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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

AS MULHERES E A
ARQUITETURA DA
REVOLUÇÃO
Andréia Moassab - SESUNILA
Arquiteta e urbanista, doutora em comunicação e semiótica. Professora do ILATTI.

Nos últimos anos tenho me dedicado a uma sociologia das


ausências em arquitetura, buscando demonstrar que aquilo
que julgamos não existir em nossa área, isto é, a produção
arquitetônica de mulheres, de pessoas negras ou, no caso, a
produção arquitetônica das experiências revolucionárias,
é, na verdade, ativamente produzido como não-existente. A
produção da não-existência é por um lado um desperdício
da experiência e, por outro lado, extremamente limitante
para conceber espaços e arquiteturas não-hegemônicos,
sobretudo para além do naturalizado desenho capitalista
de mundo. Dito de outra forma, a invisibilidade da produção
arquitetônica das mulheres, das pessoas negras e das
práticas comunistas é algo constitutivo dos últimos séculos
na produção de conhecimento na área, que urge ser revista.

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Ao desprezar o que arquitetos não-brancos e


mulheres arquitetas vêm produzindo ou as experiências
não pautadas pelo capitalismo, está-se, por exemplo,
ignorando tecnologias e materiais construtivos
econômica, social e ambientalmente mais adaptados, como
ocorre na construção em terra largamente observada na
arquitetura quilombola ou no rigoroso estudo de materiais
feitos por Kostantin Miélnikov, em 1927, para a sua casa em
Moscou. Ainda, é ignorada toda a riqueza coletiva no uso
do espaço exterior doméstico observado nas comunidades
africanas, afro-latinas e ameríndias. Em muitos modos de
morar desconsiderados pela modernidade ocidental, o espaço
doméstico não está circunscrito entre paredes. Diversas
atividades cotidianas são feitas ao ar livre, como o preparo
e cozimento dos alimentos, muitas vezes numa relação
importante de troca intergeracional e comunitária, a
qual é eliminada ao inserir a cozinha no interior da casa e
fechá-la do contato social, forma própria de sociedades em
que o preparo dos alimentos é uma função servil e recai
sobre as mulheres, trabalhadoras domésticas ou donas de
casa. Similarmente, fazemos quase ou nenhuma menção
aos espaços de uso comunitário como o tatakuá guarani
ou a casa de farinha do nordeste brasileiro, os quais são
inviáveis quando o solo é retalhado como mercadoria.
De mesma maneira, a exiguidade do debate sobre a
experiência arquitetônica que acompanhou a Revolução
Russa tem nos impedido de imaginar e conceber a arquitetura
como um direito e não como mercadoria, a terra e o solo
rural ou urbano como bem comum e, portanto, sujeitos a

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desenhos de paisagens muito distintos daqueles produzidos


para a extração de mais-valia e apropriação privada do
trabalho socialmente necessário para a construção do
espaço em que vivemos. É importante ter em conta o ineditismo
daquela experiência revolucionária, que trazia como principal
desafio para a arquitetura conceber e materializar a proposta
comunal de vida socialista. Desenhar a moradia socialista
pressupunha debater a família nuclear heteronormativa e
patriarcal, tanto quanto a educação das crianças e a rotina
dos trabalhos domésticos. Se as crianças vão para internato
ou externato, se as cozinhas e lavanderias serão coletivas, se
uma moradia atende a casais, todas essas questões impactam
enormemente o espaço habitacional. Ao tensionar a noção
tradicional de família e moradia, a arquitetura soviética
demonstrou, na prática construtiva e espacial, possibilidades
múltiplas de organização familiar e social, alojamento
estudantil e moradia para trabalhadores e trabalhadoras.
A experiência soviética consolida definitivamente a
necessidade de equipamentos coletivos para desonerar
o trabalho doméstico, sobretudo das mulheres – com
inegável impacto nos projetos de moradia. As respostas
arquitetônicas exploram cozinhas e lavanderias coletivas,
creches, salas de estar e quartos de hóspedes comuns, entre
outros1.

1
Alguns projetos seminais para o debate sobre moradia compuseram a exposição
“Arquitetura da Revolução” organizada em 2017 pela SESUNILA na Fundação
Cutural de Foz do Iguaçu, para marcar os cem anos da Revolução Russa.

