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Mata Atlântica

Biodiversidade, Ameaças e Perspectivas


Mata Atlântica
Biodiversidade, Ameaças e Perspectivas

Editado por
Carlos Galindo-Leal e
Ibsen de Gusmão Câmara

Fundação SOS Mata Atlântica


Conservação Internacional

Centro de Ciências Aplicadas à Biodiversidade

Belo Horizonte
2005
Título original: The Atlantic Forest of South America: biodiversity status,
threats, and outlook. Washington: Island Press, Center for Applied Biodiversity
Science at Conservation International. 2003.
Copyright © 2003 por Conservation International

Copyright da tradução © 2005 por Fundação SOS Mata Atlântica e Conser-


vação Internacional

Aliança para Conservação da Mata Atlântica


Conservação Internacional Fundação SOS Mata Atlântica
Presidente: Angelo B. M. Machado Presidente: Roberto Luiz Leme Klabin
Vice-presidentes: José Maria C. da Silva Vice-presidente: Paulo Nogueira-Neto
Carlos A. Bouchardet Diretoria de Gestão do
Programa Mata Atlântica: Conhecimento: Márcia M. Hirota
Luiz Paulo S. Pinto (Diretor) Diretoria de Captação de
Adriana Paese, Adriano P. Paglia, Recursos: Adauto T. Basílio
Ivana R. Lamas, Lúcio C. Bedê, Diretoria de Mobilização: Mario Mantovani
Mônica T. Fonseca

Coordenação da tradução: Ivana R. Lamas


Tradução: Edma Reis Lamas
Revisão técnica: Lívia Vanucci Lins
Revisão de texto: Ana Martins Marques e Marcílio França Castro

Editoração e arte-final: IDM Composição e Arte


Capa: Ricardo Crepaldi
Fotos: Andrew Young (capa), João Makray (p. 1, 25), Haroldo Palo Jr. (p. 137),
Russel Mittermeier (p. 265, 353) e Haroldo Castro (p. 457)

Ficha catalográfica: Andrea Godoy Herrera CRB 8/2385


M41 Mata Atlântica : biodiversidade, ameaças e perspectivas / editado por
Carlos Galindo-Leal, Ibsen de Gusmão Câmara ; traduzido por Edma
Reis Lamas. – São Paulo : Fundação SOS Mata Atlântica — Belo
Horizonte : Conservação Internacional, 2005.
472 p. : il., mapas, grafs, tabelas ; 25,2 x 17,8 cm.
(State of the hotspots, 1)
Título original: The Atlantic forest of South America: biodiversity
status, threats, and outlook
ISBN: 85-98946-02-8 (Fundação SOS Mata Atlântica)
85-98830-05-4 (Conservação Internacional)
1. Mata Atlântica 2. Diversidade biológica I. Galindo-Leal, Carlos
II. Câmara, Ibsen de Gusmão III. Título
Sumário

Apresentação da edição brasileira ............................................................... ix


Angelo B. M. Machado e Roberto Klabin
Apresentação da edição original ................................................................. xi
Gordon E. Moore
Prefácio .................................................................................................xiii
Gustavo A. B. da Fonseca, Russell A. Mittermeier e Peter Seligmann
Agradecimentos .................................................................................... xvii

I. INTRODUÇÃO
1. Status do hotspot Mata Atlântica: uma síntese .............................. 3
Carlos Galindo-Leal e Ibsen de Gusmão Câmara
2. Estado dos hotspots: a dinâmica da perda de biodiversidade ...... 12
Carlos Galindo-Leal, Thomas R. Jacobsen,
Penny F. Langhammer e Silvio Olivieri

II. BRASIL
3. Dinâmica da perda da biodiversidade na Mata Atlântica
brasileira: uma introdução ...................................................... 27
Luiz Paulo Pinto e Maria Cecília Wey de Brito
4. Breve história da conservação da Mata Atlântica ...................... 31
Ibsen de Gusmão Câmara
5. Estado da biodiversidade da Mata Atlântica brasileira ............... 43
José Maria Cardoso da Silva e Carlos Henrique M. Casteleti
6. Monitoramento da cobertura da Mata Atlântica brasileira
Márcia Makiko Hirota ............................................................... 60
7. Prioridades de conservação e principais causas da perda de
biodiversidade nos ecossistemas marinhos ................................. 66
Silvio Jablonski
8. Espécies ameaçadas e planejamento da conservação ................... 86
Marcelo Tabarelli, Luiz Paulo Pinto, José Maria Cardoso da Silva
e Cláudia Maria Rocha Costa
vi Sumário

9. Passado, presente e futuro do mico-leão-dourado e de


seu hábitat ................................................................................. 95
Maria Cecília M. Kierulff, Denise M. Rambaldi
e Devra G. Kleiman
10. Causas socioeconômicas do desmatamento na
Mata Atlântica brasileira .......................................................... 103
Carlos Eduardo Frickmann Young
11. Os Corredores Central e da Serra do Mar na
Mata Atlântica brasileira .......................................................... 119
Alexandre Pires Aguiar, Adriano Garcia Chiarello,
Sérgio Lucena Mendes e Eloina Neri de Matos
12. Iniciativas políticas para a conservação da
Mata Atlântica brasileira .......................................................... 133
José Carlos Carvalho

