Você está na página 1de 30

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/283054406

Análise histórica das ressacas do mar no litoral de Fortaleza (Ceará́, Brasil):


origem, características e impactos

Chapter · January 2015


DOI: 10.13140/RG.2.1.2899.7840

CITATIONS READS

0 2,408

4 authors, including:

Davis Paula Óscar Ferreira


Universidade Estadual do Ceará Universidade do Algarve
78 PUBLICATIONS 166 CITATIONS 299 PUBLICATIONS 6,528 CITATIONS

SEE PROFILE SEE PROFILE

Joao Dias
Universidade do Algarve ----- [and Universidade Federal de Santa Catarina]
375 PUBLICATIONS 7,870 CITATIONS

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Geografia Marinha e Gestão Costeira Integrada View project

IMPACTOS COSTEIROS NO LITORAL DE CAUCAIA (CEARÁ, BRASIL) INDUZIDOS PELAS OBRAS COSTEIRAS CONSTRUÍDAS A SOTAMAR E PELAS RESSACAS DO MAR View
project

All content following this page was uploaded by Joao Dias on 21 October 2015.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Paula, D. P. de; Morais, J.O.; Ferreira, Ó.; Dias, J.A. (2015) – Análise histórica das ressacas do mar no litoral de Fortaleza
(Ceará,́ Brasil): origem, características e impactos. In: Davis Pereira de Paula & J. Alveirinho Dias (orgs.), Ressacas do Mar /
Temporais e Gestão Costeira, pp.173-201, Editora Premius, Fortaleza, CE, Brasil. ISBN: 978-85-7924-440-7

Capítulo
2
ANÁLISE HISTÓRICA DAS RESSACAS DO MAR NO LITORAL
DE FORTALEZA (CEARÁ, BRASIL):
ORIGEM, CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS

Davis Pereira de Paula1*, Jáder Onofre de Morais2, Óscar Ferreira3, João


Alveirinho Dias3

1. Introdução:
As ressacas do mar induzem uma série de impactos im-
portantes como a erosão de praias, dunas e falésias, galgamentos
oceânicos e inundação de zonas costeiras. Como consequência do
desenvolvimento urbano mal ou não planejado dos espaços cos-
teiros, as frentes urbanas têm sofrido bastante com os impactos
das ressacas do mar, que geralmente são acompanhadas de danos
nas infraestruturas e com efeito direto sobre o uso dos recursos
costeiros (CIAVOLA et al., 2007).
1
Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA, Departamento de Engenharia Civil,
Programa de Pós-graduação em Geografia-UVA, davispp@yahoo.com.br
2
Universidade Estadual do Ceará-UECE, Departamento de Geografia, Programa de Pós-
graduação em Geografia-UECE, Pesquisador Pq do CNPq, jaderonofre@gmail.com
3
Universidade do Algarve, Centro de Investigação Marinha e Ambiental, Faro, Portu-
gal, oferreira@ualg.pt; jdias@ualg.pt
*Autor de correspondência: davispp@yahoo.com.br

173
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

As mudanças mais rápidas e bruscas na paisagem costei-


ra (natural e antropizada) ocorrem, especialmente, durante um
evento de alta energia (FERREIRA, 2005; ALMEIDA et al.,
2010). Contudo, a caracterização dos impactos sobre a morfolo-
gia costeira e as estruturas urbanas não é fácil, sendo, por vezes,
inconclusiva. A principal limitação é a disponibilidade de séries
observacionais históricas de ondas e marés que permitam definir,
com precisão, os limiares para ocorrência de impactos.
Os estudos que relatam a influência das ressacas do mar na
evolução da morfologia costeira (e.g. praias e dunas frontais) são
recentes e escassos no Brasil (em especial no Nordeste brasileiro).
Para quantificar o impacto das ressacas do mar é preciso definir
previamente a origem e as suas características, o que é difícil, pois
não existe um sistema de monitorização por meio de ondógrafos,
com exceção do litoral de Pernambuco, que desde 2011 possui
uma boia — medindo altura, período e direção das ondas — ins-
talada a 2 km da costa, em frente ao Porto de Suape, no municí-
pio de Ipojuca.
As estruturas de engenharia costeira, a ocupação humana e
outras atividades socioeconômicas aumentaram a vulnerabilidade
da costa aos processos oceânicos (por exemplo, ondas de ressa-
ca) e potencializaram o risco de erosão costeira e de galgamentos
oceânicos, às vezes causando fortes danos físicos, econômicos,
sociais e patrimoniais em núcleos urbanos costeiros (e.g. Fortale-
za, Natal, João Pessoa, Recife, Paulista e Rio de Janeiro). Apesar
disso, a pressão humana (por exemplo, demanda turística) tem
aumentado durante os últimos anos sem qualquer preocupação
com a capacidade de resiliência do sistema costeiro. Dessa for-
ma, o presente estudo teve por objetivo precípuo colaborar para

174
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
um melhor entendimento do assunto, especificamente no que
concerne à origem, as características e os impactos induzidos por
eventos de ressaca do mar no litoral de Fortaleza (Ceará, Brasil).

2. Área de Estudo
A cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, loca-
liza-se na região Nordeste do Brasil, na Costa Atlântica, a apro-
ximadamente -3º43’02” (latitude) e 38º32´25´´ (longitude), a
sua área territorial é de 313, 14 km2 e altitude média de 16 m
(IPECE, 2013). O litoral em questão possui mais de 20 km de
extensão, onde situam-se mais de 10 praias urbanas, todas arti-
ficializadas direta ou indiretamente por estruturas rígidas de en-
genharia costeira (e.g. espigões, enrocamentos e quebra-mares)
(Figura 1). A densidade demográfica dos bairros litorâneos é de
aproximadamente 7 mil hab/km².

Figura 1. Litoral de Fortaleza com a identificação das principais praias.

