Você está na página 1de 14

A Casa de Bernarda Alba

- Frederico Garcia Lorca.

Tradução de Gonçalo Gomes


PERSONAGENS

Bernarda Alba, senhora

Poncia, governanta

Criada

Angústias, filha de Bernarda

Martírio, filha de Bernarda

Madalena, filha de Bernarda

Amélia, filha de Bernarda

Adela, filha de Bernarda

Maria Josefa, mãe de Bernarda


Bernarda Alba, personagem central do texto, é uma matriarca dominadora
que mantém as cinco filhas, Angústias, Madalena, Martírio, Amélia e Adela
sob vigilância implacável, transformando a casa onde vivem, situada em
um pequeno povoado na Espanha, em um caldeirão de tensões prestes a
explodir a qualquer momento.

Com a morte de seu segundo marido, Bernarda decretara um luto de oito


anos, submetendo suas filhas à reclusão dentro das frias paredes da casa,
com as janelas fechadas. Duas das moças, porém, apaixonadas por um
mesmo galanteador das redondezas, um rapaz de vinte e cinco anos
chamado Pepe Romano, desencadeiam no meio daquele luto uma disputa
cruel e perigosa para conquistarem o amor do mesmo homem, com
conseqüências trágicas.

PRIMEIRO ATO

O primeiro ato inicia-se com um diálogo entre La Poncia, serva mais antiga
da casa, e outra mulher que Lorca denomina apenas "Criada". Elas
conversam enquanto arrumam a sala de visitas para a chegada dos que
acompanharam o cortejo fúnebre do segundo marido de Bernarda Alba.
Por intermédio das falas dessas duas personagens é que são apresentadas
a personagem-título do drama - descrita como tirana de todos os que a
rodeiam e mãe controladora das cinco filhas feias que lhe restaram com a
morte do esposo.

Sabe-se também que Angústias, a filha mais velha, é fruto do primeiro


casamento de Bernarda Alba e a única detentora de um dote deixado pelo
pai, ao contrário das suas irmãs, que nada herdariam do pai recém-
falecido. Sabe-se então que Angústias, a mais velha, casará com Pepe el
Romano – é atribuido apenas ao interesse do rapaz pelo dote da irmã.
Adela, a mais nova, apaixonada em segredo pelo pretendente da irmã,
lamenta sua sorte.
SEGUNDO ATO

As irmãs encontram-se em uma peça interior da casa, tecendo e bordando


o enxoval de Angústias. Conversam sobre a corte de Pepe el Romano à
irmã mais velha, e La Poncia faz um contraponto aos comentários de
Angústias ao contar sua própria história - de como conheceu e casou-se
com um marido que pouca alegria lhe trouxera. Adela não está presente,
e as irmãs preocupam-se com ela; procurada pelas irmãs, Adela surge em
cena algo transtornada, e La Poncia diz-lhe em particular que seu mal é
cobiçar o noivo de sua irmã. A serva tenta convencer a filha mais nova de
Bernarda Alba de que seu destino é aguardar que sua irmã venha a falecer
para assumir o posto de segunda esposa de Pepe el Romano, e diz que
assim o faz para defender a honra da casa em que trabalha há tantos
anos. Adela revolta-se com La Poncia e afirma que lutará por seu direito
de amar o homem que deseja.
PRIMEIRO ACTO
CENA 1 – CRIADA (Elton) – PONCIA (Lia) – MARIA
JOSEFA (off – Rodrigo)
(Família Alba, Bernarda e as suas 5 filhas: Angústias, Martírio, Madalena, Amélia e
Adela. O marido de Bernarda faleceu. As mulheres estão no seu enterro enquanto a
Criada, e Poncia, a governanta, conversam)

(Ouve-se os sinos a tocar)

CRIADA- Já tenho o toque destes malditos sinos na cabeça.

PONCIA- Estão há mais de duas horas nesta cantilena. Chegaram padres de todos
os lugares. A igreja ficou muito bonita. A Madalena desmaiou no primeiro responso.

CRIADA- É ela a que fica mais só.

PONCIA- Era a única que gostava do pai. Ah! Graças a deus, que ficamos a sós um
pouquinho! Vim para comer!

CRIADA- Se a Bernarda te ouvisse.

