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PENTATEUCO E OBRA HISTORIOGRÁFICA

DEUTERONOMISTA (PROFETAS ANTERIORES)


João Inácio Wenzel, sj

1. ABRANGÊNCIA E TEMÁTICA
1.1. A seqüência atual dos temas
Na redação final da Bíblia encontramos a seguinte ordem seqüencial dos livros: Gênesis, Êxodo,
Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis... Os temas ali apresentados
receberam a seguinte seqüência:
 Criação (Gn 1-11);
 Patriarcas e matriarcas: Abraão, Agar e Sara( Gn 12-23); Isaac e Rebeca (Gn 24-25); Esaú, Jacó,
Lia e Raquel (Gn 25,19-36,46);
 Descida ao Egito: José e seus irmãos e Jacó (Gn 37-50)
 Servidão e libertação do Egito: Moisés (Ex 1-15)
 Deserto:
- Do Egito ao Sinai (Ex 16-18);
- Aliança e Lei no monte Sinai (Ex 19-40; Lv 1-27; Nm 1-10,10);
- Do Sinai a Moab (Nm 10ss; Dt)
 Conquista da terra: Josué
 Consolidação da conquista: Juizes
 Transição da organização tribal para o reino unido, sob Davi: 1 e 2 Samuel;
 História da sucessão de Davi: 1 e 2 Reis.
1.2. Alguns Eixos Temáticos
Dinâmica introdutória:
Ler Neemias capítulo 9 e procurar perceber esta seqüência temática: Criação, Patriarcas/Matriarcas,
Êxodo, Aliança/Lei, Deserto, conquista (Js) e consolidação (Jz) da Terra, Profetas (anteriores).
Cada grupo busca:
1) Explicar o significado da Palavra
2) Buscar textos na Bíblia (antigo e novo testamentos), que falem de seu respectivo assunto.

Os temas - Criação, Patriarcas/Matriarcas (Pais e Mães), Êxodo, Deserto, Aliança/Lei e Terra,


Profetas... são eixos temáticos centrais nos livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio), e nos Livros da Obra Historiográfica Deuteronomista, denominada, pela Bíblia Hebraica, de
Profetas Anteriores (Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis e 2 Reis).
No livro de Neemias, capítulo 9, podemos perceber um resumo e uma releitura poética de todos estes
livros. O mesmo podemos perceber nos livros sapienciais, como em Eclesiástico, capítulos 42 a 50, bem
como nos Salmos 105 (104) e 106 (105).
No entanto, estes temas estarão presentes em toda a Sagrada Escritura 1, como poderemos ver a seguir.
Criação (Gn 1-11):
A palavra criação nos lembra a formação do cosmos, da terra e o surgimento da vida, das criaturas, o
nascimento.
Em Gênesis capítulos de 1-11 conta-se a história das Origens da humanidade. É uma teologia
narrativa que fala da bondade da criação e a grande ruptura dos seres humanos.
Mas este tema está presente também nos profetas, salmos, provérbios, nos evangelhos, nas cartas de
Paulo e no Apocalipse, por exemplo: Is 65,17 (“eis que vou criar novo céu e nova terra”), Jr 31,22; Pr 17,5;

