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Walter Firmo

Sergio Burgi [org.]

Walter Firmo
no verbo do silêncio a síntese do grito

© Marcio Scavone

Produção Apoio

Realização
Walter Firmo: desajustar a realidade para reajustar o Brasil
O Banco do Brasil apresenta Walter Firmo – No Walter Firmo é um nome de referência na deve influenciar as pessoas porque o ato de
verbo do silêncio a síntese do grito, retrospectiva fotografia brasileira. Ao longo de sua traje- fotografar tem que ser político, e não um
composta por mais de 260 imagens criadas pelo tória fotografou tanto o que estava próximo, mero acaso instantâneo”.
renomado fotógrafo carioca em seus mais de 70 nas cidades e nas periferias das metrópo- O Instituto Moreira Salles guarda e pre-
anos de atuação. Com curadoria de Sergio Burgi e les, como chegou às lonjuras deste imenso serva nos seus acervos, em regime de co-
Janaina Damaceno Gomes, a exposição esteve em país, à sua “Amazônia de ninguém”, aos ritos modato, o extenso arquivo de Walter Firmo,
cartaz no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, e festividades populares do Nordeste, bus- sendo esta exposição um momento relevante
e inaugura a parceria entre a instituição e o Cen- cando ancestralidades, construindo retratos, para a construção de um ponto de vista sobre
tro Cultural Banco do Brasil, seguindo do Rio de enquadrando paisagens, revelando cotidia- esse arquivo, impulsionando a sua divulgação
Janeiro para Brasília e Belo Horizonte. nos, interpretando o Brasil como poucos o e propondo linhas de leitura e de interpre-
Firmo é responsável por fotografias icônicas – fizeram de forma tão coerente, abnegada e tação. É uma ocasião rara para percorrer o
que revelam desde personalidades da música po- corajosa. Revelou as cores de um país, nessa trabalho do fotógrafo, reunindo quase três
pular brasileira a anônimos –, captadas com uma sua paleta infinita, sempre ciente de que “o centenas de imagens, apresentadas inicial-
sensibilidade ímpar, que se potencializa na sua Brasil é um desvario de cor”, ao reivindicar, mente na sede do instituto em São Paulo, en-
identificação com as pessoas, os lugares e as si- numa brasilidade profunda, o esquecimento tre abril e outubro de 2022.
tuações retratadas. Essa intimidade magnetiza o do “olho europeu e americano”. A exposição chega agora ao Rio de Janeiro,
olhar do público em um passeio de cores, ângulos A sua condição de fotógrafo, quantas vezes cidade natal de Walter Firmo, graças a uma
e luminosidade que desperta uma empatia única, em missão comissionada, jamais diminuiu o parceria entre o Centro Cultural Banco do Bra-
ativa memórias e faz o espectador se reconhecer programa rigoroso e emancipatório do ar- sil e o Instituto Moreira Salles. Esse trabalho
na poesia do cotidiano construída pelo artista, do tista que subverte as regras do jogo que pra- conjunto entre as duas instituições permitirá,
fotojornalismo às festas folclóricas tradicionais. tica, exemplificando no seu fazer uma peculiar ademais, que outras exposições desenvolvi-
Ao realizar esta exposição, em parceria com teoria da fotografia, que soube construir en- das pelo IMS cheguem ao público carioca ao
o IMS, o Centro Cultural Banco do Brasil presta quanto crítica da noção de realidade e obje- longo dos próximos quatro anos, período em
homenagem a um dos expoentes da fotografia tividade fotográficas, combatendo qualquer que nossa sede na Gávea permanecerá fechada
brasileira contemporânea e possibilita ao público pretensão de uma neutralidade fotográfica para obras de expressiva renovação das áreas
o acesso a obras de reconhecido valor artístico e num mundo onde tão pouco a neutralidade de exposição e salvaguarda de acervos. No
documental, promovendo a conexão dos brasi- existe. Em cada fotografia, Firmo convida o caso específico desta mostra, a parceria se
leiros com a cultura. espectador à “reflexão imediata sobre a rea- estenderá ainda aos espaços culturais man-
lidade exibida e sobre o próprio ato de foto- tidos pelo CCBB em Brasília e Belo Horizonte.
Centro Cultural Banco do Brasil grafar”, consciente de que “o poder do olhar É com prazer, portanto, que registramos nossa
gratidão e nosso reconhecimento à equipe e
à direção do CCBB-RJ pelo acolhimento que
reservaram a nossa proposta de juntar esfor-
8 No verbo do silêncio a síntese do grito
Sergio Burgi
ços em prol da cultura e das artes no Rio de
Janeiro, gratidão essa que se estende às equi-
pes e diretorias do CCBB nas outras cidades
que receberão Walter Firmo – no verbo do
16 Amar a negritude
Janaina Damaceno Gomes
silêncio a síntese do grito.
Exprimimos por fim a nossa incomensurá-
vel gratidão a Walter Firmo. Toda a sua vida 24 Um plantador de atmosferas
e todo o seu trabalho são um ensinamento Walter Firmo
único para aprendermos, através do seu olhar,
a desajustar a realidade para reajustar o Bra-
sil. Agradecemos todo o carinho e o imenso
entusiasmo com o qual acolheu e acompa-
Portfólio
36 negra cor / aura de luz
nhou este projeto, toda a confiança que em
nós depositou para a construção deste olhar 76 síntese do grito
sobre a sua obra, que esperamos possa ser 124 encantamentos e experimentações
condigno da admiração com que agora a ho-
202 primeiras imagens
menageamos e a divulgamos.