PONCIA - Era o que ela queria. Agora que não come nada, preferia que
morrêssemos todas de fome. Mandona! Não lhe faltam desgostos! Agora, vou abrir-
lhe o pote dos chouriços.

CRIADA- Porque não me dás algum para a minha filha, Poncia?

PONCIA- Toma, leva um punhado de grão-de bico. Ela não vai perceber.

(grita fora de cena)


MARIA JOSEFA- Bernarda!

PONCIA- É a velha. Está bem fechada?

CRIADA - Sim.

PONCIA- Põe a tranca também.

(grita fora de cena)


MARIA JOSEFA- Bernarda!
PONCIA - Já vai. Limpa tudo bem. A Bernarda é tirana de todos os que a rodeiam. É
capaz de se sentar em cima do teu coração e ver como morres durante um ano,
sem perder o sorriso frio que leva sempre na sua maldita cara. Limpa os vidros.

CRIADA - Já tenho as mãos em sangue de tanto esfregar!

(ironizando com mágoa)


PONCIA - Bernarda, a mais asseada, a mais decente, a que está acima de todos!

CRIADA - Vieram todos os parentes?

PONCIA - Os dela. Os dele odeiam-na. Vieram vê-lo morto e fazer-lhe o sinal da


cruz.

CRIADA - Há cadeiras suficientes?

PONCIA - De sobra. Desde que morreu o pai de Bernarda que não voltou a entrar
pessoa debaixo destes telhados. Maldita seja!

CRIADA - Contigo ela portou-se bem.

PONCIA - Trinta anos a lavar lençóis, trinta anos a comer sobras, noites a velar-lhe
o corpo cada vez que ficava doente. Não temos segredos uma para a outra. Sou
uma boa cadela: ladro quando me ordenam e mordo os calcanhares dos que lhe
vêm pedir esmola. Um dia, quando me fartar fecho-a num quarto e cuspo-lhe o dia
inteiro. Não lhe invejo nada. Restam-lhe cinco filhas feias. Tirando Angústias que
tem dinheiro, as outras têm uma única herança: pão e uvas.

CRIADA - Quem me dera ter o que elas têm.

PONCIA - Nós temos mãos e uma cova na terra da verdade.

(Soam os sinos)
PONCIA - É o último responso. (sai)

CRIADA - (Soam os sinos) Ai! Antônio Maria Benavides, que já não verás estas
paredes, nem comerás o pão desta casa! Fui a que mais te quis bem entre aquelas
que te serviram. Como hei- de viver depois de teres partido? Como viver?

(Entra Bernarda e as cinco filhas)


PRIMEIRO ACTO

CENA 2 – BERNARDA (Santiago) – PONCIA (Lia) –


ANGUSTIAS (Elton) – ADELA (Victória)

BERNARDA (Para a Criada, interrompendo-a)- Silêncio! Menos gritos e mais obras.


Devias ter a casa mais limpa para receber as visitas. Sai daqui! Este não é o teu
lugar. Os pobres são como os animais, parecem feitos de outra carne. (Madalena
chora). Não chores, Madalena. Queres chorar vais para debaixo dos lençóis.
Ouviste? (para Poncia) Está pronta a Limonada?

PONCIA - Sim, Bernarda.

BERNARDA - Leva para os homens. E que saiam por onde entraram. Não quero
que passem por aqui.

PONCIA - O Pepe Romano estava no enterro.

ANGÚSTIAS - Estava.

BERNARDA – Estava com a mãe. Nem eu nem a Agústias vimos o Pepe. As


mulheres na igreja só devem olhar para um homem: o Padre. E esse porque tem
saias!.

PONCIA (á parte) - Velha lagarta ressequida!

BERNARDA - Louvado seja Deus!

TODAS - Para sempre seja bendito e louvado!

BERNARDA - Descansa em paz com santa sempre á tua cabeceira!

TODAS - Descansa em paz!

BERNARDA - Concede o repouso ao teu servo Antônio Maria Benavides e dá-lhe a


coroa de tua santa glória.

TODAS - Amén.

PONCIA (Entrando com uma bolsa) - Os homens mandaram este dinheiro para os
responsos.
BERNARDA - Agradece-lhes e serve-lhes um copo de aguardente. E depois que se
vão embora para suas casas a criticar tudo o que viram aqui!