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Consulte, por exemplo, num dicionário ou chave bíblica, escolha um dos temas, veja como está presente em toda Escritura.
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Sl 104; Jo 1,1; 3,3 (nascer do alto); Cl 1,16-17 (Em Cristo foram criadas todas as coisas); Rm 8,21 (a
natureza geme em dores de parto); Ap 21,1-4 (um novo céu e nova terra onde todos vivam como irmãos).
Patriarcas / Matriarcas (Gn 12-50):
Encontramos a história dos patriarcas e matriarcas (pais e mães) em Gênesis 12 a 50, e os que mais se
destacam são Abraão, Isaac e Jacó. Mas, se lemos o texto com atenção, veremos que há também várias
matriarcas como a escrava Agar, mãe de Ismael, Sara, Raquel, Lia... Eles e elas são pais e mães de muitos
povos.
Da mesma forma, aos filhos de Noé são atribuídos à origem de diferentes povos: os filhos de Sem
( Semitas) um povo nômade; aos filhos de Cam (camitas) tornaram-se um povo sedentário (agrícola); os
filhos de Jafet (jafetitas) deram origem aos povos da bacia mediterrânea.
Gênesis 12-50 responde à seguinte pergunta: “Quem sou eu?” E a resposta: “Sou filho de Israel/Jacó”.
O ancestral representa todo o povo. Assim também Ismael, filho de Agar e Abraão, é pai dos Ismaelitas
(árabes) - Gn 16 e 18,8-20; Esaú, irmão de Jacó, deu origem aos edomitas, moabitas, amalecitas, amonitas...
– Gn 25,29-34; 27,1-45; e o sobrinho de Abraão deu origem aos arameus (sírios) – Gn 22,21; Dt 26,5... Isso,
só para citar alguns exemplos2.
A história das promessas inicia com Abraão (Gn 12,1-2) e é retomada com Ismael (Gn 15-17) e Isaac
(Gn 18; 21 e 22). Destaca-se aí circuncisão de Ismael e Abraão que significa inserção na comunidade de fé
(Gn 17,11-14), e o sacrifício de Isaac, que marca o início da superação do sacrifício dos primogênitos,
prática dos povos vizinhos. Estes são resgatados por sacrifícios substitutivos (Gn 22; Ex 13,11-13).
Nas histórias dos patriarcas e matriarcas encontramos, também, várias explicações da origem de certos
lugares sagrados (etiologias), como o santuário de Betel (Gn 28,10,19), e o motivo de não comer certo nervo
da coxa (Gn 32,29-33). Ha também a tradição do poço de Jacó, o Carvalho de Mambrê.
Êxodo (Ex 1-15)
A palavra Êxodo significa saída. Sair de um lugar em busca de um lugar melhor, ou de uma situação e
estado de vida para uma situação e estado de vida superior. Todos os povos tiveram seu êxodo, ou seus
êxodos, a começar por nós que conhecemos o êxodo rural. Os povos Guaranis foram em busca da terra sem
males. E nós, estamos em busca de quê?
Cada povo da Bíblia conheceu o seu êxodo também: Abraão que saiu da mesopotâmia, migrou de
lugar em lugar até se fixar na região semidesértica, no sul da Palestina. Da mesma forma Ismael, Esaú, Jacó,
os hebreus que fugiam da dominação dos reis cananeus... Mas teve uma experiência de êxodo que falou mais
forte e foi assumida por todos os grupos que formaram o povo de Israel: A experiência do êxodo do grupo de
Moisés, libertado pela mão do Senhor Deus (Javé) para a terra prometida.
Esta história se encontra no livro do Êxodo capítulos 1 a 15, que contam a situação do povo hebreu
que vivia no Egito e de como foram ajudados pela mão do Senhor para atravessarem o Mar Vermelho,
alcançando a liberdade e a possibilidade de começarem uma vida nova. A situação do povo no Egito, sua
organização social, política e econômica, também se encontra no final do livro do Gênesis (Gn 47,13-26).
A experiência da libertação é o fundamento para receberem os 10 mandamentos e para reorganizarem
a sua vida com o novo jeito de ser e viver: com autonomia, liberdade e a participação de todos. É o tema
mais importante do Primeiro Testamento, referência para os profetas criticarem ou apoiarem os governantes,
e tema central na liturgia, como poderemos ver nos Salmos.
Mais tarde, quando novamente o povo de Israel e de Judá perdeu a liberdade e a terra que haviam
recebido de Deus, a fidelidade ao Deus libertador do Êxodo será novamente a referência básica para
reanimar o povo e alimentar a esperança.
Jesus também realizou o seu êxodo. Conforme Mateus teve que se exilar no Egito para fugir da
perseguição de Herodes (Mt 2,13-18), podendo regressar à terra de Israel quando Herodes morreu (Mt 2, 19-
23). Na sua vida pública, depois de ter percorrido toda a Galiléia Jesus realizou o seu grande êxodo,
peregrinando do norte da Galiléia até Jerusalém (Mc 8,11ss; Lc 9,51ss; Mt 13,53ss). Com sua morte e
ressurreição Ele realiza o Êxodo definitivo. Jesus volta ao Pai e envia o seu Espírito, dando-nos a paz.
Deserto: (Ex 16-18; Nm 10,11-36,13; Dt).
Deserto é o lugar da provação, de preparação, de vida ou morte. Refere-se tanto a um lugar geográfico
de pouca água e comida, como a uns lugares retirados, silenciosos, de confronto pessoal.
2
No capítulo 2 do livro de J. KONINGS, A Bíblia nas suas origens e hoje – encontramos mais informações sobre este assunto.
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Para o povo da Bíblia significou um tempo de longa aprendizagem. Em Êxodo capítulos 16 a 18


