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UNISINOS - América Pré-Colombiana

Prof. Mª Cristina Bohn Martins

1 – O CLÁSSICO MESOAMERICANO

1.1 Teotihuacán

1.2 Maias

2– O CLÁSSICO ANDINO

2.1 Moche, Nazca e Paracas

2.2 Tihuanaco e Wari

O PERÍODO CLÁSSICO AMERICANO se refere ao um tempo, entre os séculos I – X d.C., marcado pelo
desenvolvimento de poderosos centros regionais governados a partir de regimes "teocráticos". Também
pelo urbanismo, desenvolvimento do conhecimento e das manifestações artísticas. Entre os referidos
centros regionais destacam-se, na Mesoamérica, Teotihuacan e os reinos -maias, além de El Tajin, Monte
Albán. Na região andina, os reinos Moche, Nazca e Paracas na costa, e Wari e Tihuanaco no altiplano.

1. CLÁSSICO MESOAMERICANO

1.2 TEOTIHUACÁN

Não sabemos o que levou ao colapso dos centros cerimoniais olmecas nos últimos séculos antes da era
cristã. Esta civilização (1200-600 a. C.), como já estudamos é localizada no Período Pré-Clássico, mas
deixou marcas pela Mesoamérica: arquitetura cerimonial com suas praças e pirâmides, escultura
monumental, pintura mural e escrita hieroglífica, fazem parte de uma tradição mesoamericana cuja
aparição se relaciona aos centros olmecas. Ela é chamada, por isto, de ˜civilização matriz da
Mesoamérica”. As novas culturas que floresceram depois, aproximadamente entre 200 e 900 d. C.
pertencem ao Período Clássico, e tiveram, em relação à olmeca, um caráter mais regional. Isto é, veremos
formarem-se vários reinos cuja área de influência é mais localizada e menos ampla que fora a dos olmecas.
Entre eles estão Teotihuacán, Monte Albán, El Tajin, os diversos reinos Maias, entre outros

Estes reinos apresentam traços culturais comuns, como seus centros cerimoniais feitos de terra e pedra
e cobertos de cal e estuque, com edifícios [com suas praças e pirâmides] construídos segundo planos
organizados em torno de uma ou mais praças. Outros traços compartilhados, em parte herança olmeca,
são o culto a um mesmo panteão de deuses, o jogo ritual da pelota, o uso de algum sistema de contagem
de tempo (calendários), de signos e hieróglifos, e o desenvolvimento de amplas redes de comércio. Dentre
eles destaca-se Teotihuacán, cujo desenvolvimento podemos resumir da seguinte forma:

Entre 600 e 200 a. C. o vale que tem o mesmo nome da cidade, estava povoado por aldeias. Entre 200 a.
C. e o início da Era Cristã, surge aí uma verdadeira cidade, com cerca de 40 ou 50.000 habitantes. Durante
este período a população dos campos circundantes começou a diminuir, como parte de uma política
deliberada de concentrar a gente dentro dos limites urbanos. A cidade tomou sua forma definitiva,
baseada rigidamente em eixo formal norte-sul [a Avenida dos Mortos], sendo construídos seus edifícios
mais espetaculares: as pirâmides do Sol (210 metros quadrados de base e 64 metros de altura) e da Lua.

No período seguinte, entre o começo da nossa Era e 350 d.C., a cidade-Estado cresceu até converter-se
em uma metrópole com ramificações amplas. O monumento mais notável então, é o Templo de
Quetzacoátl, famoso por sua fachada esculpida. Teotihuacán era agora uma grande cidade que exercia
influência em todo o México antigo, e começou a atrair gente de outras regiões. Tornou-se uma cidade
cosmopolita: um centro de peregrinações religiosas, um centro comercial e de manufatura de cerâmica e
objetos de obsidiana, pedra vulcânica da qual detinha muitas jazidas. Seus limites cobriam sua área
máxima de 20 km quadrados, e o traçado rigorosamente planejado da cidade tomou sua forma final.
Entre 350 dC a 650 dC., a cidade alcançou o apogeu de seu poder e sua população para cerca de 200.000
habitantes, vindo a ser uma das maiores cidades pré-industriais do mundo. Ela dominou o México central
e exerceu influência política, religiosa, comercial e artística até o sul da Guatemala. A imensa Pirâmide do
Sol dominava o setor cerimonial; plataformas cerimoniais e praças eram cercadas por construções
retangulares, pátios, depósitos e outras estruturas domésticas e públicas de tamanho variado. Templos e
palácios, construídos ao redor de pátios, possuíam pórticos com colunas quadradas ornamentadas em
baixo-relevo, e as paredes internas eram argamassadas e decoradas com murais magnificamente pintados
com motivos geométricos e figuras de jaguares ou divindades com vestimentas brilhantes.

Teotihuacán é diferente de outras cidades americanas que, embora sejam comumente descritas como
centros cerimoniais tinham populações reduzidas e eram formadas por apenas um grupo de monumentos
em torno de uma praça principal. Ela foi construída com uma ideia maior, com um longo eixo central e
muitos palácios e pátios. Seu planejamento e execução indicam haver uma autoridade superior capaz de
organizar o trabalho. Esta autoridade provavelmente estava ligada à religião e à classe sacerdotal.

As construções do centro urbano apresentam edifícios religiosos e cívicos, especialmente em torno da chamada
“Avenida dos Mortos”, dominada pelas grandes pirâmides do Sol e da Lua, e as residências em conjuntos de
apartamentos.

As edificações religiosas se levantam sobre plataformas piramidais que costumam estar decoradas com
uma série de terraços, frequentemente preenchidos com pinturas simbólicas e ornamentais. Certamente
havia templos no alto da Pirâmide do Sol e da Lua, e estudos recentes tem trazidos novos conhecimentos
sobre seu interior, como se verá adiante. Também as construções cívicas e residenciais de elite
geralmente estavam sobre plataformas cobertas por pinturas. Cerca de 2.000 dos 2600 edifícios
descobertos no centro urbano são conjuntos habitacionais de pequenas dimensões (50 e 60 metros 2),
dispostos em forma de grade e contendo ao menos um templo. Provavelmente seus ocupantes
estivessem ligados por laços de parentesco, porém também por alguma especialização artesanal comum.
A cidade ostentava notável arte mural que recobria quase todas as superfícies de parede até agora
escavadas. Painéis coloridos e refinados enfeitavam não apenas templos e palácios, como também as
paredes dos complexos residenciais da gente comum. Era uma arte destinada a veicular uma ideologia e
uma religião oficiais. Por isto tinha que estar à vista de todos, e não escondida dos olhares da gente
comum como acontecera nos centros olmecas. Apesar de terem sido identificados hieróglifos dispersos,
quase todos referentes ao calendário, não existem documentos escritos sobre Teotihuacán. Assim, quase
toda a reconstrução da sua vida política e social baseia-se em conjecturas. A estratificação e
hierarquização da sociedade podem ser percebidas através das diferenças nos padrões de habitação. DE
fato, longe das residências da elite no centro da cidade, os conjuntos habitacionais dos artífices e
pequenos comerciantes, eram muito menos sofisticados.
Pintura mural

Pirâmide do Sol, Teotihuacán


Palácio de Quetzalpapálotl e sua reconstituição digital

Urna de cerâmica e ponta de flecha de obsidiana


Pintura mural

Pirâmide do Sol

Além de importante centro cerimonial e local de peregrinações, a cidade era um centro de manufatura
da obsidiana com a qual se produzem lâminas muito afiadas, e dotada de centenas de oficinas desta
natureza. Milhares de artífices produziam lâminas, facas, pontas de dardos e outras ferramentas. Também
a fina cerâmica de Teotihuacán era produzida por trabalhadores especializados. Os produtos sustentavam
um extenso e intenso comércio que conectava a metrópole com o resto da Mesoamérica. Em torno de
tais negócios, mercadores estrangeiros fixavam residência na cidade, em seus próprios bairros.

A gente comum se ocupava da agricultura e manufaturas, mas pouco sabemos das ocupações dos grupos
de elite que, provavelmente, controlavam o comércio exterior. É possível que, abaixo do grupo sacerdotal
dirigente, existissem guerreiros pertencentes às ordens militares (jaguar e águia); sabe-se, também, que,
a partir de determinado momento, uma elite militar foi ocupando o espaço anteriormente ocupado pelos
sacerdotes, quando então a cidade vai perdendo sua feição de Estado Teocrático e aproximando-se da
característica militarista dos Estados que sucederam a Teotihuacán.

Ao longo do século VII a cidade entrou em colapso, os edifícios principais foram queimados e destruídos
com violência. A população rapidamente reduziu-se a alguns poucos milhares de ocupantes que viviam
entre suas ruínas. Boa parte dela dispersou-se, mas o vale circundante continuou sendo cultivado
intensamente. Não há novas construções e bairros são despovoados A cidade parece ter perdido
gradualmente sua importância original como centro econômico, até que finalmente não conseguiu mais
se sustentar. Por volta de 750, a área urbana estava reduzida a 5.000 pessoas.
A ideia de que a grande metrópole tenha sido invadida, saqueada e queimada, cedeu lugar, de acordo
com estudos recentes, à indicação de que os incêndios na cidade se limitaram aos edifícios ligados às
classes dominantes, sugerindo um levante interno. A teoria da invasão e destruição provinha de que os
primeiros trabalhos arqueológicos na cidade eram focados exclusivamente nos palácios e templos, locais
usados pela elite. Como todos mostravam sinais de queima, os arqueólogos concluíram que a cidade
inteira havia sido incendiada. Agora sabe-se que a destruição se centrou nas principais estruturas ao longo
da “Avenida dos Mortos”, mas não há vestígio de invasão estrangeira. Os edifícios mais importantes do
centro foram incendiados, mas a maioria dos bairros restantes não sofreu danos. Não há sinais de um
ataque de fora. Supõe-se, portanto, que os próprios habitantes causaram a destruição em um ato ritual
ou de revolta. As construções ao redor da Avenida dos Mortos foram sistematicamente destruídas pelos
habitantes. Os últimos moradores deixaram a cidade pelo menos um século depois que o centro foi
destruído. A aura de cidade sagrada, no entanto, resistiu ao tempo: os soberanos astecas, por exemplo,
séculos depois, peregrinavam para a antiga metrópole, reverenciando o lugar em que segundo seus mitos,
os deuses haviam criado a humanidade.

O misterioso túnel descoberto por acidente sob pirâmides no México que nunca será aberto ao
público Ana Gabriela Rojas, Da BBC News Mundo, 11 agosto 2018

Uma das descobertas recentes mais importantes da arqueologia aconteceu por acidente no México: um
túnel foi descoberto em Teotihuacán pelo arqueólogo Sergio Gomez, que trabalhava na conservação do
Templo de Quetzalcoatl ou Serpente Emplumada, em Teotihuacan, no centro do México. Era a temporada
de chuvas de 2003 e a tempestade que caiu em uma noite de outubro abriu um buraco no chão.

No dia seguinte, Gómez desceu por aquele buraco com a ajuda de uma corda e conseguiu ver que, a 14
metros de profundidade, havia um túnel. "Percebi que era algo muito importante, mas nomomento não
tive ideia do alcance da descoberta. Foi com o passar do tempo que compreendemos melhor o uso desse
túnel construído pelos teotihuacanos há cerca de 2.000 anos", disse para a BBC News Mundo. O túnel
tinha sido fechado pelos teotihuacanos, e a exploração para saber qual era o seu propósito levou anos.

Onde os homens se tornam deuses

A cultura teotihuacana remonta aproximadamente ao ano de 400 a.C., mas seu apogeu foi entre 100 e
550 d.C. Teotihuacán, “o lugar onde os homens se tornam deuses,” chegou a ter uma área de 23 km2 e
entre 150 mil e 200 mil habitantes, em cifras conservadoras. A cidade que foi a maior de seu tempo, foi
parcialmente destruída e abandonada por volta de 650 ou 700 dC. Foi a cidade mais populosa que existiu
em todo o continente americano na época pré-hispânica, durante o período clássico. Era uma cidade
muito cosmopolita, onde viviam pessoas de muitas origens étnicas, atraídas pelo fato de o local oferecer
muitas oportunidades. Tornou-se um centro cerimonial que atraía peregrinos de regiões distantes, bem
como um centro comercial e artesanal [especialmente de cerâmica e de produtos de obsidiana]. Ela
manteve relações de comércio com praticamente todas as culturas do período clássico da Mesoamérica.