175
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

O litoral de Fortaleza está situado em uma zona de clima


Tropical Quente Subúmido, caracterizado por duas estações bem
definidas — uma chuvosa (concentrada especialmente em quatro
meses) e uma seca (ocorre em mais de 60% do ano). No pri-
meiro semestre do ano, os índices pluviométricos podem atingir,
em média, 1.405 mm, correspondendo a mais de 90% do total
anual. O comportamento térmico é caracterizado, basicamente,
por temperaturas elevadas e amplitudes reduzidas. A temperatura
média anual é de 26,9ºC, com variações que não ultrapassam os
5ºC. O regime de ventos é sazonal e, ao longo do ano, apresenta
valores médios de 3,0 m/s (verão) e de 4,3 m/s (inverno).
O litoral de Fortaleza tem um ambiente de mesomaré com
amplitudes variando entre 2 m e 4 m com regime semidiurno.
Segundo o INPH (1996), o nível mais elevado verificado nos
registros maregráficos foi de 3,67 m, enquanto que o mais baixo
foi de 0,2 m. O nível médio (NM) é de 1,55 m. Ondas com
altura significativa igual ou superior a 2,0 m ocorrem apenas em
1,38% do ano, sendo provenientes principalmente de ESE (mas
também, em menor frequência do quadrante E a NE). É de
relevar, embora com frequência muito pequena, a ocorrência de
ondas com altura significativa superior a 2,4 metros, provenientes
de ESE. As ondas com períodos longos, superiores a 12 segundos
(swell), ocorrem cerca de 15% do ano e têm proveniência, es-
sencialmente, de NE (8,8% das ocorrências) e de NNE (4,5%).
Neste contexto, é de ressaltar a ocorrência de ondas com períodos
de pico superiores a 18 segundos, com frequência anual de 0,6%
(INPH, 2002).

176
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
3. As ressacas do mar no litoral de Fortaleza
As ressacas em Fortaleza não são temporais como os que
ocorrem nas altas e médias latitudes com ondas que ultrapassam
os 4m de altura. No Brasil, é comum os casos de sobre-elevação
provocados por abaixamento de pressão atmosférica nas regiões
Sul e Sudeste, onde as frentes frias percorrem o litoral sul-ameri-
cano, atingindo latitudes relativamente altas até 20ºS (CAMAR-
GO e HARARI, 1994).
Conforme Melo et al., (1995), no litoral do Ceará, mais es-
pecificamente no de Fortaleza, as ressacas do mar estão associadas
à ação de furacões extratropicais do Hemisfério Norte que provo-
cam fortes tempestades, resultando na chegada de ondas Swell na
costa Nordeste do Brasil. Melo e Alves (1993) destacaram que no
litoral de Fortaleza as ondas preponderantes são de curto período,
mas entre dezembro e março ocorrem ondas de longo período
provenientes do Hemisfério Norte, como aconteceu nas ressacas
que atingiram a cidade entre os dias 5 e 6 e 24 e 25 de janeiro de
1992.
Os mesmos autores, analisando as condições meteorológi-
cas no Atlântico Norte, observaram a formação de dois temporais
nas proximidades do Arquipélago Açores e relacionaram-nos com
os eventos de ressaca do mar que atingiram o litoral de Fortaleza
alguns dias depois (Figura 2). Segundo Melo e Alves (1993), não
deveria haver relação causal devido à distância entre o local de
formação da tempestade e a costa atingida. As ressacas que atin-
gem a cidade de Fortaleza parecem estar associadas à agitação no
Atlântico Norte, sobretudo aos eventos tempestivos nos Açores.

177
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Figura 2. Área de ação das ondas de longo período, extraído de Melo e Alves (1993).

Viana (2000) descreveu a ocorrência de uma sequência


de ressacas na costa norte do Nordeste brasileiro entre os anos
de 1999 e 2000. Para o autor, as ressacas nesta região são o
resultado de uma coincidência entre marés muito altas e ondas
longas vindas do quadrante norte, geralmente ocorrendo a partir
do mês de dezembro, causadas por furacões extratropicais. Essas
ressacas, forçadas remotamente, não se enquadram nos modelos

178
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
tradicionais de ressacas causadas por efeitos de tempestades
locais. Em sua análise preliminar observou a ocorrência de uma
grande ressaca entre os dias 23 e 27 de outubro/1999. Nesse
período, o Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH)
noticiou por meio do seu técnico (Aluízio dos Santos Araújo),
em Fortaleza, que no dia 23/10/99 foi registrado pelo ondógrafo
(instalado ao largo do Porto do Pecém) ondas com Hmax de 4
m e Hs de 1,7 m, Tp de 20 s de e direção de 35º (Figura 3). O
marégrafo registrou um nível de maré de 3,2 m, isso significou 10
cm acima da maré prevista pela tábua de maré da DHN para o
dia. No dia seguinte o jornal Diário do Nordeste estampou em sua
capa a seguinte matéria “Destruição de casas e ruas em Fortaleza e
Pecém pela ressaca do mar (matéria veiculada no dia 24/10/99)”.

Figura 3. Espectro Direcional de Ondas obtido no ondógrafo Datawell Waverider do INPH


durante a ressaca do mar caracterizada por Viana (2000). Fonte: Modificado de Viana, 2000.