III. ARGENTINA
13. Dinâmica da perda da biodiversidade na Mata Atlântica
argentina: uma introdução ...................................................... 139
Alejandro R. Giraudo
14. Breve história da conservação da Floresta do Paraná ............... 141
Juan Carlos Chebez e Norma Hilgert
15. Status da biodiversidade da Mata Atlântica de Interior da
Argentina ................................................................................. 160
Alejandro R. Giraudo, Hernán Povedano, Manuel J. Belgrano,
Ernesto R. Krauczuk, Ulyses Pardiñas, Amalia Miquelarena,
Daniel Ligier, Diego Baldo e Miguel Castelino
16. Ameaças de extinção das espécies-bandeira da
Mata Atlântica de Interior ....................................................... 181
Alejandro R. Giraudo e Hernán Povedano
17. Perspectivas para a conservação de primatas em Misiones ....... 194
Mario S. Di Bitetti
18. A perda da sabedoria Mbyá: desaparecimento de um
legado de manejo sustentável ................................................... 200
Angela Sánchez e Alejandro R. Giraudo
19. Raízes socioeconômicas da perda da biodiversidade em
Misiones .................................................................................. 207
Silvia Holz e Guillermo Placci
Sumário vii

20. Capacidade de conservação na Floresta do Paraná ................... 227


Juan Pablo Cinto e María Paula Bertolini
21. Análise crítica das áreas protegidas na Mata Atlântica da
Argentina ................................................................................. 245
Alejandro R. Giraudo, Ernesto R. Krauczuk,
Vanesa Arzamendia e Hernán Povedano
22. Última oportunidade para a Mata Atlântica ............................ 262
Luis Alberto Rey

IV. PARAGUAI
23. Dinâmica da perda da biodiversidade na Mata Atlântica
paraguaia: uma introdução ...................................................... 267
José Luis Cartes e Alberto Yanosky
24. Breve história da conservação da Mata Atlântica de Interior ... 269
José Luis Cartes
25. Status da biodiversidade da Mata Atlântica de Interior do
Paraguai ................................................................................... 288
Frank Fragano e Robert Clay
26. Aspectos socioeconômicos da Mata Atlântica de Interior ........ 308
Ana Maria Macedo e José Luis Cartes
27. O aqüífero Guarani: um serviço ambiental regional ............... 323
Juan Francisco Facetti
28. Capacidade de conservação na Mata Atlântica de Interior
do Paraguai .............................................................................. 326
Alberto Yanosky e Elizabeth Cabrera

V. QUESTÕES TRINACIONAIS
29. Dinâmica da perda da biodiversidade: uma introdução
às questões trinacionais ............................................................ 355
Thomas R. Jacobsen
30. Espécies no limiar da extinção: vertebrados terrestres
criticamente em perigo ............................................................ 358
Thomas Brooks e Anthony B. Rylands
31. Reunindo as peças: a fragmentação e a conservação
da paisagem ............................................................................. 370
Carlos Galindo-Leal
viii Sumário

32. Florestas em perigo, povos em desaparecimento:


diversidade biocultural e sabedoria indígena ............................ 379
Thomas R. Jacobsen
33. Visitas indesejadas: a invasão de espécies exóticas .................... 390
Jamie K. Reaser, Carlos Galindo-Leal e Silvia R. Ziller
34. Extração e conservação do palmito .......................................... 404
Sandra E. Chediack e Miguel Franco Baqueiro
35. Impacto das represas na biodiversidade da Mata Atlântica ...... 411
Colleen Fahey e Penny F. Langhammer
36. Povoando o meio ambiente: crescimento humano,
densidade e migrações na Mata Atlântica ................................ 424
Thomas R. Jacobsen
37. O Mercosul e a Mata Atlântica: um marco regulatório
ambiental ................................................................................. 434
María Leichner
38. Um desafio para conservação: as áreas protegidas da
Mata Atlântica ......................................................................... 442
Alexandra-Valeria Lairana

VI. CONCLUSÃO
39. Perspectivas para a Mata Atlântica ........................................... 459
Carlos Galindo-Leal, Ibsen de Gusmão Câmara e
Philippa J. Benson

Sobre os colaboradores ............................................................................ 467


PARTE V
Questões
trinacionais
Capítulo 35

Impactos das represas


na biodiversidade da Mata Atlântica
Colleen Fahey e Penny F. Langhammer

A construção de centenas de represas na Mata Atlântica nos últimos 50 anos


afetou drasticamente as comunidades biológicas e humanas da região. Algumas
das maiores represas do mundo estão localizadas nesse hotspot. Os impactos não
são exclusivos da região da Mata Atlântica – 60% das maiores bacias
hidrográficas do mundo estão altamente ou moderadamente fragmentadas por
represas e sistemas de irrigação (WCD, 2000). Embora o número de extinções
causadas diretamente pelas represas em todo o mundo não tenha sido
determinado, ele é provavelmente significativo. Os barramentos são considerados
a principal causa de ameaça e de extinção de um quinto das espécies de peixes de
água doce do mundo (McCully, 2001).
As represas são construídas principalmente para produção de energia elétrica,
armazenamento de água e controle de inundações. Outros benefícios incluem a
irrigação e a recreação. A lista de conseqüências negativas da construção de
represas, no entanto, sugere que os benefícios podem não compensar os custos.