Tlalocan, o caminho sob a terra

A descoberta do túnel ajudou a melhor conhecer-se a história da cidade, destruída e abandonada


provavelmente pelos mesmos teotihuacanos, para ser, séculos mais tarde, conhecida em ruínas pelos
astecas. Impressionados com sua grandiosidade, os astecas irão elaborar o mito sobre a cidade em que
nasceram os deuses e a Quinta Era, a sua própria.

As paredes do túnel são cobertas de pirita, mineral metálico que reflete a luz para representar as estrelas.
Os teotihuacanos usaram-no por cerca de 250 anos. Depois o fecharam, construindo muros de dentro
para fora. Embora a razão não seja conhecida, sabe-se que voltaram algumas vezes e o fecharam
novamente. Foram quase 8 anos de exploração, retirando-se cerca de mil toneladas de pedra e terra,
apenas com escovas, agulhas e instrumentos odontológicos. O projeto de exploração do túnel foi
chamado de Tlalocan, que significa "caminho sob a terra", e usou tecnologia que não havia sido aplicada
em outros projetos, como scanner a laser e dois robôs. Antes disso, robôs só tinham sido usados no Egito.
A exploração começou em 2009, quando o túnel estava fechado há pelo menos 1.700 anos.
Com a ajuda dos robôs, descobriu-se que no final do canal havia um grande espaço aberto. Uma espécie
de caverna, aberta pelos teotihuacanos, que se separa em três câmaras. Da entrada principal até o final,
o túnel mede 103 metros. Começa a uma profundidade de 14 metros e termina a 18 metros. O arqueólogo
Sergio Gómez diz que mais de 100 mil objetos foram recuperados no túnel.

Cultura cosmopolita

Não apenas a quantidade, mas o que esses objetos nos ajudam a entender sobre a visão de mundo e a
religião dos antigos povos mesoamericanos é importante. A fase de interpretação de tudo o que foi
encontrado está em seu início, mas já há descobertas importantes, como evidências que os teotihuacanos
tinham fortes laços com toda a área maia desde os estágios iniciais. Recuperaram-se peças de jade,
conchas e caramujos que vêm da Guatemala. Além disso, foi encontrada turquesa originalmente do
Sudoeste, onde hoje são os EUA, e objetos que podem ter vindo de Oaxaca e Puebla. Isso indica que há
um elo comercial, provavelmente também político, entre as elites de Teotihuacán e muitos outros lugares.

Pela primeira vez em Teotihuacán, pedaços de borracha foram recuperados, incluindo 14 bolas em um
nível extraordinário de conservação. Algo surpreendente é que algumas dessas peças foram vulcanizadas,
um processo que eles conheciam desde então. A borracha não é originalmente do centro do México, mas
foi trazida de lugares como Veracruz, Chiapas ou Tabasco. À medida que avançou a exploração do túnel,
mais e mais objetos apareceram. Pelo significado que tinha o lugar imaginou-se que podia haver um
túmulo, mas nenhum foi encontrado, embora não se descarte que ele existiu e que os restos mortais
foram removidos por uma das últimas explorações dos próprios teotihuacanos.

A maioria dos objetos encontrados não foram usados, mas feitos exclusivamente para serem oferecidos.
No final do túnel eles encontraram "uma oferenda espetacular": 4 esculturas, das quais três
representavam mulheres e uma era homem. As figuras femininas diferem das masculinas por serem
maiores e estarem vestidas, enquanto o homem está nu.
As oferendas são uma maneira de dizer que as mulheres desempenhavam um papel importante, não
apenas na estrutura do poder, mas talvez também na religião. As primeiras divindades são femininas,
associadas à fertilidade e à terra. O culto das divindades masculinas é o culto à guerra e está ligado à
mudança do modelo da economia da produção para a de apropriação. As esculturas traziam bolsas com
objetos feitos de jade e pirita, provavelmente usados para magia e adivinhação. Podem ser a
representação dos fundadores de Teotihuacán, de indivíduos que possuem o dom da geomancia e
determinaram onde a cidade deveria ser erguida. Estavam cercados pelo que poderia ser a representação
de montanhas entre as quais havia depressões de mercúrio que provavelmente representava a água.

Representação do submundo

Teotihuacan teve seu apogeu entre os anos 100 e 550 a.C. Para os mesoamericanos, ela era o lugar da
criação, onde tudo surge, habitada por uma série de divindades que são responsáveis por manter a ordem
do cosmos. Possivelmente, quando os governantes morriam, seus restos mortais eram levados para a
representação do submundo em sinal de que entregavam o poder. Da mesma forma, o novo governante
descIA às profundezas para adquirir a investidura. O poder não é adquirido dos homens, mas das
divindades do submundo. Dali emergia como uma divindade. Assim, o Tlalocan é provavelmente um dos
lugares mais importantes e sagrados em toda cidade. Servia para rituais de iniciação e transmissão de
poder. Ali, não iam pessoas comuns. Hoje sua entrada está coberta por uma tenda e protegida por uma
cerca. Somente entram os trabalhadores do projeto arqueológico e, excepcionalmente, um convidado.

Na cosmologia da Mesoamérica, o cosmo foi dividido em três regiões: o céu, a terra e o submundo. O
submundo é um mundo subterrâneo, escuro, frio e úmido.

O estudo deste túnel poderia ajudar a entender qual a função que tem outro túnel que existe abaixo da
Pirâmide do Sol, a maior da zona arqueológica. Essa outra passagem foi descoberta em 1972, mas não se
sabe o que havia ali. Não havia um arqueólogo e grande parte da informação se perdeu. Por isso, estudar
o túnel descoberto sob o Templo da Serpente Emplumada é tão importante.

Como foi o incêndio que destruiu Teotihuacán, a Cidade dos Deuses no México 1

Durante décadas, a arqueóloga Linda Manzanilla estudou o declínio de Teotihuacán, o momento do fim
da Cidade dos deuses, o grande incêndio que, como pensava há muito tempo, determinou seu declínio.
Os resultados da pesquisa no palácio de Xalla, um enorme complexo não muito distante da Pirâmide do
Sol, foram muito importantes neste sentido.

Não há dúvida de que Teotihuacán caiu em grande parte pelo fogo. Os testes de carbono 14 e de
arqueomagnetismo datam o grande incêndio em torno do ano de 575, quando os edifícios da Avenida
dos Mortos e os espaços da elite –como Xalla– foram incendiados. As escavações no velho palácio,
envolveram especialistas em pigmentos, em radiocarbono, em eletromagnetismo, em cristais de mica e
em instrumentos musicais de mais de mil anos atrás. É um complexo de 55.000 metros quadrados, uma
fortaleza que pode ter sido o centro de poder de dois dos quatro grupos predominantes em Teotihuacán.

1 Pablo Ferri. Cidade do México -20/02/2020 Fonte: https://brasil.elpais.com/ciencia


Ao contrário dos reinos maias ou da capital dos astecas, Tenochtitlán, que seria fundada séculos depois,
em Teotihuacán não houve um governante único. A falta de homenagens para um soberano famoso como
Pakal, rei da cidade maia de Palenque, por exemplo, indica aos especialistas que havia um Governo em
Conselho, uma Assembleia. Teotihuacán foi dividida em quatro distritos e, dentro desses quatro distritos
havia 22 bairros. Era uma cidade multiétnica (possivelmente povoada por grupos náuatles, otomis ou
totonacas). Desde o início do século I, uma cidade de bairros, de complexos multifamiliares. Era uma urbe
de artesãos. Foi a atividade dos bairros e dos distritos, das práticas artesanais e funerárias que deram
forma ao conselho de Governo. E também, de alguma maneira, as que acabaram com ele. Segundo Linda
Manzanilla, em certo momento, os nobres secundários, de uma média aristocracia dos bairros se
tornaram poderosos: organizavam caravanas comerciais, tinham aliados em nas rotas de comércio a longa
distância e queriam um novo espaço no poder. Ela acrescenta: “Imagine que o deus principal fosse o da
chuva. E temos indícios de seca naquela época, afetando uma cidade de 120.000 pessoas. E como Xalla
está no distrito do deus da chuva, é óbvio que essa parte da cidade foi uma das mais destruídas: falta de
comida, tentativa de controlar os bairros e revolta contra o grupo do deus da tempestade.

Para Manzanilla, Teotihuacán era um “estado fraco, que poderia ser comparado a um polvo, com a grande
capital como a cabeça (...) e depois os ‘tentáculos’, corredores de lugares aliados aos teotihuacanos, em
direção aos lugares e regiões produtoras de bens de luxo”. Ela começou a investigar Teotihuacán pelos
“tentáculos”: “Escavamos uma aldeia chamada Cuanalán, datada entre 400 e 80 a.C. Ou seja, antes que
Teotihuacán existisse”, explica. Depois, se aproximou da cabeça. Escolheu um dos bairros da Cidade dos
Deuses, Teopancazco, e passou anos escavando, tentando explicar o que havia acontecido com aquela
cidade, como era governada, como entrou em colapso. Descobriu o bairro era exemplo do
cosmopolitismo de Teotihuacán. Então, nos últimos anos, apontou diretamente para a cabeça do polvo.

Manzanilla se concentrou em Xalla, ligeiramente afastada da via principal, a Calçada dos Mortos. “Em um
âmbito mais privado, com suas 4 estruturas centrais e o templo no meio. Era a materialização
arquitetônica da flor de 4 pétalas, um símbolo de Governo”. Percebeu então, a inquietação os
governantes com uma possível revolta e construíram grandes muralhas em Xalla. Quando isso aconteceu
houve um alerta e eles deixaram o complexo, pois não foram encontrados esqueletos em lugar nenhum.

2 - O CLÁSSICO MESOAMERICANO: O Mundo dos Maias

Os maias foram contemporâneos dos teotihuacanos, sendo ambas culturas mesoamericanas da época
clássica2. De acordo as “estelas”, como são chamados os monumentos de pedra com os quais os maias
costumavam marcar eventos importantes, o Clássico maia pode ser localizado entre o ano de 292 (século
III) e o século IX, período de esplendor que deixou marcas sobre outras culturas mesoamericanas.

Período Pré-clássico: 500 a.C. – Século III d.C.

É nas “terras altas da Guatemala” [área sul], em sítios arqueológicos como Kaminaljuyu, que encontramos
as primeiras manifestações da cultura maia na época Pré-Clássica ou “Formativa”]. Ali, contudo, não há,
ainda, vestígios de escrita, elemento típico da civilização maia. Trabalhos recentes preferem denominar o
Período Pré-Clássico como “Clássico Pré-dinástico” por detectar antecipadamente uma série de
elementos considerados característicos da sociedade maia. Durante este período, coincidentemente
com o esplendor da cultura olmeca que influenciou os maias, foram realizadas as primeiras construções
de pedra, os terraços e as pirâmides em Uaxactun e Yucantán.

