íntima”, ou seja,
“imagens de nudez e sexo compartilhadas sem consentimento, também conhecidas
como ‘nudes’” (LINS, 2016, grifo da autora). Segundo a ONG, em 74,5% dos casos
as mulheres eram expostas. Os números revelam uma subnotificação dos casos
envolvendo a pornografia de vingança, além de uma subcategorização das condutas,
separando as vítimas mulheres adultas das vítimas menores de dezoito anos, as quais
são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Na segunda hipótese, os
casos são imediatamente encaminhados como denúncia de “pornografia infantil” para
o competente órgão de justiça.
Segundo dados formulados em 2014 pela ONG End Revenge Porn, 90% das
vítimas de pornografia de vingança são mulheres, “dentre as quais 57% alegaram que
o conteúdo foi divulgado sem a sua autorização por um ex-companheiro” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227). Dentre as vítimas, 93% alegaram que sofreram algum dano
emocional, sendo que 51% afirmaram que sofreram com pensamentos suicidas
(ALEIXO; BASTOS, 2016). Os dados da ONG SaferNet apontam que a maioria das
vítimas são mulheres jovens, uma vez que “das mulheres que solicitaram ajuda
através de seu canal na Internet, 88% tinham idades entre 13 e 25 anos” (ALEIXO;
BASTOS, 2016, p. 227). Os efeitos da exposição indesejada revelam-se
extremamente diferentes entre as vítimas do sexo masculino em comparação às
vítimas do sexo feminino, na medida que
29
especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista
como justificativa natural da diferença social construída entre os gêneros”
(BOURDIEU, 2010, p. 20)
Esse discurso serviu (e ainda serve) como justificativa para o exercício da
violência contra as mulheres ao longo dos séculos. O termo violência compreende
uma forma de agressão à liberdade, integridade física e moral de uma pessoa. Não
há que se falar que o termo é o oposto de “violência contra os homens”, uma vez que
a discriminação de gênero sofrida pelas mulheres vai muito além de restrições
(CUNHA, 2014, p. 2). Outra linha de raciocínio compreende que a dominação
masculina se deu única e exclusivamente por pressupostos sociais, sendo que o sexo
biológico em nada interfere nesta equação. Simone de Beauvoir (1956) explica que “a
pessoa não nasce, mas torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psicológico ou
econômico determina a figura que a fêmea humana apresenta na sociedade; é a
civilização como um todo que produz esta criatura” (p. 273, tradução nossa)5. Assim,
as atribuições do sexo de uma espécie correspondem às características biológicas,
relacionadas à anatomia e fisiologia de um ser. Gênero é uma construção social para
determinar o papel dos homens e das mulheres na cultura, criando polos de
dominação e submissão na ordem patriarcal (CUNHA, 2014, p. 2).
Os valores da sociedade e da cultura foram criados a partir dessa noção de que
o homem é forte, dominador, racional e, portanto, deve ser o chefe de família,
enquanto que a mulher seria seu oposto: “ser feminina é parecer fraca, fútil, dócil. A
jovem deve não apenas se enfeitar, se aprontar, mas também reprimir sua
espontaneidade e substituí-la pela graça estudada e o charme ensinados a ela pelos
mais velhos.” (BEAUVOIR, 1956, p. 334, tradução nossa)6 Dessa forma, a violência
exercida contra as mulheres encontra amparo no discurso racionalista, uma vez que
o homem detém o poder patriarcal. O gênero, ao lado dos valores de classe social,
raça, etnia e sexualidade, determina a estrutura social moderna. No mesmo sentido,
afirma Judith Butler:
5 Texto original: “one is not born, but rather becomes, a woman. No biological, psychological, or
economic fate determines the figure that the human female presents in society; it is civilization as a
whole that produces this creature”
6 Texto original: “to be feminine is to appear weak, futile, docile. The young girl is supposed to not
only to deck herself out, to make herslef ready, but also to repress her spontaneity and replace it with
th studied grace and charm taught her by her elders.”