Impactos nos ecossistemas e na biodiversidade


O impacto das represas na biodiversidade ocorre em vários níveis ecológicos,
e algumas conseqüências não podem ser previstas ou mensuradas. A implantação
de barramentos e o subseqüente enchimento dos reservatórios inundam um
incontável número de plantas e animais. No caso de organismos cuja área de
distribuição situa-se inteiramente no interior da área inundada, a construção de
uma represa pode significar o completo desaparecimento de uma espécie. São
situações típicas de impacto na biodiversidade a perda de hábitat, o bloqueio da
migração, a introdução de espécies exóticas e alterações na hidrologia, na
qualidade da água, na morfologia e na composição de rios e sistemas ribeirinhos.

Perda de hábitat
A construção de represas e a conseqüente inundação de grandes áreas de terra
resultam em significativa perda de hábitat. As represas também isolam os

413
414 QUESTÕES TRINACIONAIS


Represa
Rio Curuá-Una
N Represa Balbina 40º W
eg

ro Represa
Tucuruí
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s
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Represa Samuel

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55º W


BRASIL
15 º S

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Represa
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I

Represa
Itaipu
Ri

Represa Represa
Yacyretá Tijuco Alto
Represa
Urugua-í
guai Rios
ru Fronteiras internacionais
U
ARGENTINA Represas mencionadas no texto
io
R

Represas na bacia do Paraná

500 0 500 1000 km


URUGUAI

Dados de represas adaptados de Eletrobrás (1999).

Figura 35.1. Localização das principais represas hidrelétricas do hotspot Mata Atlântica e de
outras mencionadas no texto.

hábitats remanescentes de muitas espécies terrestres, e as populações menores


restantes enfrentam maiores riscos de extinção. A hidrelétrica de Itaipu, uma das
maiores usinas hidrelétricas do mundo, inundou pelo menos 1.350km2 da Mata
Atlântica de Interior e seus ecossistemas associados no Brasil e no Paraguai
(Figura 35.1) (McCully, 2001). O reservatório da recém-concluída hidrelétrica
de Porto Primavera, no rio Paraná, que atingiu os estados brasileiros de São
Paulo e do Mato Grosso do Sul, inundou mais de 2.200km2 de hábitat (Valente,
1997). Essa área mantinha importantes populações de cervo-do-pantanal
(Blastocerus dichotomus), de jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) e de
capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) (Mourão e Campos, 1995).
Os rios, as planícies alagadas e os hábitats associados são alguns dos
ecossistemas mais diversificados da terra (Ward, 1998; McCully, 2000).
Impactos das represas na biodiversidade da Mata Atlântica 415

São Paulo
Juguiá
Tijuco
Alto

ra
ei Registro
Rib

Paraná

Curitiba Cidades
Cidades
Iguaçu
Represas propostas
Represas propostas
Represas existentes
Represas existentes
Cobertura florestal
Cobertura florestal
Rios
Rios
26 S 26 S
Limites estaduais
Limites estaduais
Santa 48 W 48 W
Catarina 30 30 0 30 30 60 km
0 60 km
Jaraguá do Sol
a a

Itaipu zú
Igua
io

Urugua-í

PARAGUAI
San Pedro

ra

a
i oP ARGENTINA
R

Corpus Christi
es
ion
Yacyretá ss
Mi

Posadas
Cidades Roncador/
Represas propostas Parambí
ai

rugu
Represas existentes io U
R

Cobertura florestal
BRASIL
Rios
Garabi
40 0 40 80 km

B b

Localização das represas segundo Eletrobrás (1999). Dados de cobertura florestal segundo
Fundação SOS Mata Atlântica (Brasil), Fundación Moisés Bertoni (Paraguai) e Fundación
Vida Silvestre Argentina (Argentina).

Figura 35.2. Represas hidrelétricas propostas nas regiões sudeste (a) e sudoeste (b) do hotspot
Mata Atlântica.

Localizada no rio Paraná, entre o Paraguai e a Argentina, a represa de Yacyretá


(Figuras 35.1 e 35.2) inundou mais de 1.000km2 de ilhas fluviais e florestas
ribeirinhas e afetou mais de 500 espécies de vertebrados (Chebez, com. pess.,
2002). Além das florestas ribeirinhas, as comunidades de savanas localizadas ao
longo das margens dos rios – caracterizadas por gramíneas, pequenos arbustos,
ervas e, ocasionalmente, pequenas árvores – foram completamente eliminadas
pela inundação do reservatório (Jiménez e Espinoza, 2000).
416 QUESTÕES TRINACIONAIS

