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Deus Abandonou Jesus na Cruz?

Daniel Conegero

Muitas pessoas não entendem como Deus abandonou Jesus na cruz. A Bíblia
registra que no momento da crucificação, o próprio Jesus afirmou que se sentia
abandonado pelo Pai ao exclamar: “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” (Marcos 15:34). Mas como podemos entender essas palavras de
Jesus? Será que esse abandono foi mesmo real?
A primeira coisa que precisamos considerar é que esse episódio que mostra que
Deus abandonou Jesus na cruz tem por base uma passagem do Antigo
Testamento. Na verdade, ao pronunciar essas palavras Jesus estava citando o Salmo
22. A declaração: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” consiste nas
palavras introdutórias desse salmo.
A palavra “desamparaste” traduz a palavra hebraica ìazab, que significa
“desamparar” ou “deixar”. Mas na cruz, provavelmente Jesus pronunciou essa frase
em aramaico, e quando Marcos traduziu essa declaração para o grego, ele
empregou a palavra egkataleípo, que significa “desertar”, “abandonar”, “deixar para
trás”, ou “desamparar.
No tempo de Jesus, a Escritura ainda não tinha sido organizada em capítulos e
versículos. Então quando alguém queria se referir a algum texto sagrado, a pessoa
citava as palavras iniciais desse texto. É particularmente importante saber disso para
entender que ao pronunciar essa frase, Jesus estava apontando para o
cumprimento do Salmo 22, e não apenas para sua frase inicial.

O abandono do Messias e o cumprimento


da Escritura
O Salmo 22 é um salmo messiânico mencionado em várias passagens do Novo
Testamento. Esse salmo traz, de forma profética, várias cenas da obra da redenção.
E quando analisamos esse salmo atentamente, percebemos que ele explica de
maneira clara o significado de Deus ter abandonado Jesus na cruz. Inclusive, com
base nesse salmo entendemos que o abandono do Messias não foi poético ou
figurado, mas foi real.
A angústia do salmista registrada nesse salmo prefigurava a angustia final do
Messias. O grito desesperado de abandono no verso 1 é seguido por uma reflexão
no verso 2 em que o salmista aprofunda o seu sentimento de desamparo dizendo
que Deus não responde o seu pedido de socorro. Mas no verso 3, o salmista
declara que Deus é santo, que Ele está entronizado nos louvores de Israel, e que
jamais Ele deixou desamparado o seu povo.

Mas diante dessa realidade surge a pergunta: Por que Deus o tinha desamparado
então? O salmista responde essa questão no verso 6 do mesmo salmo ao
dizer: “Mas eu sou verme e não homem; opróbrio dos homens e desprezado do povo”.
Isso quer dizer que o abandono descrito nesse salmo não era devido a uma falha
em Deus, mas era motivado pelo estado singular em que o aflito se encontrava.
Nesse ponto, podemos então olhar para o Novo Testamento e enxergar como todo
esse cenário se cumpriu em Cristo quando Ele foi moído na cruz por causa dos
nossos pecados.

Ao se sentir abandonado por Deus, Jesus Cristo estava cumprindo as Escrituras e


executando o plano da redenção concebido ainda na eternidade, antes de o
mundo ter sido criado. Então no momento oportuno, conforme o decreto divino, o
Filho de Deus, absolutamente puro e perfeito, tomou sobre si todo o pecado do
seu povo.

Jesus foi abandonado para que pudéssemos


ter comunhão com Deus
O apóstolo Paulo explica que Cristo se fez maldição por nós (Gálatas 3:13). Isso
quer dizer que Cristo, Aquele que jamais conheceu o pecado, se fez pecado por nós
para que n’Ele fôssemos feitos justiça de Deus (2 Coríntios 5:21).
Essa é a essência da expiação. O Deus encarnado ocupou o lugar do pecador diante
do juízo divino. Mas a Bíblia diz de forma muito clara que o pecado causa a
separação de Deus. Então ao tomar sobre si o nosso pecado, Cristo experimentou a
separação do Pai em seu sentido mais real possível. Por isso, na cruz Cristo
experimentou o próprio inferno; Ele tomou até a última gota do cálice da ira de
Deus.

Mas o abandono de Cristo não foi definitivo! Tão logo ao consumar sua obra, Jesus
Cristo entregou seu espírito ao Pai (Lucas 23:46). Depois, ao terceiro dia, Ele foi
ressuscitado dos mortos e tão logo foi exaltado à destra de Deus na glória celestial
(Efésios 1:19-23).

Então sim, Cristo foi absolutamente sincero quando declarou ter sido abandonado
pelo Pai. Negar esse princípio é o mesmo que esvaziar o Evangelho. Dizer que Jesus
não experimentou essa separação é o mesmo que dizer que Ele não tomou sobre si
o nosso pecado e, consequentemente, não salvou ninguém, já que então não
houve nenhuma expiação, nenhum sacrifício vicário.

Mas a boa notícia é que o abandono de Jesus foi real, para que hoje também
pudéssemos ter uma comunhão real com Deus. Portanto, quando falamos que
Deus abandonou Jesus na cruz, essa verdade deve ser tomada adequadamente à
luz da doutrina bíblica da expiação que revela a forma como o Deus triúno
planejou, executou e aplicou a obra da redenção na vida do seu povo.

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