31
7
Texto original: “gender is not always constituted coherently or consistently in different historical
contexts, and because gender intersects with racial, class, ethnic, sexual, and regional modalities of
discursively constituted identities. As a result, it becomes impossible to separate out ‘gender’ from the
political and cultural intersections in which it is invariably produced and maintained.”
8 Texto original: “the little girl, to whom such exploits are forbidden and who, seated at the foot of a
tree or a cliff, sees the triumphant boys high above her, must feel that she is, body and soul, their
inferior.”
9 Texto original: “the notion that gender is constructed suggests a certain determinism of gender
meanings inscribed on anatomically differentiated bodies, where those bodies are understood as
passive recipients of an inexorable cultural law.”
32
10Texto original: “patriarchal civilization dedicated woman to chastity; it reconized more or less openly
the right of the male to sexual freedom, while woman was restricted to mariage. The sexual act, if not
sanctified by the code, by a sacrament, is for her a fault, a fall, a defeat, a weakness; she should
defend her virtue, her honour; if she ‘yields’, if she ‘falls’, she is scorned”
33
de violência doméstica não geravam comoção social e o rigor punitivo era brando.
Acreditava-se que tais crimes eram frutos de desequilíbrios nas relações conjugais
(CUNHA, 2014, p. 15). Antes de iniciarem formalmente com os inquéritos policiais, os
Delegados geralmente intimavam as partes para uma reconciliação. Assim, muitas
denúncias de violência doméstica foram arquivadas e a gravidade da situação era
banalizada pelos agentes policiais.
O processo de territorialização da dominação masculina é um processo
ignorado pelo Direito, na medida em que pouco intervém nos ambientes privados e
domésticos. Esse processo não é somente geográfico, mas sim simbólico. Nesse
sentido, a relação de dominação-subordinação é ignorada pelo ordenamento jurídico
e reforça a sujeição das mulheres aos homens. Não há que se falar em uma legislação
que aborde os aspectos da hiper-sexualização dos corpos femininos, especialmente
de mulheres negras, da prostituição, da exploração sexual e da desvalorização do
trabalho feminino. Dessa forma, o Direito brasileiro acaba por “legitimar a ordem
patriarcado-racismo-capitalismo.” (CUNHA, 2014, p. 9)
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças sociais para o
Brasil. No corpo do texto constitucional fora determinado que homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações. Assim, elevou a mulher ao mesmo patamar que o
homem no que diz respeito às relações jurídicas. Além disso, o Brasil é signatário da
Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher, primeiro instrumento internacional voltado para a
proteção das mulheres, o qual o Brasil tornou-se signatário em 1981 e aprovado pelo
Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n° 93, de 14 de novembro de 1983
(BRASIL, 2002). Em 1993 os direitos das mulheres foram considerados no rol taxativo
dos direitos humanos, “sendo parte inalienável, integral e indivisível dos direitos
humanos universais” (CUNHA, 2014, p. 11).
Na esfera intencional, o Brasil aderiu à Declaração sobre a Eliminação da
Violência Contra a Mulher em 1993, mesmo ano de sua elaboração. No ano seguinte,
o Brasil sediou a Convenção de Belém do Pará, também conhecida como Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, tornando-
se signatário dessa11. Tal convenção determina a criação de mecanismos de
repressão à violência contra a mulher por parte dos Estados signatários. Importante
frisar que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versam sobre direitos
humanos possuem força normativa equiparada a emendas constitucionais12. Dessa
forma, criou-se mais uma garantia legal de proteção, na medida em que o Estado
brasileiro se obrigou perante a comunidade internacional a implementar medidas de
proteção às mulheres. Em caso de omissão ou negligência da justiça brasileira, as
vítimas podem recorrer a mecanismos intencionais de proteção dos direitos humanos.
