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CONSUMO CONSCIENTE

DESAPEGAR
É VIVER
S
Minimalistas defendem um e você costuma navegar pelo Youtube já deve ter perce-
bido que de uns tempos para cá surgiram vários canais
estilo de vida com menos
sobre minimalismo. É só digitar a palavra no campo de
bens materiais e mais busca e encontrará inúmeros youtubers ensinando como
liberdade para fazer o levar uma vida minimalista, que é muito mais do que ter uma casa
toda pintada de branco e com poucos móveis ou um armário-cáp-
que realmente importa
sula, com 37 peças incluindo sapatos. É comum confundir o estilo
e proporciona felicidade de vida com a estética minimalista, comum na moda e na fotogra-
fia e que tem como premissa o “menos é mais”.
Para a jornalista e advogada Caroline Abreu, 28 anos, de Porto
Alegre (RS), o minimalismo não é sobre o que temos, mas sobre o
porquê temos. A principal regra do minimalismo é não ter regras
rígidas nem números exatos. “Minimalista é ser – ou tentar ser
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24 JAN-FEV 2019 REVISTA DO IDEC


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– aquilo que faz sentido pra você”, -americana Francine Jay compara na de 12. “O minimalismo em família
define Abreu, ex-consumista que coisas a âncoras: “elas nos impe- é mais difícil, mas também mais
descobriu o minimalismo em mea- dem de explorar novos interesses importante. Assim como qualquer
dos de 2017 ao assistir ao documen- e desenvolver talentos. Elas podem relacionamento, ele requer com-
tário The Minimalists na Netflix. No atrapalhar relacionamentos, sucesso prometimento, amor e paciência”,
filme, os norte-americanos Joshua profissional e tempo com a família”. avalia o escritor. Ele orienta os pais
Fields Millburns e Ryan Nicodemus Eneus Trindade Barreto Filho, a se desapegarem primeiro de seus
contam que abandonaram empregos pesquisador na área de publicidade objetos. “É injusto começar a jorna-
com salários altíssimos, mudaram- e consumo da Universidade de São da fazendo as crianças se livrarem
-se para casas menores e venderam Paulo (USP) – e adepto do minima- de suas coisas. Comece com as suas
praticamente todos os seus perten- lismo - defende que é impossível e deixe que seus filhos sigam o seu
ces em busca da felicidade que não romper totalmente com a lógica do exemplo”, ele orienta.
tinham quando estavam rodeados consumo, mas é possível consumir Para o pesquisador da USP, o
por eles. “Depois do documentá- apenas o suficiente para ter uma minimalismo precisa ser um acor-
rio, percebi que eu gastava muito vida confortável, sem esbanjamento. do entre os membros da família.
tempo em lojas online enchendo o “Todo mundo consome, contudo, as “Geralmente, os filhos sofrem mais,
“carrinho”. Quando eu comecei a metas são definidas por cada pessoa porque eles não têm noção do que é
me interessar pelo assunto, passei a de acordo com a sua história de vida ser minimalista e eles desejam as coi-
usar esse tempo para estudar sobre e as suas necessidades, na maioria sas, pois convivem com crianças não
o minimalismo”, conta a jornalista, das vezes, preocupando-se com a minimalistas”, pontua.
que acabou criando o Parece Óbvio, sustentabilidade”, ele afirma.
blog e canal no Youtube.
VIAJANTES MINIMALISTAS
Ser minimalista é ter somente o
MINIMALISMO EM FAMÍLIA
essencial (o que varia de indivíduo A mineira Mirella Rabelo, 36, de
para indivíduo, obviamente). Mas Você pode estar pensando: “ah, Poços de Caldas, e o gaúcho Rômulo
não é só isso. “Na verdade, o mini- mas isso é coisa de gente solteira Wolff, 38, de Osório, se tornaram
malismo não é sobre o que você ou que mora sozinha. Ledo engano. minimalistas há cinco anos, quando
joga fora, mas sobre o que adiciona Becker, entre tantos outros minima- resolveram largar seus empregos
a sua vida porque possui menos listas, é casado há 19 anos e tem dois no Brasil para viajar o mundo. Eles
coisas. Assim, podemos dizer que filhos, um garoto de 16 e uma meni- precisaram fazer tudo caber dentro
os minimalistas definem o que é
importante para eles e, então, dão
espaço ao que valorizam, removen- Joshua Becker
do as distrações”, declara o escritor e sua família
minimalista
norte-americano Joshua Becker,
43 anos, criador do site Becoming
Minimalists. Depois que decidiu
viver com menos bens materiais, há
11 anos, Becker e sua família ganha-
ram mais dinheiro, energia, liberda-
de e tempo para se dedicar as suas
paixões (fé, família e amigos), além
de terem reduzido o estresse. Em
Arquivo pessoal