encontramos um resumo das dificuldades que o povo encontrava no deserto: dificuldades para conseguir
água e comida; para defender-se das ameaças dos inimigos; e para encontrarem um novo jeito de se
organizarem, descentralizado e participativo. Assim, seguiram sua marcha até chegarem ao monte Sinai (Ex
16-18). Lá receberam as instruções, as quais podemos encontrar no livro do Êxodo, capítulos 19 a 40; no
livro do Levítico capítulos 1 a 27; e o livro dos Números, capítulos 1 a 10. Somente então levantaram
acampamento para seguir peregrinando até ocuparem o planalto central de Canaã, depois de atravessarem o
Rio Jordão.
As montanhas do deserto tem sido lugar de refúgio e de encontro com o Senhor. Foi lá que Moisés viu
a sarça ardente e se encontrou com o Senhor que revelou o seu nome e lhe confiou a missão de liderar a
libertação do povo (Ex 3); o profeta Elias, fugindo da perseguição, adentrou o deserto (1 Rs 19,4) e
encontrou o Senhor na brisa mansa, sendo confirmado na sua missão de ungir novos reis e um profeta para
sucedê-lo (1 Rs 19).
No Novo Testamento encontramos primeiramente João Batista batizando no deserto e pregando um
batismo de conversão (Mc 1,4), e Jesus que vai ao seu encontro e, depois de receber o batismo, passa 40 dias
jejuando no deserto onde é provado e, em seguida, tentado por toda sorte de ofertas. Constantemente Jesus se
retira para lugares desérticos para buscar a vontade do Pai, especialmente diante de decisões difíceis como a
escolha dos doze discípulos (Lc 6,12), para avaliar a prática missionária dos discípulos (Mc 6,31), e na hora
derradeira, no horto das oliveiras, antes de ser entregue por um de seus companheiros (Mc 14,32ss).
Aliança/Lei/instruções – (Ex 19-40; Lv 1-27; Nm 1,1-10,10).
Encontramos duas versões dos dez mandamentos, praticamente idênticas: No livro do Êxodo, capítulo
20 e no livro do Deuteronômio, capítulo 5. No entanto, as instruções que o Senhor dá ao seu povo são bem
mais demoradas. Ocupam 21 capítulos do livro do Êxodo (Ex 19-40), os 27 capítulos do livro do Levítico e
os 10 primeiros capítulos do livro dos Números. A Bíblia Hebraica chama a todo este conjunto de Torá, o
que significa, na língua hebraica, instruções. Na tradução do hebraico para o grego, usou-se a palavra LEI.
Por isso, o Pentateuco é conhecido por nós como os cinco livros da lei.
O fundamento para que Deus desse as leis ao povo é o seguinte: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te
tirou do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2; Dt 5,6). Assim começa o decálogo. Este é o argumento que
dá autoridade de Deus para ditar os dez mandamentos: Ele é o Deus Libertador que tirou o povo da
escravidão.
O tema da aliança, porém, já aparece antes da promulgação do decálogo, com Noé (6,18; 9,9), onde
Deus promete não destruir mais o mundo com outro dilúvio; com Abraão, prometendo-lhe descendência e
prosperidade (Gn 15,8; 17,1).
A fidelidade ou não fidelidade à aliança vai ser o critério de avaliação da história do povo de Deus,
desde a conquista da terra prometida, comandada por Josué, pelo ano 1230 antes de Cristo (aC), até o exílio
da Babilônia, em 587 aC, quando perdem novamente a terra e a liberdade. Esta história se encontra
registrada numa primeira versão nos livros de Josué e Juízes, no primeiro e segundo livro de Samuel e no
primeiro e segundo livro dos Reis; mais tarde, pelo ano de 300 aC esta história é recontada no primeiro e
segundo livro das Crônicas.
Mas são os profetas que não tiravam os olhos do horizonte do Êxodo e denunciavam os reis, os
governantes e o povo por se desviarem da LEI de Deus. Pelo fato de confiarem mais nas alianças com os
poderosos acabam conduzindo o povo para a desgraça. Folheie, por exemplo, o profeta Oséias, Amós e
Miquéias, e veja como eles agem com firmeza.
Quando o povo todo estava penando por causa da infidelidade dos reis e da ganância do povo, os
profetas souberam consolar o povo e alimentar a esperança. O profeta Jeremías fala de uma nova aliança em
que a lei do Senhor será gravada no coração das pessoas: “Serei o Deus deles, e eles, o meu povo” (Jr 31,31-
34); o profeta Ezequiel fala da esperança de ser reconduzido à terra com um coração novo e um espírito novo
(Ez 36,24-28).
Os salmos celebram a lei, a aliança, os mandamentos, os preceitos... O Salmo 119 (118), de modo
particular, em cada um de seus 176 versículos, utiliza-se de um sinônimo da palavra LEI, para celebrar a
instrução do Senhor.
Em Jesus se realiza a nova aliança em seu sangue (Mc 14,24; 1 Cor 11,25), renovada em nós ao
celebrarmos os sacramentos, especialmente a Eucaristia.
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Conquista da Terra: (Josué e Juízes)