179
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Viana (2000) calculou que ondas de 20s viajam no ocea-


no com velocidade média de 1.375 km/dia, de maneira que um
grupo de ondas causadas por um furacão em 45N levaria 3,8 dias
para chegar ao litoral de Fortaleza. O mesmo autor observou por
meio de imagens do satélite Topex/Poseidon que no dia 18/10/99
havia a formação de um furação na região dos Açores.
De acordo com as considerações de Melo et al., (1995) e
Viana (2000), a comunidade científica brasileira tem utilizado
o termo ressaca do mar com diferentes definições, tornando sua
compreensão por vezes confusa e inconclusiva. Em trabalhos de-
senvolvidos por Paula et al., (2011 e 2012), as ressacas do mar são
caracterizadas como fenômenos naturais induzidos, especialmen-
te, pelo empilhamento da massa de água junto à costa, provocan-
do uma sobre-elevação momentânea do nível de água acima do
nível médio (Wave setup), o que facilita o galgamento das estru-
turas urbanas e potencializa os danos ao patrimônio edificado.
É importante destacar que o resíduo de maré (maré obser-
vada ou real) que ultrapassa os valores da maré prevista (ou teó-
rica) constitui um fenômeno associado à ressaca do mar, ou seja,
a sobre-elevação do nível do mar de índole meteorológica (Storm
surge) para o litoral de Fortaleza é induzida, principalmente, por
forçamentos naturais (ondas, marés e ventos). Assim, as ressacas
do mar em Fortaleza ocorrem quando há transferência de energia
para coluna de água através da quebra das ondas, ação dos ventos
(Wind setup), processos astronômicos (super lua e maré equinocial)
e fenômenos meteorológicos (ciclones tropicais e depressões sub-
polares muito cavadas) que envolvam variações do nível do mar.

180
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
As ressacas do mar podem ocorrer durante boa parte do
ano, o que vai diferenciar é ação das forçantes naturais e os im-
pactos costeiros. Por exemplo, entre os meses de dezembro e
maio, o forçamento é induzido por ondas (Swell/wave setup) que
provocam o empilhamento da massa de água na costa. Nesse pe-
ríodo pode ocorrer a associação das ondas de longo período com
uma maré de sizígia (maré viva). Logo, o efeito destrutivo do
evento é potencializado, ocorrendo danos ao patrimônio público
edificado ao longo da costa. Em menor grau de energia e impac-
to, podem ocorrer ressacas do mar induzidas por bojos de maré
solares e lunares, o que reforça a amplitude das marés. Nesse caso
podemos destacar à ação das marés equinociais (que ocorrem,
especialmente, fevereiro a abril) e dos eventos de Super Lua (que
ocorrem, especialmente, junho e agosto). Em ambos os casos, o
poder destrutivo do evento é menor, pois ocorrem na presença de
ondas do tipo Sea. Contudo, podem ocorrer também na presença
de ondas Swell, o que elevaria a magnitude do evento.
Os eventos de ressacas do mar também podem ser poten-
cializados pela ação dos ventos (Wind setup), que provocam eleva-
ção vertical do nível de água. No litoral de Fortaleza, esse cenário
ocorre, especialmente, entre os meses de setembro e novembro
(temporada de ventos fortes) e, geralmente, está associado a onda
locais (menor poder destrutivo) (Figura 4).

181
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Figura 4. Imagens da orla de Fortaleza após eventos de ressaca do mar induzidos por
diferentes forçantes. 4A – Ressaca do mar ocorrida em Fevereiro/12 induzida por
ondas Swell e potencializada por uma maré de sizígia; 4B – Ressaca do mar ocorrida
em outubro/13 induzida por ação associada de vento, onda e maré.
O quadro 1 sintetiza os principais cenários de ocorrência
de ressaca do mar e seus impactos associados.
182
Quadro 1. Síntese dos mecanismos responsáveis pela geração das ressacas do mar em Fortaleza.
Cenário/Forçantes *Período de ocorrência Característica do evento/Impactos costeiro
O primeiro cenário é considerado o mais energético, pois o evento de ressaca
do mar é induzido pelo empilhamento da massa de água por ação das ondas de
longo período que atingem a costa. Nesse caso, a coincidência com uma maré de
sizígia ou viva potencializa o evento, pois o nível de água a ser deslocado vertical-
mente é maior, atingindo cotas topográficas continentais que não são atingidas
normalmente pelo alcance máximo do espraio da onda (wave runup). Dean et
al., (2005) destacam que o empilhamento da massa d´água (wave setup) é um
Ondas (Swell/wave setup) componente do espraio máximo da onda tal qual os ventos e os componentes
Dezembro - Maio
+ Maré viva barométricos do storm surge são componentes do wave runup. Nesse caso, as
terras costeiras situadas em porções topográficas inferiores ao nível de água al-
cançado pelo empilhamento são atingidas durante um evento de ressaca do mar,
tendo como consequência direta danos à estrutura urbana, que geralmente é
acompanhado por destruição do patrimônio edificado ao longo da costa, desig-
nadamente um risco elevado para orlas costeiras (como Fortaleza). Nesse cenário
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

as ondas são formadas fora do raio de ação dos ventos locais, ondas provenientes
do quadrante Norte/Nordeste.
O segundo cenário também é bastante energético, quando da coincidência da
conjunção de todas as forçantes naturais (onda, vento e maré) envolvidas em um
evento de ressaca do mar em Fortaleza. No período designado há predominância
de ondas de curto período (5s a 8s), mais também há ocorrência de ondas de
Ondas (Swell/wave setup) longo período (acima de 12s). Essas ondas associadas aos episódios de ventos
+ Vento (wind setup) + Setembro -Novembro fortes, característicos do período, sobrelevam o nível de água junto a costa. Além
Maré viva (wind tide) de haver uma indução vertical da maré induzida tanto pelos ventos quanto pela
energia das ondas. Nesse caso, o espraio máximo das ondas atinge as estruturas
urbanas sem grandes dificuldades, ocasionado alagamento da costa (por ser tem-
porário) e danos ao patrimônio edificado, configurando outro cenário de risco
elevado.