230 “O fotógrafo é um parador do tempo”


Walter Firmo em conversa com Janaina Damaceno Gomes, Nabor Jr. e Sergio Burgi
Marcelo Mattos Araújo
Diretor Geral
Instituto Moreira Salles 244 Breve cronologia de Walter Firmo
Andrea Wanderley
João Fernandes
Diretor artístico
Instituto Moreira Salles 250 Sobre as obras em exposição
Gaudêncio da Conceição,

No verbo do silêncio a síntese do grito quilombola da comunidade


do Angelim, Ticumbi em
Festa de São Benedito,
Conceição da Barra, es, c. 1989
Sergio Burgi

Walter Firmo incorporou desde cedo em sua e religiosas. Criou, ao longo desse percurso, tasiantes. Sua fotografia foi sendo engendrada diária no jornal Última Hora, em 1955, e no
prática fotográfica a noção da síntese nar- uma sólida presença na imprensa e na fo- ao longo dos anos num verdadeiro estúdio Jornal do Brasil, a partir de 1960. Em 1965, ele
rativa de imagem única, elaborada por meio tografia autoral, que resultou em um vasto a céu aberto, sob a intensa luz tropical, de- ingressa no universo da fotografia em cores
de imagens construídas, dirigidas e, muitas acervo de mais de 140 mil imagens, hoje pre- dicada essencialmente à representação e à como o primeiro fotógrafo contratado pela
vezes, até encenadas. Linguagem própria que, servado no Instituto Moreira Salles. visibilização do negro na sociedade brasileira. revista Realidade, transferindo-se em 1966
tendo como substrato sua consciência de ori- Nascido e criado no subúrbio carioca, fi- “O Brasil é um desvario de cor. É ornamento, para a revista Manchete, publicações que o
gem – social, cultural e racial –, desenvolve- lho único de paraenses – seu pai, de família é febril, alucina. Fazer fotografia brasileira é levarão a percorrer extensivamente o país
-se amalgamada à percepção, já presente no negra e ribeirinha do baixo Amazonas; sua tirar partido desse patrimônio. É ignorar os ainda antes dos 30 anos.
início de sua trajetória profissional, da ne- mãe, de família branca portuguesa, nascida tons pastéis e endeusar os verdes e rosas, A carreira de Firmo na imprensa es-
cessidade de se confrontar e se questionar os em Belém –, Walter Firmo construiu a poética nacionalizando os temas. É esquecer o olho tendeu-se por três décadas, de 1955 a 1986.
cânones e limites da fotografia documental e de seu olhar voltada principalmente para a europeu e o americano e valorizar o que é Depois desse período, trilhou um caminho
do fotojornalismo. Num sentido mais amplo, elaboração de um registro amplo e generoso nosso”,1 escreve Firmo em texto publicado no mais autoral, voltado a temas de seu inte-
questionar a própria fotografia como veros- da população negra do Rio de Janeiro e de livro Walter Firmo – Antologia fotográfica, resse, entre eles a construção de um vasto
similhança ou mera mimese do real, incor- todo o país, em sua vida cotidiana, seus afetos, de 1989. Esse texto apresenta os principais repertório de imagens produzidas junto às
porando em sua obra procedimentos criati- suas religiosidades e suas festas. Uma verda- elementos de estruturação da obra do autor, manifestações culturais e festas populares
vos específicos e conceituais de valoração e deira ode à integridade, altivez e resiliência uma narrativa em terceira pessoa na qual de várias regiões do país. Nunca deixou de
exaltação do objeto e tema de interesse maior dessa população e de suas múltiplas mani- ele discorre sobre sua jornada e concepção fotografar em preto e branco, mas, parti-
em seu percurso artístico: a representação da festações culturais. formal e estética da fotografia. Trata-se de cularmente em torno desses temas, desen-
população negra do país. Num processo próprio de construção de um processo de reflexão crítica a respeito volveu crescente ênfase e interesse pelo uso
Ao longo de sua trajetória de mais de 70 linguagem, estruturado em torno da ideia de sua linguagem e trajetória pessoal, que se da cor. Tendo como referência os trabalhos
anos como fotógrafo, percorreu e produziu quase antropofágica de elaboração de um desenvolve desde seus primeiros trabalhos de fotógrafos como David Drew Zingg, Ernst
imagens de puro encantamento em todas as tableau vivant dos trópicos, experimentou na fotografia em preto e branco, das primei- Haas e Gordon Parks, sua intensa experimen-
regiões do país. Construiu retratos icônicos e estabeleceu, já a partir do início dos anos ras imagens realizadas com sua Rolleiflex no tação formal e cromática em torno de nossa
de grandes nomes da música popular e da 1960, um diálogo direto e inovador com nossa subúrbio carioca e nas aulas da Associação luz tropical e de uma “cor brasileira” resultou
cultura brasileira. Enalteceu seus persona- paisagem, população e luz – tropicais e tran- Brasileira de Arte Fotográfica, ainda aos 15 em amplo reconhecimento de seu trabalho
gens e suas múltiplas manifestações culturais satlânticas, rurais e periféricas, sensuais e ex- anos, até o início da carreira na imprensa pelo grande público e pela crítica como o de

1 firmo, Walter. Walter


Firmo – Antologia
fotográfica. Rio de Janeiro:
8 Dazibao, 1989. 9
um grande mestre colorista, até aqui a face entre as múltiplas possibilidades de narrati- Pixinguinha e também de João da Baiana com libertina, expelindo clarões despudorada-
mais reconhecida e evidenciada de sua pro- vas literárias e poéticas e suas próprias sín- Clementina de Jesus, para matéria sobre o mente lascivos, vitrificando tonalidades nos
dução autoral. teses construtivas, visuais e conceituais que samba carioca publicada na revista Manchete canteiros das cinco regiões. Trabalhar essa
Entretanto, diante da vasta produção de caracterizam e individualizam sua fotografia. em 1967.6 Ou ainda os retratos de seus pais,7 luz é ostentar o viço do esplêndido, desfru-
Walter Firmo e das inúmeras manifestações Desde cedo trabalhou conceitualmente, po- acompanhados dos netos, baseados nos qua- tando coloridamente todos os cenários e
de seu pensamento, tanto em seus textos rém em bases equivalentes, no engajamento e dros Família do fuzileiro naval (1935) e Os noi- seus fundos infinitos, na pompa e no fausto
publicados como nas entrevistas que con- na forma, essencialmente antagônicas e opos- vos (1937), de Alberto da Veiga Guignard. Além cotidiano que o paraíso é aqui.
