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QUÍMICA

ANALÍTICA
QUALITATIVA

Josemere Both
Teoria clássica das
reações ácido-base
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Conceituar as funções de ácidos e bases.


„„ Caracterizar as principais teorias ácido-base.
„„ Identificar e exemplificar reações ácido-base.

Introdução
Muitos compostos químicos mais familiares para nós, assim como muitos
reagentes de laboratório importantes, são os ácidos e as bases. O vinagre
em uma salada, o suco do limão, o suco gástrico que ajuda na digestão
dos alimentos no estômago, a vitamina C e o líquido nas baterias de
automóveis se assemelham em pelo menos um aspecto: todos contêm
ácidos. Os cristais brancos de soda cáustica, presente em certos produtos
de limpeza, a substância branca que faz o leite de magnésia parecer
opaco e formar uma suspensão em água e a amônia na limpeza da casa
são todos bases. Como você deve ter percebido, ácidos e bases serão o
foco de estudos neste capítulo.
Neste capítulo, você vai estudar duas funções inorgânicas, os ácidos
e as bases, destacando em suas definições as características mais rele-
vantes. Vai iniciar os estudos conhecendo o conceito geral de ácidos e
bases, que serão novamente abordados de três formas diferentes com
as teorias de Brøunsted-lowry, Lewis e Arrhenius, que fundamentam os
conceitos de ácido e base em reações químicas. Para finalizar o capítulo,
você vai conhecer e estudar as reações ácido-base que envolvem a força
de substâncias ácidas e básicas presentes em reações químicas.
2 Teoria clássica das reações ácido-base

Ácidos e bases
Os ácidos e as bases, duas classes importantes de compostos, têm algumas
propriedades em comum. Soluções de ácidos ou bases, por exemplo, podem
mudar a cor de pigmentos vegetais, como o repolho roxo, que é considerado
um indicador ácido-base natural. Você talvez já tenha visto um ácido mudar,
de azul para vermelho, a cor do tornassol, indicador derivado de determinados
tipos de líquens (associações simbióticas de mutualismo entre fungos e algas).
Se o ácido fez com que o papel de tornassol azul ficasse vermelho, a adição
de uma base irá reverter o processo, tornando o papel azul outra vez. Assim,
os ácidos e as bases parecem ser opostos. Uma base pode neutralizar o efeito
de um ácido e um ácido pode neutralizar o efeito de uma base. Para entender
essas características de ácidos e bases, vamos estudar cada um deles de forma
detalhada nos tópicos a seguir.

Ácidos
Na química, em meio aquoso, um ácido é definido como uma substância que,
quando adicionada à água, aumenta a concentração de H3O+ (íon hidrônio). Isso
quer dizer que ocorre ionização, para formar íons hidrogênio, aumentando a
concentração de íons H+(aq). Uma vez que o átomo de hidrogênio possui apenas
um elétron H+, este é também chamado de próton, pois é o nome que se dá
a um átomo de hidrogênio que perdeu seu elétron. Portanto, os ácidos são
comumente chamados de doadores de prótons, e, ainda, levam a uma segunda
denominação: ácidos próticos, que se refere à transferência química de H+ de
uma molécula para outra. O íon hidrônio, H3O+, é a combinação do H+ com
H2O (HARRIS, 2017). Embora H3O+ seja uma representação mais precisa do
que H+ para o íon hidrogênio em solução aquosa, neste capítulo iremos usar,
sem distinção, as representações H3O+ e H+. Alguns exemplos de ácidos estão
representados em seus modelos moleculares na Figura 1.
Teoria clássica das reações ácido-base 3

H
S Cl
N
H
O
H
O
H2SO4 HCl HNO3
Ácido sulfúrico Ácido clorídrico Ácido clorídrico
Figura 1. Representação molecular de ácidos.
Fonte: Adaptada de molekuul_be/Shutterstock.com, Peter Hermes Furian/Shutterstock.com e mo-
lekuul_be/Shutterstock.com.