Depois, no Clássico (292, séc. III e 909, séc. X), durante cerca de 700 anos, suas cidades e reinos vão se
espalhar pelas “terras baixas”, áreas de floresta tropical. Estavam em toda a Guatemala, ocidente de
Honduras, Belize e México. Neste último país, os maias ocuparam os atuais estados de Yucatán, Quintana
Roo, Campeche, parte de Chiapas e Tabasco. A escrita e as edificações em pedra aparecem fortemente
na época Clássica, sendo que os maias conservaram a memória dos fatos significativos erguendo estelas:
monólitos ou placas cravadas em pedra, que permitem o conhecimento de sua história através de datas
e inscrições, além da informação mostrada pelas imagens gravadas na superfície de estelas.
Estelas maias

Sem centralização estatal que unificasse as cidades, os maias desenvolveram uma cultura homogênea no
tempo e espaço. Sua vida foi de base urbana, rodeada por um meio rural e agrícola. Ao redor de edifícios
políticos e cerimoniais, palácios e templos, com a frente de suas casas orientadas pelos pontos cardeais,
ficavam os bairros dos artesãos, comerciantes e agricultores. Em seguida estavam as terras lavradas. Eles
nunca formaram um Estado unificado, nem um Império. As cidades, capitais de pequenos reinos, eram
independentes e viviam um estado de guerra constante umas com as outras. Eles ocuparam um território
caracterizado por uma diversidade ecológica enorme e bastante exigente, como a floresta tropical nas
terras baixas do Sul; nas planícies do norte, em que os rios são subterrâneos, dependiam da emersão de
lagos naturais e de acumulação de água em cisternas, chamadas de chultunes. Também do uso de poços
naturais, os cenotes

A colaboração entre os cientistas das ciências naturais e sociais permitiu que se pudesse verificado que
houve uma rápida expansão demográfica dos maias entre o ano 550 e 750, associada a um período
climaticamente favorável. Então, durante o século III a organização política característica dos maias
ganhou forma, com suas cidades-estado independentes. No século IV, o crescimento demográfico dos
maias do norte experimentou um novo salto. O aumento da economia em suas cidades e o grau de
estabilidade política alcançado pelos reis e príncipes, se traduziu no plano cultural e no maior
desenvolvimento das construções urbanas. O apogeu das cidades-estado duraria até o século VI, quando
começa um progressivo processo de desorganização que se estende até o IX, dando fim ao Clássico.

Estudos de especialistas em climas da antiguidade (paleoambiente) revelaram que uma série de secas
terríveis e longas terminaram com o período de tranquilidade climática. Junto à fatores políticos e sociais,
essa situação contribuiu para o colapso dos reinos maias do Clássico. As Terras Baixas do Sul e o centro
da península de Yucatán foram muito afetados pelo desastre natural e social, impulsionando o abandono
das grandes cidades, dando o início ao Pós-clássico que se estendeu até a chegada dos espanhóis.
Acima, em destaque, a área ocupada pela cultura maia

A cidade maia de Tikal estava rodeada de uma complexa rede de estradas recentemente reveladas a partir do uso
do Lidar. A tecnologia remove digitalmente a cobertura de árvores da floresta, revelando ruínas antigas e
mostrando que cidades como Tikaleram muito maiores e mais complexas que pesquisas anteriores sugeriam

Blue Media/Channel 4/National Geographic

Foram identificadas ruínas de mais de 60 mil casas, palácios, e outros edifícios que estavam escondidos
sob a selva. Estradas elevadas conectavam centros urbanos e pedreiras. Praticamente todas as cidades
maias estavam ligadas por estradas em número o suficiente para sugerir que fossem muito trafegadas e
usadas para comércio e outras formas de interação regional. Como eram elevadas, facilitavam a
passagem, mesmo durante as estações chuvosas. Os sistemas complexos de irrigação e terraços apoiaram
uma agricultura intensiva, capaz de alimentar massas de trabalhadores que reformularam drasticamente
a paisagem. Em uma parte do mundo onde geralmente há muita ou muito pouca precipitação, o fluxo de
água foi meticulosamente planejado e controlado através de canais, diques e reservatórios.
Compreendia-se que civilizações complexas não poderiam florescer nos trópicos, mas com as novas
provas baseadas no LiDAR3 da América Central e de Angkor Wat [Camboja], foi verificado que sociedades
complexas se formaram na selva tropical. Antes, climatologistas e ecologistas asseguravam que as práticas
agrícolas dos maias seriam rudimentares, e que a extinção da civilização maia se deu após uma longa seca.
A população teria passado a enfrentar problemas de produção agrícola e escassez de água. Com isso, a
população desagregou-se. Também era considerado o esgotamento do solo devido à queima da mata,
método que deixa a terra improdutiva, para explicar a crise social e colapso das cidades maias.

Estudos bem recentes obrigam a uma revisão disto, haja vista a descoberta de que os maias praticavam,
também, métodos agrícolas avançados. O estudo da Universidade Brown [EUA], por exemplo, questiona
a visão de que a agricultura dos maias contribuiu para a queda da sua civilização, apontando que alguns
reinos possuíam práticas de agricultura sustentáveis e alta produção de alimentos.

“Há uma narrativa que retrata os maias como pessoas engajadas no desenvolvimento agrícola
desenfreado”, disse Andrew Scherer, professor associado de antropologia da Universidade Brown:
“Segundo essa narrativa, a população cresceu muito, a agricultura aumentou, e tudo foi por água abaixo".
Mas em novo estudo publicado no periódico Remote Sensing, pesquisadores sugerem que essa narrativa
não abrange a história completa. Usando drones e sensores lidar, uma tecnologia de sensoriamento
remoto, inspecionou uma pequena área nas planícies maias orientais, situada hoje na fronteira entre
México e Guatemala, revelando um extenso sistema de irrigação sofisticado, além de terraços dentro e
fora das cidades da região. Os achados demonstram que, entre 350 e 900 d.C., alguns reinos maias viviam
confortavelmente, com sistemas agrícolas sustentáveis, sem demonstração de insegurança alimentar.

“É emocionante falar sobre essas grandes populações que os maias mantiveram 4 em alguns lugares;
sobreviver por tanto tempo com tamanha densidade foi uma prova de seus alcances tecnológicos”, disse
Scherer. “Mas é importante entender que essa narrativa não se traduz em toda a região. As pessoas nem
sempre viviam lado a lado. Algumas áreas que possuíam potencial para desenvolvimento da agricultura
nunca foram sequer ocupadas.” Os pesquisadores não estavam necessariamente tentando desmascarar
suposições arraigadas sobre as práticas agrícolas maias. Em vez disso, sua principal motivação era
aprender mais sobre a infraestrutura de uma região relativamente pouco estudada. Enquanto algumas
partes da área maia ocidental são bastante estudadas, outras são menos compreendidas devido à densa

3
Abreviação, em inglês, de "detecção e alcance da luz" (Laser Imaging Detection and Ranging)
4 A pesquisa traz ideias surpreendentes sobre padrões de assentamento, conectividade interurbana e militarização
nas terras baixas maias. No pico do seu período clássico, sua civilização abrangeu uma área do dobro do tamanho da
Inglaterra medieval, mas era muito mais densamente povoada. A maioria dos especialistas estava confortável com
estimativas populacionais de cerca de 5 milhões". Com os novos dados, é razoável pensar que havia entre 10 a 15
milhões de pessoas, incluindo os que viviam em áreas baixas e pantanosas se pensavam serem inabitáveis.
cobertura vegetal tropical que esconde de vista as comunidades antigas. Só em 2019 que Scherer e
colegas descobriram o reino de Sak Tz'i', que vinham tentando encontrar há décadas.

A equipe fez o levantamento de um retângulo de terra que conecta 3 reinos maias: Piedras Negras, La
Mar e Sak Tz'i'. Embora próximos, os centros urbanos têm tamanhos de população e poder de governo
diferentes. “Hoje, o mundo tem centenas de Estados-nação diferentes, inclusive em sua influência no
cenário geopolítico”, disse Scherer. “É isso o que vemos também entre os reinos maias.”

Ele explicou que os 3 reinos eram governados por um "ajaw", ou um senhor – o que os posicionaria como
iguais, em teoria. Mas Piedras Negras, o maior, era liderado por um "k’uhul ajaw", um “senhor sagrado”,
um título de honra não reivindicado pelos senhores de La Mar e Sak Tz'i'. Esses dois últimos reinos não
eram exatamente iguais: embora La Mar fosse muito mais populosa do que a capital de Sak T’zi’, Lacanjá
Tzeltal, essa última tinha mais independência, frequentemente fazendo alianças e nunca parecendo estar
subordinada a outros reinos, sugerindo que tinha também maior autonomia política.

A pesquisa com o sensor lidar mostrou que, apesar das suas diferenças, estes reinos ostentavam uma
agricultura que produzia excedente de alimentos. “O que descobrimos na pesquisa aponta para o
pensamento estratégico dos maias nesta área”. “Há evidências de infraestrutura agrícola de longo prazo
em uma área com uma densidade populacional relativamente baixa – sugerindo que eles não criaram
alguns campos agrícolas como última forma de aumentar a produtividade, mas sim que eles pensaram
alguns passos à frente. O lidar revelou sinais de uma “intensificação da agricultura”, ou seja, a modificação
da terra para aumentar o volume e a previsibilidade de safras. Os métodos de intensificação da agricultura
nesses reinos maias, onde a cultura primária era o milho, incluíam a construção de terraços e a criação
de sistemas de gerenciamento de água com represas e campos canalizados.

Na selva densa, o LiDAR mostrou extensos terraços e canais de irrigação expansivos em toda a região,
sugerindo que os reinos não estavam apenas preparados para o crescimento populacional, mas
provavelmente tiveram excedentes de alimentos a cada ano. Isto é, no final Clássico, em c. de 600 a 800
d.C., seus agricultores estavam produzindo mais alimentos do que consumindo”, apontou Scherer. É
provável que grande parte do excedente fosse vendida em mercados urbanos, como produtos e ou como
alimentos preparados, como tamales e mingau, além de ser usada para pagar tributo aos senhores locais.
Assim a explicação para o abandono progressivo das grandes cidades do Clássico continua em aberto.

Cronologia, Estelas e Calendários

Graças ao sentido histórico com o qual pensavam nos acontecimentos, os maias tiveram uma
preocupação intensa em medir a passagem do tempo. Eles contavam com registros minuciosos dos
acontecimentos políticos e sagrados, vitórias militares, fundação das cidades, coroação dos príncipes e
surgimento de novas dinastias. A partir da observação dos astros, elaboraram um calendário complexo
e preciso. Como outros povos americanos eles tinham concepção cíclica de tempo. A estela mais antiga
foi encontrada em Tikal, datando de 292 d.C., marcando o início do Período Clássico. A mais recente já
descoberta corresponde ao ano 889, e foi descoberta em Uaxactun, marcando o fim deste período e
início do pós-clássico. Ambas as cidades se encontram muito próximas, no atual território da Guatemala.
O modo de vida e a organização social

Obrigados a enfrentar um meio hostil, e a grande variação climática que causava as secas
frequentemente, os maias desenvolveram estratégias muito sofisticadas e grandes obras de engenharia
para acumular água, distribuindo-a através de canais que aproveitavam as diferenças da topografia. Para
diminuir os efeitos da seca, que durava meses, os maias escolhiam a proximidade de lagos naturais ou
poços para se instalar, como o Chichén Itzá. Além do milho, cultivavam algodão, feijão, abóbora,
tubérculos e uma espécie de piteira, apta para destilar pulque dos cactos agave e extrair fibras têxteis. O
cacau é originário da região maia de Tabasco. Eles desmatavam os terrenos através da queima das plantas
silvestres e então semeavam com a ajuda de um pau pontiagudo que era usado às vezes como enxada ou
instrumento de arado. Este sistema produz esgotamento do solo, e a parte queimada precisa de anos para
se recuperar. Como vimos mais acima, porém, ao lado deste, os maias usaram outros métodos intensivos,
capazes de alimentar grandes populações, por exemplo por meio de terraço agrícolas.

Apesar de não serem escravos, os camponeses eram considerados “gente inferior” e deviam homenagens
aos senhores da nobreza. Assim como toda casta, contavam com deuses familiares, relacionados com a
atividade que desenvolviam.

A sociedade de castas e linhagens

A sociedade maia era organizada em clãs familiares fechados. Cada um era integrado por linhagens de
hierarquia distinta, de acordo com a distância que os separava de seu antecessor fundador, muitas vezes
imposta através da violência de certos grupos sobre outros. Os parentes diretos do primogênito do
fundador do clã, ocupavam o lugar mais alto na pirâmide social. Os reis eram considerados divinos, e
ocupavam a cúspide da sociedade, seguidos pelos sacerdotes, parentes, guerreiros, artesãos,
comerciantes e camponeses. No fim do Período Clássico, a sociedade se tornou ainda mais estratificada.

