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Eliana Rezende Adami1, Márcia Regina Chizini Chemin2, Beatriz Helena Sottile França3
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Creative Commons
1
Farmacêutica-bioquímica pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), bióloga pela Universidade Metropolitana de Santos
(UNIMES), especialista em Saúde Pública pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), especialista em Análise Clínicas
pela Faculdade Integrada de Jacarepaguá (FIJ), mestranda em Farmacologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR),
mestranda em Bioética na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail:
elianaradami@yahoo.com.br
2
Cirurgiã-dentista pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), especialista em Ética e Educação pela Faculdade de
Campina Grande do Sul (FACSUL), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail: maychizini@yahoo.com.br
3
Cirurgiã-dentista pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP),
mestre e doutora pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/FOP),
especialista em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professora titular da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR) e professora adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail:
bhfranca@gmail.com
Adami, E. R., Chemin. M. R. C., & França, B. H. S.
Introdução
A Pesquisa Clínica é uma área de atuação relativamente nova no Brasil, com crescente
interesse, tanto por pesquisadores inseridos nas instituições acadêmicas universitárias, como
pela iniciativa privada, principalmente das indústrias farmacêuticas no desenvolvimento de
novos fármacos (Accetturi & Lousana, 2002).
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), é grande o número de protocolos de pesquisa
clínica em andamento no país, e a maioria relativa às prioridades dos laboratórios contratantes.
A participação dos pesquisadores brasileiros, nesses estudos, tem se restringido à execução de
protocolos desenvolvidos em outros países, além disso, a análise dos dados, bem como sua
apropriação, está integralmente no âmbito das firmas contratantes (Brasil, 2011a).
A regulação brasileira sobre pesquisa clínica (conjunto de resoluções do Conselho
Nacional de Saúde — CNS) sob o foco bioético é bastante avançada, podendo ser considerada
em nível de igualdade com os países mais desenvolvidos. De outro lado, a regulação sanitária
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária — Anvisa) embora tenha começado muito tímida,
com uma visão restrita ao controle de entrada de produtos sob vigilância sanitária, para fins de
pesquisa clínica, hoje já apresenta uma grande evolução (Nishioka, 2006).
Figura 1. Fluxograma das etapas da pesquisa clínica. Fonte: Adaptado de Cruz (2012).
montagem do autorPesquisa Básica
Pesquisa Pré-Clínica
Os compostos que se mostram promissores durante a Fase de Pesquisa Básica devem
continuar sendo investigados, passando então aos Ensaios Pré-Clínicos, ou Fase de Pré-
Desenvolvimento. Nesta fase são checados os parâmetros de segurança e de eficácia, por meio
de estudos de toxicidade e de atividade in vitro e in vivo. Também são avaliadas a dose e a
apresentação farmacêutica, por produzirem variações importantes de toxicidade e de atividade.
Se o composto for aprovado pelos resultados obtidos nos testes em animais e se for comprovada
sua segurança e sua eficácia, passa-se, então, para os testes em seres humanos, os ensaios
clínicos (Lousana, 2002).
Pesquisa Clínica
A pesquisa clínica, fase de desenvolvimento de medicamentos, consiste em submeter os
novos compostos a ensaios clínicos para avaliar a segurança e a eficácia do produto em seres
humanos. Os ensaios clínicos são divididos em três fases consecutivas, que representam o
estágio de desenvolvimento propriamente dito, e uma quarta fase, denominada
farmacovigilância, na qual o medicamento continua sendo avaliado após seu registro e
lançamento no mercado (Lousana, 2002).
Figura 2. Fluxograma das fases da pesquisa clínica. Fonte: Adaptado de Cruz (2012).
Fase I
Na primeira fase do Ensaio Clínico, busca-se conhecer a tolerância e o metabolismo do
medicamento. Parâmetros farmacológicos, biodisponibilidade, dose e posologia são analisados
nessa fase. Para isso, um pequeno número de voluntários sadios (20 a 100 indivíduos) recebe
doses crescentes da nova substância (Lousana, 2002).