Entretanto, os direitos garantidos às mulheres são classificados como
“especiais”, não sendo vislumbrado as necessidades femininas como humanas e
normais. Nesse sentido, podemos citar a licença maternidade que é considerada um
“privilégio” e não uma ação necessária à coletividade. Assim, “quando as
necessidades sociais das mulheres são levadas em conta, o são sob a ótica
masculina.” (CUNHA, 2014, p. 8-9). Dessa forma, podemos afirmar que a igualdade
estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro é uma falácia, na medida em que foi
pautado por uma falsa noção de neutralidade de gênero. Como consequência, “a
percepção de que a mulher não é socialmente e legalmente igual ao homem alimenta
muitas maneiras de ver as mulheres como objetos sexuais que lhes negam plena
agência e humanidade.” (NUSSBAUM, 1999, p. 17, tradução nossa)13
Um estudo realizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher analisou
casos de estupro, espancamento e assassinato de mulheres ocorridos no período de
1981 a 1986 (CUNHA, 2014, p. 13). Um dos problemas apontado pelo estudo era o
constrangimento que as vítimas enfrentavam ao realizar o exame de corpo e de delito
no Instituto Médico Legal. A prova era considerada de difícil resultado quando a vítima
não era mais virgem ou quando já haviam se passado 48 horas do crime. Muitas
vezes, as vítimas tomavam diversos banhos e jogavam suas roupas fora, a fim de se
verem livres dos vestígios deixados pela agressão, o que tornava o trabalho dos
peritos penoso. Outras vezes, “o perito também deixava de registrar as marcas da
5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128,
129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá
outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm. Acesso em: 7 mai. 2021.
13 Texto original: “the perceeption that women are not the legal and social equals of men feeds into
many ways of viewing woman as sexual objects that deny them full humanity and angency.”
38
violência física, prova da resistência ao ato sexual, como se o exame fosse meramente
ginecológico.” (CUNHA, 2014, p. 14)
O crime de estupro já era considerado crime hediondo na época em que o
estudo fora realizado. A maior dificuldade enfrentada pelas vítimas estava na
comprovação da violência, uma vez que nos tribunais a moral sexual das partes era
constantemente questionada. Em muitos casos, a defesa abordava fatos pessoais da
vítima, em que nada contribuíam para a resolução do caso, mas levantavam dúvidas
sobre a idoneidade da vítima. Aspectos como o número de namorados, a idade em
que a vítima deixou de ser virgem e até o fato dela morar sozinha contribuíam para
um questionamento acerca da “ingenuidade” da ofendida. No mesmo sentido, o
acusado era considerado como anormal, doentio e que sofria de problemas mentais
por cometer tal crime. Outro aspecto apontado pelo estudo, em mais de um processo
analisado, afirmou-se a ocorrência do crime pelo simples fato de o acusado ser negro
(CUNHA, 2014, p. 14). O racismo também era sofrido pelas vítimas, uma vez que a
defesa, muitas vezes, questionava a capacidade de um homem branco de se envolver
com uma mulher negra.
O crime de estupro era punido de forma severa uma vez que entrava em jogo
a manutenção da família. A sexualidade feminina resumia-se à reprodução, sendo que
nos julgamentos o coito em si era muito mais relevante do que as agressões físicas e
sexuais que a vítima sofria. Assim, o interesse estatal era voltado para punir o
agressor que se “apropriou” da mulher de outro homem, interferindo na sua linha
sucessória (CUNHA, 2014, p. 14). A Lei 12.015/2009 alterou o tipo penal do crime de
estupro, descrevendo a conduta como “constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso” (BRASIL, 2009). Essa alteração legislativa permitiu que homens
também fossem consideramos vítimas de estupro.
A expressão “feminicídio” não era utilizada pelo Direito para descrever o
assassinato de uma mulher no âmbito familiar ou de relações amorosas motivado pelo
seu gênero até a promulgação da Lei n.° 13.104/201514. Os homicídios entre cônjuges
eram considerados crimes passionais, sendo tratado como um desvio de conduta do
14BRASIL. Lei n.° 13.104/2015, de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora
do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no
rol dos crimes hediondos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13104.htm. Acesso em: 7 mai. 2021.