Terra é um dos quatro elementos fundamentais da natureza, que com a água, a luz e o ar propiciam um
ambiente de florescimento da vida. Do suor do trabalho de cultivar a terra sai o sustento do agricultor. Para
várias etnias indígenas, a terra é mãe. Afinal, somos feitos da terra (Gn 2,7) e para a terra haveremos de
retornar.
Os livros que falam da conquista da terra, isto é, o presente que Deus dá ao povo hebreu, são os livros
de Josué e o livro dos Juízes. A entrada na Terra Prometida é narrada de maneira solene, quase como um
ritual litúrgico, no livro de Josué. Há muitos exageros para deixar claro aos leitores de que Deus foi fiel a sua
promessa e deu a terra ao seu povo. Se mais tarde vieram a perdê-la, foi por causa da infidelidade à lei e à
aliança, realizadas com Deus e entre o povo. O livro dos Juízes, mais realista que o de Josué, fala da
consolidação das tribos que, pouco a pouco, vão se fortalecendo e firmando na terra dos cananeus.
Mas o tema da terra está presente praticamente em todos os livros: No livro do Gênesis a terra faz
parte da promessa de Deus e da missão de Abraão de ir à busca da terra que Deus lhe iria mostrar (Gn 12,1-
3). Justamente esta é também a promessa e a missão que Moisés recebe de Deus, de conduzir o povo à “terra
onde corre leite e mel” (Ex 3,7s). Terra é sinal de bênção. Sempre que o povo de Deus abandona o Deus da
vida e segue outros projetos, acaba perdendo a terra, o que equivale dizer, a bênção, a proteção divina.
Isaías fala da criação do “novo céu e da nova terra” (Is 65,17) para anunciar os tempos messiânicos,
onde as angústias e os sofrimentos serão superados. O mesmo tema é retomado no livro do Apocalipse de
São João, que vê nas realidades escondidas a chegado do tempo em que o Emanuel, o Deus conosco,
“enxugará todas as lágrimas” (Ap 21,1-4).
Jesus proclama “felizes os mansos, porque receberão a terra por herança” (Mt 5,5). Mas não fala
muito do tema da terra. Fala antes em Reino de Deus, expressão que aparece 99 vezes em sua boca, para
falar da terra prometida, “da vida em abundância” (Jo 10,10). O povo Guarani fala em “terra sem males”.
Será que, no fundo, não se está falando da mesma realidade?
1.3. Êxodo, o tema de referência
O Êxodo é o acontecimento mais importante da história de Israel. Está na base, no fundamento da fé
de Israel. Nisto estão de acordo tanto os redatores finais do Pentateuco, de tradição sacerdotal, quanto os
redatores dos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, que são da tradição deuteronomista.
O Êxodo recorda não somente a saída do Egito, mas também a constituição do Povo Eleito: de toda
criatura humana (Gn 1,26-27), de Abraão como patriarca (Gn 12,1-4) e de Israel como povo (Ex 3,17-20).
O Êxodo representa LIBERTAÇÃO: da escravidão para a liberdade; de povo subjugado para um povo
eleito; de um politeísmo pagão para um monoteísmo javista.
No Êxodo se dá a revelação de Deus como um Deus que está aí, com toda certeza presente, junto a seu
povo (Ex 3, 12.14);
No Êxodo se dá a proteção de Deus no deserto: contra a fome (Ex 16); contra a sede (17,1-7), contra a
agressão dos inimigos (Ex 17,8-16); contra a divisão interna (Ex 18).
A garantia da realização das promessas de Deus depende da fidelidade à Aliança realizada no monte
Sinai. A observância das leis significará bênção eficaz; a não observância significa assumir o risco por conta
própria. A aliança no Sinai é como a carta magna. Todas as leis foram inseridas neste meio, do livro do
Êxodo ao Deuteronômio.
O Êxodo é também o referencial da organização do povo, estabelecendo anciãos (Ex 24,1), chefes (Ex
18; Nm 11), sacerdotes (Ex 28) e, até mesmo reis (Dt 17,14-20), com critérios e limitações claramente
estabelecidas.