183
2
Seção
O terceiro cenário é menos energético que os dois anteriores, contudo isso não
2

184
Seção

significa que seja menos danoso. Nele, o empilhamento da massa de água é


induzido pela ação dos ventos. Segundo Hubbert e McInnes (1999), a elevação
vertical do nível da água ocorre quando tensões do vento sobre a superfície da
água produzem uma sobre-elevação momentânea do nível do mar (wind tide).
Nesse cenário, o alcance máximo do espraio das ondas é, por vezes, menor que
o anterior, ocasionado modificações volumétricas na alta praia, o que pode pro-
Vento (wind setup) +
Setembro -Novembro vocar em áreas densamente urbanizadas (como Fortaleza) o desmoronamento
Maré viva (wind tide)
de estruturas urbanas que avançaram sobre essa zona e modificações rápidas
do perfil praial. Em geral, nesse cenário as ondas são formadas localmente e
a maré é induzida por fatores não astronômicos (vento, pressão atmosférica e
agitação marítima). As ondas são geralmente de curto período, característica
marcante da agitação marítima de Fortaleza. O risco é designadamente médio,
o que vai induzir consequências prejudiciais ao patrimônio edificado é a locali-
zação das mesmas, que por vezes facilitam ação energética do mar.
O quarto cenário é composto por resíduos de maré que ultrapassam os valores
previstos por ocasião dos equinócios (marés vivas equinociais). Nesse caso, há
uma pequena sobre-elevação induzida pela associação dos astros (sol, lua e ter-
ra), cujo os movimentos são bem conhecidos. Segundo Pugh (1987), os bojos
de maré solares e lunares reforçam a amplitude das marés. Assim, as marés
vivas equinociais são mais energéticas. Associada as marés equinociais ocorrem
Maré equinocial + Fevereiro-Abril
ondas de menor período e formadas localmente. Logo, o alcance máximo do
Ondas (Sea) Agosto - Setembro
espraio das ondas é menor do que o observado nos cenários anteriores e o seu
impacto associado também. Nesse cenário, os impactos costeiros ocorrem es-
pecialmente ao longo da face de praia. No caso da existência de dunas frontais,
o nível de espraio concentra-se na base da duna, ocorrendo recuo e desmoro-
namento da crista. Em síntese, são impactos costeiros morfológicos com baixo
risco ao patrimônio edificado, a considerar sua posição na linha de costa.
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

• O período de ocorrência é o intervalor médio para ocorrência dos eventos, podendo haver variação.
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
4. Caracterização das ressacas do mar em Fortaleza
Geralmente, os estudos de ressaca do mar/temporais/tem-
pestades são baseados em dados instrumentais. No caso do litoral
de Fortaleza, os registros são escassos e incompletos em termos de
série temporal. Dessa forma, para suprir a ausência dessas infor-
mações, adotaram-se dois métodos de análise — o primeiro foi
baseado em informações coletadas nos jornais locais, enquanto
que o segundo foi com base em dados de previsão de onda.
As ressacas do mar, como visto anteriormente, são fenôme-
nos naturais e intrínsecos a zona litorânea que, juntamente com
o adensamento urbano desordenado da orla costeira potenciali-
zam a vulnerabilidade ambiental e os danos físicos, a exemplo dos
municípios litorâneos de Fortaleza, Rio de Janeiro, Florianópolis
e Recife, dentre outros. No caso do Rio de Janeiro, Pontes e Zee
(2010) analisaram a situação das ressacas através de um levanta-
mento no banco de dados da imprensa local, isso devido à limi-
tação de recursos e de sistemas de monitoramentos ambientais.
Outros trabalhos também utilizaram o método de coleta
de dados em meios de comunicação escrita como os de Caruzzo
& Camargo (1998) e Campos e Camargo (2006). Pontes e Zee
(2010) utilizaram os dados obtidos com a pesquisa documental
em jornais para correlacionar o aumento de ressacas com o au-
mento da ocorrência de processos erosivos no litoral do Rio de
Janeiro.
No estudo das ressacas do mar em Fortaleza, na ausência
de uma base de dados longa, optou-se pela análise de matérias
jornalísticas. Dessa forma, para suprir a ausência dessas
informações, adotou-se o método hemerográfico, que consiste
na aquisição de dados e informações em hemerotecas. Nesse
caso utilizaram-se as bibliotecas dos jornais O Povo e Diário do

185
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Nordeste, recuperando-se todas as matérias sobre o tema publicadas


entre 1953 e 2010. Destas foram extraídas as seguintes informações:
a) data da matéria; b) título da matéria; c) região atingida; d) dados
do clima oceanográfico (Hs, Tp e Dº); e) nível de atuação da maré;
e f ) tipo de impacto costeiro (físico/social). Em alguns casos os
registros de maré foram complementados com dados de previsão
de maré da Diretoria de Hidrografia e Navegação – DHN.
As informações adquiridas foram inseridas em uma base de
dados, em que sua organização foi elaborada com dados de entrada
das características oceanográficas (Hs,Tp, Dº e maré) e impactos
costeiros (consequências observadas no litoral a partir das matérias)
em ficheiros ASCII. A leitura da base de dados e o processamento
foram realizadas com o software Matlab, permitindo a determina-
ção das condições mínimas de ressaca que causaram impactos, ou
seja, os limiares de ocorrência para impactos costeiros.
O processamento das informações permitiu estabelecer o
nível máximo de atuação da agitação marítima a cada evento de
ressaca. A associação entre as consequências ambientais e as in-
formações de agitação marítima permitiu estabelecer dois níveis
de impactos com relação às consequências: Impacto 1 – corres-
ponde a consequências menos graves, incluindo principalmente
alterações morfológicas (erosão de dunas e praias); Impacto 2 –
correspondente a danos ou destruição de infraestruturas urbanas
(casas, praças, calçadões, pontes e estradas).

4.1. Determinação dos impactos costeiros induzidos


por ressacas do mar a partir de dados de jornais
Entre 1953 e 2010, foram registrados 162 eventos de res-
saca do mar, isto é, cerca de três episódios por ano. Os resultados
devem ser interpretados numa lógica de inter-relação (processo/

186
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
resposta), ou seja, considerando a lógica mediática em que o im-
portante é a notícia e o que não é notícia (não afeta pessoas ou
bens) não é geralmente publicado. Por exemplo, a erosão de uma
duna não ocupada durante um evento de ressaca não tem aspectos
de drama social e, consequentemente, não é normalmente divulga-
da pelos meios de comunicação. Entretanto, quando se verificam
danos físicos em edificações (como casas ameaçadas de desabamen-
to, destruição de estradas e calçadões), existe interesse potencial dos
leitores e, por consequência, os jornais noticiam o fato.
Em outras palavras, o registro das ressacas do mar em jor-
nais ocorre em função do nível de ocupação do litoral e a reper-
cussão dos dramas sociais. Isto foi observado no conjunto de da-
dos obtidos, visto que mais de 95% dos eventos de ressaca foram
registrados e publicados a partir da década de 1980, momento
em que houve a intensificação da ocupação/urbanização do lito-
ral de Fortaleza (Figura 5).