Em 1566, o bispo de Mérida Frei Diego de Landa descreveu a organização social maia em seu livro Relação
das Coisas de Yucatán. Segundo ele, os almehenoobs ficavam na cúspide. Vinham da nobreza hereditária
que controlava os principais cargos administrativos e militares, mas, para subir de posto, tinham de
mostrar mérito. Para aspirar ao poder, o indivíduo tinha que saber interpretar palavras e escrita.

No livro de Chilam Balam lê-se que “os chefes de aldeia são castigados pela noite porque não sabiam
compreender... Por isso são enforcados e cortam-lhes a ponta da língua e arrancam-lhes os olhos”. Se o
aspirante fosse eleito, ele era tatuado com pictogramas na garganta, no pé, e na mão. Dentre os
almehenoobs surgia o Halach uinic, “o verdadeiro homem”, que governava com a ajuda de seus parentes
diretos. Seu cargo era hereditário para garantir a continuidade e a hegemonia das linhagens principais.

Os membros da nobreza e parentes de segunda linha dos reis cumpriam distintas funções. Os bataboob
se dedicavam à receber os tributos, à administração da justiça, ao ofício da escrita e oficializavam os
sacerdotes. Em degraus mais baixos, sempre no interior das classes superiores, uma diversidade de
funcionários cumpria distintas funções. Os ah cuch caboob controlavam o trabalho dos camponeses e as
castas inferiores. Os ah holpop eram delegados político-religiosos responsáveis pela organização de
cerimônias e a custódia dos instrumentos musicais. Os tupiles eram oficiais reais e chefes administrativos.
Eles tinham a responsabilidade de impor a ordem no interior das cidades. Grinaldas compostas de
plumagens multicores, joias e máscaras de jade, tecidos suntuosos, faziam parte dos atributos para
reforçar o poder nas cerimônias que preenchiam o calendário sagrado.

O papel das mulheres

As jovens das linhagens de elite eram trocadas por mulheres de outras cidades, gerando redes de
parentesco vinculadas a todas as regiões do mundo maia, sem a obrigação de se casar com mulheres ou
homens da mesma linhagem. Excepcionalmente, cidades como Palenque e Tikal admitiam que as
mulheres da nobreza fossem governantes, caso a linha de descendência masculina fosse interrompida.

As normas morais eram muito rígidas. O adultério era proibido e as mulheres que traíssem o marido eram
mortas por apedrejamento. Como exceção, aceitava-se a poligamia. Aceitava-se o divórcio, e em caso de
insatisfação era permitido devolver a noiva durante o primeiro ano de casamento. O consumo de álcool,
tabaco e estupefacientes era privilégio dos homens das castas superiores, que recorriam a eles para
facilitar a comunicação com os antepassados e com outras entidades. A chegada da puberdade era
celebrada com um ritual durante o qual eram retirados os acessórios simbólicos da virgindade dos
adolescentes: uma conta branca na cabeça dos homens, e uma concha na cintura das mulheres.

Os pais dos homens encarregavam um adivinho para estudos astrais e predições sobre o futuro do casal,
rejeitando a menina caso encontrasse incompatibilidades no significado dos nomes. Assim como em
outras culturas, eles deviam pagar um dote e assumir uma série de compromissos sobre o sustento que
o homem daria aos seus sogros no futuro.

Os sacerdotes

As cerimônias religiosas mais relevantes eram conduzidas por nobres de alta posição da família real,
encabeçados por Ahau, o monarca cuja função sacerdotal era inerente ao cargo. A falta de imagens
artísticas dos sacerdotes pode ser explicada pela reticência dos maias para representar cenas da vida
cotidiana. Certamente, estes homens povoavam a vida das cidades, onde um calendário repleto de
celebrações exigia o desdobramento de cerimônias de multidões.

Os ahkin (sacerdotes) deviam controlar, preservar e transmitir os conhecimentos. Realizavam cálculos


astronômicos, monitoravam o calendário e a passagem das estações; dominavam o sistema da escrita,
produção e interpretação da doutrina e a organização de rituais e sacrifícios. Diego de Landa relatou que
“o ofício dos sacerdotes era tratar e ensinar suas ciências, declarar as necessidades e seus remédios,
pregar e realizar as festas, fazer sacrifícios e administrar sacramentos”. O ofício dos chilanes (profetas)
era dar ao povo as respostas dos demônios, sendo tão admirados que eram carregados nos ombros”.

Prato decorado com a imagem de um escriba maia

“Gente inferior”

Dentro de cada clã, as linhagens mais distantes do primogênito do ancestral fundador eram formadas por
vassalos que deviam tributo e obediência às superiores. Os integrantes destas linhagens eram
considerados como “gente inferior”. Seus membros deviam residir em territórios fixos associados ao
nome da linhagem. Abaixo dos artesãos, estavam os camponeses, cujas linhagens residiam fora ou na
periferia das cidades, pagando tributos, trabalhando nas construções e participando das atividades
cerimoniais do centro. O último escalão social era ocupado pelos escravos ou pentac-ob. Em sua maioria
se tratava de cativos de guerra provenientes de outras cidades e povos, mas os delinquentes sem
linhagem engrossavam os contingentes junto com indivíduos pertencentes à “gente inferior”, que haviam
sido vendidos para realizar tarefas servis. Com frequência eles eram oferecidos nos rituais de sangue.

A guerra

As visões históricas tradicionais idealizaram os aspectos espirituais e científicos dos maias, supondo que
não se tratava de um povo de guerreiros, ao contrário de outras culturas mesoamericanas, mas de uma
civilização extremamente pacífica, visão defendida por Eric Thompson, um dos maiores nomes na história
dos maias. Era um conceito consagrado que eles, durante a maior parte do período Clássico (292 – 909) a
violência era de certa forma restrita a rituais. Talvez a família real fosse sequestrada ou algumas estruturas
simbólicas fossem derrubadas, mas supunha-se que destruição em grande escala e mortes numerosas de
civis eram raras. Supunha-se que apenas ao final do período Clássico, as crescentes estiagens teriam
reduzido os suprimentos de alimento, acentuado as tensões entre os reinos e desencadeando combates
violentos que provavelmente teriam precipitado o declínio dessa civilização. Entretanto novas evidências
indicam que uma “guerra total”, em que combates violentos e destrutivos, direcionados tanto a recursos
militares quanto civis, acontecia até mesmo antes de as mudanças climáticas ameaçarem a agricultura
maia. Ao que parece, incendiar cidades era uma tática comum empregada.

Hoje se reconhece que o estado de beligerância foi frequente entre cidades e reinos. Desde o Pré-Clássico,
Tikal, e Calakmul entre outras cidades-estado, arrastaram suas populações à guerra. Entre os achados
mais surpreendentes das pesquisas com o LiDAR, está a presença constante de muros defensivos,
muralhas, terraços e fortalezas.

Murais de Bonapak: a guerra dos maias

Na cúspide da sociedade, os reis divinos e os membros da nobreza eram grandes guerreiros e


estrategistas, os “chefes violentadores”, conforme a expressão de um drama maia do século XII. Através
do aparato militar, as castas superiores impuseram a dominação dos vassalos, considerados como
homens inferiores, e dos escravos, que se encontravam no escalão mais baixo da pirâmide social.

A dificuldade de cultivar alimento pelas mudanças climáticas pode ter contribuído muito para o declínio
dos maias, ainda que não tenha acirrado as guerras. Acredita-se cada vez mais na ocorrência de guerras
destrutivas durante o período Clássico, que podem ter acarretado declínios populacionais e desacelerado
as atividades econômicas. Provavelmente havia certas restrições à guerra, tal como existem hoje. Mas é
preciso investigar especificamente como as guerras se alteraram no decorrer do tempo.

Durante o Pós-Clássico, a militarização crescente fortaleceu o poder dos nacom. Estes senhores da
guerra puderam destronar com maior facilidade os príncipes e nobres, aproveitando os graves confrontos
motivados por vinganças entre os distintos clãs familiares. Paralelamente às iniciativas bélicas, os maias
desenvolveram a arte da política e da diplomacia. Os confrontos entre as cidades também constituíram
alianças e acordos, selados através de embaixadores e pomposas visitas aos vizinhos.

Os chefes máximos militares assumiam as condições da guerra por três anos com absoluta
responsabilidade, respeitando as normas que lhes proibiam ter relações sexuais, consumir álcool e comer
carne durante tal período. Como em qualquer aspecto da vida maia, a religião e os ritos eram onipresentes
na realização da guerra. As disputas eram iniciadas com grandes desfiles, portando estandartes sagrados
ao som de tambores e flautas. Durante o curso da batalha os guerreiros executavam atos de magia e
feitiçaria para se transformar em águia e jaguar. Entretanto, o uso da surpresa era decisivo para a tomada
de prisioneiros. A pintura corporal, o cabelo, e os alaridos tentavam provocar o terror entre os inimigos.
Os combatentes se armavam com couraças acolchoadas de algodão, lanças de pedra e machados.

A Religião. O poder da natureza


A selva impactou a percepção da realidade dos maias, que acreditavam que uma energia biocósmica
atravessava as pessoas, os animais, as plantas e os seres inanimados, imprimindo neles a sua razão de ser.
Quanto maior a carga de energia de cada ser, coisa ou entidade, maior era sua categoria e importância.
Entendiam que a energia dos deuses era reposta com o sangue humano dos sacrifícios. A crença no poder
de combustível do sangue mostra deuses vulneráveis e destacava o papel dos homens para manter o
universo.

Havia diversas formas de sacrifício, envolvendo oferendas variadas, inclusive de sangue, que poderia
envolver vítimas sacrificiais, especialmente prisioneiros, mas ser oferecido por meio de escarificações
feitas com dentes de tubarão, espinhas de arraia, etc. Os reis e suas rainhas deveriam fazer esse tipo de
oferta regularmente. Oferendas eram também depositadas em grutas e cenotes [lagos que são
afloramentos de rios subterrâneos.

Oferendas em uma caverna

Os maias representavam a superfície da terra como as costas de caimão, ou como uma tartaruga marinha
que sustentava uma árvore gigante sobre a qual o céu se apoiava. Sob sua sombra descansavam os
sacerdotes, os guerreiros mortos em combate, e as mulheres falecidas no parto. O céu era associado à
imagem da serpente de duas cabeças, imagem da dualidade da vida e da morte. Mas além da terra e do
céu, os maias davam mais atenção ao subsolo ou inframundo. Esta era a moradia dos mortos e dos deuses,
além de fonte da vida e do milho, componente fundamental de sua alimentação.

O Xibalba, o País dos Mortos, era um reflexo do mundo terreno

As pirâmides maias eram construídas como representação do interior da terra. O “Outro Mundo” maia
tinha uma dimensão complexa, um universo paralelo ao dos seres vivos, que incluía o céu, a superfície
terrestre, a profundidade do oceano e a espessura da floresta. Este “outro mundo”, segundo resguardaria
os segredos do cosmos e do transcurso do tempo, os mistérios da vida e o destino dos seres humanos.

A cosmologia e o poder político

De modo parecido a outras sociedades antigas, a forma como percebiam o universo nos dá uma
radiografia da estrutura de poder, as funções dos governantes, as divisões territoriais, a ordem das
cidades, e os aparatos administrativos. Os reis tinham caráter divino e trabalhavam como sumos
sacerdotes. Eles fixavam a doutrina e estabeleciam os procedimentos rituais. Os membros de suas
linhagens também desempenhavam tarefas religiosas. O rei estava diretamente relacionado com os
deuses, era considerado um deles. Quanto mais o governante fosse sagrado e o culto fastuoso, mais a
sociedade se sentia segura e integrada. De acordo com as crenças, os reis eram potências geradoras de
vida. Governar para os maias significava administrar corretamente a ordem do cosmos, a sociedade e a
natureza. Isso explica o poder absoluto dos reis, a partir da posse dos segredos do mundo dos mortos.
Os ancestrais fundadores de linhagens eram associados a seres sobrenaturais, os wayob. Os arqueólogos
identificaram imagens destes seres nas peças de cerâmica. Para os maias, os espíritos dos wayob viviam
nas construções monumentais das principais cidades. A crença neles fortalecia o poder e a legitimidade
das dinastias governantes, funcionando como um laço com o mundo dos mortos.