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Lembremos que um dos programas arquitetônicos


centrais para a revolução foram os condensadores sociais,
expressão cunhada pelo arquiteto Mosei Ginzburg em seu
entendimento de uma arquitetura como instrumento social,
a qual implodia os usuais programas arquitetônicos de
antanho. Os condensadores sociais reuniam numa mesma
edificação diversas funções da vida pública e coletiva,
como foi experimentado no projeto do arquiteto para a
unidade habitacional Narkomfin, de 1928. O edifício reunia
distintas tipologias habitacionais e vários equipamentos
coletivos como lavanderia, cozinha e copa comunitárias,
berçário, biblioteca e zona de convívio com vestiário e
banheiro. Narkomfin será a base do projeto de Le Corbusier
para Marseille, realizado décadas mais tarde na França, muito
mais conhecido, debatido e estudado do que o projeto original
soviético. Também é um exemplo de condensador social, a Dom
Kommuna ou a Casa Comunal do Instituto Têxtil, projetada
por Ivan Nikolaev, em 1931. Num só equipamento, a Dom
Kommuna reunia escola, alojamento e fábrica, para atender
cerca de dois mil estudantes. Os clubes para os trabalhadores
e trabalhadoras foram igualmente relevantes na paisagem
construída soviética, tanto pelo desenho arquitetônico, como
do projeto para o Clube Zuév, de Ilia Gólossov, para citar
apenas este, como pelo ousado programa que incluía salas
de leitura e de dança, ateliês de pintura e escultura, teatro
ou espaço para esportes. Todas são experiências riquíssimas,
lamentavelmente pouco conhecidas e debatidas no ocidente.

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Vale ressaltar, ademais, que ao


visibilizar e creditar exclusivamente

Projeto para um cenário construtivista para uma tragédia, 1924


Alexandra Exter
a arquitetura feita por homens-
brancos-burgueses-urbanos está-se
supervalorizando, ao mesmo tempo,
a edificação e a atividade projetiva,
que é apenas uma das muitas atuações
profissionais em arquitetura e urbanismo.
De modo geral, as arquitetas mulheres se
destacam mais comumente por sua atuação
em planejamento urbano, paisagismo,
assessoria técnica, docência e crítica. Esta
clivagem de gênero por subárea profissional
é reveladora do sexismo na arquitetura.
No mundo capitalista, o sexismo que lhe
é estruturante acaba por impor menores
remunerações a estas subáreas em
comparação ao projeto arquitetônico, onde
há, destarte, uma dominação masculina,
melhores salários e maior reconhecimento
público. Ao contrário, a supervalorizacao
da edificação é própria de um mundo
mediado pela mercadoria, pois o objeto
arquitetônico falocentrado é uma síntese
da arquitetura-mercadoria, sendo por
isso mesmo tão valorizado e cultuado
no patriarcado - racista - capitalista
Pedro Arantes em seu livro “Arquitetura na
Era Digital-Financeira” nos fornece pistas

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valorosas sobre o fetiche da exuberância


formal decorrente de uma arquitetura
exclusiva e assinada por grandes arquitetos
“da moda”, cujo nome já é capaz de impregnar
valor a operações rentistas. A edificação-
falo garante, assim, a renda monopolista
intrínseca à forma arquitetônica única
e espetacular concebida por arquitetos
brancos burgueses urbanos do norte
global. Provavelmente seja este o motivo
de no mundo socialista soviético as
arquitetas mulheres se destacarem nas mais diversas áreas
de atuação profissional, inclusive em projeto de edificações,
coordenando a concepção e construção de edifícios públicos,
fábricas, usinas de energia, vilas e bairros inteiros na URSS.
As diversas práticas arquitetônicas e atuação
profissional distantes do objeto-falo-mercadoria são
ignoradas, desprezadas, subalternizadas ou sequer são
nomeadas. Resgatar a experiência das mulheres arquitetas
da revolução russa, portanto, é um ato de resistência,
ressignificação e inovação tanto para reinserir um debate
sobre produção de espaço não pautada pelo capital,
como para apontar possíveis caminhos criativos para a
arquitetura de nosso tempo. Realizar essa sociologia das
ausências, contudo, impõe enormes desafios, posto que é
extremamente difícil obter no ocidente informações sobre
arquitetura soviética, especialmente quando o tema é
atravessado pela subalternização das mulheres. Em outras