Bloqueio da migração
Os reservatórios impedem os movimentos e as migrações de espécies, tanto
aquáticas quanto terrestres. Animais terrestres cujos hábitats foram isolados e
fragmentados por uma represa podem não ser capazes de nadar através do
reservatório até outras porções de hábitat. As represas impedem a migração de
peixes e mudam a composição de espécies e a estrutura biótica das comunidades
à jusante, interrompendo ou impedindo os padrões de fluxo regular dos rios
(Petts, 1984; Walker, 1985; Dudgeon, 1992). Muitas espécies de peixes
dependem dos padrões de fluxo regular para migração, alimentação e reprodução.
As “escadas de peixes” foram anunciadas como uma solução para restaurar os
padrões de migração de muitas espécies, mas tiveram sucesso limitado. As
“escadas de peixes” ou “elevadores” instalados na represa de Yacyretá, no rio
Paraná, a um custo de US$30 milhões, por exemplo, foram baseadas em um
modelo usado para o salmão e inadequado para muitas espécies do rio Paraná
que viajam rio acima e rio abaixo (McCully, 2001).

Espécies exóticas invasoras


Espécies exóticas de peixes são freqüentemente introduzidas nos reservatórios
para aumentar o valor recreativo das represas e para gerar pesca economicamente
produtiva (ver Capítulo 33). Os hábitats naturais são drasticamente modificados
pela construção de represas e pelo enchimento dos reservatórios, e os novos
hábitats são freqüentemente mais favoráveis às espécies exóticas de peixes, assim
como a outros organismos introduzidos intencionalmente ou acidentalmente
(WCD, 2000). O caramujo-da-malásia (Melanoides tuberculata) foi introduzido
em várias partes da Mata Atlântica brasileira para controlar espécies nativas de
caramujos hospedeiros da doença tropical esquistossomose. Essa espécie exótica,
no entanto, está agora agindo como vetor de outras doenças (ver Capítulo 33).
Além de carregar doenças, as plantas e os animais exóticos podem ser predadores
ou competidores de espécies nativas ou podem modificar ecossistemas em uma exten-
são tal que muitas espécies nativas não podem mais sobreviver (WCD, 2000).

Alterações na hidrologia, na qualidade da água, na morfologia e


na composição dos rios
Os efeitos das represas no ambiente físico incluem alterações no regime de
cheias dos rios, interrupção dos fluxos de água e nutrientes, degradação da
qualidade da água e alteração da morfologia dos rios e da paisagem ao redor
(Allan e Flecker, 1993; Noss e Cooperrider, 1994). A qualidade da água no
reservatório de uma represa é freqüentemente degradada pela decomposição da
vegetação que não foi removida antes do enchimento do reservatório. A
decomposição de árvores submersas e plantas aquáticas cria condições de água
anóxica e ácida (Garzon, 1984), freqüentemente resultando em considerável
mortalidade de peixes. As represas também podem mudar a temperatura da água
tanto à montante quanto à jusante, o que pode afetar muitas espécies. Além
Impactos das represas na biodiversidade da Mata Atlântica 417

disso, a redução da quantidade do fluxo de água à jusante pode causar aumento


da salinidade da água na foz dos rios em níveis letais para os peixes e outros
organismos aquáticos. Os ciclos de vida de várias espécies aquáticas dependem
dos pulsos de água e nutrientes trazidos pelo regime de cheias anuais, que é
especificamente modificado pelas represas (WCD, 2000; McCully, 2001).
Como um resultado da modificação das condições ecológicas e ambientais
que acompanha a construção das represas, a composição das comunidades
biológicas altera-se drasticamente. Em conseqüência da criação da represa de
Yacyretá, ocorreram alterações marcantes nas comunidades de peixes do rio
Paraná. As variedades detritívoras aumentaram, as populações de peixes
frugívoros decresceram e as de peixes carnívoros diminuíram acentuadamente
(Corcuera, 1997; Bertonatti e Corcuera, 2000).

Emissão de gases causadores do efeito estufa


Os defensores das represas argumentam que as usinas hidrelétricas são uma
alternativa mais “limpa” que os combustíveis fósseis. Entretanto, os reservatórios
emitem uma enorme quantidade de dióxido de carbono e metano, principal-
mente como resultado da decomposição da vegetação que não é removida
(Fearnside, 1995). Somente em 1990, as quatro maiores represas da região
amazônica – Balbina, Curuá-Una, Samuel e Tucuruí – emitiram 250 mil
toneladas de gás metano e 38 milhões de toneladas de dióxido de carbono
(Fearnside, 1995) (Figura 35.1). Inicialmente, acreditava-se que os reservatórios
liberavam a maioria dos gases estufa imediatamente após o seu fechamento, mas
estudos recentes indicaram que a quantidade de gases liberados diminui pouco
com o passar do tempo (McCully, 2001). Os gases estufa são emitidos a partir da
superfície do reservatório e na liberação da água da represa. A quantidade de
metano liberado durante a descarga pode ser 13 vezes maior que a emitida a
partir da superfície do reservatório (Fearnside, 2001). Nos trópicos, onde as
represas comumente alagam grandes áreas de florestas, o impacto no
aquecimento global pode ser muito maior do que seria se a mesma energia fosse
produzida com a utilização de combustíveis fósseis (Fearnside, 1995).