Os deuses

A informação disponível sobre o Período Clássico não permite individualizar com precisão os distintos
deuses, suas origens e funções. Seu panteão era bastante numeroso, com divindades altamente
especializadas e que também se identificavam com o cosmos e os corpos celestes. A cerâmica policroma
relata mitos cosmogônicos e descreve o mundo subterrâneo. As imagens dos deuses se confundem com
as cenas de adoração aos governantes. Porém, nos templos de Uaxactún e Palenque é possível reconhecer
representantes e esculturas do deus Kinich Ahau ou Kukulkán, Ixchel, Chac e Kauil. Destacam-se Itzmaná,
inventor da escrita, senhor dos céus, dia e noite; Hunab-Ku era irrepresentável e intocável, dele vinham
todas as coisas materiais. Vários deuses eram antepassados divinizados. O próprio Kukulkán havia
encabeçado os toltecas do Vale Central do México que se estabeleceram em Mayapán no final do séc. X.

A influência do Teotihuacán foi muito importante, a ponto de divindades do norte serem incorporadas
pelos maias. Quetzalcoalt, a “Serpente Emplumada”, foi assimilado com Kukulkán, reforçando a
identidade entre deuses e governantes. Ele havia sido uma espécie de deus do sol, como o Ra dos egípcios.
Seu nome significa: “Deus do rosto do sol”. Os deuses combinavam formas humanas, animais, vegetais e
astrais. O deus Jaguar era o Senhor da noite estrelada, reinando sobre o céu, a terra e as trevas do
inframundo. As representações de Chac, o deus da chuva, raio, trovão e vento, eram ligadas aos pontos
cardeais. Ele era uma divindade muito importante para os camponeses. Ah Mun era o deus do milho, na
batalha permanente com Ah Puch, o deus da morte.

Ek Chuah se relacionava com o inframundo, um deus da guerra que aparece vestido de negro, divindade
dos comerciantes e do cacau. Ixtab, deusa dos suicídios era representada com uma corda no pescoço;
IxChel, era deusa do arco-íris, medicina, adivinhação e maternidade; Ah Chicum Ek, era o deus
benevolente da estrela polar; e Buluc Chabtan, deus guerreiro dos sacrifícios humanos. Magia,
adivinhação, e profecias davam a conhecer o destino dos defuntos no além.

Os reis maias acreditavam que se comunicavam com seus ancestrais ao se verem na superfície polida dos
espelhos mágicos de obsidiana, consumindo drogas alucinógenas, ingressando em cavernas ou nos
templos. Na língua maia, “profecia” e “lei” se escrevem com a mesma palavra, mostrando a concepção
cíclica que tinham do transcurso do tempo. Assim como os astecas, eles criam que as profecias se
cumpriam, e toda tentativa de fugir da sorte estava destinada ao fracasso. O livro sagrado de Chilam
Balam diz: “Estas coisas serão cumpridas. Ninguém poderá detê-las”. Apesar dele se tratar de um relato
das invasões toltecas, a tradição considera que Ah Xupan Nauat, um profeta maia do século XI havia
antecipado a chegada dos espanhóis ao Yucatán, fato histórico que aconteceu quinhentos anos depois.
Formuladas de maneira retrospectiva, os maias faziam o possível para cumprir as profecias. Aquele que
conhecia a profecia era o favorito dos deuses, o mestre da interpretação, o dono absoluto do poder.

Ao constatar essa ideia, Tzvetan Todorov (1989) explicou que a vida social dos maias se caracterizava pela
regularidade absoluta: a palavra chave da sociedade mesoamericana para o autor, seria “ordem”.

Os Rituais. Os sacrifícios humanos

Segundo o pensamento maia, os ritos eram imprescindíveis para garantir o funcionamento do universo,
os acontecimentos do tempo, a passagem das estações, o crescimento do milho, e a vida dos seres
humanos. Os sacrifícios eram necessários para assegurar a existência dos deuses, repondo seu consumo
periódico de bioenergia. Os relatos mais minuciosos sobre os ritos de sangue maia provêm do Período
Pós-Clássico. Entre eles, estão a cena da extração do coração de um guerreiro para oferecê-lo aos deuses.
Os jovens guerreiros pertencentes às elites inimigas eram as presas mais cobiçadas. No caso de capturar
um governante, ou um chefe principal, a vítima era reservada para ser decapitada durante uma cerimônia
especial. Por outro lado, quanto mais distante fosse o povo de um cativo, geográfica ou culturalmente,
mais os maias o depreciavam para o sacrifício. Segundo Todorov (1989), as vítimas preferidas deviam ser
simultaneamente, estrangeiras e próximas. O Templo dos Jaguares e dos Guerreiros em Chichén Itzá,
foram âmbitos privilegiados para a prática. Os cronistas espanhóis descrevem o equipamento dos
sacerdotes: resina de copal para utilizar incenso, pintura negra e facas de sacrifício.

Os métodos de sacrifício eram diversos. Durante o Período Clássico foi posto em prática o
esquartejamento, realizado em ocasiões durante o jogo de bola. Chamado de “pok-ta-pok” pelos maias,
o jogo foi um dos mais importantes rituais das antigas civilizações da Mesoamérica5. Foram encontrados
campos do jogo de bola mesoamericano em diferentes culturas da América do Norte e Central, desde o
Arizona até a Nicarágua e também em ilhas do Caribe, como Cuba e Porto Rico. A maior quantidade
concentra-se no México, onde existem cerca de 1500 campos de jogo de bola, evidenciando a importância
dessa atividade entre as culturas dessa região6.

5 Foi chamado, século depois, de ullamaliztli pelos astecas e de juego de pelota pelos conquistadores espanhóis, foi
recriado atualmente como esporte, ele tem seu próprio campeonato chamado Copa Peninsular Pok-ta-Pok. A 1a Copa,
em 2015, contou com jogadores somente do México; já a de 2017 recebeu, também, equipes de Honduras, El
Salvador, Belize, Guatemala. Os jogos foram realizados diante da grande Pirâmide do centro cerimonial maia de
Acanceh, em Yucatan, México. O evento conta com a participação de antropólogos, historiadores, arqueólogos e
outros especialistas que explicam a cultura e as regras aplicadas pelos maias ancestrais, conhecimentos que estão
sendo utilizados para fundar a 1a escola especializada em Pok-ta-pok em San Pedro Chimay, no México.
6 Arqueólogos e historiadores concordam que o jogo de bola tinha conotação ritualística, mas discutem o seu

significado: cosmológico em alusão ao movimento dos corpos celestes, mitológico segundo episódios míticos
narrados no Popol Vuh, religioso em homenagem aos deuses, ou escatológico celebrando a morte e o fim dos tempos
ou de uma Era. Os maias viam-no como uma guerra entre os deuses de Xibalba, o submundo dos senhores da morte
e doenças, contra seus adversários terrenos. Para os astecas, o jogo representava uma batalha das forças noturnas
lideradas pela Lua e estrelas, contra o Sol personificado pelo Huitzilopochtli, seu deus protetor. Os sacrifícios humanos
tinham, assim, a função de manter o sol iluminando a Terra. Daí a importância do jogo para a manutenção da vida.
O campo era construído na forma de I, com uma zona central comprida e estreita, ladeada por paredes
inclinadas e recobertas com estuque e pintadas com cores fortes. Simbolicamente, o campo era o acesso
ao inframundo. No jogo, os jogadores podiam desafiar os deuses das trevas, enfrentá-los e vencer a
morte. As dimensões do campo não eram as mesmas em todas as cidades, sendo o menor um encontrado
entre os Olmecas no Pré-Clássico (80x8m), e o maior o de Chichén Itzá (140x35 m). Dois muros inclinados
nas laterais do campo marcam o espaço de atuação dos jogadores, geralmente 7 de cada time, que deviam
acertar uma bola de borracha, pesada e dura (aproximadamente 20 cm de diâmetro e 3 a 4 kg), em um
dos três discos de pedra distribuídos no campo, ou nos aros do mesmo material suspensos nas paredes.

Pintura mural, Bonampak, México.

Imagens em cerâmica, relevos e estatuetas revelam que os jogadores usavam proteções acolchoadas de
algodão nos quadris, joelhos, pernas e antebraços. Peles de jaguar ou de veado pintadas em cores fortes
e colocadas no quadril davam uma proteção adicional. Em algumas ocasiões, os jogadores usavam
máscaras e ornamentos na cabeça feitos de penas de pássaro. Era um jogo extremamente violento. Eram
comuns contusões, ferimentos graves e até mortes causadas pela força e velocidade com que a pesada
bola era arremessada. A análise da múmia de um príncipe maia permitiu saber que ele havia morrido por
causa de uma ruptura do esterno, fruto de um golpe com a bola. Ela podia ser golpeada com os cotovelos,
os quadris e joelhos. Geralmente, a partida terminava quando uma das equipes marcava o primeiro gol.
O capitão do time vitorioso alcançava a honra e a glória, e podia ser oferecido aos deuses. O jogo podia
durar dias terminando, quase sempre, com o sacrifício do capitão derrotado ou de toda equipe.

As paredes do campo do jogo em Chichén Itzá, mostram o líder vencedor segurando a cabeça decapitada
do líder adversário, de joelhos com o sangue jorrando, na forma de serpentes. Entre eles, a bola com uma
caveira, alusão ao costume de utilizar o crânio do sacrificado como núcleo para fazer uma nova bola7.

7Na verdade, especialistas divergem sobre quem eram os sacrificados, os derrotados ou os vencedores e talvez isso
mudasse conforme a civilização. Entre os maias, era os nobres inclusive o rei, disputavam o jogo com prisioneiros de
guerra. Tratava-se de uma representação da vitória do combate e tinha um desfecho predeterminado. No final, os
prisioneiros eram decapitados ou tinham seus corações arrancados. Mais tarde, entre os astecas, segundo as crônicas
coloniais do século XVI a equipe vencedora era sacrificada. Na cosmovisão asteca, era uma honra entregar a vida ao
Sol e acompanhá-lo em sua trajetória celeste junto aos guerreiros mortos em batalha e as mulheres que morriam
durante o parto.
Cancha para o jogo da pelota

Os hieróglifos: arte e escrita

Das três grandes civilizações ameríndias do momento da conquista, os maias foram os que desenvolveram
uma escrita fonética. Os incas não tinham a escrita, praticando um sistema contável e de memorização
denominados quipus. Os astecas desenhavam pictogramas menos abstratos que os maias.

Os hieróglifos maias formavam um sistema complexo de escrita e linguagem gráfica, integrado por mais
de 700 signos para representar qualquer classe de pensamento. Eram desenhos elaborados, e deviam ser
feitos com exatidão a partir de um quadrado com as bordas arredondadas e elementos cravados no
interior, acompanhados por sinais localizados no exterior. Atribuíam-se poderes mágicos aos desenhos e
pictografias. A sua execução era um modo de compreender o cosmos e a essência dos seres vivos,
inanimados e imaginários. Eles escreviam sobre diferentes materiais: pedra para os relatos dinásticos,
papel para as profecias, astronomia e calendário. Seus livros, chamados códices, tinham a forma de
“biombo”. Deles sobraram apenas 4, que resistiram parcialmente ao tempo e às campanhas de destruição
dos colonizadores: os Códices de Dresden, Madrid, Paris e o Grolier.