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palavras: ainda que custoso, é mais fácil


conhecer Mosei Ginzburg, Konstantin
Miélnikov e Ivan Nikolaev do que as
arquitetas mulheres desse período.
Um dos casos mais emblemáticos desta
invisibilização é o da austríaca Margarete
Schütte-Lihotzky, responsável pela
revolucionária cozinha de Frankfurt, um
marco na história do espaço doméstico.
Foram construídas cerca de dez mil
cozinhas nos anos 1920, um fenômeno
da produção em série. Contudo, a cozinha foi apagada da
Solução de cor para um plano de parede, 1928
Vera Kolpakova

história da arquitetura ou, pior, creditada equivocadamente


a Ernst May, erro cometido inclusive por Leonardo Benévolo,
cujos livros são bibliografia básica em grande parte dos
cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil. Margarete
Schütte-Lihotzky foi uma reputada arquiteta comunista
que começou sua trajetória na Alemanha de Weimar. Com
a ascensão do nazismo no país, ela emigrou para a União
Soviética, onde morou e trabalhou de 1930 até 1933 e
por este motivo foi incluída na nossa seleção, junto às
arquitetas Lydia Komarova, Liubov Zaliêsskaia e Tamara
Katsenelenbogen todas formadas pelos VKHUTEMAS, que a
despeito de complementarem 100 anos em 2020, ainda são
extremamente pouco conhecidos no ocidente e também junto
a Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto de Engenheiros
Civis de Moscou.

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LyDIA KOMAROVA 1902-2002


A arquiteta Lydia Komarova foi
das mais importantes arquitetas
do construtivismo russo. Egressa
dos VKHUTEMAS, ela é uma das
primeiras arquitetas do país, num
curso que até então só era acessível
aos homens. Durante seu percurso
acadêmico se aprofundou nas
principais correntes vanguardistas
do período, tendo se afiliado à OSA
[Sociedade de Arquitetos Contemporâneos], corrente do
debate soviético que mais se dedicou à defesa da coletivização
da vida familiar, em especial, na pesquisa sobre moradia e
na concepção dos “condensadores sociais”. Komarova foi
uma das editoras da Sovremiênnaia Arkhitektura [Revista
Arquitetura Moderna], publicada pela OSA.

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Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929


Lydia Komarova

Um de seus projetos mais conhecidos no ocidente é o


edifício para a sede da III Internacional de Moscou, de 1929, um
complexo administrativo de grande porte, que apresentou
como trabalho de graduação. Audacioso e inovador, o
desenho em anéis circulares maciços e concêntricos que
compõem o edifício teria inspirado Frank Lloyd Wright em
seu projeto para o Museu Guggenheim, nos eua, em 1959. Este
projeto foi publicado em diversas revistas internacionais,
fazendo com que Komarova de alguma maneira viesse a ser
reconhecida no ocidente pelos seus desenhos expressivos.
Nesta fase vanguardista, ela também apresentou projeto para
o concurso do Palacio dos Soviets, em 1932, em colaboração
com I. Vainshtein e Y. Mushinksy.
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Trabalho de graduação: Sede para a III Internacional Comunista, 1929


Lydia Komarova
CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

Infelizmente, muitos de seus projetos vanguardistas


não foram construídos. Com a ascensão de Stalín, os edifícios
passaram a ser majoritariamente no “estilo imperial”. Não
obstante, a arquiteta continuou trabalhando no país nas
décadas seguintes, com diversos projetos construídos,
entretanto, sem relação com o debate dos anos 1920. Em
1947, a arquiteta integrou o GIPROVUZ [Instituto Estatal
para Projeto das Instituições Superiores de Ensino], tendo se
especializado em edifícios para a Educação, com destaque
para seus projetos para o Instituto Politécnico de Karaganda,
Instituto de Mineração de Kemerovo e o edifício principal
do Instituto Tecnológico de Moscou. Em 1984, a arquiteta
foi reconhecida como “Arquiteta Honorífica da República
Socialista Soviética” e em 2002, o Museu Shchusev celebrou
o seu centésimo aniversário com uma exposição de sua obra,
na qual a arquiteta estava presente!