39
crimes cometidos através da Internet como aqueles que são praticados por meio ou
através dos computadores, de modo que a maioria se utiliza da Internet como meio
(FERRI et al., 2018, p. 238).
Os crimes cibernéticos ainda são novidades para o ordenamento jurídico
brasileiro, especialmente quando tratamos das condutas delituosas. A divulgação não
consensual de imagens íntimas guarda íntima relação com os direitos de
personalidade, o qual encontra amparo pela Constituição Federal, em seu artigo 5°,
inciso X (FERRI et al., 2018, p. 239). Ainda, o revenge porn pode ser considerado uma
violação ao direito de imagem, o qual é mencionado no rol taxativo de direitos e
garantias fundamentais. Assim, deve ser compreendido que “a imagem, a honra,
privacidade, intimidade, entre outros direitos, representam a singularidade de uma
pessoa e seu titular deve possuir todos os meios de defesa contra quaisquer formas
de ataques, divulgações não consentidas.” (FERRI et al., 2018, p. 239).
O espaço virtual de interação não se isentou da dominação patriarcal presente
em nossa cultura, sendo que “a desigualdade das mulheres em outras áreas da vida
social contribui para os maus-tratos sexuais contra as mulheres.” (NUSSBAUM, 1999,
p. 17, tradução nossa)15 A internet acaba por reproduzir o fenômeno do poder
patriarcal. Após duas décadas de popularização ao acesso à internet, tal ambiente
adquiriu uma característica ambígua: “é ao mesmo tempo um espaço de garantia de
direitos, como o de liberdade de expressão, mas também de violação desses direitos,
como o de violência contra grupos minoritários” (SOUSA et al., 2019, p. 242).
No Brasil, a lei tutela seis tipos de violência de gênero: física, moral, psicológica,
patrimonial, sexual e feminicídio. As cinco primeiras encontram abrigo na Lei Maria da
Penha, sendo que a última é fruto de movimentos feministas mais recentes em busca
de uma resposta estatal à morte de mulheres pelo simples fato de se identificarem
como tais. Entretanto, com a democratização do acesso à rede mundial de
computadores, outras formas de violência de gênero emergiram. Sendo assim,
movimentos acadêmicos e políticos passaram a se mobilizar em busca de uma
resposta punitiva por parte do Estado. O uso das redes sociais como ferramenta de
interação trouxe como consequência que as “práticas violentas fossem multiplicadas
no ciberespaço, com o agravante da dificuldade de identificar e punir os agressores”
(SOUSA et al., 2019, p. 243). Dessa forma, surge a violência online de gênero.
15Texto original: “women’s inequality in other areas of social life contributes to the sexual
mistreatment of women.”
44
16 Texto original: “it seems wrong to interfere legally with the consensual sexual activities of adults
unless there is a clear showing of harm (as distinct from offense) to nonconsenting third parties.”
17
Texto original: “until very recently it was standard courtroom policy to portray a rape victim as
someone who ‘asked for it’; such judments are rarely made about man who get mugged. [...] What we
should say, in both cases equally, is that human rights have been violeted. But we do not say that
frequently enough about woman.”
45
liberdade plena (SALES et al, 2018, p. 107). O agressor, por outro lado, não sofre com
as consequências sociais e, na maioria dos casos, não sofre repressão por parte do
ordenamento jurídico, na medida que “as regras que poderiam o condenar foram
criadas por homens e para os homens, reforçando o sistema patriarcal como
estratégia de dominação e detenção de poder exclusiva para o sexo masculino.”
