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NOTA PÚBLICA DO GT REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DA REPPED SOBRE A PL 1735/19 E

O TEMA DA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PEDAGOGO/A

Tendo em vista o recém desarquivamento do PL 1735/19, que trata da regulamentação


da profissão de pedagogo/a, e considerando as críticas pregressas e recentes realizadas por
entidades do campo educacional, o GT de Regulamentação da Profissão da Rede Nacional de
Pesquisa em Pedagogia (RePPed) vem, por meio desta nota, esclarecer alguns pontos
fundamentais do tema em questão pouco compreendidos e, por vezes, tratados sem a devida
complexidade. De início, cabe esclarecer que a RePPed não é autora da minuta do texto da
referida PL. Contudo, tendo sido um dos atores convidados a participar da audiência pública que
tratará da PL e considerando a necessidade de se promover um debate franco, aberto e
propositivo acerca desse tema, o GT da Repped constituído em torno desse tema, aproveita a
oportunidade para manifestar, nesta nota, seu posicionamento acerca dos princípios que devem
balizar propostas dessa natureza.

1) Segundo dados do Ministério do Trabalho, existem hoje no Brasil 79 profissões que


foram regulamentadas, 16 delas entre 2000 e 2022. São regulamentadas não só
profissões que, historicamente, gozam de maior prestígio socioeconômico, como as
profissões de engenheiro/a, médico/a e advogado/a, mas, também, algumas de
elevado valor social e político, como as profissões de assistente social, psicólogo/a,
enfermeiro/a e agente comunitário/a de saúde. Além dessas, estão regulamentadas
profissões como artista, atleta de futebol, bibliotecário/a, empregado/a
doméstico/a, massagista, mototáxi e turismólogo/a, entre tantas outras. Dos/as
profissionais que podem se licenciar para docência na Educação Básica, são
regulamentadas as profissões de historiador/a, sociólogo/a, químico/a, geógrafo/a,
biólogo/a e educador/a físico/a. Dada a relevância e amplitude do trabalho do/a
pedagogo/a em espaços escolares e não escolares, parece-nos legítimo e relevante
que os profissionais que atuam em escolas, sejam como docentes ou pedagogos,
sejam nas áreas da assistência social, da cultura, da saúde, do judiciário, da educação
profissional, entre outros âmbitos, pleiteiem a regulamentação de sua profissão.

2) Para uma profissão ser regulamentada é necessário a propositura de uma Projeto de


Lei (PL), como o recém desarquivado PL 1735/19. Entretanto, qualquer PL pode, e
deve, sofrer alterações, atendendo às demandas, acúmulos e consensos que são
produzidos a partir das discussões acerca do projeto e que devem envolver as partes
interessadas, especialmente os/as profissionais a que ela se refere, quando se trata
de matéria que envolve a regulamentação de uma profissão. O PL acima referido é
de autoria do ex-deputado federal Mauro Nassif e foi desarquivado em maio de 2023
pela deputada Maria Goreth (PDT-AP). Em 2019, ano que o PL foi protocolado, a
RePPed sequer havia sido constituída. Contudo, dada a nossa implicação no debate
sobre os estatutos identitários da profissão, fomos convidadas/os a participar da
audiência pública que tratará do tema. De nossa parte, defendemos um amplo
debate em torno do referido PL que contribua para ajustar, modificar e inserir
dispositivos que levem em consideração as diferentes necessidades de se prover
maior legitimidade, autonomia e prerrogativas profissionais para as/os
pedagogas/os nos diferentes espaços em que sua prática se faz presente. Isso é de
capital importância no contexto atual pois, a despeito de sua relevância social e
política, a prática profissional do/a pedagogo/a encontra-se por vezes fragilizada, em
razão da ausência de reconhecimento formal da profissão e de suas atribuições em
contextos não-escolares, por exemplo.

3) Embora o referido PL tenha previsto a criação de conselhos profissionais, este não é


o requisito essencial para a regulamentação de uma profissão. Segundo dados do
Ministério do Trabalho, menos da metade das profissões regulamentadas (47%) são
fiscalizadas por conselhos. Ainda que fosse este o caso, é importante destacar que
as funções dos conselhos diferem daquelas exercidas pelos sindicatos, o que pode
ser visualizado na cartilha produzida pelo Conselho Regional de Serviço Social do Rio
de Janeiro (citada nas referências). A despeito disso, entendemos que a
regulamentação da profissão deve ocorrer sem a inclusão do dispositivo que prevê
a criação de conselhos. Por isso, iremos propor como emenda a retirada deste item
do PL em curso.