(Silencio)

PONCIA - Não te podes queixar. Veio a vila inteira.

BERNARDA - Sim. Para encher minha casa com o suor e de peçonha.

ANGUSTIAS.- Mãe, não fale assim.

BERNARDA – É assim que se tem de falar deste maldito povo sem rio, povo de
poços onde sempre se bebe água com medo que esteja envenenada.

PONCIA - A soleira ficou toda suja!

BERNARDA - É como se tivesse passado uma manada de cabras. (Poncia limpa o


chão.) (para ADELA) Filha, dá- me um leque.

ADELA - Tome, mãe. (Dá-lhe um leque redondo com flores vermelhas e verdes.)

BERNARDA.- (Atirando o leque no chão) É esse leque que se da a uma viúva?! Me


da um preto e aprende a respeitar o luto do teu pai!

ANGUSTIAS - Tome o meu, mãe!

BERNARDA- Durante os oito anos que durará o luto do vosso pai não há-de entrar
nesta casa vento da rua. Viveremos de portas e janela emparedadas. Assim foi na
casa de meu pai, e na de meu avô. Enquanto isso podem começar a bordar o
enxoval. Tenho na arca vinte peças de linho para lençóis e fronhas. A Martirio pode
bordá-los.

ADELA - Nem os meus nem os vossos vão brilhar. Sei que não me caso. Prefiro levar
sacos para o moinho. Tudo a estar sentada dias e dias nesta sala escura.

BERNARDA - É o destino das mulheres.

ADELA - Malditas sejam as mulheres!


BERNARDA - Enquanto viverem nesta casa fazem o que eu mando. Já não te
podes esconder atrás do teu pai. Enquanto viverem nesta casa é assim que será:
linha e agulha para as mulheres, chicote e mula para os homens. É como vivem as
pessoas de bem.

(sai ADELA)
SEGUNDO ACTO

CENA 3 – PONCIA (Lia) – ANGUSTIAS (Elton) – MARTIRIO


(Rodrigo)

PONCIA - Angústias, que foi que ele te disse a primeira vez que chegou até tua
janela?

ANGÚSTIAS - Nada. Que poderia dizer? Disse o que se diz sempre.

MARTÍRIO - Realmente é extraordinário que duas pessoas que não se conhecem


se vejam de repente numa janela já noivos.

ANGÚSTIAS - Pois a mim não me chocou. Não, porque quando um homem se


aproxima da janela já sabe, pelos que vão e vêm, que a mulher lhe dirá que sim.

MARTÍRIO - Bem, mas ele teve de se abrir contigo.

ANGUSTIAS - Sim.

MARTIRIO - E como é que ele o fez?

ANGÚSTIAS - Nada demais. Assim: "Já sabes que ando atrás de ti, que preciso de
uma mulher bondosa, comportada, e essa és tu. Se me aceitas..."

MARTÍRIO- Essas coisas dão-me vergonha.

ANGÚSTIAS - Amim também. Mas temos de passar por elas.

PONCIA- Ainda falou mais?

ANGÚSTIAS - Sim. Ele é que falou sempre.

MARTÍRIO- E tu?

ANGÚSTIAS - Eu não pude.Quase me saiu o coração pela boca.Era a primeira vez


que estava só, de noite, com um homem.

MARTIRIO - E um homem tão belo.

ANGÚSTIAS - Não tem má aparência.


PONCIA - Essas coisas assim só se passam em pessoas já com uma certa
educação, que falam e conversam discretamente.A primeira vez que o meu marido
Evaristo Collin me veio ver à janela..ah ah ah

MARTÍRIO - Que aconteceu?

PONCIA- Estava uma noite muito escura. Aproximou-se e ao chegar ao pé de mim,


deu-me as boas noites."Boas noites", respondi eu.E ficámos calados mais de meia
hora. O suor corria-me pelo corpo todo. Então o Evaristo foi-se chegando, foi-se
chegando que até parecia que se queria meter nas grades do portão a dentro, e
disse-me baixinho: "Chega-te mais!"

(Riem-se)

ANGUSTIAS - Ai, pareceu-me mesmo que vinha aí a mãe! Cuidado, que ainda nos
ouvem!

(Riem-se)

MARTIRIO - E depois?