As moléculas de diferentes ácidos podem ser ionizadas, produzindo dife-


rentes números de íons H+. Tanto HCl como HNO3 são ácidos monopróticos,
pois produzem um H+ por molécula de ácido. O ácido sulfúrico, H2SO4, é um
ácido diprótico, pois produz 2 H+ por molécula de ácido (BROWN; LEMAY;
BURSTEN, 2005). A ionização do H2SO4 e outros ácidos dipróticos acontece
em duas etapas:

Apesar de o H2SO4 ser um eletrólito forte, apenas a primeira ionização é


completa. Portanto, soluções aquosas de H2SO4 contêm uma mistura de H+(aq),
HSO4 – (aq) e SO4 – (aq). Nas equações de ionização do H2SO4, a primeira ionização
é essencialmente completa, de modo que o ácido sulfúrico é considerado um
ácido forte (e, portanto, um eletrólito forte). O íon hidrogenossulfato, como
o ácido ácetico, é apenas parcialmente ionizado em solução aquosa. O íon
hidrogenossulfato e o ácido acético são, consequentemente, classificados
como ácidos fracos. No box “Saiba mais”, você poderá conferir, de forma
mais detalhada, os conceitos de ácidos e bases fortes e fracos.
4 Teoria clássica das reações ácido-base

Bases
Ao contrário de uma substância ácida, uma base diminui a concentração de
H3O+ em solução aquosa, pois aceitam (reagem com) íons H+, formando íons
hidróxido, OH– (HARRIS, 2017). A diminuição da concentração de H3O+
requer, necessariamente, um aumento na concentração de OH–. Consequen-
temente, a presença de uma base aumenta a concentração de OH– em solução
aquosa. Este, por sua vez, é uma característica das bases, de modo que podemos
imediatamente reconhecer hidróxidos metálicos como bases a partir de suas
fórmulas químicas. Embora a maioria dos hidróxidos metálicos seja insolúvel
em água, alguns dissolvem-se, o que conduz a um aumento na concentração
de íons OH– em solução (KOTZ; TREICHEL, 2005). A Figura 2 apresenta
modelos moleculares de bases comuns.

KOH NaOH NH3


Hidróxido Hidróxido Amônia
de potássio de sódio
Figura 2. Representação molecular de bases comuns.
Fonte: Adaptada de Orange Deer studio/Shutterstock.com

As bases que formam grandes quantidades de OH– quando dissolvidas em


água são consideradas eletrólitos fortes, sendo, por isso, chamadas de bases
fortes. O hidróxido de sódio e de potássio são considerados bases fortes, pois
são 100% dissociadas em seus respectivos íons (OH–, Na+ e K+).
Teoria clássica das reações ácido-base 5

A amônia, não possui íon OH- em sua fórmula, mas produz esses íons ao
reagir com a água, porém em pequena quantidade. Portanto, a amônia é uma
base fraca e, consequentemente, um eletrólito fraco.

Ácidos e bases, fortes e fracos


Ácidos e bases são classificados como fortes ou fracos de acordo com a magnitude
da sua constante de acidez. O Quadro 1, a seguir, relaciona alguns ácidos comuns e
os ácidos conjugados de algumas bases.

Quadro 1. Constantes de acidez para espécies em solução aquosa a 25ºC

Ácido HA A- Ka pKa

Iodídrico HI I– 1011 –11

Clorídrico HCl Cl– 107 –7

Íon hidrônio H3O+ H2O 1,0 0

Sulfuroso H2SO4 HSO4 –


1,5 x 10 –2
1,81

Carbônico H2CO3 HCO3– 4,3 x 10 –7 6,37

Íon amônio NH4+ NH3 5,6 x 10 –10


9,25

Íon hidrogenossulfeto HS– S2– 1,1 x 10 –19 19


6 Teoria clássica das reações ácido-base

Uma substância é classificada como ácido forte se o equilíbrio de transferência de