4) Diferentemente do que se tem dito, a regulamentação da profissão não retira


direitos garantidos na LDB e pela Lei do Piso. Como já mencionado anteriormente,
profissionais que estão na educação básica, como historiadores/as, sociólogos/as,
químicos/as, biólogos/as, geógrafos/as e educadores/as físicos/as têm suas
profissões regulamentadas e não estão sob a ameaça de retirada de direitos como o
piso salarial do magistério, a inclusão em plano de carreiras e benefícios advindos
da valorização salarial provenientes dos recursos do Fundeb. Ademais, vale lembrar
que, recentemente, assistentes sociais e psicólogos/as que atuam nas escolas foram
incluídos como profissionais da educação, sendo, portanto, também estas/as,
contemplados pelo Fundeb, conforme Projeto de Lei 3418/21. Tais como essas
categorias, o artigo 61 LDB reconhece o/a pedagogo que atua na educação escolar
básica como profissional da educação. Logo, a regulamentação da profissão de
pedagogo/a não retira direitos adquiridos e garantidos por esses dispositivos. Ao
contrário disso, a regulamentação visa ampliar direitos e garantias, especialmente
para aqueles profissionais que atuam em espaços não escolares, cujas atribuições e
prerrogativas profissionais encontram-se pouco respaldadas pela legislação
existente. Consoante com os princípios da RePPed, nosso GT defende vigorosamente
os direitos dos/as profissionais da educação escolar e esclarece que não existe nexo
entre regulamentação da profissão de pedagogo/a e exclusão dessa categoria como
profissionais da educação escolar, permanecendo estes/as no gozo dos mesmos
benefícios e direitos já adquiridos, tal como ocorre com outros/as profissionais do
magistério acima mencionados/as, cujas profissões são regulamentadas. Ainda
assim, para reiterar o que já se encontra assegurado pela interpretação da norma,
iremos propor a adição do seguinte parágrafo à PL em curso: Quando do exercício
do(a) Pedagogo(a) em funções no âmbito escolar, aplicar-se-á o Piso Salarial dos
Profissionais do Magistério como parâmetro de remuneração bem como quaisquer
prerrogativas e direitos concedidos aos profissionais do magistério, em
concordância com a legislação vigente.

5) Não é verdade que a regulamentação da profissão tem propósito divisionista, que


fragmenta, pulveriza e compromete a unidade da luta dos/as trabalhadores da
educação. Pedagogos/as que atuam na educação escolar, sejam como docentes,
sejam em outras funções de suporte pedagógico à docência (gestão, coordenação e
orientação educacional), são tidos como profissionais da educação e assim
permanecerão, sendo representados por sindicatos regionais que, quando filiados à
CNTE, terão por meio desta sua representação nacional. Como dito anteriormente,
muitas profissões que fazem parte do magistério são regulamentadas e não se tem
notícia de que isso tenha comprometido a unidade da luta dos profissionais da
educação. Ademais, vale lembrar que os/as profissionais da educação de nível
superior, docentes e técnicos/as administrativos em educação são, via de regra,
representados por sindicatos e centrais sindicais diferentes. À essa distinção e à
regulamentação já existentes de outros/as profissionais inseridos/as no magistério
da educação básica não costumam ser imputados argumentos que os associem a
“quebra da unidade dos profissionais da educação”. Por que fazer isso quando se
trata da regulamentação da profissão de pedagogo/a? Por que apenas a
regulamentação da profissão de pedagogo/a é vista como uma ameaça à unidade
dos profissionais da educação? Nós, enquanto profissionais da educação,
reconhecemos a importância da unidade da luta, não só dos profissionais e
trabalhadores/as da educação, mas também dos trabalhadores/as de outros
segmentos, mediante a organização em sindicatos e centrais sindicais. Por outro
lado, entendemos que aos profissionais da pedagogia é legítimo pleitear a
regulamentação da profissão, a exemplo do que fizeram e vem fazendo outros
profissionais que, nem por isso, deixam de se juntar às fileiras daqueles/as que lutam
pela educação pública de qualidade, pela melhoria das condições de trabalho e pela
valorização do magistério.