(SALES et al, 2018, p. 107)
Michel Focault (1999) conceitua o dispositivo das relações de poder,
englobando o dito e o não-dito. Nas exposições não consentidas de conteúdos íntimos
sexuais é possível observar uma relação de dominação entre o agressor e a vítima. A
relação de poder existente entre a exposição de um corpo feminino e um corpo
masculino faz parte do dispositivo pensando por Focault. Nesse sentido, “o dispositivo
é a rede que comportam as linhas de força, conduzem a uma relação estratégica de
dominação e denunciam as práticas que produzem subjetividades, criando
determinadas representações sobre o sujeito.” (SALES et al, 2018, p. 108) A segunda
dimensão apresentada por Focault, segundo Gilles Deluze (1996), são as curvas de
enunciabilidade, que correspondem ao resultado da exposição da vítima. A imagem
exposta da vítima feminina sendo “rotulada por não corresponder às expectativas de
gênero construída socialmente, onde a mulher é privada do direito ao desejo.” (SALES
et al, 2018, p. 109) A quebra de expectativa produz como resultado enunciados que
rotulam a vítima, a rotulam como algo pejorativo e, por vezes, a culpam por se expor.
Por fim, a terceira dimensão do dispositivo focaultiano, segundo Deluze (1996),
são as linhas de força que determinam o poder de denominação masculino. A
construção da sociedade patriarcal conferiu ao homem e a mulher identidades
diferentes, conduzindo-os às normas e valores sociais (SALES et al, 2018, p. 109).
Os corpos femininos e masculinos se apresentam socialmente de forma diferentes,
assumindo identidades e valores opostos. No ambiente virtual, essas identidades são
intensificadas, especialmente com a exposição da vítima mulher. O revenge porn
acaba por “perpetuar a modelagem social onde a dominação é predominantemente
masculina, sendo possível falar em termos de dispositivo da sexualidade.” (SALES et
al, 2018, p. 109). Segundo Focault (1988), o poder determina ao sexo um regime
binário entre o “lícito” e o “ilícito”, uma relação de poder que se articula através do
discurso e acaba por gerar o estado de direito (SALES et al, 2018, p. 109).
A prática revanchista se articula de duas maneiras: expondo somente o corpo
feminino ou tornando público ambos os sujeitos (feminino e masculino). Mesmo
47
a mulher teve seu conteúdo divulgado por seu agressor, de forma não
consensual, com objetivo lesar a vítima, e começa um julgamento
negativo, impondo a culpa da violência para a mesma ao momento que
permitiu ser filmada ou fotografada. (SALES et al, 2018, p. 111)
rede social da vítima e trocou sua senha para que ela não excluísse o conteúdo. A
pena foi estabelecida da seguinte maneira:
18
Iniciativa de Direitos Civis Cibernéticos.
52
é difícil mensurar os danos causados às vítimas, uma vez que “na era da informação
ultrarrápida uma imagem enviada por uma pessoa a outra pode chegar a ser acessada
por milhares de outras” (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 12)
A divulgação não consentida de conteúdos íntimos e sexuais passou a ser
considerado crime no ordenamento jurídico brasileiro a partir da segunda metade de
2018. A tipificação prevista no Código Penal botou um ponto final na discussão acerca
do enquadramento da conduta como crime ou não. Antes do advento da Lei de
Importunação Sexual (Lei n.° 13.718/2018), a vítima que denunciasse um caso de
revenge porn observaria a conduta enquadrada como injúria ou difamação,
dependendo do caso concreto (BEZERRA, 2018, p. 44). Ainda assim, é possível que
vir nos meios de transportes coletivos, espaços públicos e outros.” (REZENDE, 2020,
p. 3) Dessa forma, observa-se que a promulgação do mencionado dispositivo legal
trouxe maior liberdade às mulheres para ir e vir, na medida em que elas encontram
amparo estatal caso sofram assédios, ocasionando na repressão de tais condutas.