2 Ibidem.
cedeu, percebe-se claramente aquilo que tas às bases da experimentação pós-moderna, desses, são também icônicos muitos de seus Revendo este Walter Firmo aí, relem-
3 Publicação, no Caderno B, da
efetivamente estrutura e dá corpo a sua urbana, minimalista e racional, característi- série de reportagens “100 dias retratos de personagens menos conhecidos bro primórdios de sua intenção colorista,
obra ao longo de toda a sua trajetória: não cas da fotografia experimental e conceitual na Amazônia de ninguém”. ou anônimos, realizados em diversas regiões voltada a simbólicas flores, poção mágica,
simplesmente a cor, mas sim a sua negra cor. dos anos 1960 a 1980 no hemisfério norte. Jornal do Brasil, 7-10, do país, como o do integrante do Ticumbi prosaica e alusiva, adereços formais, em
Aquela que expressa, tanto em sua potência Em meados dos anos 1960, Firmo realizou 12.01.1964. Durante 100 dias, em Festa de São Benedito,8 em Conceição da que seus personagens, quase sempre gente
cromática plena, em suas imagens coloridas, no Brasil procedimentos e investigações no Firmo percorreu cidades, Barra, no Espírito Santo (c. 1989), ou da se- simples, são atores de sua lira e história fo-
vilas e povoações ribeirinhas
como também em sua ausência absoluta, nas campo da linguagem que o colocam numa nhora de vestido vermelho em Alcântara, no tográfica. O relato folclórico envereda na re-
do Amazonas e do Solimões,
poderosas imagens em preto e branco que perspectiva muito próxima, por exemplo, de ouviu missionários religiosos Maranhão (2003),9 em frente à fachada de ele- ligiosidade, escalando festas populares, de-
realiza (a maioria delas ainda inédita), uma trabalhos como o do fotógrafo canadense e documentou, em fotografias, mentos coloridos que remetem a Mondrian. cantando subúrbios e sertões, num discurso
prática autoral, criativa e engajada, que busca Jeff Wall, em especial aqueles que se ocupam “os dramas de uma população São imagens organizadas e construídas por lírico, absurdo, às vezes amargo. O toque
de forma permanente a visibilização e valo- da construção da imagem tendo como base sofrida e sem esperança, Firmo dentro desse processo de elaboração ufanista, saborosamente tropical, é o relato
ração daqueles que descendem da violenta a teatralidade e a encenação, usando como abandonada pelos poderes formal baseado na ordenação de elementos consciente nas cores de nossos céus, rios e
públicos, que vive, de um
diáspora africana que marca e conforma referência direta obras clássicas da pintura – e na teatralidade e encenação, que trazem, matas, perpetuando na geografia humana
modo geral, na dependência
inescapavelmente passado, presente e futuro como as de Alberto da Veiga Guignard ou de dos países fronteiriços e vê pela mão do artista, para o campo estrito do um relicário de homenagens. É quando – na
deste país, tecendo assim, de modo contínuo, Heitor dos Prazeres, em Firmo; ou as de Eu- o Brasil apenas como o país pictórico uma proposição formal e criativa a maioria das vezes – opta por uma fotografia
“no verbo do silêncio a síntese do grito”.2 gène Delacroix e de Édouard Manet, em Wall. amigo mais próximo” (Jornal do ser desvendada e estabelecida, agora no con- cândida, carinhosa, valores para si intrans-
Negritude e encantamentos, narrativas São construções de retratos e cenas, traba- Brasil, 07.01.1964). A princípio, fronto e no diálogo entre a obra e o obser- feríveis como prazer de uma qualidade de
e experimentações. São estes, portanto, os lhados conscientemente na perspectiva de iria acompanhado pelo vador/espectador. Sua relação com a música, vida. Não é um ingênuo, mas um idealista
repórter Hamilton Almeida
elementos principais e estruturantes das uma fusão da encenação e direção de cena em especial com o samba do Rio de Janeiro e do olhar, num discurso mais amplo que esta
Filho (1946-1993), mas devido
múltiplas poéticas em construção perma- com a frontalidade e singularidade da docu- à demora na decisão de enviar seus grandes nomes, formou-se em anos de palavra possa ter, como sua razão de viver.