6) A regulamentação da profissão que defendemos busca conferir maior estatuto,


legitimidade e garantias profissionais para pedagogas/os que atuam na docência, em
funções escolares e em espaços não escolares. Essas/es últimas/os, em especial,
encontram-se pouco amparadas/os pela legislação existente, merecendo ter suas
atribuições e funções reconhecidas uma vez que contribuem efetivamente para
educação e o desenvolvimento humano em espaços como os museus e centros de
cultura e arte, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), brinquedotecas e
classes hospitalares, sistema de justiça (Ministério Público, Defensorias Públicas e
Tribunais de Justiça), instituições socioeducativas, instituições de ensino superior,
movimentos e organizações sociais, empresas e outros espaços e áreas de elevada
relevância sócio-política.

7) Nesse sentido, defendemos uma regulamentação da profissão que reconheça como


atribuições e funções da/o pedagoga/o: a docência, a gestão, o planejamento, a
execução, a coordenação, o acompanhamento, a inspeção, a avaliação, e a produção
e difusão do conhecimento técnico-científico, métodos, materiais e demais recursos
pedagógicos, realizados em contextos escolares e não escolares, nos diferentes
âmbitos de organização do trabalho educativo e pedagógico.

8) Entendemos que esse debate merece ser tratado com responsabilidade e empenho
e não deve ser interditado pelo receio produzido em razão de informações
alarmistas e distorcidas. O que está em questão não é necessariamente o PL em
curso, sobre o qual entendemos que é possível e necessário propor alterações
condizentes com os princípios aqui defendidos, mas um pleito legítimo e que deve
respeitar a autonomia e a participação efetiva das/os profissionais em questão.

9) Em suma, em que pesem as críticas a alguns aspectos da PL, concebemos a


regulamentação como uma demanda histórica pela preservação, promoção e
ampliação de prerrogativas e âmbitos de atuação profissional de pedagogas/os em
âmbitos escolares e não escolares. As tentativas de invisibilização,
descaracterização, apagamento e precarização da profissão demandam uma
resposta em nível de normativa legal que assegure a continuidade histórica do
trabalho que, como pedagogas/os, desenvolvemos e consideramos elemento-chave
na construção de uma sociedade democrática e equitativa. Não menos importante,
a regulamentação da profissão vai no sentido de evitar a dissolução desse/a
profissional em “professores multidisciplinares”, conforme propõe a Resolução
02/2019, a BNC Formação.

Ao longo de 2022, constituiu-se, no âmbito da RePPed, um Grupo de Trabalho (GT)


dedicado ao tema da regulamentação. Sob um permanente e criterioso processo de estudo, os
diálogos resultaram em uma proposta que será apresentada à Deputada Professora Goreth como
alternativa para aperfeiçoar o PL em tramitação.

É fundamental que todas/os as/os pedagogas/os envolvam-se no debate


compreendendo as posições das diferentes entidades e que interesses buscam promover. A
RePPed se soma à esfera de diálogos com a convicção de que a regulamentação é um passo
fundamental na trajetória da profissão no Brasil e observa, com preocupação, tentativas de
pânico político que criam obstáculos a um debate sério, consistente e propositivo.

Convidamos as/os pedagogas/os a acompanharem em nossas redes sociais conteúdos


sobre o tema e a participarem de uma reunião ampliada do GT no dia 13 de setembro, às 20
horas, em ambiente virtual, cujo link será disponibilizado posteriormente.

Referências

O processo de regulamentação de profissões: https://legis.senado.leg.br/sdleg-


getter/documento/download/7513a223-ce94-454a-902f-57a0e49b369d

Diferença das atribuições dos conselhos e dos sindicatos: https://www.cressrj.org.br/wp-


content/uploads/2020/05/cartilhas-cress-%E2%89%A0-sindicatos-diferencas-das-atribuicoes-
entre-conselhos-profissionais-e-sindicatos.pdf

http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/regulamentacao.jsf

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