Desaparecimento de tesouros
Na Mata Atlântica, a perda e a alteração de hábitats que acompanham a
implantação de represas levaram várias espécies ao limiar da extinção. No início
de 1997, ornitólogos brasileiros descobriram uma nova espécie de ave que habita
gramíneas altas de áreas úmidas. O macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis)
foi descoberto em três localidades ao longo do rio Iraí, no leste do estado do
Paraná (Bornschein et al., 1998). A descoberta dessa ave coincidiu com os planos
de fechamento da represa do rio Iraí, em 1998, que inundou o hábitat de área
úmida único do macuquinho-da-várzea. A proteção da espécie foi defendida com
base em diversas razões: populações pequenas existem apenas em algumas poucas
áreas extremamente fragmentadas, pouco é conhecido sobre sua história natural,
seu hábitat está em declínio contínuo e também abriga outras espécies
418 QUESTÕES TRINACIONAIS

ameaçadas, como o curiango-do-banhado (Eleothreptus anomalus). Apesar da


grande campanha de protestos organizada por ornitólogos e outros, a represa foi
concluída e a área onde o macuquinho-da-várzea foi originalmente descoberto
hoje encontra-se submersa (Pioli, com. pess., 2001). Essa espécie recentemente
descoberta está agora na lista das espécies globalmente em perigo, e os números
de sua população e a extensão de seu hábitat estão declinando rapidamente
(Hilton-Taylor, 2000).
Quatro espécies de caramujos endêmicas da bacia do rio Paraná –
Aylacostoma chloroticum, A. guaraniticum, A. stigmaticum e A. cinculatum
(Thiaridae) – estão extintas na natureza como resultado direto da inundação do
seu hábitat pelo reservatório de Yacyretá (Bertonatti, 1999). O hábitat dos
caramujos Aylacostoma foi inundado por 37 das 42 represas da sub-bacia,
incluindo Yacyretá e Itaipu (Quintana e Mercado Laczko, 1997). As águas
escuras e estagnadas do reservatório de Yacyretá cobrem agora o que
anteriormente eram corredeiras claras e oxigenadas, hábitat único dessas espécies
ameaçadas de caramujo. Antes da construção do reservatório, as populações dos
caramujos eram abundantes; após o fechamento da represa, em 1993, seu
número declinou drasticamente em apenas três anos. Em 1996, todos os
espécimes capturados durante uma coleta já estavam mortos (Quintana e
Mercado Laczko, 1997). Estão sendo feitos esforços para cultivar os caramujos
em aquário, mas, devido a suas estritas necessidades de hábitat e a seus métodos
incomuns de reprodução, essa é uma tarefa muito difícil.
O pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) é outra espécie que depende dos rios
e córregos com água limpa e corrente. Nativo da Mata Atlântica e do Cerrado
adjacente, o pato-mergulhão está agora criticamente em perigo, principalmente
devido à perda de hábitat, e a espécie continua a declinar (Hilton-Taylor, 2000).
Na Mata Atlântica, podem ser encontradas populações muito pequenas no rio
Tibagi, no estado do Paraná, no Brasil, e no rio Urugua-í, na província de
Misiones, na Argentina (ver Capítulo 30). O enchimento do reservatório de
Urugua-í (Figuras 35.1 e 35.2), que ocorreu entre 1989 e 1991, teve um
impacto significativo sobre as populações de pato-mergulhão na Argentina.
Como o seu hábitat de água corrente foi transformado em um lago, a população
diminuiu na região. Após a criação da represa de Urugua-í, o pato-mergulhão foi
visto apenas no córrego Uruzú, um tributário do Urugua-í (ver Capítulo 16).

Impactos sociais
Os efeitos sociais das represas podem ser tão dramáticos quanto os impactos
ambientais. A conseqüência mais complicada é o reassentamento forçado de
centenas, e às vezes milhares, de pessoas tiradas de seus lares, que freqüentemente
acompanha os projetos das represas. Os efeitos secundários, que incluem o
aumento da incidência de doenças e o prejuízo à subsistência, podem
desestruturar seriamente as instituições sociais. A população, infelizmente, não
tem uma história bem sucedida de oposição aos projetos de construção de
represas que a afetam negativamente.
Impactos das represas na biodiversidade da Mata Atlântica 419

Desalojamento e reassentamento
A hidrelétrica de Tucuruí, no Amazonas, trouxe custos ambientais e sociais
extremamente altos (Fearnside, 1999, 2001). Mais de 30 mil pessoas foram
deslocadas de seus lares (Magalhães, 1990) e, apesar das promessas de reassenta-
mento, 1.500 famílias continuavam sem teto um ano após a conclusão do
projeto (Teixeira, 1996). Na Mata Atlântica, a hidrelétrica de Yacyretá já desalo-
jou cerca de 30 mil pessoas, mas o número pode aumentar para 50 mil se o reser-
vatório for preenchido até os projetados 83m acima do nível do mar (IRN, 2001).
O reassentamento, quando ocorre, é realizado freqüentemente longe do rio
que servia como meio de subsistência para a população, afetando sua cultura e
seu estilo de vida e, potencialmente, causando estresse psicológico. Em todo o
Brasil, as represas expulsaram cerca de 1,5 milhão de pessoas de seus lares e de
seus modos de vida (IRN, 1997). Anos depois de concluídas as represas, as
famílias ainda esperam, das autoridades do setor energético, pela compensação,
na forma de terra ou dinheiro.