Universidade Técnica de Karaganda, 1947


Lydia Komarova

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LIUBOV ZALIÊSSKAIA 1906-1979


Liubov Zaliêsskaia foi uma importante
paisagista socialista egressa dos
VKHUTEMAS. Em seu projeto de
conclusão de curso, uma proposta para o
Parque da Cultura e Lazer, sob orientação

Plano geral do Parque da Cultura e Lazer, 1929


de Nikolai Ladovsky, já estavam
presentes os princípios norteadores de
sua trajetória profissional e acadêmica,
como o estímulo à experiência da
paisagem por meio de um sistema de
rotas e perspectivas. Em 1929, a arquiteta integrou a equipe
de desenho de parques públicos do Conselho Central de

Liubov Zaliêsskaia
Design e Gerenciamento, quando pode realizar o desenho
paisagístico para o Parque Górki – destinado à Cultura e
Lazer, objeto de sua graduação, que constitui desde então um
marco para os espaços públicos socialistas.

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Nos anos seguintes Zaliêsskaia se incorpora ao


escritório de projetos do Comissariado de Serviços Públicos,
onde projetou parques urbanos de várias cidades: Cheliábinsk,
Stalinogorsk (Novomoskovsk), Yegórievsk, Novgorod, Minsk
e Chardzhou (Türkmenabat). No mesmo período se juntou
à ASNOVA [Associação dos Novos Arquitetos] e participou
de vários concursos de arquitetura para edifícios públicos e
para o jardim botânico.

Plano geral do Parque da Cultura e Lazer em Novgorod, 1935


Liubov Zaliêsskaia

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A partir de 1939 Zaliêsskaia


leciona no Instituto de Arquitetura
de Moscou disciplinas como história
dos jardins e parques, desenho da
paisagem, desenho arquitetônico e
urbanismo. Durante a II Guerra Mundial,
a arquiteta atua profissionalmente nas
repúblicas soviéticas da Ásia Central,
desenvolvendo paisagismo e casas
comunais. Essa experiência foi objeto
de sua tese de doutorado que resultou
no livro “Reverdecimento das Cidades
de Ásia Central”, publicado em 1949.
Sua conferência “Paisagismo da
Capital”, de 1952, é um marco no debate
de questões ecológicas em centros
urbanos, a partir da discussão
acerca da implantação de parques
e reservas arborizadas nas cidades.
A partir destas reflexões, a arquiteta
publica o livro “Esvedear as Cidades”,
em parceria com Vera Aleksándrova,
em 1957, até hoje referência no
paisagismo urbano. No final dos anos
1960, Liubov Zaliêsskaia colabora
na criação do Departamento de
Arquitetura da Paisagem do Instituto
de Arquitetura de Moscou, que dirigiu
até o final de sua vida, em 1979.

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Projeto para habitações e escritórios, VKHUTEMAS, 1926


Liubov Zaliêsskaia

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Projeto para teatro, 1932


Liubov Zaliêsskaia e equipe

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NINA VOROTYNTSEVA 1900-1930


Nina Vorotyntseva, egressa do Instituto
de Engenheiros Civis de Moscou, foi uma
arquiteta pioneira na busca de novos
modelos espaciais – da moradia à fábrica
– em resposta à realidade socialista.
Recém-formada, a arquiteta colaborou
com a fundação da OSA [Sociedade de
Arquitetos Contemporâneos] em 1925,
tendo apresentado trabalhos para a I
Exposição de Arquitetura Moderna de
Moscou, organizada em 1927 pela revista. Nesse período, a
arquiteta também realizou diversas pesquisas sobre
habitação, que iriam embasar o desenvolvimento
dos “condensadores sociais”. A partir desse trabalho
investigativo precursor, Vorotyntseva participou, com
a arquiteta Raisa Pollyak, do concurso para propostas
de moradia comunal, as dom-kommuna, de 1926. O
debate da arquiteta junto à OSA foi fundamental para
mostrar as distintas possibilidades de organização
do espaço doméstico de uma sociedade comunista,
considerando as variáveis econômicas, coletivas,
zonas comunais e facilidade de construção, além,
evidentemente, de mostrar a importância de se investir
em pesquisas na área.
Em paralelo a seu interesse pela habitação, a
arquiteta trabalhou em novos modelos para edifícios
industriais nos escritórios do Stromstroy, ligados
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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

ao Conselho Econômico Supremo da URSS. Junto a V.