nente que conferem sentido e lugar à obra mentação figurativa e direta característica do a dupla, conseguiu convencer convivência e amizade,10 o que resultou em Acredita, enquanto visionário existencial,
de Walter Firmo. processo fotográfico, incorporando-se assim 6 sodré, Muniz (texto) e uma extensa lista de retratados – magnifi- que a aldeia da paz celestial existe.
o então editor-chefe do JB,
firmo, Walter (fotos). “Na
um tempo expandido que se contrapõe à ins- Alberto Dines (1932-2018), a
música popular quem samba
camente – por Firmo.11 As flores e bandeiras, fantasias encontra-
tantaneidade e à fragmentação narrativa do mandá-lo sozinho. Por esse Encenação, singularidade e vernaculari- das em sua produção colorista, simboliza-
trabalho, Firmo conquistou o fica”. Manchete, Rio de Janeiro,
registro documental, de certa forma abolindo dade se fundem, assim, na linguagem poética ram a procura dos homens, na plataforma
Texto e imagem a presença do extracampo e a necessidade de
Prêmio Esso de Reportagem de 04.11.1967. Fotos de João
da Baiana com Clementina construída por Firmo ao longo de sua história. lúdica do dia a dia, da solução para muitos
1963, o terceiro conquistado por
Pensamento crítico e linguagem contextualização da imagem testemunho, e profissionais do JB – o primeiro de Jesus, de Pixinguinha É nesse contexto específico de investigação dos seus problemas pela compreensão de
realçando, em contraposição, a qualidade dos por Silvia Donato, em 1960; e em cadeira de balanço permanente de linguagens que precisamos, suas origens, da sua identidade, daquilo
A leitura e a escrita sempre estiveram pre- elementos eminentemente pictóricos dentro o segundo por José Gonçalves com o saxofone no colo, de portanto, interrogar e compreender a obra que neles é transitório e naquilo que neles
Fontes, em 1961. Firmo recebeu Ismael Silva em frente a um
sentes na obra de Firmo, em sinergia com do campo da imagem, organizados pelo autor de Walter Firmo. é permanente. A visualidade imaginária, ri-
como prêmio 500 mil cruzeiros armazém, de um violão em
suas imagens, seja na leitura constante de e cuidadosamente dispostos em torno de uma cima de uma mesa com mãos
Para isso, uma leitura ampliada de parte gorosamente cinematográfica, almejou di-
e uma viagem a Nova York
Machado de Assis e Lima Barreto, escritores narrativa teatralizada e preconcebida. Nesse (Jornal do Brasil, 27.06.1964). de pessoas pegando copos de seu texto de 1989 – escrito em terceira reção e cenografia. Sonhando, concebendo,
negros de nossa literatura, ou em seus pró- processo, Firmo construiu suas imagens orga- A premiação ocorreu no Clube e batendo palmas, de Aracy pessoa – é bastante esclarecedora: sempre com a máquina à mão, este arte-
prios projetos, como, por exemplo, os textos nizando e justapondo no campo, a céu aberto, Comercial (Jornal do Brasil, de Almeida carregando um são do olhar transfigura o real incensando
e as imagens de sua autoria para a série de objetos, fundos, personagens e retratados em 31.08.1964). cachorro com um gramofone Hoje este país é uma forja fotográfica, nas- o banal popular para criar uma atmosfera
matérias sobre a Amazônia, publicada no Jor- configurações específicas, dirigidas e produzi- 4 Walter Firmo – Antologia em frente, de Donga com uma cida generosamente no gesto benfazejo da delirante; e aí, mais uma vez, a aura da luz
nal do Brasil em 1964 sob o título “100 dias das por ele, sempre afetuosas, porém intensas fotográfica. Op. cit.; Paris: pequena escultura de uma luz tropical, impermeabilizando nossa gente se faz presente reverenciando emocionada
parada sobre imagens. Rio moça ao telefone, de Cartola
na Amazônia de ninguém”, que lhe conferiu o e vibrantes, opostas assim à racionalidade, ao de Janeiro: Funarte, 2001; ao violão com Carlos Cachaça,
e revelando quimeras oníricas, telúricas. a emulsão cromática.
Prêmio Esso de Reportagem aos 26 anos.3 Ou minimalismo e ao distanciamento presentes Firmo fotografias. Rio de de moça fantasiada de índia E, se essa luz “estourada” perpassa sombras A percepção da realidade não tem com-
ainda nos diversos textos autorais que inte- nas imagens, muitas delas realizadas em es- Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005; sambando em cima de mesa. translúcidas – num outro código –, revela- promisso com a verdade verdadeira – a ver-
gram os livros já publicados sobre a sua obra.4 túdio, que caracterizam a obra de Wall.5 Brasil: imagens da terra e do Ver página 246 desta publicação. -se em plena claridade, nova relação do ho- dade tem dois lados –, em que a importância
Dessa forma, Firmo estabelece, por meio de Firmo produziu, nos termos descritos povo. São Paulo: Imprensa 7 Ver página 151 desta publicação. mem com o tempo. Luxuriante, afrodisíaca, maior é ativar a imagem fotográfica como
suas imagens e de seus textos, pontes efetivas acima, imagens icônicas, como aquelas de Oficial, 2009; Walter Firmo – 8 Ver página 9 desta publicação. a cor brasileira transa sua sensualidade qual meio de expressão, compondo no verbo do
Um olhar sobre Bispo do Rosário. 9 Ver página 50 desta publicação.
Organização de Flavia Corpas, 10 Ver cabral, Sérgio.