próton estiver fortemente a favor da doação de um próton para a água. Assim, uma
substância com pKa < 0 (correspondendo a um Ka > 1) é um ácido forte. Normalmente,
tais ácidos são considerados totalmente desprotonados em solução, mas nunca
devemos nos esquecer de que isso é somente uma aproximação. Por exemplo, o
ácido clorídrico é considerado uma solução de íons H3O+ e Cl– com uma concentração
desprezível de moléculas HCl. Uma substância com pKa > 0 (correspondendo um Ka < 1)
é classificada como um ácido fraco. Para esses compostos, o equilíbrio de transferência
de próton encontra-se a favor do ácido e não ionizado. O fluoreto de hidrogênio, HF, é
um ácido fraco em água, e o ácido fluorídrico consiste em íons hidrônio, íons fluoretos
e uma grande proporção de moléculas de HF.
Uma base forte é uma espécie que está, na prática, totalmente protonada em água.
Um exemplo é o íon óxido, O2–, que é imediatamente convertido em íons OH- em água.
Uma base fraca está apenas parcialmente protonada em água. Um exemplo é o NH3,
que está presente quase que inteiramente como moléculas de NH3, em água, com
uma proporção de NH4+, aproximadamente 1%. A base conjugada de qualquer ácido
forte é fraca, pois é termodinamicamente desfavorável para tal base aceitar um próton.
Fonte: Atkins et al. (2008).

Principais teorias ácido-base

Conceito de Brøunsted-lowry de ácido e bases


A definição de Brøunsted-lowry de ácido e base é mais geral e define o compor-
tamento ácido-base em termos de transferência de prótons de uma substância
para a outra. Um ácido de Brøunsted-lowry é um doador de prótons (H+), e
uma base de Brøunsted-lowry, um receptor (KOTZ et al., 2016). Substâncias,
que atuam dessa forma são chamadas de “ácidos de Brøunsted-lowry” e de
“bases de Brøunsted-lowry”. Essa definição estende a lista de ácidos e bases e
a forma de reações ácido-bases, o que ajuda os químicos a prever a formação
de produtos ou reagentes com base na força do ácido e da base. Além disso,
as definições não se referem ao ambiente no qual a transferência de prótons
ocorre, pois se aplicam ao comportamento de transferência do próton em
qualquer solvente e até mesmo na ausência deste.
Teoria clássica das reações ácido-base 7

Uma grande variedade de Brøunsted-lowry é conhecida. Elas incluem


alguns compostos moleculares como ácido nítrico,

HNO3(aq) + H2O(l) ←→ H3O – (aq) + NO3– (aq)

podem ser cátions como o NH4+,

NH4+(aq) + H2O(l) ←→ H3O+(aq) + NH3(aq)

ou ânions como H2PO4 –

H2PO4 – (aq) + H2O(l) ←→ H3O+(aq) + HPO4 – (aq)

e cátions metálicos hidratados,

[Fe(H2O)6]3+(aq) + H2O(l) ←→ H3O+(aq) + [Fe(H2O)5(OH) ]2+(aq)

Da mesma forma, muitos tipos diferentes de espécies podem atuar como


bases de Brøunsted-lowry nas suas reações com água. Estas incluem alguns
compostos moleculares,

NH3(aq) + H2O(l) ←→ NH4+(aq) + OH– (aq)

ou podem ser ânions,

CO32– (aq) + H2O(l) ←→ HCO3– (aq) + OH– (aq)

Uma grande variedade de ácidos de Brøunsted-lowry, como HF, HCl,


HNO3 e CH3CO2H(aq) (ácido acético), são capazes de doar um próton, sendo,
por isso, chamados de ácidos monopróticos, enquanto que outros são chamados
de polipróticos, como já visto, capazes de doar dois ou mais prótons. Assim
como existem ácidos que podem doar mais de um próton, também existem
bases polipróticas que são capazes de aceitar mais de um próton. Os ânions dos
ácidos totalmente desprotonados de ácidos polipróticos são bases polipróticas,
dentre as quais podemos citar SO4 –, PO43–, CO32–, e C2O42–. O íon carbonato,
por exemplo, pode aceitar dois prótons, como podemos observar nas equações
em equilíbrio, que ocorrem em duas etapas:
8 Teoria clássica das reações ácido-base

Como mostraram os exemplos, a água é uma substância anfiprótica


(ATKINS et al., 2008), ou seja, pode atuar tanto como um ácido de Brøunsted-
-lowry como uma base de Brøunsted-lowry. assim como alguns íons. Um
exemplo de ânion anfótero é o íon di-hidrogenofosfato.