Fase II
Chamada de Pesquisa Terapêutica Piloto, realizada para determinar a segurança e a eficácia
do princípio ativo, em curto prazo, um grupo ainda pequeno de voluntários doentes (entre 100 a
300) recebe uma dose determinada da substância. Essa fase é importante para estabelecer o
intervalo adequado entre as doses e os regimes de administração do novo fármaco. O objetivo é
alcançar a dose ótima, ou seja, aquela em que se consegue o melhor efeito terapêutico
combinado ao menor conjunto de reações adversas (Lousana, 2002).
Fase III
É a fase do Estudo Terapêutico Ampliado, na qual o medicamento é administrado em um
número grande de pacientes, que pode variar de dezenas a milhares, dependendo do tipo de
patologia, para se avaliar novamente a eficácia e a segurança do produto. A avaliação é sempre
feita de maneira comparativa, utilizando-se placebo ou outro tratamento de referência, e
realizada em condições praticamente normais às de emprego. Análise de risco/benefício do
princípio ativo também em curto prazo, cuidados na utilização, estudo dos eventos adversos,
interações medicamentosas, fatores modificadores do efeito tais como sexo, idade e raça são
analisados nesta fase (Lousana, 2002).
Fase IV
Também denominada Farmacovigilância ou Pesquisa Pós-Comercialização, essa fase é
posterior ao registro e ao lançamento do novo medicamento. Os ensaios clínicos apresentam,
quanto à segurança, determinadas limitações inerentes a seu desenho experimental. Assim é
que, devido ao número de indivíduos estudados, novas indicações e efeitos raros podem não ser
detectados e, em função do tempo de duração do ensaio, efeitos decorrentes do uso prolongado
do medicamento podem não ser revelados. Além do que, por força do próprio controle
experimental a que são submetidas as populações participantes da investigação, não devem
acontecer impropriedades nem por parte dos prescritores, ao receitarem o medicamento, nem
por parte dos usuários no cumprimento das prescrições (Lousana, 2002).
Ainda em razão do controle experimental, não deverão estar entre os pacientes
participantes aqueles que possam representar riscos para o estudo por apresentarem problemas
clínicos ou situações outras que venham a comprometer o pretendido tratamento, pelo
organismo humano, do medicamento testado. Dentre esses riscos estão, por exemplo, patologias
que não sejam alvo direto dos testes, uso concomitante de outras drogas, ou pertencimento a
grupos populacionais específicos, como grávidas, crianças e idosos (Santos, 2013).
Assume-se que os Estudos de Fase IV são sinônimos referentes ao mesmo processo de
detecção, acompanhamento e controle de problemas decorrentes do uso já legalmente
autorizado e generalizado de medicamentos. Estes estudos são vistos como essenciais em
relação aos medicamentos novos, pois proporcionam a avaliação do seu uso em grandes
populações. E devem ser desenvolvidos de forma a evitar o domínio de interesses outros que
não o público e assegurar, assim, a isenção do processo (Lousana, 2002).
relato da ambientalista Deise Mara Nascimento, que representa a sociedade civil na Comissão
de Ética da Uninove e do Instituto Royal, ―Não existe dentro do Instituto Royal o uso
indiscriminado de cobaias‖ (Garcia, 2013)
Sob o ponto de vista bioético, há preocupação crescente, por parte dos pesquisadores, no
que tange ao uso de animais em pesquisas, procurando-se evitar dor e possibilitar o bem-estar
animal (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, 2013). A pertinência, bem
como a análise crítica da real necessidade do uso de animais de laboratório em situações
experimentais, constituem bases imprescindíveis para que a sociedade como um todo,
compreenda e aceite como justificável a participação de animais em procedimentos didáticos e
científicos. Tarefa difícil que não se consolidará sem a introdução de normas, diretrizes e guias
que visem a orientar a todos que utilizam animais nessas áreas.
Desde 2008, o Brasil possui dispositivo legal (Lei n. 11.794) (Brasil, 2008b) que
regulamenta o uso de animais para propósitos científicos e didáticos, colocando-o no mesmo
patamar de nações mais desenvolvidas. Essa lei criou o Conselho Nacional de Controle da
Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação
(MCTI). Esse órgão governamental é responsável pelos regulamentos que regem o uso de
animais em pesquisa, em ensino e também pelo credenciamento das Instituições envolvidas com
essas atividades. Dessa forma, o Brasil já controla a experimentação com animais em todo o
território nacional e se preocupa com o bem estar dos animais com a constante discussão de
novos regulamentos (Concea, 2013).