A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso X, prevê a proteção da
intimidade, da honra, da imagem e da vida privada da pessoa. O Código Civil também
protege e torna inviolável a vida privada da pessoa em seu artigo 21. Além disso, a
chamada Lei Carolina Dieckmann (Lei n° 12.737/2012) inseriu o artigo 154-A ao
Código Penal, o qual “criminaliza violação indevida de segurança, a invasão de
dispositivo informático alheio, conectado ou não à Internet” (RODRIGUES; CORRÊA,
2019, p. 14). Já a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006), criada para criar medidas
afirmativas especiais às mulheres vítimas de violência de gênero, contribuindo com a
proteção das vítimas de pornografia de vingança, “especialmente nos artigos 2º, 5º e
7º, que abrange sobre direitos fundamentais, direitos humanos, integridade moral e
social, proteção física e psicológica.” (RODRIGUES; CORRÊA, 2019, p. 14)
Em setembro de 2018 foi promulgada a Lei n° 13.718/2018, conhecida como a
Lei de Importunação Sexual, inserindo ao Código Penal artigos que tornam crime a
importunação sexual e a divulgação de cenas de estupro ou imagens íntimas e
sexuais sem consentimento da vítima. O Projeto de Lei n° 618/15, de autoria da
Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), começou a tramitar em 2015, visando um
“aumento de pena ao crime de estupro, na eventualidade de ser cometido por duas
ou mais pessoas.” (BEZERRA, 2018, p. 56) No ano seguinte, o projeto foi enviado à
Câmara dos Deputados e recebeu o acréscimo da tipificação de divulgação de cenas
de estupro. O projeto ficou estagnado até março de 2018, quando recebeu nova
proposta de modificação que incluiu a divulgação de cenas de estupro, sexo ou
pornografia.
A lei introduziu o artigo 218-C ao Código Penal, criando a figura típica descrita
como divulgar cena de estupro de vulnerável, cena de sexo ou pornografia. O caput
do artigo legal descreve a conduta como oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir,
vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, através dos meios telemático,
de comunicação em massa, sistema de informática ou outros, fotografias, vídeos ou
outro conteúdo audiovisual que exponha cena de estupro, de estupro de vulnerável,
que faça apologia ou induzimento à sua prática, ou, ainda, cena de sexo, nudez ou
56
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que
mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou
humilhação.”
21 Texto original: “Exclusão de ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação
de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a
identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.”
22 Texto original: “Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei
nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008)
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído
pela Lei nº 11.829, de 2008)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
57
§ 1° Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que
trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou
imagens de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
§ 2° As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1 o deste artigo são puníveis quando o responsável
legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo
ilícito de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
23 Texto original: “Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
Outro benefício advindo pela Lei Maria da Penha são as medidas protetivas
dispostas nos artigos 22 (BRASIL, 2006)24 e 23 (BRASIL, 2006)25, a fim de proteger
as vítimas do convívio social com o agressor, determinando seu afastamento de
corpos, proibição de ter qualquer contato com a vítima e sua família, bem como
podendo ser impedido de frequentar determinados locais. Tais medidas são
necessárias para as vítimas da pornografia de vingança, na medida em que na maioria
dos grande casos “as ameaças não se restringem ao momento anterior da publicação,
continuam mesmo após a divulgação do material íntimo, tratando-se, portanto, de uma
24 Texto original: “Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as
seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos
termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de
distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela
Lei nº 13.984, de 2020)
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo
de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em
vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência
ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no
caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao
respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e
determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo
cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de
desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a
qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º
do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).”
25 Texto original: “Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
26
Texto original: “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir
e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou
a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força;
que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de
usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à
prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração,
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
62
de 1940 (Código Penal), para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático,
furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet; e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para definir a competência em modalidades de
estelionato. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14155.htm.
Acesso em: 30 mai. 2021.
63
29 Texto original: “Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da
divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais
contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de
notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que
permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante
e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
64
4. CONCLUSÃO
aos direitos das mulheres através do uso dos meios cibernéticos e das novas
tecnologias para materialização do crime. No primeiro capítulo, compreendeu-se que
a prática do revenge porn é caracterizado pela disseminação não consentida de
conteúdos íntimos e sexuais sem o consentimento da vítima. Já no segundo capítulo,
resgatou-se a violência de gênero no contexto histórico, demonstrando como tal
agressão se perpetua no contexto social atual e quais os meios legais de proteção às
vítimas.