A transferência de prótons entre ácidos e bases é rápida em ambas as dire-


ções. Assim, o equilíbrio dinâmico fornece uma descrição mais completa do
comportamento do ácido e da base em água do que apenas a reação direta. A
característica central da química ácido-base de Brøunsted-lowry em solução
aquosa é que o equilíbrio de transferência de prótons é rapidamente atingido.
Teoria clássica das reações ácido-base 9

Ácido e base conjugados de Brøunsted-lowry


As equações em equilíbrio, velocidades direta e inversa iguais, dadas nos
exemplos anteriores, dependem da transferência de um ou mais prótons de um
ácido para uma base e é expressa escrevendo-se o equilíbrio de Brøunsted-
-lowry geral como (ATKINS et al., 2008):

Ácido1 + Base2 ←→ Ácido2 + Base1

A espécie Base1 é chamada de base conjugada do Ácido2, e o Ácido2 é o


ácido conjugado da Base2. A base conjugada de um ácido é a espécie que resulta
após a perda de um próton. O ácido conjugado de uma base é a espécie formada
pelo ganho de um próton. Não há distinção fundamental entre ácido e um ácido
conjugado ou entre uma base e uma base conjugada. Dessa forma, um ácido
conjugado é simplesmente um outro ácido, e uma base conjugada é simplesmente
outra base. Vamos utilizar um exemplo para sistematizar esses conceitos.

A reação entre o íon bicarbonato e a água exemplifica uma característica da química ácido-
-básica de Brøunsted-lowry, em que a reação entre um ácido e uma base de Brøunsted-lowry
produz um novo ácido e uma nova base, como podemos observar a seguir:

No sentido direto, HCO3– é a base de Brøunsted-lowry, uma vez que ela captura H+
do ácido de Brøunsted-lowry, que é H2O. Os produtos são uma nova base e um novo
ácido de Brøunsted-lowry. No sentido inverso, o H2CO3– é o ácido e a base é OH–.
Um par de ácido-base conjugados consiste em duas espécies que diferem entre si
pela presença de um íon hidrogênio. Assim, H2CO3 e HCO3– são um par de ácido-base
conjugados. Nesse par, HCO3– é a base conjugada do ácido H2CO3, e H2CO3 é o ácido
conjugado da base HCO3–. Há um segundo par de ácido-base conjugado nessa reação:
H2O e OH–. De fato, cada reação entre ácido de Brøunsted-lowry e base de Brøunsted-
-lowry envolve dois pares de ácido e base.
10 Teoria clássica das reações ácido-base

Conceito de Lewis de ácido e bases


A teoria dos ácido e bases de Brøunsted-lowry enfoca a transferência do
próton entre espécies. Apesar desse conceito ser mais geral do que aqueles
que o precederam, ele ainda falha ao considerar reações entre substâncias que
mostram aspectos similares, mas nas quais nenhum próton é transferido. Essa
deficiência foi sanada por uma teoria de acidez mais abrangente, elaborada
por Lewis. Nessa teoria, um ácido de Lewis é uma substância capaz de aceitar
um par de elétrons, enquanto que uma base de Lewis é uma substância que
atua como doadora de elétrons (ATKINS et al., 2008).
Para compreendermos esse conceito, simbolizaremos, neste capítulo, um
ácido de Lewis por A e uma base por B, omitindo quaisquer outros pares
isolados que possam estar presentes. A reação fundamental dos ácidos e bases
de Lewis é a formação de um complexo (ou aduto) A ― B, onde A e B se
unem pelo compartilhamento do par de elétron fornecido pela base (KOTZ
et al., 2016).
Podemos compreender o compartilhamento de elétrons nos ácidos e bases
de Lewis utilizando alguns exemplos. Um próton é um ácido de Lewis porque
ele pode se ligar a um par de elétrons, como na formação de NH4+ a partir do
NH3. Assim, qualquer ácido de Brøunsted-lowry, desde que forneça prótons,
também exibe acidez de Lewis. Note que o ácido de Brøunsted-lowry HA é um
complexo formado pelo ácido de Lewis H+ com a base de Lewis A–. Em vez
de dizermos que um ácido de Brøunsted-lowry é um ácido de Lewis, dizemos
que um ácido de Brøunsted-lowry exibe acidez de Lewis. Todas as bases de
Brøunsted-lowry são bases de Lewis, pois um receptor de prótons é também
um doador de um par de elétrons: a molécula de NH3, por exemplo, é tanto
uma base de Lewis quanto uma base de Brøunsted-lowry. No entanto, como
o próton não é essencial para a definição de um ácido ou uma base de Lewis,
um conjunto mais amplo de substâncias pode ser classificado como ácidos e
bases no teoria de Lewis do que na teoria de Brøunsted-lowry.
Podemos encontrar vários exemplos de ácidos de Lewis, mas devemos
estar atentos às seguintes possibilidades (ATKINS et al., 2008):