seu livro Menos é mais – um guia


minimalista para organizar e sim-
plificar a sua vida, a também norte-
CONSUMO CONSCIENTE

de duas caixas plásticas que leva- compramos pouca variedade de ali- Deserto do Atacama, no Chile, em
ram na caçamba do carro. “Fiz um mentos e cozinhamos o trivial em 2017, por levar muita bagagem, resol-
bazar e vendi todas as minhas rou- nosso dia a dia. Somos muito felizes veu passar 26 dias na Europa apenas
pas para arrecadar dinheiro. Nesse assim!”, enfatiza Wolff. com uma mochila. “Fui achando que
processo, desapeguei de quase Abreu, do blog Parece Óbvio, fez estava levando pouca coisa e des-
tudo, e foi muito fácil, pois eu tinha sua primeira “viagem minimalista” cobri que poderia ter levado menos.
um propósito muito maior”, relata este ano. Após passar perrengue no Aprendi que dá pra viver com muito
Rabelo. “Na época, nunca tínhamos
ouvido falar de minimalismo. Só
descobrimos que éramos minima-
listas quando vimos o documentário MINIMALISMO NA PRÁTICA
The Minimalists, quase três anos l Não se apegue a regras rígidas sobre números e sobre o que ter ou não
depois”, complementa Wolff. ter. “Minimalismo é sobre liberdade de escolha”, lembra Caroline Abreu;
O casal, que hoje compartilha a l Seja mais consciente na hora de comprar e não compre por impulso.
sua experiência nômade no canal “Parece óbvio, mas não é”, ironiza Abreu;
Travel and Share, no Youtube, l Faça uma lista do que precisa e resista ao que não está nela;

começou a aventura “fazendo um l Avalie a matéria-prima, a durabilidade e o processo de produção do que

mochilão”. Depois, ganharam um pretende comprar;


carro com uma barraca no teto e, l Compre em brechós e sites que vendem artigos de segunda mão;
l Sempre que comprar um produto, desapegue de um similar. Entra calça
mais tarde, um camper [espécie de
motorhome]. “Apesar da evolução no nova, sai calça velha;
l Resista à tentação de comprar equipamentos e materiais toda vez que
conforto, uma vez que aprendemos
resolver se dedicar a um novo hobby;
o que é essencial para nós, sempre
l Prefira pequenos produtores locais em vez de grandes redes;
que temos alguma coisa “sobran-
l Olhe para o que tem em casa e faça uma espécie de inventário. Depois,
do”, ela começa a nos incomodar e
descarte os artigos repetidos;
logo a abandonamos”, confidencia a
l Para desapegar, comece pelo que for mais fácil, por exemplo, a bolsa e
mineira, que tem 26 peças de roupa,
o carro. Quando estiver mais confiante, parta para os cômodos mais difíceis,
incluindo bolsas e sapatos. Os via-
como quartos e banheiros;
jantes também aplicam o minima- l Deixe os “itens sentimentais”, como lembrancinhas, cartas, agendas e
lismo na alimentação e nas relações fotos, por último.
pessoais. “Mantemos em nossa vida l Faça uma “faxina” nos seus e-mails e nas redes sociais. “Não dá pra ser
apenas as amizades saudáveis e que minimalista participando de 30 grupos de WhatsApp”, opina Mirella Rabelo.
nos dão prazer. Já na alimentação,
Fotos arquivo pessoal