2. A HISTÓRIA DA REDAÇÃO DO PENTATEUCO E DA OBRA


HISTORIOGRÁFICA DEUTERONOMISTA
2.1. O desenvolvimento dos temas
Estes temas se desenvolveram igual embrião no meio do povo. Ao todo somam 800 anos de história da
redação.
Bem antes do surgimento de Moisés, os “filhos de Israel” que viviam na Palestina e na Síria
cultivavam as suas tradições: seus rituais, mitos, lendas, poesias e sagas, contadas oralmente. Também os
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hebreus, vindos do Egito, contavam suas histórias em volta das fogueiras. As histórias geralmente eram
repetidas quando se ia a um lugar sagrado, como Betel (Gn 28,19), ou a montanha sagrada, o monte Horeb.
Os pastores sacrificavam animais sobre um altar de pedras rústicas e os agricultores ofereciam os frutos da
terra (Gn 4,1-16).
Aos poucos foram surgindo também tradições e documentos do tempo do êxodo e da conquista da
terra. A memória era feita em torno da figura de Moisés (1250 aC): o Decálogo ético (Ex 20; Dt 5) e o
decálogo ritual (Ex 34); as canções antigas como a de Miriam, irmã de Moisés, cantando a vitória que Javé
concedeu aos Hebreus (Ex 15,21), o cântico de Débora (Jz 5) e de Josué (Js 10,13); a história de Balaão (Nm
22-24).
Fala-se de alguns livros que não se conservaram, como “o livro das guerras de Javé” (Nm 21,14); o
“livro do justo” ou o “livro do canto” (Js 10,13; 2 Sm 1,18) e o “livro dos atos de Salomão, mencionado no
primeiro livro dos Reis (1 Rs 11,41)”.
Surge também uma coleção ampliada de Leis (Ex 21, 21-23,33) e lendas em torno dos Juízes.
Quando Israel fez a opção pela monarquia com Saul, Davi e Salomão, começou-se a crônica escrita,
mencionada, por exemplo, em 1 Rs 14,29; 15, 7.32.31; 16,5.... Aos poucos surgem também coleções de
cânticos religiosos e tradições diferentes no norte e no sul.
Em 931 aC as 10 tribos do Norte se tornam independentes, criando o Reino de Israel. Lá se
desenvolveu a tradição Eloísta (E). Originalmente conheceram a Deus com o nome de EL, donde vem o
nome Israel. Quando perderam a sua independência, sendo dominados e exilados pelos Assírios em 722 aC,
sua tradição foi incorporada à tradição Javista (J), do reino de Judá, ao sul.
A destruição do Reino de Israel serviu como um alerta ao reino de Judá. O rei Ezequías iniciou uma
série de reformas, levada até o fim pelo rei Josías, em 620 aC. Esta reforma teve como base o “livro da lei”
encontrado no templo de Jerusalém. Este fato é mencionado em 2 Reis 22,8. Os estudiosos da Bíblia acham
que este livro seria o núcleo primitivo do livro do Deuteronômio, os atuais capítulos 12-26. Com isto se deu
impulso à tradição deuteronomista (D).
Quando o Reino de Judá também foi destruído em 587 aC, pelos Babilônios, deu-se impulso a uma
nova tradição, a tradição sacerdotal (P – do alemão Priester), redigindo os “livros de Moisés”: Gênesis,
Êxodo, Levítico e Números. Um dos grandes profetas responsáveis para alimentar a esperança deste povo
exilado foi o Profeta Ezequiel e os discípulos do profeta Isaías que escreveram a segunda parte do livro de
Isaías, os capítulos 40 a 55.
Os pobres que não foram exilados, ajudados pelo profeta Jeremías, com a chave de leitura do núcleo
primitivo do livro de Deuternonômio (Dt 12-26), fizeram uma releitura da história e escreveram os livros de
Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis, chamados pela Bíblia Hebraica de Profetas Anteriores e, pelos
biblistas cristãos, de “Historiografia Deuteronomista” (HD) ou “Obra Historiográfica Deuteronomista”
(OHD).
A redação final veio a acontecer somente pelo ano 400 aC, com o retoque final da tradição sacerdotal.
Nem todos os estudiosos da Bíblia concordam com isto, mas com uma coisa todos concordam: O livro
do Deuteronômio é a conclusão do Pentateuco e a introdução aos livros da historiografia deuteronomista.
2.2. Algumas teorias sobre a elaboração destes livros
Vejamos duas teorias de composição destes livros: De Gottwald e de Konings 3.
Gottwald explica o seguinte:
1. Houve primeiramente um núcleo original que relata o tempo da servidão e a libertação do povo hebreu
do Egito, sob a liderança de Moisés, e a conquista da terra, com Josué (1200 aC);
2. Depois, pelo ano 1100 aC, acrescentou-se um primeiro prefácio, que narra as tradições das tribos do
Norte, em torno do patriarca Jacó, e das tradições dos patriarcas Abraão e Isaac, do sul, de maneira
separada. Uma segunda redação do prefácio organiza a narrativa das tradições em torno de uma
mesma árvore genealógica: Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou José, dos descendentes
de José nasceu Moisés, substituído por Josué para conduzir o povo à terra prometida.
3. Pelo ano 1025 aC realizou-se uma ampliação interna: a liderança de Moisés no deserto e o relato da
aliança e das instruções recebidas no monte Sinai / Horeb.
4. Finalmente houve um acréscimo posterior sobre os relatos da criação, pelo ano 950-900 aC, e os
reveses e a consolidação da conquista da terra, pelos anos 609 a 550 aC.