1. Uma molécula com o octeto incompleto pode completar seu octeto


aceitando um par de elétrons. Um exemplo típico é o B(CH3)3, que pode
aceitar o par isolado do NH3 e de outros doadores:
Teoria clássica das reações ácido-base 11

Portanto, o B(CH3)3 é um ácido de Lewis.

2. Um cátion metálico pode receber um par de elétrons fornecido por uma


base em um composto de coordenação. Um exemplo é a hidratação do
Co2+, na qual os pares isolados da H2O (atuando como base de Lewis)
são doados ao cátion central para formar [Co(OH2)6]2+. Desse modo, o
cátion Co2+ é o ácido de Lewis.
3. Uma molécula ou um íon com o octeto completo pode ser capaz de
arranjar seus elétrons de valência e aceitar um par de elétrons adicional.
Por exemplo, o CO2 atua como um ácido de Lewis quando ele forma
o HCO3–, aceitando um par de elétrons de um átomo de O do íon OH–:

4. Uma molécula ou um íon pode ser capaz de expandir sua camada de


valência (ou simplesmente ser grande o bastante) para aceitar um outro
par de elétrons. Um exemplo é a formação do complexo [SiF6]2–, quando
dois íons F– (as bases de Lewis) ligam-se ao SiF4 (o ácido de Lewis).
12 Teoria clássica das reações ácido-base

Esse tipo de acidez de Lewis é comum para os haletos dos elementos mais
pesados do bloco p, tais como SiX4, AsX3 e PX5 (sendo X um halogênio).
Vamos a um exemplo para identificar os ácidos e as bases de Lewis.

Identifique os ácidos e as bases de Lewis nas seguintes reações:

(a) BrF3 + F– → BrF4–;


(b) KH + H2O → KOH + H2.

Resposta. (a) o ácido BF3 se adiciona à base F–, ou seja, BF3 atua como receptora de
elétrons e F– como doadora de elétrons. (b) O complexo hidreto iônico KH fornece a
base H– para deslocar o ácido H+ da água, formando H2 e KOH, onde a base OH– está
combinada com o ácido muito fraco K+.

Conceito de Arrhenius de ácido e bases


A primeira teoria clara sobre ácidos e bases surgiu com os estudos do químico
Arrhenius. Ele afirmou que os íons se formariam quando dissolvêssemos sal
na água, o que foi radical para a época de 1884. Arrhenius teorizou que um
ácido é uma substância que reage com água produzindo o íon hidrônio, H3O+,
e uma base é uma substância que produz o íon hidróxido na água ou que pode
reagir com o íon hidrônio, ou seja, ele propôs que todos os ácidos liberam íons
hidrogênios H+ na água e todas as bases liberam íon hidróxido OH– (BRADY;
RUSSEL; HOLUM, 2002).
Isso explica as similaridades entre os ácidos e as características comuns
entre as bases. Uma das propriedades dos ácidos e bases é a reação que ocorre
entre eles. Por exemplo, se misturarmos soluções de ácido hidroclórico, HCl(aq),
e hidróxido de sódio, NaOH(aq), em uma razão molar de 1 para 1, a solução
resultante não modificará o papel de tornassol, pois ocorrerá a seguinte reação:

HCl(aq) + NaOH(aq) → NaCl(aq) + H2O(l)