Rio de Janeiro: Nau: Livre As escolas de samba do Rio de
Galeria, 2013. Janeiro – O quê, quando, onde
5 de duve, Thierry et al. e por quê. São Paulo: Lazuli, 2011.
Jeff Wall. Nova York: Phaidon 11 Ver páginas 125-149
10 Press, 2002. e 223-229 desta publicação. 11
silêncio a síntese do grito. Dissertar o real serviços a uma causa social que considera grafia assume uma clara relevância artística e tando coloridamente todos os cenários e seus
seria o mesmo que escrever sobre a trajetó- insuspeita. Já híbrido de José e Maria – seus também política, em particular no seu enga- fundos infinitos, na pompa e no fausto coti-
ria infinita dos anos-luz ou sobre a progres- pais –, trabalha esta sociedade silenciosa- jamento com a causa negra no país, ao trazer diano que o paraíso é aqui”.17
siva separação dos continentes, discussões mente na discrição de um monge, sem ne- para o campo primordialmente do pictórico – Iconicidade, luz e transcendência estão
estéreis sobre o verdadeiro significado e a nhum alarde, induzindo orgulho, altivez no contexto específico das revistas ilustradas presentes na obra de Firmo tanto em retratos
importância do invento da fotografia en- e dignidade aos negros brasileiros. Esse e posteriormente no circuito das artes – um individuais e autônomos de alta força simbó-
quanto escrava da parecença. anseio de Justiça remonta aos idos de Irajá, tempo expandido, contrário à noção de ins- lica como também em diversas imagens com
A fotografia representa para ele fatos vi- quando gerado, e, nascido em São Cristó- tantaneidade, canônica no fotojornalismo. Um características recorrentes, passíveis de even-
vidos ou sonhados – idealizando o passado, vão, menino ainda, viveu nas portas abertas tempo baseado na teatralidade e na direção de tuais justaposições, resultantes do exame e
remontando o presente, constatando o fu- das ruas de Cordovil, Madureira, Parada de cena, construindo narrativas visuais de ima- estudo de seu vasto acervo, na forma retabular
turo –, pois, não sendo pai do tempo, não Lucas, Vila Rosely, Vaz Lobo, Oswaldo Cruz, gem única capazes de mobilizar com efeito de mosaicos constituídos por diferentes ima-
arbitra nem bitola suas dimensões, apenas Marechal Hermes, Coelho Neto, Bangu, Ni- a atenção e empatia do espectador em rela- gens, em especial imagens das festas popu-
descortina a estória de certo olhar e de uma lópolis e Cachambi – toda sedução, enlevo e ção aos indivíduos e temas ali representados, lares de matriz afrodescendente, compostas
visão de vida. O real é uma relação como magia, sob o sol e estrelas suburbanas, ho- Alberto da Veiga Guignard, Alberto da Veiga Guignard, em construções imagéticas permeadas por por Firmo muitas vezes por meio de recortes,
Família do fuzileiro naval, s.d. Os noivos, 1937
qualquer outra; a essência das coisas não rizontes encantados no seu olhar infantil.12 composições de grande altivez e dignidade, grafismos e contrastes intensos de cores e lu-
Óleo sobre madeira, 58 × 48 cm Óleo sobre madeira, 38 × 48 cm
está de forma alguma ligada à sua realidade. Coleção Mário de Andrade/Coleção Coleção Museus Castro
verdadeiros “encantamentos” que passam a zes, formando por aposição novos grafismos e
Há outras formas de relação, além da reali- Os parágrafos acima explicitam e conceituam de Artes Visuais do Instituto de Maya/Ibram permear e penetrar o cotidiano da imprensa diálogos imagéticos impregnados de rastros.
dade que a mente pode observar, que tam- aspectos fundamentais da fotografia de Walter Estudos Brasileiros USP Foto de Jaime Acioli e da comunicação visual de massa no país.16 Esses rastros, como sugere Vanessa R. L. de
bém são primárias: acaso, ilusão, fantasia e Firmo. O primeiro deles, já apontado, é o pa- Dessa forma, ele vai construindo ao longo Souza, são rastros “de uma África antiga e des-
sonho. Esses vários grupos, quando unidos pel da teatralidade, na perspectiva da crítica dos anos, sobretudo por meio de seus retratos, construída devido a conflitos internos gerados
e juntos em harmonia, formam a suprarrea- pós-moderna à própria fotografia, presente uma galeria de importantes personagens – por ocupações inglesas, alemãs, belgas, fran-
lidade. Uma mulher que carrega o sonho de em sua obra e na do fotógrafo canadense Jeff em sua maioria artistas negros –, que passam cesas etc. Rastros de memórias coletivas ou
sua casa própria sobre a cabeça, durante a Wall. Como afirma o crítico de arte Michael a integrar de maneira permanente a iconici- individuais trazidas por cada escravizado que
procissão do Círio de Nazaré, representa – Fried,13 Jeff Wall, desde o início de sua carreira, dade do país. Essa construção da iconicidade chegava ao Brasil. Rastros de conhecimentos
já que o acaso não tem pressa – um pensa- estabeleceu uma triangulação entre fotogra- na obra de Walter Firmo pode ser pensada transmitidos por meio da tradição oral. Ras-
mento sobre o suprarreal. fia, pintura e cinema. Em Wall, a encenação, a especificamente a partir do legado da arte e tros de inventividades negras produzidas no
Fotografar é iludir, é registrar, é ciência gestualidade e a teatralidade, empregadas na 16 Walter Firmo relata que, da pintura sacra, em que ícones construídos Brasil durante séculos, a partir da experiência