Figura 5. Registro das notícias sobre ressacas do mar no litoral de Fortaleza entre
os anos de 1953 e 2010.

187
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Na figura 5 é possível observar que os registros das ressa-


cas do mar por matérias jornalísticas apresentam dois períodos
distintos: o primeiro está compreendido entre os anos de 1953
e 1979 — período em que o evento tinha efeito contemplativo,
pois não havia destruições e aspectos de drama social, além dis-
so, o baixo índice de urbanização da costa minimizava o efeito
destrutivo das ressacas do mar (Figura 6 A) — o segundo está
compreendido entre os anos de 1980 e 2010 — momento em
que o evento deixa de ser contemplativo para ser temido pela so-
ciedade, isso devido aos danos causados, levando a sua publicação
nos meios de comunicação social (Figura 6 B).
A B

Figura 6 - A) Espectadores contemplando o espetáculo da ressaca do mar na


Praia dos Diários em 10/02/1982; B) Destruição do calçadão da Praia de Iracema
11/03/1997. Fonte: (A) Jornal Diário do Nordeste e (B) Jornal O Povo.

Na figura 5 ainda é possível observar que a partir de 1982


ocorreu um aumento significativo nos registros de ressaca em
Fortaleza. Entre 1982 e 2010 (28 anos) os jornais ( O Povo e
Diário do Nordste) noticiaram mais de 95% de todos os registros
de eventos do período em análise (57 anos). Tal resulta, por cer-
to, do aumento no número de infraestruturas de uso comum aí

188
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
construídas (e.g. estradas, calçadões, barracas de praia, obras de de-
fesa costeira, etc.). A partir da década de 80 do século passado, houve
amplificação dos casos de danos ou destruições, levando os casos a
mídia.
A análise dos dados aludidos revela que as ressacas apresen-
tam forte sazonalidade: a temporada de ressacas ocorre, especial-
mente, de setembro a maio, com maior frequência entre os meses
de dezembro e março (84%). O mês de janeiro é o que apresenta
a maior frequência individual, com mais de 30% das ocorrências.
Podemos observar que ao longo de 75% do ano pode haver al-
gum evento de ressaca do mar em Fortaleza (Figura 7).

Figura 7. Gráfico de frequência mensal dos eventos de ressaca do mar noticiados no


litoral de Fortaleza entre os anos de 1953-2010.
Na figura 7 é possível fazer duas observações quanto ao
agente indutor das ressacas do mar no litoral de Fortaleza. A pri-
meira é que a ocorrência de ressacas entre os meses de setembro
e novembro é induzida pelos ventos fortes que atingem a costa
do Ceará. Nesse período a velocidade média dos ventos é de 30
km/h, com rajadas de até 70 km/h4. No primeiro semestre do ano
esse valor médio não ultrapassa os 14 km/h. Nessa época do ano,
4
Dados observados na matéria veiculada pela TV Verdes Mares em 2008 através do
seu portal eletrônico “Última Hora” > http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noti-
cias.asp?codigo=232083&modulo=178<.

189
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

a diferença da pressão atmosférica que gera o movimento do ar,


aumenta no Oceano Atlântico. Os ventos alísios que sopram em
regiões equatoriais como o Nordeste do Brasil se intensificam. No
litoral do Ceará eles são ainda mais fortes. A segunda observação
é que as ressacas do mar que ocorrem entre os meses de dezembro
e maio são impulsionadas pelas ondas de longo período, como já
descrito no quadro 1.
A integração das informações qualitativas (consequências)
e quantitativas (clima oceanográfico) permitiu estabelecer dois
limiares para ocorrência de impactos costeiros (I e II) induzi-
dos por ressacas do mar no litoral de Fortaleza (Tabela 1). Os
dados processados permitiram classificar 85 eventos do total de
162 eventos registrados (mais de 50% do total). Dos 85 eventos
classificados, 15 foram qualificados como de impacto do tipo I,
enquanto que 70 foram considerados do tipo II (Figura 8). Essa
disparidade entre os registros se deu porque os meios de comuni-
cação não se interessam muito pelo impacto I (só erosão da praia
não causa dano físico), pois o que é noticiado é o dano, pelo que
há mais notícias e maior robustez no impacto II.
Tabela 1. Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros.
Tabela 1. Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros.

Consequência Nível de água (NA) Impacto costeiro


Impacto I NA ≥ 3,5 m Erosão de dunas e praias
Impacto II NA > 4,0 m Dano à estrutura urbana

Tabela 2. Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros a partir


de dados de previsão de ondas.

Consequência Nível de água (NA) Impacto costeiro


Impacto I NA ≥ 3,5 m Erosão de dunas e praias
Impacto II 4,0 ≥ NA ≤ 4,5 m Dano à estrutura urbana
190 Impacto III > 4,5 M Potencial de alagamento
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2

Figura 8. Determinação do número de eventos de ressaca do mar com impacto


tipo I e II para o litoral de Fortaleza.