3
No livro de Gottwald, páginas 146-147; no livro de Konings, p. 80-82.
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Teoria de Johan Konings


Johan Konings apresenta a seguinte teoria sobre a composição do Pentateuco, destacando as diferentes
tradições:
1. Primeiramente houve a tradição oral: ritos, narrações sobre os patriarcas, a epopéia do êxodo, a
história da conquista da terra. Este período vai desde os patriarcas ao reinado de Davi e Salomão.
2. Surge um documento escrito, em forma de narrativa, que se inicia com a criação de Adão e Eva (Gn
2,4b) e termina na história do êxodo, narrada no livro dos Números. Este documento se caracteriza
pelo uso constante do nome Javé, sendo por isso chamado Javista, por sua teologia bastante
popular, apresentando um Deus próximo. Deus vem passear no jardim, a procura de seus amigos
(Gn 3,8);
3. Existem traços de um outro texto que narra a história dos patriarcas ao êxodo. Ele se caracteriza
por chamar a Deus normalmente de Elohim. Por isso este documento é chamado de eloísta. Sua
imagem de Deus é mais distante, introduzindo anjos para resguardar a transcendência de Deus.
Sua teologia é também mais severa e moralista. Eles usam o termo Javé, somente a partir da
revelação do nome de Deus a Moisés, no monte Sinai (Ex 3,15).
4. Um terceiro documento recolhia tradições relacionadas com o culto. Está mais presente no livro do
Levítico. Foi chamado pelos estudiosos alemães de “código sacerdotal”.
5. Durante o exílio da Babilônia os sacerdotes realizaram a fusão da tradição javista e eloísta com a
sacerdotal, dando origem ao tetrateuco: Gn-Ex-Lv-Nm.
6. Ampliação do “Deuteronômio primitivo” (Dt 12-26) durante o período do exílio com discursos
atribuídos a Moisés, colocado à frente dos livros históricos chamados de “historiografia
deuteronomista” (Js; Jz; 1 Sm; 2 Sm; 1 Rs; 2 Rs).
7. Depois do exílio babilônico, o livro do Deuteronômio foi destacado da obra deuteronomista e
acrescentado ao “tetrateuco”. Assim chegou-se ao Pentateuco. Certamente isso significou uma
aproximação entre o grupo que escreveu os primeiros livros da Bíblia durante o exílio, na Babilônia,
com o grupo dos que ficaram na Palestina e escreveram o livro de Deuteronômio, e toda obra
deuteronomista (do livro de Josué ao segundo livro dos Reis).
8. Os sacerdotes fizeram uma redação final do Pentateuco pelo ano 400 aC.

BIBLIOGRAFIA:
 KONINGS, Johan. A Bíblia nas suas origens e hoje. Vozes, 1998.
 GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas,
1988.
 CEBI, Formação do Povo de Israel, Cebi /Paulus.

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