viva. A maior parte das imagens desta co- construção das cenas, aproximam sua lingua- em seu período de trabalho de forma a representar figuras que emanam no chamado Novo Mundo.”18
leção deposita um olhar debruçado, quase gem da tradição pictórica. Ao mesmo tempo, a na revista Manchete, de 1966 intensa aura e luminosidade guardam relação Como aponta bell hooks, entre tantas e inú-
a 1971, ouviu diversas vezes do
fanático – certamente obsessivo –, exacer- espontaneidade e a fugacidade sugeridas em fotógrafo Gervásio Batista, um
direta com a linguagem pessoal construída meras violências, os escravizados nas Améri-
bado num exibicionismo estético, presunção muitas de suas fotografias remetem critica- veterano do fotojornalismo por Firmo – a partir da luminosidade intensa cas foram também punidos com frequência
perfeccionista gerada na Associação Brasi- mente à linguagem da fotorreportagem, bem brasileiro já naquele período, e tropical arregimentada por ele em torno de por olharem direta e frontalmente para seus
leira de Arte Fotográfica, quando o jovem como a elementos de um novo amadorismo. o comentário irônico e, ao seus personagens. Também se encontra em senhores brancos. Em seu livro Olhares negros:
Firmo acalentava o desejo de trabalhar o Associando meticulosa direção de cena e de mesmo tempo, revelador diálogo direto com seu processo específico raça e representação, hooks nos lembra que
academicismo na aventura jornalística. figuração a elementos da linguagem vernacu- tanto de um sentido crítico de produção de imagens a sua escolha pela “todas as tentativas de reprimir o direito de
Lapidado no fotojornalismo, subverteu o lar contemporânea, como a instantaneidade, a como também de um possível utilização de filmes fotográficos diapositivos pessoas negras à contemplação e ao olhar pro-
reconhecimento efetivo
estabelecido criando pontos de vista concei- casualidade e sinais de aparente insignificân- coloridos, um processo analógico de produ- duziram um desejo avassalador de olhar, um
do poder que as imagens
tuais quanto à verdade fotográfica. Escapou cia e indiferença, Wall demonstra claramente encenadas e dirigidas do jovem
ção de transparências positivas em cores (sli- desejo de rebelião, um olhar de oposição”.19
de uma ingenuidade visual, introduzindo que a captura do real é apenas uma pequena fotógrafo despertavam: “E aí, des e cromos) que melhor representa a gama O olhar consciente, conceitual e engajado
um ver que interrompesse o linear cotidiano, parte dos atributos do universo fotográfico.14 Firmo, vai sair para produzir e amplitude das diferentes intensidades de de Walter Firmo, visto em retrospectiva,
criando situações nas quais o real se desa- Cinema e teatralidade sempre acompanha- e trazer mais dos seus luz e saturações de cor, da mesma forma edi- aponta, já a partir dos anos 1960, para o fim de
justasse, sugerindo ao espectador reflexão ram a produção artística e criativa de Firmo encantamentos?”. tadas e avaliadas depois do processamento uma perspectiva estritamente monocultural e
imediata sobre a realidade exibida e sobre no campo da fotografia, que buscava com essa 17 Walter Firmo – Antologia diretamente sobre “mesas de luz” desenhadas branca sobre a fotografia no Brasil. Sobretudo
o próprio ato de fotografar. A imagem não estratégia, como ele mesmo escreve, escapar fotográfica. Op. cit. especificamente para esse fim. Um processo porque, como evidenciado por seus trabalhos
12 Walter Firmo – Antologia 18 souza, Vanessa Raquel
pode ser neutra. O poder do olhar deve in- “de uma ingenuidade visual, introduzindo fotográfica. Op. cit. Lambert de. A supervivências
todo realizado em torno e através da própria de juventude, sua negação crítica do caráter
fluenciar as pessoas, porque o ato de foto- um ver que interrompesse o linear cotidiano, 13 fried, Michael. Why das imagens: esculturas e luz e, por conseguinte, também de seu signifi- estritamente documental na fotografia abre
grafar tem que ser político, e não um mero criando situações nas quais o real se desa- Photography Matters as Art marcas gráficas na arte cado intrínseco na construção da iconicidade, um espaço pioneiro e de vanguarda para a
acaso instantâneo. […] justasse, sugerindo ao espectador reflexão as Never Before. New Haven afro-brasileira – Experiências como informa novamente o próprio texto de compreensão do papel eminentemente po-
Desde a década de 1960, fotografa a imediata sobre a realidade exibida e sobre o e Londres: Yale University poéticas e conhecimento visual. Firmo, poético e clarividente: “Trabalhar essa lítico da imagem construída, escapando de
comunidade negra brasileira, prestando próprio ato de fotografar”.15 Assim, sua foto- Press, 2009. Tese de doutorado em artes luz é ostentar o viço do esplêndido, desfru- uma ingenuidade visual construída pela mi-
14 chevrier, Jean-François. visuais. Instituto de Artes da
La fotografía entre las Universidade Estadual Paulista
bellas artes y los médios de (Unesp). Orientação de Percival
comunicación. Barcelona: Tirapeli. São Paulo, 2017.