4.2. Determinação dos impactos costeiros induzidos


por ressacas do mar a partir de dados de previsão de ondas
Os dados de altura significativa de onda (Hs) foram obti-
dos do modelo de previsão WaveWatch III do Centers for Environ-
mental Prediction –NCEP/NOAA. Para a presente análise foram
extraídos dados de onda (altura, período e direção) para o litoral
central do Ceará, que engloba o litoral de Fortaleza. Os dados de
previsão de ondas estavam disponíveis de janeiro/08 a agosto/11.
Essas informações foram complementadas com dados de previsão
de maré da Diretoria de Hidrografia e Navegação – DHN para
o Porto do Mucuripe (lat.3º42,9`S/Long.38º28,3´W). Os dados
foram usados para estabelecer as características das ondas e o ní-
vel máximo de atuação da maré a cada evento de ressaca. A esses
dados foram adicionados os registros históricos de galgamentos,
danos em estruturas urbanas e erosão da praia obtidos por Paula
et al., (2011) para o litoral de Fortaleza.

191
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Para determinar os limiares hidrodinâmicos para ocor-


rência de ressacas do mar em Fortaleza com consequências so-
cioambientais foi utilizada a função “SE” (IF) do software Excel.
Essa função permite testar, em um conjunto de dados, condições
hidrodinâmicas para ocorrência de ressacas do mar com impac-
tos costeiros, quais sejam: Impacto I – erosão da praia; Impacto
II – dano à estrutura urbana; e Impacto III – potencial de ala-
gamento. Em observações de campo (de fevereiro a agosto de
2011), constatou-se a adequação dessas informações às condições
hidrodinâmicas testadas pela função “SE”. Nos experimentos de
campo foi delimitado o alcance máximo do espraio das ondas
sobre a praia e a localização das estruturas urbanas, utilizando
um DGPS (Differential Global Positioning System/GTRG2/GLO-
NASS) a funcionar em modo cinemático.
A integração dos dados hidrodinâmicos previstos e dos
Tabela 1. Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros.
impactos costeiros permitiu definir três limiares (Tabela 2). Para
ocorrência de impactos costeiros
Consequência
em Fortaleza,Impacto
Nível de água (NA)
o empilhamento
costeiro
Impacto I NA ≥ 3,5 m Erosão de dunas e praias
da massa de água junto à costa deve ultrapassar 4 m para que o
Impacto II NA > 4,0 m Dano à estrutura urbana
alcance máximo do espraio da onda (wave runup) atinja as estru-
turas urbanas.
Tabela 2 – Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros a partir
Tabela 2. Limiares hidrodinâmicos para ocorrência de impactos costeiros a partir
de dados de previsão de ondas.
de dados de previsão de ondas.

Consequência Nível de água (NA) Impacto costeiro


Impacto I NA ≥ 3,5 m Erosão de dunas e praias
Impacto II 4,0 ≥ NA ≤ 4,5 m Dano à estrutura urbana
Impacto III > 4,5 M Potencial de alagamento

Tabela 3. Registros dos impactos costeiros induzidos por ressacas do mar no litoral
de Fortaleza entre os anos de 2008 e 2011.

Impacto costeiro
192 Ano I II III
2008 128 28 12
2009 97 30 54
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
Impacto I – Erosão da praia
Foram contabilizados 91 eventos (com duração mínima de
2 dias) com potencial efeito para provocar erosão da praia, apro-
ximadamente 25 eventos por ano.
Impacto II – Potencial dano em infraestruturas urbanas
Os danos causados ao patrimônio edificado (e.g. estradas,
calçadas e casas) são resultantes da potencial erosão das praias
induzida pelo impacto das ressacas do mar. Isso ocorre quando
há infraestruturas urbanas limitando a praia (Mendoza e Jiménez,
2009). Consequentemente há erosão da praia interna e o recuo da
linha de costa em direção à malha urbana, em alguns casos com
galgamentos (Overtopping) do calçadão da Avenida Beira-Mar,
em Fortaleza, e recuo da linha de costa, originando situações de
riscos para o patrimônio edificado.
A frequência com que esse tipo de evento tem-se repetido
aumentou um pouco entre os anos de 2008 e 2011, possivelmen-
te devido à intensificação da ocupação desse trecho costeiro por
estruturas urbanas, que naturalmente elevam o risco costeiro (e.g.
perda de patrimônio edificado) a eventos de alta energia. En-
tre os anos de 2008 e 2011 foram contabilizados, nos resultados
do modelo, 41 eventos (duração média de 3 dias) com potencial
para provocar danos ao patrimônio edificado, isto é, 11,3 ressa-
cas/ano.
O trecho mais afetado está situado entre o Porto do Mucuri-
pe e a Praia da Barra do Ceará (litoral norte) que está totalmente
artificializado por estruturas de engenharia costeira (e.g. espigões,
marinas e enrocamentos), corresponde a um litoral humanizado,
sendo ainda caracterizado pela alta densidade populacional (mais
de 8.000 hab/km2, IBGE, 2010), reduzida faixa de praia e dunas
antropizadas, completamente cobertas pela malha urbana.

193
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Impacto III - Potencial de Alagamento


O alagamento da frente urbana de Fortaleza ocorre quando
o nível de água (setup) está acima da elevação do topo das estrutu-
ras rígidas ou da crista da duna, potencializando o alcance máxi-
mo dos espraio das ondas (Figura 9). Nesse caso, há galgamento
das estruturas por ação combinada dos fatores naturais descritos
no quadro 1. No caso da orla turística de Fortaleza, a cota média
do calçadão da Avenida Beira-Mar é de 4,5 m acima do ZH. Em
trechos como o da Praia dos Diários a cota média é de 4,0 m,
altimetria que não impede que o espraio máximo (wave run-up)
das ondas galgue as estruturas continentais.

Figura 9. Alagamento da Avenida Beira-mar após a ressaca do mar ocorrida no dia


28/10/13.
A interação de ondas-estruturas é complexa, pois envolve
processos não lineares como a propagação e a transformação das
ondas e variáveis climáticas (e.g. pressão atmosférica e ventos)
(Didier e Neves, 2009). Com base nos dados do modelo foi pos-
sível observar que, em média, o litoral de Fortaleza é atingido por
28 eventos com duração média de 4 dias, o que contabiliza cerca
de 8 eventos por ano, e cerca de 32 dias (totais) de ressacas por
ano com potencial de alagamento.