Vladimirov e com a consultoria de L. Vesnin, Vorotyntseva
foi responsável pelo projeto da fábrica de cimento de
Kaspi, construída em 1929. Nesse mesmo ano realizou um de
seus trabalhos mais significativos, o Instituto de Medicina
Experimental Veterinária de Moscou, em colaboração com V.
Vladimirov. Em 1930, a revista Sovremiênnaia Arkhitektura
anunciou sua morte prematura. Com apenas seis anos de vida
profissional, sua contribuição para os debates fundantes da
arquitetura voltada para a construção da sociedade socialista
soviética é inegável e pungente.

Instituto de Medicina Veterinaria em Moscou, 1929


Nina Vorotyntseva

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Proposta para Concurso Amistoso1


de habitações comunais, 1926
Nina Vorotyntseva e Raisa Pollyak

1
Adaptado de: D. MOVILLA; C. ESPEGEL. “Hacia la nueva sociedad comunista:
la casa de transición del Narkomfin...”. N9 “Hábitat y habitar”. Noviembre 2013.
Universidad de Sevilla. ISSN 2171–6897 / ISSNe 2173–1616 DOI: http://dx.doi.
org/10.12795/ppa.2013.i9.02

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Concurso para a nova cidade de Magnitogorsk, 1930


Moisei Okhitovich, Mikhail Barshch, Nikolai Sokolov,
Viacheslav Vladimirov, Nina Vorotyntseva

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TAMARA KATSENELENBOGEN 1894-1976


Tamara Katsenelenbogen
estudou na primeira
instituição superior para a
educação técnica de mulheres
do Império Russo, o Instituto
Politécnico de Mulheres de São
Petersburgo, tendo se graduado
em arquitetura em 1916,
uma das primeiras mulheres
arquitetas da Rússia. Todavia,
as profundas transformações
sociais e tecnológicas
daqueles anos a motivaram
a regressar aos estudos em
1919, concluindo uma segunda
graduação em arquitetura em 1923, pelo VKHUTEMAS de
Petrogrado. Recém-formada, Katsenelenbogen integrou a
equipe do arquiteto Grigori Simonov, tendo colaborado na
conceitualização e construção experimental de alguns dos
primeiros Zhilmassive - projetos de urbanização massiva –
no contexto de reconstrução da periferia de Leningrado,
junto à projetos-piloto para moradias de baixo custo
para a classe trabalhadora. O escritório de Leningrado do
STROIKOM (Comité para a Construção Estatal) selecionou
seus projetos-piloto para serem executados, atendendo a
quase 2 mil pessoas em regime comunal de moradia.

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Conjunto habitacional Kondratievsky, foto em vermelho à esquerda em 1940, foto à


direita em 2020 (foto deYuri Aleksandrov) e foto abaixo em 2015 (foto de Victor M.)

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Merecem destaques ain-


da seus projetos habitacionais
dos zhilmassive de Bateninsky
e do Bolchevique, e a Casa dos
Profissionais, concluída em
1937. A partir da década de
1930 muitos de seus projetos,
à semelhança do ocorrido com
Lydia Komarova, passam a ado-
tar uma linguagem neoclássica,
atendendo à nova política de
estado para a estética.
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Conjunto habitacional Kondratievsky, acima e ao lado, sem data


Autoria desconhecida

Casa dos profissionais, sem data


Autoria desconhecida

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MARGARETTE SCHÜTTE-LIHOTZKY
1897-2000

A austríaca Margarette Schütte-


Lihotzky foi a primeira arquiteta mulher
em seu país. Em seu aniversário de 100
anos confessou aos e às presentes que em
“1916 ninguém teria concebido a ideia de
uma mulher ser responsável por construir
uma casa, nem mesmo eu”. Desde a
graduação, Schütte-Lihotzky já ganhava
prêmios por seus projetos e demonstrava
profundo respeito pelo modo de
vida das pessoas; a proximidade com os trabalhadores e
trabalhadoras pobres a fez dedicar sua vida profissional
a projetar para as massas. A arquiteta participou e foi
responsável por vários projetos de habitação de interesse

Projeto para unidade habitacional na URSS, 1934


social logo após a I Guerra Mundial, sendo especialmente

Margarete Schütte-Lihotzky e Hans Schimdt


conhecida por conceber a “cozinha de Frankfurt”, nos anos
1920, projeto muitas vezes erroneamente creditado a Ernst
May, como já mencionamos.