Doenças
O papel das represas na disseminação de doenças é um impacto social fre-
qüentemente subestimado. Insetos, caramujos e outros vetores de parasitas e
doenças relacionadas com a água desenvolvem-se nos hábitats criados pelo enchi-
mento dos reservatórios e pelos sistemas de irrigação (McCully, 2001). A cons-
trução de represas é grandemente responsável pela disseminação da esquistosso-
mose em novas regiões e pelo rápido aumento do número de pessoas infectadas
(McCully, 2001). Essa doença é causada por um platelminto do gênero
Schistosoma transmitido por três espécies de caramujos de água doce (ver Capí-
tulo 33). A doença ocorre em 70 países e afeta mais de 200 milhões de pessoas.
O aumento das águas paradas e outras alterações ambientais que resultaram
da construção da hidrelétrica de Yacyretá, na região da Mata Atlântica,
promoveram um acréscimo da incidência da dengue, da hantavirose, da
leishmaniose e da febre amarela, além da malária e da esquistossomose.

Oposição e opinião pública


Os projetos de construção de represas são periodicamente reavivados, mesmo
que tenham tido forte oposição no passado. Em abril de 1996, um plebiscito
realizado em Misiones, na Argentina, que contou com a participação de 62,85%
dos eleitores registrados, rejeitou, por 90%, a proposta de construção da
hidrelétrica de Corpus Christi, independentemente de sua localização ao longo
do rio Paraná. Entretanto, o projeto foi mais tarde reproposto e apoiado pelos
políticos locais, que mostraram uma evidente desconsideração pela opinião
pública (IRN, 2001). Em Curitiba, no Brasil, pessoas de 20 países reuniram-se
em 14 de março de 1997 para aprovar a Declaração de Curitiba, afirmando o
direito à vida e à subsistência das pessoas afetadas pelas barragens, e para
estabelecer o Dia Internacional de Ação contra as Barragens e pelos Rios, a Água
420 QUESTÕES TRINACIONAIS

e a Vida. A declaração apresenta resumidamente os impactos adversos das repre-


sas em todo o mundo, e demanda uma interrupção imediata da construção delas,
até que as condições propostas na declaração sejam alcançadas (McCully, 2001).

Política e economia
As represas são freqüentemente divulgadas como ferramentas de desenvolvi-
mento econômico, e o empenho político a favor delas pode ser imenso. No
entanto, seus custos de construção, que são geralmente subestimados, somados
aos custos ambientais, que raramente são avaliados corretamente (quando o são),
tornam as represas um veículo ineficiente de estímulo econômico.

Custo e tempo excedentes


As represas, notoriamente, levam mais tempo para serem construídas e
custam mais caro do que o previsto nas estimativas feitas antes da obra. O Banco
Mundial atribui o custo e o tempo excessivos às dificuldades da construção,
resultantes das condições geológicas e dos problemas com o reassentamento das
pessoas que vivem nas áreas a serem inundadas. Nos projetos hidrelétricos
financiados pelo Banco Mundial, os custos de reassentamento foram em média
54% maiores que o originalmente previsto (McCully, 2000). Além disso, a área a
ser inundada pelo reservatório é, geralmente, grosseiramente subestimada, como
resultado de dados topográficos escassos ou mesmo como forma deliberada de
minimizar os efeitos ambientais de uma represa (Fearnside, 1989). Projetos
hidrelétricos enormemente dispendiosos são conhecidos como “obras faraônicas”
no Brasil, porque, assim como as pirâmides do Egito, requerem toda uma
sociedade para construí-los, embora não rendam quase nenhum benefício depois
de concluídos (Fearnside, 1989).
A hidrelétrica de Yacyretá é um dos maiores projetos hidrelétricos da América
Latina. Devido ao atraso na construção, aos custos excedentes, ao mal
gerenciamento e à corrupção política, o projeto está apenas por volta de dois
terços concluído, com o nível de água a 76m acima do nível do mar. O projeto
tornou-se um notório buraco negro financeiro e foi chamado de “monumento à
corrupção” pelo ex-presidente argentino Carlos Menem (Treakle, 1998). O custo
previsto da obra da hidrelétrica de Yacyretá foi de US$2,3 bilhões em 1977; a
última estimativa é de que ela custará US$11,5 bilhões (Tabela 35.1).
Originalmente projetada, em 1973, para custar US$3,4 bilhões, a hidre-
létrica de Itaipu custou US$20 bilhões. Isso é aproximadamente o que custaria
proteger adequadamente os hábitats remanescentes nos hotspots de biodiversidade
(Myers et al., 2000) e cinco vezes mais do que custaria proteger quatro milhões
de km2 nas três principais áreas naturais tropicais (Pimm et al., 2001).