Caroline Abreu: antes (direita) e depois (esquerda) do minimalismo Rômulo Wolff, Mirella Rabelo
e a “casa” deles, a Gallega

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pouco e que independentemente branco – fica fácil combinar. Mas e mulheres que já satisfizeram algu-
da quantidade de roupa que leva- ajuda pensar em partes de baixo mas de suas necessidades de con-
mos, a experiência é a mesma”. Para coringas e que combinem com o sumo e, por questão de consciência,
montar a mala minimalista, a blo- máximo de partes de cima”, ensina. resolveram consumir menos. Mas
gueira olhou a previsão do tempo Barretos Filho reforça que quem vive
e avaliou o tipo de atividades que na carência e ainda não teve aces-
SER OU NÃO SER EIS A QUESTÃO
faria nas cidades que estavam no so aos produtos de desejo, muitas
roteiro. Depois, pegou tudo o que Na última década, mais e mais vezes, não vê com bons olhos a ideia
gostaria de levar e colocou sobre a pessoas passaram a ter uma vida de restrição autoimposta. “Restringir
cama. Então, foi retirando o exces- minimalista. Contudo, é importante o consumo deve ser um processo
so e montando os looks para cada ressaltar que quem opta por esse consciente. É uma autocrítica e uma
dia. “Como o meu guarda-roupa estilo de vida pertence, geralmente, crítica ao modelo consumista a que
é monocromático – preto, cinza e às classes média ou alta. São homens estamos expostos”, afirma.

“DESTRALHANDO”
O primeiro passo para passar de
consumista a minimalista é “destra-
lhar”, ou seja, jogar fora tudo o que
não faz mais sentido, não é utilizado
ou está em excesso. No best seller
A mágica da arrumação, a japonesa
Mari Kondo afirma que, em vez de

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decidirmos o que jogar fora, pre-
cisamos escolher o que queremos
manter. E o seu método, chamado
de KonMarie, incentiva a guardar
apenas o que proporciona alegria.
Assim, ela propõe que as pessoas presentes que ganhou e nunca usou; é estabelecer um limite, por exem-
segurem cada objeto e se pergun- l Também não guarde roupas plo, “todos os meus livros precisam
tem: “isso me faz feliz?”. Se sim, que você comprou para impressio- caber nesta prateleira” ou “vou man-
guarde, mesmo que seja o seu uni- nar os outros ou a pessoa que você ter em casa 100 livros”.
forme da 5o série. Se a resposta for gostaria de ser. Por exemplo, roupas l Nossas memórias e nossos
não, doe, venda ou jogue no lixo. de balada se você não é baladeira (o). sonhos não estão guardados em
Veja abaixo algumas dicas tira- l Livre-se de fios e cabos que objetos, mas dentro de nós. Não
das do livro de Mari Kondo e do não sabe a que aparelho pertence; somos o que temos, e sim o que
livro de Francine Jay,. l Descarte corretamente eletro- fazemos, pensamos e amamos”, filo-
l Cosméticos e maquiagens têm eletrônicos que não funcionam; sofa Jay em seu livro. Assim, não se
prazo de validade. Portanto, não l Jogue fora todos os manuais sinta obrigado a comprar suvenires
compensa estocá-los. Compre um de instrução, pois eles podem ser em viagens ou guardar lembranci-
novo item quando o produto acabar; encontrados facilmente na internet; nhas de festa.
l Tenha somente roupas, sapa- l Digitalize contas, recibos
tos e acessórios que usa, que ser- e exames; SAIBA MAIS
vem e que combinam com o seu l Você não precisa guardar um
estilo. Ou seja, não tenha dó de livro para provar que o leu. Se você Livros: O essencialismo, de Greg McKeown
(editora Sextante); A estrada dá tudo o que você
desapegar das que você ama, mas não pretende lê-lo novamente ou precisa, de Mirela Rabelo e Rômulo Wolff; e
não cabem mais em você, ou dos consultá-lo, doe-o. Uma boa ideia Clutterfree with kids, de Joshua Becker

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