Gustavo Gili, 2007. 19 hooks, bell. Olhares negros:
15 Walter Firmo – Antologia raça e representação. São Paulo:
12 fotográfica. Op. cit. Elefante, 2019. 13
mese exacerbada do real, em especial num visuais, como as redes sociais e o novo jorna- Ainda dentro de uma clara percepção con- Em sua fotografia, portanto, Walter Firmo
contexto crescente já naquele momento de lismo digital. No entanto, ela ainda enfrenta ceitual de sua prática fotográfica, Firmo da intui e concebe tanto o poder de síntese narra-
espetacularização das mídias e da informa- muitas das mesmas questões associadas a mesma forma adota estratégias de singula- tiva da imagem única, construída, encenada e
ção. De certa maneira, o olhar construído por esse permanente confronto histórico, no qual ridade e aparente indiferença23 em registros teatralizada, como também a força do registro
Firmo, nesse cenário de uma comunicação autoria, documentação, edição, ética, ence- diretos e documentais realizados na estrutu- documental direto e narrativo quando utili-
visual de massa baseada no uso crescente e nação e espetacularização política e ideoló- ração de algumas séries notáveis em sua obra, zado como olhar a contrapelo, olhar de opo-
intensivo da imagem fotográfica documen- gica conferem às imagens múltiplas camadas como aquela produzida no final dos anos 1990 sição, construindo, por meio da fotografia em
tal, contesta e desnuda o processo que opera possíveis de leitura, interpretação e, certa- e início dos anos 2000 na praia de Piatã em suas múltiplas vertentes, as sintaxes e sínteses
com “o real como ilusão” e com “a ilusão mente, manipulação. É necessário reconhe- Salvador. No reduto de lazer da população de mensagens capazes de penetrar as estru-
como real”, característicos da comunicação cer o papel sólido e dual da fotografia como preta da cidade, fotografa ao longo de vários turas sociais e culturais, transformando-as.
hiper-realista da pós-modernidade, na qual interpretação e representação, e, ao mesmo anos, em formato 6 × 6 cm, em preto e branco, “O ato de tomar a câmera nas mãos sob
a conscientização e a alienação se confrontam tempo, como registro direto, documental e cenas do cotidiano de ocupação daquele es- uma condição de opressão transforma-se
o tempo todo.20 figurativo de um determinado espaço-tempo paço por famílias, casais, jovens e crianças em um ato de transgressão libertária, quase
A própria transformação econômica e so- por meio de um aparato técnico que de fato negras, todos em pura fruição de um espaço tão importante como o fazer da própria ima-
cial do país nesse período produziu uma forte informa visualmente sobre a materialidade público aparentemente desprovido de ele- gem em si, porque cria a possibilidade para
transformação nas comunicações. Revistas e especificidade daquele local. O mundo mentos e signos que caracterizem o racismo algo novo ser visto, algo diferente emergir”,
ilustradas, e mais tarde a televisão, consti- das imagens técnicas, seja a fotografia ou o Autoria não identificada, Walter estrutural vigente neste país. Firmo constrói escreve o curador e pesquisador negro Mark
tuíram-se nos principais canais de comuni- cinema documental, aqui pensado nos ter- Firmo, Rio de Janeiro, RJ, 1968 uma narrativa de múltiplas imagens que, lidas Sealy, em seu livro Decolonizing the Camera.
cação visual de massa. Mais recentemente, a mos de Vilém Flusser, requer que sejamos em conjunto, parecem então operar no âmbito Photography in Racial Time.24
internet e as redes sociais ampliaram esse capazes de discernimento constante desses da suprarrealidade: ao mesmo tempo que são O artista e fotógrafo Walter Firmo – carioca
cenário. É do permanente conflito e da ine- aspectos duais e, por isso mesmo, potencial- documentais e diretas, configuram por outro por nascimento, amazônico por ascendência,
rente tensão entre os indivíduos que atuam na mente ambíguos, presentes em cada uma das lado uma narrativa de aparente surrealidade, baiano por devoção, negro e brasileiro por
imprensa – repórteres, fotógrafos, editores e imagens que nos são apresentadas todos os por confrontar o olhar naturalizado e hege- definição e convicção –, nos apresenta neste
dirigentes –, e hoje também dos que opinam dias, sejam elas eletrônicas ou impressas. mônico que constrói e sustenta as narrativas livro e na exposição homônima, a partir dos
e se expressam nas redes sociais, que nas- Esse é um dos desafios contínuos do mundo prevalentes da estrutura estamentária e racial seus lugares de origem, de fala e de perten-
cem as dinâmicas específicas de cada órgão contemporâneo, em que as imagens têm um 20 “Como consequência da do país, que sistematicamente excluem e invi- cimento, sua densa e exuberante trajetória de
ou plataforma de comunicação e se desenvol- papel crescente e inegável, porém requerem adoção do hiper-realismo como sibilizam a possibilidade de narrativas tal qual 70 anos ininterruptos na fotografia brasileira
vem suas trajetórias individuais. cada vez mais um pensamento crítico e uma linguagem da comunicação a construída e revelada por Firmo em Piatã. e internacional.