As propriedades ácidas e básicas dos solutos desaparecem e a solução dos


produtos não é ácida nem básica. Dizemos, então, que ocorreu uma reação de
Teoria clássica das reações ácido-base 13

neutralização ácido-base. De acordo com a teoria de Arrhenius, essa neutra-


lização nada mais é do que a combinação de um íon hidrogênio com um íon
hidróxido, formando uma molécula de água e fazendo com que os íons H+ e
OH– não estejam mais presentes.
Como exemplo de ácido de Arrhenius, que reage com a água para produzir
íons, dentre eles H+, temos o HCl puro, que é um gás, molecular, não iônico.
Quando se dissolve na água, entretanto, ocorre a seguinte reação, que produz
íon que antes não existiam no HCl(g):

HCl(g) + H2O(l) → H3O+(aq) + Cl– (aq)

Uma reação como essa, na qual íons se formam onde antes não havia
nenhum, é chamada de reação de ionização. Um dos produtos dessa reação
é agua em uma solução condutora, e, dessa forma, podemos classificar os
ácidos como eletrólitos.
Reações de ionização semelhantes também ocorrem com outros ácidos. Por
exemplo, o ácido nítrico reage com a água, de acordo com a seguinte equação:

HNO3(l) + H2O(l) → H3O+(aq) + NO3– (aq)

Observe, nas reações de ionização do HCl e do HNO3, descritas acima,


que o íon hidrônio é formado pela transferência de um íon H+ da molécula
ácida para a molécula de água. Após a saída de H+, a partícula resultante é um
ânion. Em termos gerais, isso pode ser representado pela seguinte equação:

Molécula de ácido + H2O → H3O – + A–

Algumas vezes, um ácido pode conter átomos de hidrogênio que não se


transferem para moléculas de água. Um exemplo é o ácido acético, CH3COOH.
Esse ácido reage com a água da seguinte maneira:

CH3COOH(l) + H2O(l) → H3O(aq) + CH3COO – (aq)

Observe que somente o hidrogênio que estava na frente da fórmula química


se transferiu para as moléculas de água para produzir íons hidrônio.
As bases estão divididas em duas categorias: compostos iônicos que contém
OH– ou O2– e compostos moleculares, que reagem com a água e produzem
íons hidróxido. Como as soluções de bases contém íons, elas são condutoras;
14 Teoria clássica das reações ácido-base

portanto, bases são eletrólitos (BRADY; RUSSEL; HOLUM, 2002). Entre


as bases iônicas estão os hidróxidos de metais, como o NaOH e o Ca(OH)2.
Quando os dissolvemos em água, eles se dissociam como qualquer composto
iônico solúvel.

NaOH(s) → Na+(aq) + OH– (aq)


Ca(OH)2(s) → Ca2+(aq) + 2 OH– (aq)

Óxidos de metal solúvel são anidridos básicos, pois podem reagir com a
água para produzir íons hidróxido. Um exemplo típico é o óxido de cálcio,
representado pela equação a seguir:

CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(aq)

Essa reação ocorre quando adicionamos água ao cimento seco ou concreto,


porque o óxido de cálcio, ou cal, é um componente desses materiais. Nesse
caso, é o íon óxido, O2–, que forma OH–.

O2– + H2O → 2 OH–

A base molecular mais comum é o gás amônio, NH3, que se dissolve em


água e reage, formando uma solução básica.

NH3(aq) + H2O(l) → NH4+(aq) + OH– (aq)

Essa também é uma reação de ionização, pois foram formados íons onde
não existia nenhum. Observe que quando uma base molecular reage com a
água, a molécula de água perde um H+ para a base. Um dos produtos é um
cátion que possui um H a mais e, consequentemente, uma carga positiva a
mais. A perda de H+ pela água gera outro produto, o íon OH–, que torna a
solução básica. Essa explicação pode ser representada pela seguinte equação:

Base + H2O → BaseH+ + OH–

Se representarmos a base pelo símbolo B, teremos:

B + H2O → BH+ + OH–


Teoria clássica das reações ácido-base 15

Reações ácido-base
A reação entre o ácido clorídrico e o hidróxido de sódio é um exemplo clássico
de reação entre ácido forte e base forte, enquanto que a reação entre o ácido
cítrico e o íon bicarbonato representa uma reação de um ácido fraco com uma
base fraca. Essas são duas das quatro reações gerais de ácido-base. Como
as reações ácido-base então entre as mais importantes classes de reações
químicas, é útil saber o resultado dos vários tipos dessas reações, que serão
apresentados a seguir.