Com a ambiguidade típica dos conquistadores, o bispo Diego de Landa escreveu a crônica europeia mais
bem documentada sobre os maias, a Relação das Coisas de Yucatán. Simultaneamente, ele fez queimar
em 1531 os manuscritos indígenas que preservavam a memória e o esplendor dos séculos anteriores.
Nos “códices” eles tentavam inscrever o sentido do tempo. As estelas e os monumentos serviam para que
os reis afirmassem suas relações com os antepassados, explicitando a organização social e legitimando
seu poder através da narração de grandes batalhas e conquistas. As “escadarias hieroglíficas”, como as
do templo de Copán, vinculavam o passo em cada degrau ao lugar social de determinados mortos, e com
o tratamento cerimonial que deveriam receber. Ao contrário de outras civilizações, não foram
encontradas entre os maias escritas estritamente administrativas, nem registros contáveis. Os escrivães
tampouco se dedicaram a questões materiais. Todas as frases que foram traduzidas dos códices se
referem a assuntos dinásticos e sagrados, e ao contexto cósmico dos deuses.

Em A Relação de Coisas de Yucatán, Diego de Landa anotou o nome dos dias e dos meses. Como não
existia um “alfabeto maia”, tal cronista pediu aos seus informantes uma série de equivalências com o
alfabeto espanhol, pensando que lhe diriam as “letras”. Em troca, os indígenas deram a transcrição de
palavras de som parecido com os nomes das letras espanholas. Por exemplo, ac ou “tartaruga” para a
letra “a”, ou be, “caminho, viagem”, para a letra “b”.

O código de Dresden é assim denominado porque se preserva em uma Biblioteca da cidade alemã com o
mesmo nome. Ele foi adquirido pelo diretor da “Livraria Real” em 1739. Os bombardeios dos aliados que
destruíram a cidade no final da Segunda Guerra Mundial danificaram as cópias produzidas no século XIX
para poder estudá-lo. Ele narra a existência de três mundos anteriores, cada um destruído por anões ou
“ajustadores”, responsáveis pela construção das cidades em ruínas. Os anões se petrificaram com o
primeiro amanhecer. O segundo mundo foi habitado por “transgressores”, e terminou da mesma
maneira, assim como o terceiro, povoado pelos maias. A chegada dos espanhóis aconteceu no transcurso
do quarto mundo, que também seria varrido por outro dilúvio devastador.

Já o Popol Vuh, é o livro sagrado dos maias quichés de Guatemala. De autor anônimo, foi escrito em
meados do século XVI sobre pele de veado. O livro é uma tentativa de explicar simultaneamente a origem
do mundo, a história dos reis e os povos da região, e a catástrofe da conquista espanhola. Alguns possíveis
significados do título incluem “Livro da Comunidade” ou o “Livro do Conselho”.

“A palavra dos deuses voltou ininteligível, ou esses deuses se calaram”, escreveu Todorov (1989), que
utiliza uma pergunta repetida incansavelmente no Chilam Balam: “Qual será o profeta, qual será o
sacerdote que deu o sentido verdadeiro da palavra deste livro?”. Escritas muito tempo depois da
Conquista, suas profecias eram retrospectivas: “Estas coisas se cumprirão, ninguém poderá detê-las”.

O Calendário Maia é o mais perfeito entre os povos mesoamericanos. Os maias eram capazes de organizar
suas atividades cotidianas e registrar simultaneamente a passagem do tempo, historiando os
acontecimentos políticos e religiosos que consideravam cruciais. O ano astronômico de 365 dias,
denominado Haab, era acrescentado ao ano sagrado de 260 dias chamado Tzolkin. Este último regia a
vida da “gente inferior”, as cerimônias religiosas e a organização das tarefas agrícolas. O ano Haab, e o
ano Tzolkin formavam ciclos, ao estilo de nossas décadas ou séculos, mas contados de 20 em 20, ou
integrados por 52 anos. Eles estabeleceram um “dia zero”, que segundo os cientistas corresponde a 12
de agosto de 3113 a.C., uma data mítica. A partir deste dia os ciclos se repetiam. Entretanto, a repetição
dominava a linearidade. Podiam acontecer coisas diferentes nas datas anteriores de cada período 20 ou
52 anos, mas cada sequência era exatamente igual à outra, passada ou futura.

Assim diz o Livro de Chilam Balam: “Treze vezes vinte anos, e depois sempre voltará a começar”. A
repetição cria problemas para traduzir as datas maias ao nosso calendário, já que é muito difícil identificar
fatos parecidos de sequências diferentes. A invasão tolteca do século X se confunde nas crônicas maias
com a invasão espanhola que ocorreu 500 anos depois. Por isso, os livros sagrados dos maias eram
simultaneamente textos de história e de predição do futuro. Na sua perspectiva, passado, presente e
futuro estão em uma mesma dimensão. Por outro lado, os historiadores contemporâneos recorrem às
profecias maias para conhecer episódios do passado desta sociedade, com a profecia se expressando
como uma forma de memória.

A ciência, a matemática e a astronomia

A grande contribuição dos matemáticos maias foi a criação do número zero, um conceito abstrato que
permaneceu ausente durante séculos em outras culturas. O zero era representado com uma concha
marinha. Eles usavam ainda pontos ou círculos de um a quatro e riscos que valiam cinco até contar
dezenove. Seu sistema numérico era vigesimal, e não decimal como o atual. Os cientistas se perguntam
se eles usavam os dedos das mãos e dos pés para contar. As técnicas de observação celeste a olho nu
praticada pelos sacerdotes maias são estudadas pelos cientistas atuais. Eles se apoiavam em um sistema
de referências naturais que descrevia as posições do Sol, Lua, Marte e registrava os eclipses. Seguiam
minuciosamente os movimentos de Vênus, que consideravam de grande importância na determinação
de guerras e sacrifícios. Certos edifícios obedeceram a cálculos muito precisos.

A arte e as crenças religiosas

Parte das limitações de nosso conhecimento se deve ao caráter fragmentário dos restos arqueológicos,
muitos dos quais provêm do roubo para fins comerciais, o que impede formar o contexto no qual foram
descobertos, e dificulta a interpretação. Geralmente reservadas ao tratamento de temáticas relacionadas
ao mundo dos mortos, as descobertas de cerâmica são frequentes nas câmaras funerárias. Os
arqueólogos supõem que as cenas são partes de uma mitologia das entidades familiares, também
representadas em estatuetas sagradas, no caso das linhagens de nobreza. Os poucos murais pintados que
se conservam surpreendem pelo realismo e a capacidade para transmitir sentimentos. É o caso dos murais
de Bonampak, elaborados entre 600 e 800 a.C. na região mexicana de Chiapas, mostrando cerimônias e
momentos que antecediam as batalhas, seu desenvolvimento, e o sacrifício final dos prisioneiros.

Os maias combinaram originalidade criativa com o aperfeiçoamento dos estilos dos povos com os quais
entravam em contato, invasores ou vizinhos. O arco ou a abóbada falsa foi um elemento exclusivo de suas
construções. O jade era um material ritual e mágico mais valorizado do que o ouro; era a joia favorita. Os
reis maias a utilizavam como dentes postiços. Uma vez enterrados, máscaras fúnebres cobriam o seu
rosto, e se depositava em sua boca contas de jade e milho para saciar a fome no País dos Mortos.

As Cidades-Templo: as pirâmides-montanha de Tikal e Palenque

Os monarcas de Tikal foram grandes guerreiros. Eles enfrentaram outras cidades como Uaxactun, Caracol
e Calakmul. Provavelmente, foi a cidade maia mais povoada. Tem os templos mais altos e mais numerosos.
Os arqueólogos contabilizaram tradicionalmente mais de 3.000 construções; entretanto, a pesquisa com
imagens em laser encontrou um número imensamente maior de edifícios para esta cidade.

A Praça da Grande Pirâmide concentrava os eventos. Entre os destaques estão o Templo do Grande
Jaguar, o Templo do Grande Sacerdote e o Templo da Serpente Bicéfala, a construção mais alta que
oferece uma vista imponente do conjunto. Palenque controlava o rio Usumacinta, e o sul de Yucatán.
Dentro do complexo destaca-se o Templo das Inscrições, assim chamado devido aos 617 hieróglifos
gravados no interior. Lá estão os restos de K’inich Janaab Pakal, rei em cuja memória o templo foi erguido.

As pirâmides de Tikal e Palenque representavam o universo e serviam como meio de comunicação com o
além. Elas exaltavam o poder dos governantes. Os santuários ficavam no nível superior e representavam
a criação do mundo, a união do subterrâneo com a superfície da terra e do céu. No nível inferior, as
carrancas do “Monstro da Terra” marcavam a entrada do inframundo. Os labirintos no interior das grutas
naturais e nos subterrâneos de Palenque mostravam o caminho para descer ao inframundo. O rei passava
por este ritual antes de ser glorificado. Buscava no subsolo o segredo para assegurar a ordem cósmica.

Por volta de 900 dC, século X, começa o Período Pós-clássico maia, que se estende até a chegada dos
europeus, 1541

Desde o fim do século X, as principais cidades passaram a se concentrar na metade norte da península de
Yucatán, e recebem influência dos toltecas do centro do México. O processo de militarização da sociedade
maia intensificou as guerras entre as diferentes cidades. O culto a Quetzalcoatl foi imposto, rebatizado de
Kukulkán na língua maia.

Em 978, o grupo dos itzá abandonou a costa sudoeste para instalar-se em Chichén, em um lugar de
Yucatán que já havia sido ocupado durante o Período Clássico. Neste novo território, foi fundada uma
nova dinastia. Os toltecas se estabeleceram em Mayapan, impondo um novo controle das rotas
comerciais. Um chefe da família Xiu, possivelmente proveniente do México, fundou Uxmal. As três
cidades, Chichen Itzá, Mazapán e Uxmal formaram a Liga de Mayapán, que liderou o mundo maia durante
mais de dois séculos com um extraordinário florescimento da cultura e da arte, identificado com a
chegada dos toltecas, cujo estilo está relacionado aos monumentos de Chichén Itzá.

A Liga foi desfeita em 1194 e as cidades entraram em guerra. Meio século depois, Mayapán derrotou
Chichén Itzá, destruiu a cidade, escravizou sua população e dominou a região durante os próximos 200
anos. Em 1441, os maias de Chichén Itzá triunfaram em uma rebelião que culminou com a morte de toda
a família real de Mayapán, abrindo passagem para a derrubada das monarquias divinas e um período de
anarquia e fragmentação de pequenos senhorios.

Quando chegaram os espanhóis, a esplêndida cultura maia havia dado lugar a desorganização social e
esquecimento das grandes tradições. Os reis e as instituições da sociedade maia haviam desaparecido
antes da chegada dos espanhóis, facilitando a tarefa dos conquistadores, que conseguiram o controle de
quase toda a Península de Yucatán até 1541, apesar de alguns grupos como os itzá terem prolongado sua
resistência durante quase dois séculos.

As hipóteses da queda

Antes da conquista espanhola, a civilização maia lidava com seus próprios conflitos internos. No
momento da chegada dos europeus no século XVI, as cidades maias já haviam abandonado seu período
de esplendor e grandeza. A erosão do solo e a degradação ecológica, a descida demográfica e a
fragmentação do poder dos reis do Período Clássico figuram entre a combinação de causas que os
especialistas tradicionalmente usam para explicar as repetidas situações de crise atravessadas por seus
reinos.

Através do estudo dos anéis das árvores, os especialistas em climas determinaram que durante o século
XVI o território foi castigado por novas e severas secas. O desenvolvimento de estratégias sofisticadas
para a acumulação de água, e a distribuição por canais que exploravam as diferenças da topografia, não
teriam podido evitar o desastre, ao lado de doenças que açoitaram a Mesoamérica a partir da conquista.

O Hantavirus transmitido pelos roedores, e o “cocliztli” ou tifo, uma espécie de febre hemorrágica,
causaram estragos entre 1545 e 1576 na população indígena. Os infectados morriam em cerca de 3 ou 4
dias. Se as causas naturais foram importantes, as causas políticas e sociais foram a chave principal. A
conquista espanhola multiplicou a catástrofe, a humilhação, o sentimento de derrota, e a destruição do
mundo material e simbólico dos maias e seus descendentes. Apesar disto, atualmente há povos indígenas
importantíssimos, herdeiros de tradições que mantêm a cultura, a língua e o pensamento dos maias.

