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Sobre pares e díspares

A TV está ligada, mais um documentário sobre a vida animal em algum paraíso inóspito onde
incrivelmente a mão humana ainda não tocou diretamente, mesmo que, por tabela, os efeitos
devastadores do chamado ser vivo inteligente já tenha causado estragos devastadores e irreversíveis.

O protagonista da obra jornalística, o Pinguim Rei, e o tema a sua eterna relação monogâmica e
inabalável, fundamental para a sobrevivência da espécie.

Do outro lado da tela, Waltinho, que acompanhava o estudo atraído por outras questões que não a
científica, e por isso se emocionava de forma genuína e inexplicável, e com a sinceridade costumeira
apenas nos solitários.

Contando a saga das aves (curiosidade ignorada pelo telespectdor aos prantos), o narrador em over, que
não tinha nenhum objetivo em cativar através do sensacionalismo, parecia ser o único a entender e
conseguir se comunicar com Waltinho em um de seus momentos mais sofridos. Um garçom/terapeuta
de boteco sujo a luz de penumbra não teria tamanho poder.

Waltinho matutava como aquele conteúdo tão técnico havia chegado a sua tela, já que raramente usava
sua televisão para algo além de se anestesiar da realidade de seu dia a dia. Seu ceticismo ia começando
a ser questionado nessa luta por respostas e por uma saída de sua dor. Era um sinal cósmico ou divino.
Não era. Era o maldito do algoritmo funcionando de forma cruel após várias pesquisas sobre carretos de
mudança, aluguél de apartamento convergindo com aberturas de contas em aplicativos para solteiros. O
mesmo filho da puta que o fazia, nos últimos dias, ser bombardeado por mensagens de autoajuda dos
novos "gurus" do autoconhecimento, gente mal resolvida que ganha seu dinheiro se aproveitando da
insegurança e ingenuidade de outros tantos, surpreendentemente mais mal resolvidos ainda que seus
interlocutores. Líderes de seita contemporâneos, que felizmente, graças ao emburrrecimento e preguiça
proporcionados pelo progresso, limitaram seus crimes a pequenos golpes.

O trabalho documental trazia dados e comprovações que indicavam um futuro inevitável e apocalíptico
para a aqueles bicnhinhos fofos. O aquecimento global fazia com que o responsável pela busca pot
alimentos do casal fosse obrigado a ampliar seu raio de exploração. Alguns já foram encontrados até na
costa brasileira. Se a nossa espécie, a chamada evoluída, muitas vezes não voltava após saída
despretensiosa atrás de um cigarro, impossível culpar o happy feet que perdia seu caminho para a agora
nem tão gélida Antártica.

Mais gelado que a terra dos românticos exploradores, o coração de Waltinho ia se tomando por uma
angústia. Passou a ter certea que era ele um dos grandes culpados pela separação daqueles inofensivos
passarinhos. Pensava consigo mesmo um caminho para uma vida mais sustentável e ecologicamente
consciente. Não pensando no planeta ou nas futuras gerações. Acreditando no amor, nos pinguins.
Desligou a TV, aquilo estava duro demais para seu coração partido.

Foi recolher suas roupas da máquina, encontrou apenas um pé de sua meia predileta. Elas de fato
nasceram uma para a outra! Sentou e chorou, aquilo era demais para ele.

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