Reação de um ácido forte com uma base forte


Ácidos e bases fortes são 100% ionizados em solução. Portanto, a equação
iônica completa para a reação entre HCl (ácido forte) e NaOH (base forte) é:

HCl(aq) + NaOH(aq) ←→ H2O(l) + NaCl(aq) ― Equação molecular


H3O – (aq) + Cl– (aq) + Na+(aq) + OH– (aq) ←→ 2 H2O(l) +
Na+(aq) + Cl– (aq) ― Equação iônica ampliada

Essa reação leva à seguinte equação iônica global:

H3O+(aq) + OH– (aq) ←→ 2 H2O(l)

A equação iônica global da reação de qualquer ácido forte com qualquer


base forte é sempre, simplesmente, a reação do íon hidrônio com o íon hidróxido
para gerar água (ATKINS; JONES, 2012). Como essa reação é o inverso da
autoionização da água, ela apresenta uma constante de equilíbrio e 1/Kw (K
= Kw = 1,1 x 1014). Esse valor muito grande da constante K mostra que, para
todos os efeitos, os reagentes são completamente consumidos para formar
produtos. Assim, se números iguais de mols de NaOH e HCl forem misturados,
o resultado será apenas uma solução de NaCl em água. Os constituintes do
NaCl, os íons Na+ e Cl–, que são provenientes de ácido forte e uma base forte,
respectivamente, produzem uma solução aquosa neutra. Por esse motivo,
reações entre ácidos fortes e bases fortes são chamadas de neutralização
(BRADY; RUSSEL; HOLUM, 2002). Podemos destacar ainda que, quando
misturados quantidades iguais, em mols, de uma base forte e um ácido forte
monoprótico, é produzida uma solução neutra (pH = 7,00 a 25ºC).
16 Teoria clássica das reações ácido-base

Reação de um ácido fraco com uma base fraca


Considere a reação entre o ácido fórmico, HCO2H, com hidróxido de sódio.
A equação química e iônica global é:

HCO2H(aq) + NaOH(aq) ←→ H2O(aq) +


NaHCO2(aq) ― Equação molecular
HCO2H(aq) + OH–(aq) ←→ H2O(aq) + HCO2–(aq) ― Equação iônica

Nessa reação, OH– é uma base muito mais forte do que HCO2– (Kb = 5,6 x 10 –11),
e prevê-se que a reação prossiga para a direita. A as quantidades iguais de
ácido e de base fracos são misturadas, e a solução final conterá formiato de
sódio (NaHCO2), um sal 100 dissociado em água. O íon Na+ é um cátion do
grupo 1ª e, portanto, gera uma solução neutra. O íon formiato, porém, é uma
base conjugada de um ácido fraco, portanto, a solução é básica. Esse exemplo
pode levar a uma conclusão geral: que a mistura de quantidades de mols
iguais de uma base forte com um ácido fraco produz um sal cujo ânion é a
base conjugada do ácido fraco. A solução é básica, com o pH dependendo do
Kb do ânion (KOTZ et al., 2016).

Reação de um ácido forte com uma base fraca


A equação iônica global para a reação do ácido forte HCl com a base fraca
NH3 é:

HCl(aq) + NH3(aq) = NH4Cl(aq) ― Equação molecular


H3O+ (aq) + NH3(aq) ←→ H2O(l) + HN4+(aq) ― Equação iônica

O íon hidrônio, H3O+, é um ácido muito mais forte do que NH4+ (Ka = 5,6
x 10 –10), e NH3 é uma base mais forte (Kb = 1,8 x 10 –5) que H2O. Portanto,
espera-se que a reação proceda para a direita até que atinja o equilíbrio. Assim,
depois da mistura em quantidades iguais de HCl e NH3, a solução conterá sal
cloreto de amônio, NH4Cl. O íon Cl– não tem qualquer efeito sobre o pH da
solução. No entanto, o íon NH4+ é o ácido conjugado da base fraca de NH3, de
modo que a solução no final da reação é ácida. Em geral, podemos concluir
que a mistura de quantidades iguais, em mols, de um ácido forte com uma base
fraca produz um sal cujo cátion é o ácido conjugado da base fraca. A solução
é acida, e o pH depende de Ka para o cátion (KOTZ et al., 2016).
Teoria clássica das reações ácido-base 17