PONCIA - Depois portou-se bem. Em vez de lhe dar para outra coisa, deu-lhe para
criar pintassilgos! Vocês que são solteiras precisam de saber que os homens,
depois de casados, trocam a cama pela mesa, e depois a mesa pela taberna, e as
mulheres que não gostam, que apodreçam a chorar num canto!

ANGUSTIAS - E tu, te resignaste?

PONCIA - Com ele pude eu bem!

ANGUSTIAS. - É verdade que lhe batias?

PONCIA - Sim, pouco faltou para o deixar aleijado!

ANGUSTIAS. - As mulheres deviam ser todas assim!

PONCIA - Tenho a escola da tua mãe. Um disse-me não sei o quê, e matei-lhe os
todos os pintassilgos.

(Riem)
SEGUNDO ACTO

CENA 4 – PONCIA (Lia) – ADELA (Victória) – MARTÍRIO


(Rodrigo)

ADELA.- Dói-me o corpo todo.

MARTÍRIO- Não dormiste bem esta noite?

ADELA- Dormi.

MARTÍRIO- Então?

ADELA - Deixa-me em paz. Dormindo ou não, pára de meter no que é meu! Faço
com o meu corpo o que bem entender!

MARTÍRIO- Estou só interessada em ti.

ADELA - Interesse ou curiosidade? Não estavam a coser? Pois continuem. Bem


queria ser invisível, andar por aí sem que me perguntassem para onde vou!

(sai MARTÍRIO e as o resto das irmãs)

PONCIA- A Martírio de todas é a que mais te quer bem.

ADELA - Segue-me por todo o lado. Às vezes vai ao meu quarto só para ver se
estou a dormir. Não me deixa respirar. E sempre "que pena essa cara! Que pena
esse corpo que não vai ser de ninguém". Não, isso não. O meu corpo vai ser de
quem eu quiser.

PONCIA - Do Pepe Romano, não é?

ADELA- De que estás a falar?

PONCIA- Do que eu disse, Adela.


ADELA- Cala-te.

PONCIA - Pensas que eu não percebi.

ADELA - Fala mais baixo.

PONCIA - Afasta esses pensamentos, Adela.

ADELA - O que é tu que sabes afinal?

PONCIA - Onde vais à noite quando te levantas?

ADELA - Antes fosses cega, surda e muda.

PONCIA - Tenho a cabeça e as mãos cheias de olhos quando se trata do que se


trata. Por que te puseste quase nua com a luz acesa e a janela aberta no segundo
dia em que o Pepe veio falar com tua irmã?

ADELA - Não é verdade!

PONCIA - Não sejas como as criancinhas. Deixa a tua irmã em paz. Se o Pepe
Romano te agrada, controla-te. Quem disse que não poderás casar com ele? Tua
irmã Angústias é uma doente. Não resiste ao primeiro parto. É estreita de cintura,
morrerá. Então o Pepe fará o que fazem todos os viúvos. Casará com a mais nova
e bonita, e essa és tu. Alimenta essa esperança, esquece-o, faz o que quiseres,
mas não vás contra a lei de Deus.

ADELA - Cala-te.

PONCIA - Não me calo.

ADELA - Mete-te no que é teu. Bisbilhoteira.

PONCIA - Hei-de ser a tua sombra.

ADELA - Em vez de limpares a casa, e rezares pelos teus mortos, andas à procura
como uma velha bruxa de casos de homens e mulheres para te satisfazeres com
eles.

PONCIA - Vigio! Para que as pessoas não cuspam ao passar por esta porta!

ADELA - Que ternura tão grande te deu de repente pela minha irmã?
PONCIA - Não distingo nenhuma. Quero viver numa casa decente.

ADELA - Já vem tarde o teu conselho. Passaria por cima de minha mãe, se fosse
preciso para apagar este fogo que trago no peito. Que podes tu dizer de mim? Que
me tranco no quarto? Que não durmo? Sou mais esperta do que tu, não me
consegues agarrar.

PONCIA - Gostas assim tanto desse homem?

ADELA - Tanto, quando o olho nos olhos parece que lhe bebo o sangue
devagarinho.

PONCIA- Não te posso ouvir mais!

ADELA- Vais ouvir-me. Já não tenho medo de ti. Agora sou mais forte do que tu!

Você também pode gostar