Dentre suas prerrogativas, cabe ao Concea estabelecer normas para o uso e cuidados com
animais para ensino e pesquisa, além de técnicas para instalação e funcionamento de biotérios,
centros de criação e de laboratórios de experimentação animal, como também definir os critérios
para o credenciamento de instituições destinadas à criação ou utilização de animais em ensino e
pesquisa, sem olvidar, ademais, a administração do cadastro dos procedimentos de ensino e
pesquisa realizados ou em andamento no país (Concea, 2013).
Em 2009, o Decreto n. 6.899, criou o Cadastro de Instituições de Uso Científico de
Animais (Ciuca), sistema informatizado constituído por um banco de dados de instituições que
criam ou utilizam animais em ensino ou pesquisa científica, dos protocolos experimentais e
pedagógicos, assim como dos pesquisadores que conduzem pesquisas que envolvem
experimentação animal. Este sistema é a via de encaminhamento de solicitações de
credenciamento e pode ser acessado por todas as instituições de ensino superior e técnico, bem
como por todas as instituições de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico que
utilizam animais (Brasil, 2009).
universitários de reconhecida competência, que não devem ter conflitos de interesse) para
avaliação de protocolos ou temas de maior complexidade (Nishioka, 2006).
A Conep tem como principal atribuição o exame dos aspectos éticos das pesquisas que
envolvem seres humanos. Como missão, elabora e atualiza as diretrizes e normas para a
proteção dos sujeitos de pesquisa e coordena a rede de Comitês de Ética em Pesquisa das
instituições (Brasil, 2011b). Cabe à Conep avaliar e acompanhar os protocolos de pesquisa em
áreas temáticas especiais como: genética e reprodução humana; novos equipamentos;
dispositivos para a saúde; novos procedimentos; população indígena; projetos ligados à
biossegurança e como participação estrangeira e também se constitui em instância de recursos
para qualquer das áreas envolvidas (Brasil, 2011b).
Considerações finais
As discussões de temas como a biossegurança, a pesquisa realizada em seres humanos, o
uso de animais, o uso de organismos geneticamente modificados (transgênicos) na indústria
alimentícia, e as tantas diferentes técnicas de manipulação, todos com influências direta e
indireta para o homem, têm feito não apenas a comunidade científica mundial, mas também
grande parte da sociedade, repensar o verdadeiro sentido da pesquisa clínica e ir à busca de
inovações, que devem sempre ser no sentido de proteger a vida. Cada vez mais, produtos de
tecnologias inovadoras são lançados no mercado, o que causa grande preocupação por parte dos
órgãos reguladores quanto ao verdadeiro impacto na saúde coletiva.
De acordo com a revisão bibliográfica realizada, o setor da pesquisa clínica no Brasil está
se desenvolvendo devido, principalmente, ao aumento do número de estudos clínicos
multicêntricos realizados no país. São crescentes os números de protocolos clínicos submetidos
à aprovação do CEP, Conep e Anvisa, e estes órgãos reguladores estão buscando acompanhar a
evolução desta área.
Entretanto, o desenvolvimento de estudos clínicos está diretamente relacionado à
capacidade do país de produzir e desenvolver novos medicamentos. Ainda, o que se observa é
que, no Brasil, a maioria dos estudos de pesquisa clínica para desenvolvimento de novos
medicamentos é conduzida por empresas multinacionais, sendo que um percentual mínimo do
total desses estudos é dedicado a pesquisas clínicas de fase I, ou seja, aquelas em que um novo
princípio ativo de medicamento é testado pela primeira vez em humanos.
O MS, em conjunto com a Anvisa, deve ocupar um lugar central na política de pesquisa
clínica e, desta forma, aproximar a agenda de pesquisa com as prioridades e necessidades
públicas, visando ao desenvolvimento das áreas de pesquisa de novos medicamentos nas
universidades, em parceria com as indústrias nacionais. CEP e Conep devem cada vez mais
fazer cumprir suas normas. E à sociedade cabe ficar atenta e denunciar os abusos cometidos em
nome da ciência.
Referências
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