194
Impacto II NA > 4,0 m Dano à estrutura urbana
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
Tabela 2. Os resultados
Limiares mostrampara
hidrodinâmicos queocorrência
o número de de eventos
impactos que pro-
costeiros a partir
de dados de previsão de ondas.
vocam danos ao patrimônio edificado (impacto II) e alagamen-
to (impacto
ConsequênciaIII) aumentou
Nívelde
de2008 para 2011, Impacto
água (NA) enquanto o que
costeiro

provoca erosão da praia manteve-se estável (Tabela 3). A série


Impacto I NA ≥ 3,5 m Erosão de dunas de
e praias
dadosImpacto
não permite
II constatar
4,0 ≥ se
NA houve
≤ 4,5 m alteração
Danodos parâmetros
à estrutura urbana
oceanográfi
Impacto co-climáticos,
III mas> 4,5
simMrelacionar Potencial
o aumento dos im-
de alagamento
pactos do tipo II e III à intensificação da urbanização do litoral de
Fortaleza, com consequente avanço sobre a zona de praia.
Tabela3.3.Registros
Tabela Registrosdos
dos impactos
impactos costeiros
costeirosinduzidos
induzidospor
porressacas do do
ressacas marmar
no litoral
no litoral
dede Fortaleza
Fortaleza entreososanos
entre anosde
de2008
2008ee2011.
2011.

Impacto costeiro
Ano I II III
2008 128 28 12
2009 97 30 54
2010 97 47 26
2011 83 47 30
Nota: Os registros no ano de 2011 foram disponibilizados, apenas, até o mês de agosto.
Nota: Os registros no ano de 2011 foram disponibilizados, apenas, até o mês de agosto.

4.3. Áreas afetadas pelas ressacas do mar


Na identificação das áreas mais afetadas pelas ressacas do
mar também foram utilizadas as informações extraídas das maté-
rias jornalísticas (1953-2010) associadas aos limiares para ocor-
rência de impactos costeiros. Desta forma foi possível identificar
os trechos costeiros mais vulneráveis do litoral de Fortaleza a um
evento de ressaca do mar. Nesse caso, as praias que apresentaram
maior registro de danos ao patrimônio edificado foram Pirambu,
Formosa, Iracema, Meireles, Mucuripe e Titanzinho (Figura 10).

195
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

Figura 10. Praias mais afetadas pelas ressacas do mar em Fortaleza entre os anos
de 1953 e 2010.
Na figura 10 é possível observar que as matérias veiculadas
nos jornais locais apontam como principais áreas afetadas pelas
ressacas do mar em Fortaleza as praias de Iracema (31,3%), Pi-
rambu (27,5%) e Meireles (27%). Essa disparidade observada
entre as praias mais afetadas e menos afetadas pode ser explicada
por dois fatores principais: o primeiro é porque os meios de co-
municação não se interessam por áreas com impactos I e II (esse
último quando não há grande adensamento populacional), pois
o que é noticiado é o drama social; o segundo é porque as três
praias mais afetadas congregam valores sociais, culturais e econô-
micos que são atrativos à imprensa, são eles: grande adensamento
populacional, patrimônio edificado em risco, áreas com valor tu-
rístico (no caso da Iracema e o Meireles) e área de risco social (no
caso do Pirambu).
De forma geral, as praias localizadas no litoral central e
oeste de Fortaleza são vulneráveis a um evento de ressaca do mar,
em que mais de 50% das praias de Fortaleza apresentam impactos
do tipo II (dano à estrutura urbana) e III (potencial de alagamen-
to). Na figura 11 é possível identificar os impactos costeiros por
trechos praiais ao longo do litoral de Fortaleza.
196
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2

Figura 11. Mapa de impactos costeiros induzidos por ressacas do mar nas praias
do litoral de Fortaleza.

5. Considerações Finais
Para o litoral de Fortaleza as consequências socioambientais
decorrentes de um evento de ressaca do mar passaram a ter maior
notoriedade a partir da intensificação da urbanização, que expôs
ainda mais a costa à ação energética do mar, vulnerabilizando o
sistema de retroalimentação (feedback) das praias e colocando-as
em estado de risco. A partir dos resultados e discussões apresenta-
dos é possível afirmar que as ressacas do mar que atingem o litoral
de Fortaleza são resultantes de uma sobre-elevação dinâmica, que
tem como forçantes indutoras ondas, marés e ventos, que são
responsáveis pelo empilhamento vertical da massa de água junto
à costa. Situação que leva à ocorrência de ressacas do mar em
Fortaleza. Neste trabalho também foi possível estimar um quadro
de limiares para ocorrência de três impactos derivantes das con-
dições de ondas e marés: Impacto I – Erosão da praia; Impacto
197
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

II - Potencial dano em infraestruturas urbanas; e Impacto III -


Potencial de alagamento.
Os dados colhidos nos jornais de Fortaleza publicados entre
1953 e 2010 revelaram uma tendência de aumento da frequência
dos episódios de ressaca que provocam consequências socioeco-
nômicas, colocando em risco o patrimônio edificado.
Os resultados mostram que o número de eventos que pro-
vocam danos ao patrimônio edificado e alagamentos aumentou
de 2008 para 2011, enquanto que o que provoca apenas erosão da
praia manteve-se estável. A série de dados não permite constatar
se houve alteração dos parâmetros oceanográfico-climáticos, mas
sim relacionar o aumento dos impactos do tipo II e III a intensi-
ficação da urbanização do litoral. A soma dos níveis de água pre-
cisam ultrapassar 4m para que haja alagamento de alguns trechos
costeiros no litoral de Fortaleza. O método baseado em previsões
(ondas e marés) pode ser aplicado nas definições dos impactos
provocados por ressacas do mar. Contudo, é imprescindível pro-
ceder, no futuro, correlação direta com dados observacionais.
Em Fortaleza a intensa urbanização da costa é fator condi-
cionante da vulnerabilidade deste litoral a eventos de alta energia
(ressacas do mar). Nesse caso as estruturas de engenharia costeira
não são completamente eficazes na defesa do patrimônio edifica-
do, ocorrendo destruições de bens públicos (estrada, calçadão e
postes de energia) e privados (casas e barracas de praia) e alaga-
mento de alguns trechos da costa. Por fim, constata-se que o mé-
todo baseado em relatos de jornais foi um importante indicador
na análise dos impactos socioambientais, permitindo estabelecer
inter-relações entre a dinâmica do meio e as consequências que
não seriam possíveis de analisar apenas com dados observacio-
nais. Contudo, é imprescindível proceder, no futuro, correlação

198
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
direta com dados medidos, complementados com modelos com-
putacionais, para que se possam estabelecer com mais detalhes e
rigor os limiares das ondas de ressaca e de maré com potencial
para induzirem impactos prejudiciais à sociedade.