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Curta-metragem de Paul Wolff


A cozinha de Frankfurt, 1927
A cozinha de Frankfurt, num estreito espaço de 1,9
x 3,4 metros, foi a primeira cozinha planejada do mundo,
desenvolvida com base no taylorismo para aumentar a
eficiência dos movimentos para o preparo da comida,
diminuindo o esforço necessário para a tarefa. Desenhada
para aproveitar ao máximo o espaço limitado disponível nos
apartamentos dos trabalhadores e trabalhadoras da década
de 1920, o modelo foi implantado em mais de 10 mil unidades
habitacionais na Alemanha e seus princípios são observados
no planejamento das cozinhas domésticas até os dias de hoje.
Mais tarde a arquiteta afirmaria que “estava convencida
de que a independência econômica e a autorrealização das
mulheres seriam um bem comum, e que, portanto, uma maior
racionalização do trabalho doméstico era um imperativo”.
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Ao contrário de muitos arquitetos con-


temporâneos a seu início de carreira, os quais
basicamente atendiam às elites, Schütte-
-Lihotzky optou por defender uma arquite-
tura social, com o objetivo de melhorar as
condições de vida da classe trabalhadora.
Comunista e ativista antifascista, a arquiteta
se juntou à “Brigada May” na União Soviéti-
ca, única mulher numa equipe de quase vinte
profissionais. A brigada chegou a planejar de-
zenas de cidades no interior da URSS. Após a
experiência soviética, a arquiteta comunista
trabalhou na Turquia, de 1938 a 1941, onde fez
projetos para escolas infantis em acordo
com o método Montessori. Ela esteve presa
durante a II Guerra, de 1941 a 1945, quando
foi surpreendida pela Gestapo numa missão
secreta na Áustria, como mensageira da resis-
Reprodução da cozinha de Frankfurt, 1927

tência.
Logo depois da guerra, Schütte-Lihotzky
teve dificuldades de trabalho em seu país
natal, apesar da necessidade de reconstrução,
Margarete Schütte-Lihotzky

por conta de suas ligações comunistas.


Entre as décadas de 1950 a 1970 a arquiteta
prestou consultoria à Cuba, China e RDA.
Apenas no final dos anos 1970 seu trabalho
foi reconhecido na Áustria, primeiro como
ativista e depois, nos anos 1980/1990, como
arquiteta. Ela atuou ainda como urbanista

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dossier 100 ANOS DE VHKUTEMAS: MULHERES, ARTE E REVOLUÇÃO

e planejadora, com ampla


participação nos CIAM –
Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna e
foi militante da Federação
de Mulheres Democráticas
da Áustria. Mantendo
suas convicções políticas
até o fim de sua vida, em
1985 a arquiteta publicou
o livro ““Erinnerungen
aus dem Widerstand, das Casas 61 e 62, Werkbundsiedlung Viena, 1932
Foto de Martin Gerlach
kämpferische Leben einer
Architektin von 1938-1945”
(Memórias da resistência,
a luta da vida de uma
arquiteta de 1938-1945),
sobre sua experiência junto
à resistência e durante
sua prisão nos campos de
concentração nazistas. Jardim de infância no 1 em Novokuznetsk,
URSS, 1932

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CADERNO SESUNILA NO.04 dezembro de 2020

De modo sintético apresentamos


estas cinco arquitetas, com a intenção de
instigar a curiosidade e vontade no leitor
e leitora para melhor conhecerem as
arquitetas e a arquitetura da revolução. É
cada vez mais urgente retomarmos nossa
capacidade de conceber um mundo fora
dos auspícios do patriarcado-racista-
capitalista, missão para qual o resgate
das mulheres arquitetas da revolução e
todo o rico debate subjacente é fulcral.
É hora de ficarmos com a arquitetura e
com a revolução!

Para saber mais:


Livro Vkhutemas
de Neide Jallageas e Celso Lima

The Charnel House


Alojamento para https://thecharnelhouse.org
mulheres solteiras, 1928

Un día, una arquitecta


https://undiaunaarquitecta2.wordpress.com

In_visibilidad de las mujeres en la


arquitectura
https://www.facebook.com/
InVisibilidadDeLaMujerEnLaArquitectura

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