Quando os deuses não escutam

As crônicas anônimas de Chilam Balam incluem a descrição e a explicação maia das causas da conquista
e da derrota. Segundo eles, tudo aconteceu porque eles perderam a capacidade de se comunicar com os
deuses. Mais uma vez, a sorte dos homens se encontrava em uma dimensão cósmica, da qual haviam
perdido todo o controle. Se os maias e os outros povos americanos sabiam perfeitamente o que deveriam
esperar de seus aliados e inimigos tradicionais, a identidade e o comportamento dos europeus eram
completamente desconhecidos. Os sofisticados sistemas de informação que possuíam estas sociedades
fracassaram por diante do desconcerto, acelerando a vitória dos invasores.

A ideia de que os indígenas foram dominados por presságios que paralisaram sua resistência aos invasores
tem sido abandonada. As grandes civilizações originárias do continente americano foram interpretadas
de formas diferentes sobre o caráter divino dos conquistadores. Os incas não duvidaram, eram mesmo os
deuses. Os astecas acreditaram no início. Ao serem questionados, os maias responderam negativamente,
considerando os espanhóis como meros “estrangeiros”, “barbudos”, ou “poderosos”, mas nunca deuses.
Todorov (1989) adiciona que os maias os chamavam de “comedores de anonas”, o fruto de uma árvore
que eles próprios não costumavam a comer. Os Anais de los Cakchichiqueles mostram que as dúvidas
iniciais de alguns grupos maias de Guatemala, rapidamente se desfizeram, e os espanhóis foram vistos
como seres humanos. A dos maias foi a única das civilizações que sofreu uma invasão anterior. A ideia
cíclica de tempo dos maias, que viam todo fato como uma repetição de outro anterior, se limitaram a
substituir a menção dos ataques toltecas pelos espanhóis.

Os maias no século XXI: Indígenas e camponeses

O idioma dos maias, cujas raízes têm 3 mil anos, e as línguas dele derivadas (quiche, cakchiquel, tztzal,
entre outras), são falados por muitos habitantes do sul do México, Guatemala, Honduras e Belize.
Destacam-se os habitantes da selva lacandona em Chiapas e Guatemala, que conservam tradições
culturais antigas. Os homens cultivam os terras familiares, mantêm as redes comerciais de longa distância
e as mulheres continuam tecendo seus trajes típicos com elaborados desenhos de brocado, produzindo
utensílios de barro para o uso doméstico e a venda turística. Os camponeses maias ainda rendem culto às
suas divindades, apesar de que muitos já não são realizados, ou mudaram.

A religiosidade popular incorpora formas mestiças e elementos provenientes do cristianismo. A palavra


e a oração cotidiana mantêm sua importância na comunicação com o mundo sobrenatural. Na sua
economia de subsistência, eles respeitam a natureza e a preservação do meio ambiente e da
biodiversidade. Cada tarefa agrícola é acompanhada de um ritual, seja o corte e uma árvore até a colheita
de milho. A vida e o trabalho em comunidade continuam sendo valores centrais dos maias atuais, em vez
da individualidade. A grande concentração da propriedade da terra e a ação dos Estados modernos geram
violência nos países dos antigos maias XX. Muitos ativistas em defesa da terra e seu direito à autonomia,
assim uma quantidade importante dos camponeses da selva lacandona foi aglutinada pela guerrilha
zapatista no meio da década de 1990. Seu célebre dirigente, o subcomandante Marcos, costumava
recorrer à religiosidade, aos textos sagrados do Popol Vuh e a filosofia maia em seus discursos públicos.

II - O CLÁSSICO ANDINO

2.1 Na costa, os reinos moche, nazca, paracas e lima

Como já vimos, o período formativo nos Andes foi marcado pela extensão da influência do centro
cerimonial de Chavín de Huantar. O final deste, ocorreu um paulatino abandono dos templos da costa;
na serra, Chavín de Huantar se transforma em um centro de peregrinação em ruínas. A etapa que começa,
então, se conhece como Clássico (ou Florescente).

Surgem, então, na região andina, no início da Era Cristã, reinos agrupando vales, tanto na costa quanto
nas terras altas. Isto pode ser observado no plano econômico, com a construção de várias obras de
engenharia (como canais de irrigação e terraços agrícolas) manejando mão-de-obra numerosa,
organização administrativa e trabalho especializado. A maior parte destes organismos estatais envolve
um poder que é religioso e político.

As culturas que então se desenvolvem tendem a se organizar em reinos de âmbito regional. Este período
de retraimento espacial é, no entanto, um momento de grande efervescência cultural, consolidação das
bases agrícolas das sociedades andinas e especialização do trabalho. Praticamente todas as plantas que
formavam parte do repertório de cultivos destas sociedades estavam já então domesticadas [milho,
quinoa, abóboras, etc] e os “camelídeos” [lhamas, alpacas, vicunhas e guanacos] começavam a ser
conhecidos na costa. Nesta época a cultura peruana conhece suas máximas realizações, com obras de
grande qualidade artística como se pode apreciar na cerâmica mochica e nazca, ou nos tecidos de paracas.

Os Moche (ou mochica)

A melhor e mais conhecida destas culturas é a dos Moche que se estacaram como construtores de grandes
complexos cerimoniais, com gigantescas pirâmides e templos que se sucedem ao longo do litoral.
Excelentes no trabalho de metais nobres, produziram também a cerâmica de melhor qualidade técnica e
artística do universo pré-colombiano, feita em moldes para atender à grande demanda.
A cultura mochica desenvolveu-se aproximadamente entre 100 a.C. e 600 d.C., numa área de cerca de
250 km de comprimento, nos vales de Chicama e Moche na costa norte do Peru. A costa peruana, em
termos de pesca e coleta, é uma das mais ricas do mundo, e o rio Moche e outros da região oferecem
água constante proveniente do degelo dos Andes, o que permitiu aos moche uma agricultura eficiente.
Mas eles também construíram um sistema sofisticado de canais e dutos, com o qual irrigaram o deserto
para não depender do regime de chuvas.

Vale de Chicama

Canais antigos
Foram os moches, os primeiros a erigir na região uma arquitetura monumental, com grandes pirâmides.
Eles na realidade, eram um mosaico de grupos autônomos que compartilhavam tradições. Não havia uma
política unificada, mas havia ao menos duas instituições políticas independentes que compartilhavam
similaridades políticas, cerimoniais, funerárias, artísticas e rituais. Uma delas estava localizada nos vales
de Moche e Chicama; a outra nos vales de Lambayeque e Jequetepeque. Todas estão na costa norte
peruana, mas convencionou-se chamar os grupos de, respectivamente, mochicas do sul e do norte.
Enquanto os do norte permaneceram em sua área tradicional, os outros iniciaram uma política
expansionista, principalmente em direção ao sul. Era uma sociedade hierarquizada, de elites
expansionistas, que fazia guerras8, capturas e sacrifícios, por meio de decapitações. Redes políticas
absorviam outras cidades, formando grandes confederações.

Huaca de la Luna

8A arma principal que usavam era uma clava de madeira (com cerca de 5 kg e recoberta com cobre), causadora dos
abundantes crânios com fraturas profundas encontradas nos jazigos locais.
Paredes interiores, onde se identificam guerreiros e prisioneiros

Sua principal divindade era conhecida como “O decapitador”

A cerâmica moche se espalhava por uma região bastante ampla. Ela era objeto de comercialização e
influência, exportada e copiada em outras localidades. Assim sabemos que houve uma expansão,
combinando trocas comerciais e ações bélicas

Cerâmica moche

Seus governantes eram considerados semideuses. Nas cerimônias, os servos espalhavam sulfato de
mercúrio no chão para que não pisassem diretamente no solo. Os reis portavam um cetro de ouro, um
adorno de cabeça e uma narigueira. Estavam sempre acompanhados de um militar, inclusive em seus
sepultamentos.
Representação reis moche com seus atributos de poder

A sociedade moche era extremamente hierarquizada - pinturas corporais representavam o estado social
e o clã do indivíduo. Abaixo do rei, encontravam-se os sacerdotes e depois os chefes militares, os nobres,
os artesãos e os pescadores, sucessivamente.

Também foram importantes as culturas nazca, entre os vales de Chicha e Acarí, em uma área de
aproximadamente 270 km, e a paracas, ambas na costa sul. Na costa central encontramos a cultura Lima,
que se desenvolve especialmente no vale do Rímac, chegando pelo norte até Chancay e, pelo sul, até o
vale de Lurín, como se pode observar no mapa a seguir.

Culturas e Reinos Pré-incas

Os povos do vale de Rimac, que não alcançaram a sofisticação artística das outras sociedades que
nomeamos, destacam-se pelos complexos arquitetônicos como Cajamarquilla, e por haver dado origem
ao templo de Pachacámac que se converteu no principal centro cerimonial da costa por mais de mil
anos, até a chegada dos espanhóis. Seus templos foram visitados por multidões de peregrinos quando
ocorriam grandes rituais, pois Pachacámac era um oráculo poderoso capaz de prever o futuro e
controlar os movimentos da Terra (terremotos). Para ali, vinham pessoas de vários lugares em busca de
soluções para seus problemas ou respostas para suas dúvidas. O ídolo não podia ser olhado diretamente
nos olhos, e até mesmo seus sacerdotes entravam na sala de costas.
Templo da Pachacámac e imagem de sua principal divindade

Seguindo com a tradição arquitetônica iniciada no Formativo, os povos andinos continuam construindo
conjuntos cerimoniais usando pátios afundados e pirâmides, como nas Huacas del Sol e de la Luna, já
nomeada anteriormente, dos moche, e da cidadela de Cahuachi dos nazquenses.

Huaca del Sol e sua reconstituição digitalizada


Foi na arte da cerâmica que os moche e os nazquenses alcançaram suas maiores realizações, e isto não
apenas no plano estético, mas também no manejo de uma grande quantidade de formas figurativas que,
organizando-se em diversas cenas, são expressão de uma série de temas, míticos ou não, que ajudam a
compreender melhor a natureza das sociedades que os conceberam. Na falta de documentos escritos, a
cerâmica muitas vezes faz a figura de textos, permitindo que tentemos compreender sua cultura em níveis
que vão das estruturas simbólicas do seu ordenamento social, até o da vida cotidiana. De maneira mais
pormenorizada e realista que a iconografia nazca, moche nos transmite inumeráveis imagens sobre seus
alimentos, atividades de pesca, medicina, religião, ordenamento hierárquico, conceitualização do tempo
e espaço, vida social e cerimonial, entre outros aspectos. O povo de Paracas, por sua vez, notabilizou-se
pela produção de tecidos extraordinários.

Cerâmica moche

No seu ápice a cultura mochica constituiu um verdadeiro Estado, englobando muitos vales e exercendo
influência até Casma no Sul. Os sítios compostos de milhares de casas atestam a vida urbana, embora
arranjos planejados ainda não sejam evidentes. Grandes pirâmides foram erguidas com propósitos
religiosos s. Era uma sociedade altamente estratificada e o registro cerâmico identifica governantes e
escravos, guerreiros e cativos, sacerdotes e divindades, artesãos e camponeses. Era governada por
sacerdotes guerreiros que realizaram a conquista dos vales próximos, ampliando um espaço agrícola
necessário à medida em que crescia a população.

Os grandes conjuntos arquitetônicos manifestam natureza religiosa, sendo rodeados de uma população
dispersa que tira o maior proveito possível de seus recursos agrícolas com elaborados sistemas de
irrigação para permitir a expansão dos cultivos e alimentar a população em crescimento. A proliferação
de extensos canais de irrigação e a presença dos conjuntos cerimoniais sugere a existência de um poder
central sustentado na religião, com a autoridade necessária para a distribuição da água e liderança na
defesa e conquista de territórios. A evidência de guerras é dada pela presença de assentamentos
fortificados em cada vale costeiro, abundância de armas no registro arqueológico, representações de
guerreiros, batalhas, cabeças-troféu, etc. Por sua vez, o desenvolvimento de uniformidades estilísticas e
culturais em áreas onde se expandiram os moche, e também os nazca e paracas, permite inferir que, mais
que escaramuças para saque, as guerras eram empreendimentos de subjugação de grupos vencidos.