Reação de um ácido fraco com uma base fraca


Se o ácido acético, um ácido fraco, é misturado com amônia, uma base fraca,
ocorre a seguinte reação:

CH3COOH(aq) + NH3(aq) ←→ NH4(aq) + CH3COO – (aq)

A reação é produto-favorecida porque CH3CO2– é um ácido mais forte que


NH4+ e NH3 é uma base mais forte que CH3CO2–. Assim, se quantidades iguais
de ácido e base são misturadas, a solução resultante conterá acetato de amônio,
NH4CH3CO2. Essa solução será ácida ou básica dependendo dos valores de
Ka para os ácidos conjugados (aqui, NH4+; Ka = 5,6 x 10 –10) e Kb para a base
conjugada (aqui, CH3CO2–; Kb = 5,6 x 10 –10). Nesse caso, os valores de Ka e
Kb seriam iguais, portanto, a solução deverá ser neutra. Assim, a mistura de
quantidades iguais, em mols, de ácido fraco e uma base fraca produz um sal
cujo cátion é o ácido conjugado da base fraca e cujo ânion é a base conjugada
do ácido fraco. O pH da solução depende dos valores relativos de Ka e Kb.
A seguir, você vai conferir outros exemplos de reações ácido-base.

Reação de neutralização
Outra reação ácido-base envolvendo o HCl é a reação entre o ácido clorídrico e uma
base, Mg(OH)2, hidróxido de magnésio, o qual é insolúvel em água. Uma suspensão
branca leitosa de Mg(OH)2, chamada de leite de magnésia, pode ser vista dissolvendo-se
à medida que a reação de neutralização ocorre:

Mg(OH)2(s) + 2 HCl(aq) →MgCl(aq) + 2 H2O(l) ― Equação molecular


Mg(OH)2(s) + 2 H+(aq) →Mg2+(aq) + 2 H2O(l) ― Equação iônica

Observe que os íons OH– (dessa vez em um reagente sólido) e íons H+ combinam-se
para formar H2O. Uma vez que os íons trocam de contraíons, as reações de neutralização
entre ácidos e hidróxidos metálicos também são reações de metátese.

Reação ácido-base com formação de gás


Existem muitas outras bases além do OH– que reagem com H+ para formar compostos
moleculares. Duas delas podem ser encontradas em laboratório: os íons sulfetos e
o íon cobalto. Esses dois ânions reagem com ácidos para formar gases com baixa
solubilidade em água, como o sulfeto de hidrogênio (H2S), a substância que dá aos
18 Teoria clássica das reações ácido-base

ovos podres o mau cheiro, formando-se quando um ácido como HCl reage com um
sulfeto metálico como Na2S:

2 HCl(aq) + Na2S(aq) → H2S(g) + 2 NaCl (aq) ― Equação molecular


H+(aq) + S2–(aq) → H2S(g) ― Equação iônica

Os carbonatos e os bicarbonatos reagem com ácidos para formar gás CO2. A reação
de CO32– ou HCO3– com um ácido produz primeiro o ácido carbônico (H2CO3). Por
exemplo, quando o ácido clorídrico é adicionado ao bicarbonato de sódio, ocorre a
seguinte reação:

HCl(aq) + NaHCO3(aq) → NaCl(aq) + H2CO3(aq)

O ácido carbônico é instável. Se presente em solução em concentrações suficientes,


decompõe-se para formar CO2, que escapa da solução como um gás.

H2CO3(aq) → H2O(l) + CO2(g)

A reação total está resumida nas seguintes equações:

HCl(aq) + NaHCO3(aq) → NaCl(aq) + H2CO3(aq) + CO2(g) ― Equação molecular


H+(aq) + HCO3–(aq) → H2O(l) + CO2(g) ― Equação iônica

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