Agradecimentos:
Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (479255/2009-
1 / 483811/2013-0) e a Fundação Cearense de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – FUNCAP (PRONEX).

6. Referências Bibliográficas
ALMEIDA, L. P., FERREIRA, O., PACHECO, A. Thresholds for
morphological changes on an exposed sandy beach as a function of
wave height. Earth Surface Processes and Landforms, v. 36, Issue 4,
p. 523-532, 2010.
CAMARGO, R., HARARI, J. Modelagem numérica de ressacas na
plataforma sudeste do Brasil a partir de cartas sinóticas de pressão at-
mosférica na superfície. Boletim do Instituto Oceanográfico, v. 42,
p. 19-34, 1994.
CAMPOS, R. M., CAMARGO, R. Caracterização do nível do mar
em santos e sua correspondência com o NCEP/REANALYSIS so-
bre o sudoeste do Atlântico Sul. Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas - USP, São Paulo, SP, Brasil, 2006.
CARUZZO, A., CAMARGO, R. Influências sinóticas no Atlântico
Sudoeste: levantamento preliminar de situações de interesse. De-
partamento de Ciências Atmosféricas do Instituto Astronômico e Geo-
físico da USP, São Paulo, SP, Brasil, 1998.

199
Seção

2 Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira

CIAVOLA, P., ARMAROLI, C., CHIGGIATO, J., VALENTINI, A.,


DESERTI, M., PERINI, L., LICANI, E. P. Impacto of storm along the
coastline of Emilia-Romagna:the morphological signature on the Raven-
na coastline (Italy). Journal of Coastal Research, SI 50, p.1-5, 2007.
DEAN, B., COLLINS, I., DIVOKY, D., HATHEWAY, D., SCHEF-
FNER, N. FEMA Coastal Flood Hazard Analysis and Mapping
Guidelines. Focused Study Report, 2005. 178 p.
DIDIER, E., NEVES, M. G. Wave overtopping of a typical coastal
structure of the Portuguese Coast using a SPH model. Journal of
Coastal Research, SI 56, p. 496-500, 2009.
FERREIRA, O. Storm groups versus extreme single storms:predicated
erosion and management consequences. Journal of Coastal Research,
SI 42, p. 221-227, 2005.
HUBBERT, G. D., MCINNES, K. I. A storm surge inundation model
for coastal planning and impact studies. Journal of Coastal Research,
v. 15. n. 1, p. 168-185, 1999.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Popu-
lacional. (2010).
INPH - Instituto de Pesquisas Hidroviárias. Relatório final dos es-
tudos em modelo físico reduzido de agitação do Porto do Pecém-CE
(Nº71/96). Rio de Janeiro, 1996. 38 p.
INPH - Instituto de Pesquisas Hidroviárias. Relatório final de medi-
ções de ondas (Nº013/2002). Rio de Janeiro, 2002. 62 p.
IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará.
Perfil básico municipal de Fortaleza. 2013. 17 p.
MELO FILHO, E., ALVES, J. H. G. M. Nota Sobre a chegada de
ondulações longínquas à costa brasileira. In: X Simpósio Brasileiro
de Recursos Hídricos. Gramado, RS: Associação Brasileira de Recursos
Hídricos, v. 5, p. 362-369. 1993.

200
Seção
Ressacas do Mar/Temporais e Gestão Costeira
2
MELO, E., ALVES, J. H. G. M., JORDEN, V., ZAGO, F. Instrumen-
tal confirmation of the arrival of North Atlantic Swell to the Ceará
coast. In: Proceedings of the 4th International Conference on Coastal
and Port Engineering in Developing Countries – COPEDEC IV, Rio
de Janeiro, Brazil, p. 1984-1996. 1995.
MENDONZA, E. T., Jiménez, J. A. Regional vulnerability analysis of Ca-
talan beaches to storm. Maritime Engineering, v. 162, p. 127-135, 2009.
PAULA, D. P. Análise dos riscos de erosão costeira no litoral de
Fortaleza em função da vulnerabilidade aos processos geogênicos e
antropogênicos. Tese de doutorado, Universidade do Algarve, Facul-
dade de ciências do mar, 2012. 335 p.
PAULA, D. P., DIAS, J. M. A., FERREIRA, O., ALMEIDA, L. P M.,
MORAIS, J. O. Determinação dos limiares para impactos socioam-
bientais em função das ressacas do mar em Fortaleza-CE, Brasil. In:
Cong. Lat. Amer. Ciênc. Mar., Balneário Camboriú-SC, 2011.
PONTES, N. Z., ZEE, D. M. W. Mudanças climáticas globais e seus
reflexos nas praias oceânicas do município do Rio de Janeiro. In: 4º
Congresso Brasileiro de Oceanografia, Rio Grande-RS, 2010.3 p.
PUGH, D. T. Tides, Surges And Mean Sea Level. John Wiley and
Sons, Chichester.1987. 472 p.
VIANA, M. L. Ressacas na costa norte do nordeste causadas por
furacões extratropicais. In: IX Congresso Brasileiro de Meteorologia,
Rio de Janeiro, p. 2613-1619, 2000.

201

View publication stats

Você também pode gostar