Avaliações de impacto e esforços de mitigação


Novos projetos hidrelétricos são freqüentemente planejados para aumentar a
produção de energia ou a eficiência de usinas próximas já existentes, resultando
Impactos das represas na biodiversidade da Mata Atlântica 421

Tabela 35.1. Custo real e estimado e área inundada de quatro grandes represas (capacidade
instalada = l0Mw) no Brasil, no Paraguai e na Argentina.

Nome da represa Custo estimado Área inundada Área inundada


(localização) (US$) Custo real (US$) estimada (km2) real (km2)
Yacyretá
(Argentina/
Paraguai) 2,3 bilhões 11,5 bilhões Desconhecida 1.720
Itaipu
(Brasil/Paraguai) 3,4 bilhões 20 bilhões Desconhecida 1.350
Balbina
(Amazônia,
Brasil) 383 milhões 750 milhões 1.240 3.147
2,9 bilhões; 8,77 bilhões (sem
Tucuruí depois pagamento de juros);
(Amazônia, aumentado para total é superior a 10
Brasil) 5,4 bilhões bilhões 1.630 2.850

(Fonte: McCully, 1996; World Commission on Dams, 2000)

em uma série de represas ao longo de um rio. A legislação brasileira de 1986


exigindo que estudos de impacto ambiental (EIAs) sejam elaborados para cada
projeto importante de desenvolvimento refere-se apenas ao primeiro projeto em
uma série ao longo de um rio (Fearnside e Barbosa, 1996). Em geral, não se
avalia suficientemente se uma nova represa é necessária ou se outras alternativas
menos destrutivas estão disponíveis.
Praticamente não existem estudos de impacto ambiental que concluam que
um projeto deve ser rejeitado. Um estudo biológico, conduzido independente-
mente na área a ser inundada pela hidrelétrica de Porto Primavera, estimou que a
região possuía a segunda maior população do Brasil de cervo-do-pantanal, uma
espécie globalmente ameaçada (Pinder, 1996). O projeto da hidrelétrica foi
concluído em 1998. Uma falha importante no processo do EIA é que as firmas
consultoras que elaboram os relatórios são freqüentemente contratadas pelas
empresas construtoras das hidrelétricas, o que prejudica o resultado dos estudos
(Fearnside, 1989).
As autoridades do setor energético realizaram alguns esforços para reduzir o
impacto das represas sobre o ambiente (Tabela 35.2), mas essas ações parecem ser
feitas mais para o bem da imagem pública das autoridades que pela saúde do
ambiente. As atividades de mitigação são sempre muito divulgadas, juntamente
com a alegação de que as condições ambientais serão monitoradas de perto
(Fearnside, 1989). Quando uma represa é fechada, os peixes são mortos em
número grande o suficiente para motivar as constrangidas empresas a fecharem as
comportas sem aviso prévio, ou mesmo em feriados, para evitar a atenção
pública. Antes da cerimônia de inauguração da hidrelétrica de Tucuruí, na região
Amazônica, os peixes mortos foram removidos de caminhão para melhorar o
apelo estético (Fearnside, 1989).
422 QUESTÕES TRINACIONAIS

Tabela 35.2. Atividades de mitigação realizadas para compensar alguns dos impactos
ambientais das represas, em comparação com seu efeito real (Fearnside, 1989; Cardenas,
1986).

Atividade de mitigação Efeito real

"Salvamento" de fauna. Envolve a (a) Animais "salvos" são forçados a competir com grupos
remoção da vida silvestre (a) para já presentes, resultando em declínio da população; (b) as
fora da área inundada pelo reservas podem não apresentar o tipo correto de hábitat; a
reservatório ou (b) para reservas de qualidade da terra é inferior ao hábitat original. Não são
vida silvestre. realizados estudos de acompanhamento.

Construção de escadas para peixes As escadas não são viáveis para algumas espécies de peixes
para permitir a passagem deles pequenos, não são instaladas de forma ampla e sua eficácia
através da barragem. é desconhecida. Algumas escadas na América do Sul foram
projetadas com base nas necessidades ecológicas do salmão
e não atendem às necessidades das espécies locais.

Remoção da vegetação antes do O reservatório é rapidamente inundado com vegetação


enchimento do reservatório para aquática, gerando condições de anóxia.
manter a qualidade da água depois
que a represa é fechada.

Promoção do “desenvolvimento”
Apesar de seus custos ambientais, sociais e econômicos, as hidrelétricas
continuam a ser construídas em grande número, visto que os líderes políticos
acreditam que projetos hidrelétricos são a forma de “desenvolver” seus países e
dão pouca atenção às suas conseqüências a longo prazo. Uma vez que um projeto
é iniciado, ele quase nunca é abortado. O dinheiro é injetado continuamente nos
custos de construção e, uma vez que os planejamentos são definidos, o projeto é
visto como irreversível. Os políticos são proponentes freqüentes das represas,
devido à quantidade massiva de trabalho requerido para construí-las, gerando
milhares de empregos. Uma pressão adicional a favor da construção das
hidrelétricas é feita pelos “barrageiros”, ou construtores de represas, que estão
interessados em garantir sua renda. Os construtores gozam de alto status social,
de confortáveis alojamentos fornecidos na localização de cada projeto e de escolas
separadas daquelas dos residentes de classes sociais inferiores (Fearnside, 1989;
Fearnside e Barbosa, 1996).