A pornografia de vingança trata-se de crime cometido contra as mulheres
através do uso indevido da rede mundial de computadores. Tal conduta tem como
característica a disseminação de um conteúdo íntimo e sexual sem o consentimento
da vítima para a divulgação nos meios telemáticos. Esse conteúdo pode envolver uma
fotografia, vídeo ou até mesmo áudio de um momento íntimo e privado. O
disseminador pode obter o conteúdo através da invasão de dispositivo informático
alheio ou quando a vítima o envia para o agressor, sendo o último caso mais
recorrente. A conduta delituosa é majoritariamente cometida por homens contra as
mulheres, motivado por uma vingança em razão da não aceitação do exercício da
liberdade sexual por parte das vítimas. As redes sociais abriram espaço para o
cometimento de tal crime, na medida em que não foram estabelecidos, em um primeiro
momento, limites em relação ao tipo de conteúdo que pode ser divulgado.
Ainda, analisou-se a violência de gênero em seu contexto histórico e social, na
medida em que a sociedade se moldou por uma lógica patriarcal e de divisão biológica
dos sexos. Nesse sentido, às mulheres foram negados os direitos relativos à liberdade
civil e condicionou-se às fêmeas humanas o espaço do lar e do cuidado com a família,
reprimindo-se qualquer conduta que distorcesse de tal lógica. Assim, na sociedade
contemporânea, um novo mecanismo de repressão contra a dignidade sexual das
mulheres se estabeleceu: a pornografia de vingança. Fora analisado a tipificação do
revanchismo pornográfico no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando a
necessidade adequação da proteção estatal com os novos fenômenos sociais. Foi
possível concluir que o artigo 218-C do Código Penal tipifica as práticas de revenge
porn e prevê uma punição para os disseminadores. A Lei n° 13.718/2018 foi essencial
para a repressão do crime, uma vez que os dispositivos legais anteriores não davam
conta de abranger o novo meio de praticar a violência de gênero.
Dito isso, é possível afirmar que a hipótese inicialmente descrita foi
parcialmente refutada, na medida em que fora demonstrado que o ciberespaço se
66
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. The Second Sex. Tradução de H. M. Parshley. 2ª. ed.
London: Jonathan Cape. 1956. 701 p. [2 vols.]
BRASIL. Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 26 ago. 2020.
BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. 2ª.
ed. New York: Routlege. 2002. 256 p.
CITRON, Danielle Kreats. Sexual Privacy. The Yale Law Journal, New Haven, v.
128, n° 2018-25, p. 1870-1960, 2019. Disponível em:
https://ssrn.com/abstract=3233805. Acesso em: 04 ago. 2020.
69
FIDO, Dean; HARPER, Craig. A.; DAVIS, Mia A.; PETRONZI, Dominic; WORRALL,
Sophie. Intrasexual Competition as a Predictor of Women’s Judgments os Revenge
Pornography Offending. Sexual Abuse. Derby, Nottingham, Reino Unido, 2019.
Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1079063219894306#articleCitationDownlo
adContainer. Acesso em: 21 set. 2020.
LANA, Alice de Perdigão. Mulheres Expostas: revenge porn, gênero e o Marco Civil
da Internet. GEDAI/UFPR, Curitiba, 2019. Disponível em:
http://www.gedai.com.br/wp-content/uploads/2019/03/revenge-porn-marco-civil-da-
internet.pdf. Acesso em 06 ago. 2020.
NUSSBAUM, C. Martha. Sex and Social Justice. 1ª. ed. Oxford: Oxford University
Press, 1999. 489 p.
RUIZ, Juliana Pacetta; NERIS, Natália; VALENTE, Mariana Giorgetti. Revenge Porn
Como Violência de Gênero: Perspectivas Internacionais. In: SEMINÁRIO
INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 11 & 13 WOMEN’S WORLDS CONGRESS,
11., 13., 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos...Florianópolis: 2017. p. 1-13.
Disponível em:
http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1503434623_ARQUIVO_
FazendoGenero_Revengeporncomoviolenciadegenerofinal.pdf. Acesso em: 06 out.
2020.
http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/cihjur/article/view/1434/1023.
Acesso em: 15 abr. 2021.