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Poncia, governanta
Criada
PRIMEIRO ATO
O primeiro ato inicia-se com um diálogo entre La Poncia, serva mais antiga
da casa, e outra mulher que Lorca denomina apenas "Criada". Elas
conversam enquanto arrumam a sala de visitas para a chegada dos que
acompanharam o cortejo fúnebre do segundo marido de Bernarda Alba.
Por intermédio das falas dessas duas personagens é que são apresentadas
a personagem-título do drama - descrita como tirana de todos os que a
rodeiam e mãe controladora das cinco filhas feias que lhe restaram com a
morte do esposo.
PONCIA- Estão há mais de duas horas nesta cantilena. Chegaram padres de todos
os lugares. A igreja ficou muito bonita. A Madalena desmaiou no primeiro responso.
PONCIA- Era a única que gostava do pai. Ah! Graças a deus, que ficamos a sós um
pouquinho! Vim para comer!
PONCIA - Era o que ela queria. Agora que não come nada, preferia que
morrêssemos todas de fome. Mandona! Não lhe faltam desgostos! Agora, vou abrir-
lhe o pote dos chouriços.
PONCIA- Toma, leva um punhado de grão-de bico. Ela não vai perceber.
CRIADA - Sim.
PONCIA - De sobra. Desde que morreu o pai de Bernarda que não voltou a entrar
pessoa debaixo destes telhados. Maldita seja!
PONCIA - Trinta anos a lavar lençóis, trinta anos a comer sobras, noites a velar-lhe
o corpo cada vez que ficava doente. Não temos segredos uma para a outra. Sou
uma boa cadela: ladro quando me ordenam e mordo os calcanhares dos que lhe
vêm pedir esmola. Um dia, quando me fartar fecho-a num quarto e cuspo-lhe o dia
inteiro. Não lhe invejo nada. Restam-lhe cinco filhas feias. Tirando Angústias que
tem dinheiro, as outras têm uma única herança: pão e uvas.
(Soam os sinos)
PONCIA - É o último responso. (sai)
CRIADA - (Soam os sinos) Ai! Antônio Maria Benavides, que já não verás estas
paredes, nem comerás o pão desta casa! Fui a que mais te quis bem entre aquelas
que te serviram. Como hei- de viver depois de teres partido? Como viver?
BERNARDA - Leva para os homens. E que saiam por onde entraram. Não quero
que passem por aqui.
ANGÚSTIAS - Estava.
TODAS - Amén.
PONCIA (Entrando com uma bolsa) - Os homens mandaram este dinheiro para os
responsos.
BERNARDA - Agradece-lhes e serve-lhes um copo de aguardente. E depois que se
vão embora para suas casas a criticar tudo o que viram aqui!
(Silencio)
BERNARDA – É assim que se tem de falar deste maldito povo sem rio, povo de
poços onde sempre se bebe água com medo que esteja envenenada.
ADELA - Tome, mãe. (Dá-lhe um leque redondo com flores vermelhas e verdes.)
BERNARDA- Durante os oito anos que durará o luto do vosso pai não há-de entrar
nesta casa vento da rua. Viveremos de portas e janela emparedadas. Assim foi na
casa de meu pai, e na de meu avô. Enquanto isso podem começar a bordar o
enxoval. Tenho na arca vinte peças de linho para lençóis e fronhas. A Martirio pode
bordá-los.
ADELA - Nem os meus nem os vossos vão brilhar. Sei que não me caso. Prefiro levar
sacos para o moinho. Tudo a estar sentada dias e dias nesta sala escura.
(sai ADELA)
SEGUNDO ACTO
PONCIA - Angústias, que foi que ele te disse a primeira vez que chegou até tua
janela?
ANGUSTIAS - Sim.
ANGÚSTIAS - Nada demais. Assim: "Já sabes que ando atrás de ti, que preciso de
uma mulher bondosa, comportada, e essa és tu. Se me aceitas..."
MARTÍRIO- E tu?
(Riem-se)
ANGUSTIAS - Ai, pareceu-me mesmo que vinha aí a mãe! Cuidado, que ainda nos
ouvem!
(Riem-se)
MARTIRIO - E depois?
PONCIA - Depois portou-se bem. Em vez de lhe dar para outra coisa, deu-lhe para
criar pintassilgos! Vocês que são solteiras precisam de saber que os homens,
depois de casados, trocam a cama pela mesa, e depois a mesa pela taberna, e as
mulheres que não gostam, que apodreçam a chorar num canto!
PONCIA - Tenho a escola da tua mãe. Um disse-me não sei o quê, e matei-lhe os
todos os pintassilgos.
(Riem)
SEGUNDO ACTO
ADELA- Dormi.
MARTÍRIO- Então?
ADELA - Deixa-me em paz. Dormindo ou não, pára de meter no que é meu! Faço
com o meu corpo o que bem entender!
ADELA - Segue-me por todo o lado. Às vezes vai ao meu quarto só para ver se
estou a dormir. Não me deixa respirar. E sempre "que pena essa cara! Que pena
esse corpo que não vai ser de ninguém". Não, isso não. O meu corpo vai ser de
quem eu quiser.
PONCIA - Não sejas como as criancinhas. Deixa a tua irmã em paz. Se o Pepe
Romano te agrada, controla-te. Quem disse que não poderás casar com ele? Tua
irmã Angústias é uma doente. Não resiste ao primeiro parto. É estreita de cintura,
morrerá. Então o Pepe fará o que fazem todos os viúvos. Casará com a mais nova
e bonita, e essa és tu. Alimenta essa esperança, esquece-o, faz o que quiseres,
mas não vás contra a lei de Deus.
ADELA - Cala-te.
ADELA - Em vez de limpares a casa, e rezares pelos teus mortos, andas à procura
como uma velha bruxa de casos de homens e mulheres para te satisfazeres com
eles.
PONCIA - Vigio! Para que as pessoas não cuspam ao passar por esta porta!
ADELA - Que ternura tão grande te deu de repente pela minha irmã?
PONCIA - Não distingo nenhuma. Quero viver numa casa decente.
ADELA - Já vem tarde o teu conselho. Passaria por cima de minha mãe, se fosse
preciso para apagar este fogo que trago no peito. Que podes tu dizer de mim? Que
me tranco no quarto? Que não durmo? Sou mais esperta do que tu, não me
consegues agarrar.
ADELA - Tanto, quando o olho nos olhos parece que lhe bebo o sangue
devagarinho.
ADELA- Vais ouvir-me. Já não tenho medo de ti. Agora sou mais forte do que tu!