Olhando para o futuro


O que pode ser feito para lidar com os impactos sociais e ambientais das
represas no futuro próximo? A comunidade conservacionista deve avaliar
seriamente a validade dos projetos de hidrelétricas que foram propostos ou que já
estão em curso e procurar pressionar contrariamente a sua realização, quando
necessário. Desenvolver e promover práticas mais adequadas para os projetos de
hidrelétricas é também extremamente importante, já que represas continuarão a
ser construídas num futuro previsível.
Impactos das represas na biodiversidade da Mata Atlântica 423

Projetos de represas
Inúmeros novos projetos de hidrelétricas foram propostos e trarão sérios
impactos para os fragmentos remanescentes da Mata Atlântica (Figura 35.2).
Outros estão em estágio avançado de planejamento ou em estágio inicial de
construção. Em particular, a hidrelétrica de Corpus Christi, no rio Paraná, ao
longo da fronteira entre a Argentina e o Paraguai, inundará mais de 90km2 na
província de Misiones. A realização desse projeto parece iminente, apesar da
oposição pública generalizada. A hidrelétrica de Garabí, no rio Uruguai, na
fronteira entre a Argentina e o Brasil, ameaça inundar pelo menos 300km2 no sul
de Misiones. A hidrelétrica de Roncador, também no rio Uruguai, é outra
ameaça para a biodiversidade da região (ver Capítulo 19). Embora a Argentina
esteja vivendo um aumento da demanda de eletricidade, o maior usuário dos
recursos de energia hidrelétrica de Misiones será provavelmente o Brasil, que está
vivendo uma severa crise de escassez de eletricidade.
No Brasil, novas hidrelétricas foram propostas em toda a região da Mata
Atlântica. Muitas delas seriam localizadas em alguns dos maiores fragmentos
florestais remanescentes do hotspot, ou em áreas adjacentes a eles, principalmente
nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (Figura 35.2). Entre as mais
preocupantes estão as hidrelétricas planejadas para o Vale do Ribeira de Iguape,
incluindo a hidrelétrica de Tijuco Alto, em São Paulo. Em março de 2001, as
famílias da região protestaram contra a decisão do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de conceder a licença
ambiental para a Tijuco Alto (ENS, 2001). Mais de 1.500 brasileiros reuniram-
se em um grande protesto no Ministério da Energia, no Dia Internacional da
Ação contra Represas. As organizações sociais e ambientais continuam a opor-se
à construção da hidrelétrica no Vale do Ribeira de Iguape.

Melhores práticas
As lições aprendidas sobre o impacto das hidrelétricas existentes na
biodiversidade e nas comunidades humanas são essenciais para avaliar os
impactos potenciais daquelas que estão sendo propostas. No futuro, todo esforço
deve ser realizado para evitar a construção de hidrelétricas em áreas altamente
sensíveis, como os fragmentos florestais de tamanho considerável nos hotspots de
biodiversidade ou os últimos hábitats remanescentes de comunidades e espécies
ameaçadas. Avaliar as hidrelétricas existentes também é necessário porque, em
muitos casos, elas podem ser administradas de forma a reduzir os impactos
ambientais. Em outros casos, o desativamento pode ser seguro e prático, dado o
tremendo custo de manutenção das hidrelétricas. A melhor estratégia, em uma
perspectiva proativa, é buscar fontes alternativas de energia – como a eólica, a
solar e a proveniente de células de hidrogênio – e melhorar a eficiência na
produção e no consumo atual de energia, por meio de avanços tecnológicos
(McCully, 2001).
Embora as hidrelétricas tenham sido responsáveis por enormes impactos
ambientais e sociais em todo o mundo, elas também fornecem eletricidade,
424 QUESTÕES TRINACIONAIS

controle das inundações e serviços de irrigação. Não seria realista exigir a


destruição de todas as represas existentes e a abolição de todas as planejadas. A
construção de hidrelétricas só deveria ocorrer quando e onde as represas
fornecessem benefícios econômicos que excedessem os das fontes alternativas de
energia, quando as pessoas afetadas estivessem envolvidas no processo de tomada
de decisões e somente depois que as avaliações de impacto ambiental, baseadas
em ciência de boa qualidade, fossem conduzidas e relatadas. Os prejuízos
inevitáveis à propriedade e ao ambiente deveriam ser adequadamente mitigados e
justamente compensados.
A Comissão Mundial de Represas emitiu um relatório-referência de
acompanhamento de dois anos de avaliação dos impactos globais das
hidrelétricas (WCD, 2000). Essa comissão, criada em um workshop patrocinado
pela UICN e pelo Banco Mundial, em 1997, era composta de numerosos
participantes, incluindo representantes da indústria de hidrelétricas e do
movimento contra as barragens. O relatório apresenta uma matriz de decisões
que pode servir como diretriz para a avaliação dos projetos de hidrelétricas
existentes e futuras. Ele fornece critérios e padrões para considerar os efeitos
sociais, ambientais, técnicos, econômicos e financeiros das barragens.

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