O colapso dos moche por volta de 600dC, parece advir de grave crise econômica resultante da
desorganização do seu sistema produtivo em virtude do fenômeno climático El Niño. Os mochicas
habitavam um deserto onde a água era o bem mais precioso. Sua agricultura dependia inteiramente dos
rios que descem dos Andes. Seu calendário religioso acompanhava o ciclo das chuvas nas montanhas, e
os momentos mais importantes eram justamente os cultos de fertilidade, duas vezes por ano, na chegada
do verão e do inverno que eram sempre épocas tensas. Qualquer desequilíbrio climático punha toda a
sociedade em crise. E é justamente no árido litoral peruano em que os Moche se desenvolveram, que as
águas do Oceano Pacífico, em tempos de El Niño, esquentam acima do normal, provocando chuvas
intensas. Nas épocas em que o fenômeno era muito violento, as cidades mochicas sofriam com enchentes
que destruíam seus canais de irrigação. Isto ocorreu no século VI, desorganizando toda sua sociedade.

Entre os séculos VI e VII, o clima pirou. Estudos das camadas de gelo dos Andes mostram que alterações
meteorológicas produziram uma sucessão de secas que durou 30 anos, esgotando os rios que abasteciam
as cidades mochicas. A sociedade entrou em crise. Depois, um período de chuvas provocadas pelo
aquecimento das águas do Oceano trouxe cheias que arrebentaram os canais de irrigação e destruíram
as casas de barro e palha dos camponeses. As grandes pirâmides de adobe também foram atingidas9.

Linhas de nazca; Arquitetura nazca

Têxteis de Paracas

9Em 1955 os arqueólogos encontraram na Huaca de la Luna milhares de ossos enterrados no lodo indicando ter
ocorrido uma intensificação dos sacrifícios em época em que houve chuvas abundantes num litoral sempre muito
árido. Por meio da observação de glaciares nos Andes, constatou-se que a costa sofreu, entre 560 e 650, grande
mudança climática causada pelo El Niño. Foram 30 anos de inundação na costa, e outros tantos de seca, seguidos por
conflitos em torno dos recursos que se tornaram muito disputados.
Aquedutos nazca permitiram campos irrigados e agricultura e a vida em áreas das mais áridas do continente

Nas terras altas, Thuanaco e Wari

Nas terras altas, duas sociedades destacaram-se no Período Clássico, tendo formado estados
importantes: Tihuanaco e Huari (ou Wari).

Desde 100 da nossa Era, desenvolveu-se a cultura Tihuanaco, que atingiu seu auge por volta de 500/600
d.C., na bacia do lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, a cerca de 4.000 m de altura, na região do altiplano
[a puna], área totalmente desprovida de vegetação de porte. Nesta região, acima do nível das árvores, a
subsistência era baseada no cultivo de batatas, caça e pesca no lago. O sítio principal de Tihuanaco, a 21
km ao sul do lago, tornou-se um renomado santuário religioso, atraindo adoradores de áreas distantes.
Depois de conhecer grande urbanização, ele foi abandonado por volta de 1200 d.C.
Segundo Juan Ossio (1995), Tihuanaco foi uma teocracia centralista e hierárquica, o que seria atestado
pela existência de um conjunto de centros cerimoniais que devem ter exigido grande quantidade de
trabalho, inclusive com a contribuição de gente vinda de outros centros. A existência de um conjunto de
templos secundários e até terciários dão a impressão de um fluxo, de informações, bens, serviços e
pessoal entre a capital e as unidades residenciais rurais. Por outro lado, a ênfase no aspecto teocrático
desta cultura se verifica pela inexistência de construções para acolher uma grande burocracia, mas sim
de habitações que parecem ter abrigado “administradores sacerdotes”. A expansão dos waris fez com
que uma nova versão do Dios de los Bastones (trazida certamente de Tihuanaco) se estendesse por grande
parte do território peruano, provavelmente através de um circuito de caravanas de lhamas que utilizou
uma rede de caminhos que depois seriam muito ampliadas pelos incas.

Por volta do século II dC., após de ter sido uma aldeia de poucas centenas de habitantes, economia
autossuficiente, mas em intercâmbio com os vizinhos, Tiahuanaco desenvolveu um aparelho estatal bem
administrado. Calcula-se que pelo ano de 200 de nossa Era, a produção agrícola da região foi tal que um
terço bastava para alimentar uma população que aumentara muito. O restante, arrecadado em forma de
impostos, servia para manter a casta dominante dos aristocratas e sacerdotes, e para executar obras por
ela planejadas. Destacam-se, entre estas obras, monumentais estruturas arquitetônicas: construções
sacras, como a pirâmide truncada de Akapana e templos como o Kalasasaya e Pumapunku, cada um com
cerca de quatro hectares de superfície, além de vários palácios. Seus artesãos e artistas precisavam de
matérias-primas oriundas de lugares distantes, o que gerou formas de intercâmbio.

Para abastecer uma população crescente, a propensão era aumentar a área de influência do Estado. Na
verdade, a tendência expansionista de Tihuanaco, tão pronunciada mais tarde, começou cerca de 200 d.C.
Por volta do século VII, a cidade entrou na sua fase clássica. Enclaves coloniais, com quem houve grande
intercâmbio comercial, foram instituídos nas regiões de Ayacucho, no Peru (Huari), e Atacama no Chile. A
cidade alcançou no seu apogeu uma superfície de cerca de 420 hectares, 4% dos quais era ocupados por
construções religioso-cerimoniais e por palácios. Tal núcleo era cuidadosamente planificado, como
provavelmente o eram as habitações populares, que eram feitas em adobe. As melhores esculturas e
cerâmicas datam desse tempo. Com frequência são representadas ordens de guerreiros: tal como no
México, as do condor e de um felino, portanto as respectivas máscaras, armas e peitoral.

O último estágio de Tihuanaco foi imperial, em uma expansão militar. Devemos ver essas conquistas
como fato político, se bem que associado a crenças religiosas. Os guerreiros podem ser observados na
arte, portando machados em uma mão e cabeças troféu na outra. Ao contrário dos incas que
conquistariam o altiplano séculos depois, suas batalhas eram dominadas pelo manejo do arco e flecha.

Em torno de 910 dC., Tiahuanaco encontrava-se no apogeu de seu poder. Hoje conhecemos 125 sítios
pertencentes à sua cultura, 87 dos quais da época imperial. Com um território que deve ter coberto 600
mil km2, calcula-se sua população, neste momento, em 3.600 milhões habitantes. No século XIII o império
desmoronou, não se sabe bem porquê. Séculos depois os incas tentaram ressuscitar a cidade e localizaram
no lago Titicana alguns de seus mitos de origem.

Outra cultura regional desenvolveu-se na Bacia de Ayacucho, mais a nordeste. Sua capital, Huari, cresceu
até transformar-se em uma grande cidade de construções retangulares, de paredes de pedra, intercaladas
de praças, ruas e plataformas e estendeu seu domínio sobre as áreas do seu entorno. A cidade está
localizada na vertente oriental do vale de Ayacucho a uma altura que oscila entre 2.700 e 3.100 m sobre
o nível do mar. Para Luis Lumbreras (1988), diferentemente das cidades incaicas ou espanholas, ela não
foi planejada: sua morfologia revela um processo de crescimento “natural” e progressivo. Contava com
70 ou 80 conjuntos amuralhados de forma retangular ou quadricular, cujos tamanhos variam entre 100 e
400 m; no total, a cidade deve ter abrigado entre 20 e 35.000 pessoas.

Por toda área de dominação Wari, que nos últimos tempos estendeu-se de Cuzco à fronteira norte do
Império Mochica, a urbanização causou o abandono das aldeias esparsas e dos centros cerimoniais.
Cajamarquilla, Pachacamac, Chan Chán e outras cidades fundadas nesta época, seguiam um plano similar,
consistindo em grandes conjuntos de paredes altas e aposentos retangulares, separados por ruas estreitas
que convergiam para as praças, templos e outras construções públicas. Trabalhos de irrigação foram
expandidos, a cerâmica doméstica começou a ser produzida em massa, usando-se moldes; a tapeçaria
tornou-se a técnica têxtil mais popular e uma profusão de amuletos atestam a habilidade dos artesãos. A
especialização ocupacional e a estratificação social chegam a tal ponto que, pelo menos, 50 por cento da
população estava envolvida em atividades não relacionadas à subsistência.

A dimensão da cidade aponta para a existência de um Estado burocratizado. Conjuntos arquitetônicos


serviam de depósitos de alimentos para uma administração que devia atender muitos servidores. De fato,
enquanto o modelo político colocado por Tihuanaco seguiu uma tradição iniciada em Chavín de Huantar,
Huari inaugura um fenômeno inédito nos Andes, que se concretiza no que Lumbreras chama de
“revolução urbana” e o surgimento do primeiro grande Estado andino com efetivos atributos de Império.
Houve uma ressignificação do padrão andino de controle de territórios nos diversos pisos ecológicos a
partir da reciprocidade entre unidades semelhantes, em direção ao desenvolvimento de um sistema
tributário estatal que arrecadou essencialmente trabalho em substituição às formas tradicionais.

O crescimento explosivo de Wari foi provavelmente a causa de sua queda. As etnias e os estados
conquistados foram muitos, e as distâncias dificultaram os encarregados de controlar as inevitáveis
revoltas. Até o ano 800, os locais construídos por eles foram abandonados e os povos colonizados
voltaram a povoar seus locais de origem ou fundaram novos.

Seu auge expansivo se coloca entre o século VII e o IX, numa duração de 200 anos.

Em torno de 1200 d.C., Wari foi abandonada e o Império desintegrou-se. É possível que as florescentes
cidades tivessem começado a desafiar a autoridade da capital destruindo seu poder. Pode ter havido
impacto de povos invasores, pois muitos edifícios e tumbas dão sinal de haverem sido violentados. Os
povos que caíram sob o seu controle foram pouco a pouco se independizando e dando lugar a novos
estados regionais. O regionalismo recuperou-se temporariamente, mas a unificação Wari teve um
impacto duradouro no desenvolvimento cultural andino. Ao estabelecer uma forma de governo secular,
um padrão de povoamento urbano, organização militar, um sistema regional de comunicação e uma
religião estatal, estabeleceu as bases para a emergência do Império Inca dois séculos depois.

Para finalizar, é importante ainda lembrar que os povos do clássico andino de que tratamos aqui, moche,
nazca, paracas, lima, tihuanaco e wari, deixaram registros incompletos de sua história. Sabemos que
incas têm narrativas sobre os povos que conquistaram, mas quando dominaram tais territórios, estes
reinos haviam desaparecido já há tempos. Por isso é tão difícil determinar, de fato, quem foram, como
viviam e como se desagregaram. Ao findar este período e iniciar o pós clássico, tal como na Mesoamerica,
vai se instalar no Andes uma nova realidade e cultural e política,

Dos grupos tribais, chefias e pequenos Estados que preencheram o vazio que seguiu à queda dos reinos
clássicos, o Império Chimu é o mais conhecido. Originando-se na área do antigo reino mochica, ele
expandiu-se para o sul até a atual de Lima. A capital Chan Chán cobria mais de 18 km2 com população
estimada entre 50.000 e 70.000 habitantes. Artes e ofícios atestam a especialização ocupacional de sua
sociedade. Eram mestres do trabalho em ouro, sendo os objetos de metal símbolos de riqueza e distinção
social. A escassez da arte pictórica faz o Império Chimu menos vívido para nós que os reinos moche, mas
o impacto relativamente fraco da cultura inca nesta região da costa peruana, atesta sua solidez cultural e
eficiência do seu governo e organização militar. Estado imperialista, sua expansão entraria em choque,
no século XIV com a dos incas, que acabariam por os absorver e conquistar.

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

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