José Medeiros, um dos principais fotógra- análise aprofundada para que não se percam informativa, alguns ele­mentos
passam a se confundir: ficção
fos da revista O Cruzeiro ao longo dos anos em sua própria ambiguidade.22 e rea­lidade; banalização da
1950, foi um dos responsáveis por uma ver- É exatamente nesse contexto que a foto- violência e repúdio à violência;
tente mais humanista e engajada que teria grafia construída e encenada de Firmo, vol- evasão e participação; lazer e
grande influência sobre o fotojornalismo tada para sua temática política de visibiliza- conscientização; alienação e
praticado na revista naquela década, período ção da população negra do país, opera e se militância”. távola, Artur
de formação do jovem Firmo na fotografia. insere, não como alienação ou manipulação da. “A cultura do hiper-
Medeiros, nascido no Piauí e de ascendên- do real, mas como afirmação e reafirmação real: expressionismo e
pós-modernidade na mídia.”
cia afro-brasileira, foi um dos responsáveis de uma existência possível de normalidade,
Logos, Rio de Janeiro. Disponível
por dar maior visibilidade ao negro na re- plausibilidade, esperança e concretude, para em: www.e-publicacoes.uerj.
vista, principal veículo de comunicação vi- si e para aqueles que fotografa. É pela denún- br/index.php/logos/article/
sual naquele momento no país, pelas maté- cia e negação do que é tomado diretamente viewFile/13164/10082. Acesso
rias que produziu sobre trabalhadores, sobre como testemunho objetivo e documental em: 11.03.2022.
as favelas, sobre a música popular e sobre as dentro de um modelo atual de comunicação 21 costa, Helouise e burgi,
religiões afro-brasileiras. Foi uma referência de massa, muitas vezes alienante e também Sergio (orgs.). As origens do
fundamental para Walter Firmo ao longo de estruturalmente racista e invisibilizante, fotojornalismo no Brasil –
Um olhar sobre O Cruzeiro.
sua carreira na fotografia.21 que Firmo introduz formas alternativas de 1940/1960. São Paulo: Instituto
Como argumentei anteriormente, em representação que permeiam e penetram Moreira Salles, 2012.
nossa atual sociedade da informação, a ima- essas estruturas, com plena consciência – 22 flusser, Vilém. O universo
gem continua a ter crescente participação e programática e de vanguarda – em relação das imagens técnicas. São Paulo. 23 picazo, Glòria e ribalta,
relevância, em especial nos novos meios ele- à potência da teatralidade e encenação em Annablume, 2008. Ver também Jorge (orgs.). Indiferencia y
trônicos de circulação e difusão de narrativas suas imagens. burgi, Sergio. “Três imagens singularidad: la fotografía Sergio Burgi é coordenador de Fotografia do Instituto Moreira Salles
e uma única história”. O Globo, en el pensamiento artístico
Rio de Janeiro, 06.01.2018. contemporáneo. Barcelona:
Disponível em: oglobo. Gustavo Gili, 2003.
globo.com/cultura/artigo- 24 sealy, Mark. Decolonizing
tres-imagens-uma-unica- the Camera: Photography
historia-22261496. Acesso in Racial Time. Londres:
14 em: 11.03.2022. Lawrence & Wishart, 2019. 15
A admiração e a amizade de Firmo por Cle- maioria de nós aprendeu a se ver. Clementina

Amar a negritude 1 mentina eram tão profundas que ela quase se


tornou madrinha de um de seus filhos. O des-
tino e certo pudor não possibilitaram que isso
gosta do que vê no espelho, muitos de nós
ainda não. Clementina amplia a percepção
do que é belo para além das restrições etárias
se concretizasse, mas a amizade de ambos e de cor. Uma mulher preta, sempre muito
Janaina Damaceno Gomes transcende através das imagens. Firmo fo- alegre, sorridente, autoconfiante. O que ela
tografou Clementina várias vezes. Sozinha ou tem a nos dizer?
na companhia de seus amigos, como João da A “descoberta tardia” de Clementina tem
Baiana, em casa, cozinhando para a família, uma implicação direta em sua trajetória vi-
caminhando pela cidade, embaixo de uma ár- sual: na quase totalidade de suas imagens
vore, tomando sol, preparando-se para os conhecidas, ela é retratada já idosa. Não
shows. Ela foi a sua maior musa. me lembro de ter visto imagens de Clemen-
Clementina de Jesus (1901-1987) já era co- tina jovem. Temos imagens de 23 dos seus
nhecida no circuito musical da Zona Norte 86 anos, grande parte delas realizadas por
quando foi apresentada a Hermínio Bello de Firmo, que começou a clicá-la ainda no início
Carvalho – amigo muito próximo de Firmo – de suas apresentações.
e, pouco tempo depois, aos 64 anos, começou Em 1979, Clementina de Jesus já contava
a se apresentar artisticamente em shows na 78 anos quando foi fotografada, por Walter
Zona Sul e por todo o Brasil. Era por volta Firmo, em frente à sua penteadeira, na casa
de 1963, 1964. É por esses tempos que seus em que vivia em Lins de Vasconcelos. Com
registros visuais começam a se popularizar. efeito marmorizado e com um grande espe-
1 Neste texto irei propor uma Clementina se tornou um fenômeno da mú- lho, vemos em cima do móvel uma garrafa de
reflexão sobre a obra de Walter
sica brasileira pelo seu belo timbre de voz, álcool, algodão, papéis, perfumes, santinhos,
Firmo a partir da lógica dos
encontros. Primeiramente com por sua interpretação e por nos reconectar uma escova para cabelos crespos, o reflexo
Clementina de Jesus (1979), à cultura negra rural do vale do Paraíba. Mas, da cama por arrumar (“a bagunça que é bem
então com Zózimo Bulbul além da voz, Clementina foi também um fenô- do nosso jeitinho”, como me disse Firmo);
(2002) e, finalmente, com meno visual. Preta de pele muito escura, alta, ao centro e em destaque, Nossa Senhora
Pixinguinha (1973). Creio que dona de uma voz grave, muito vaidosa, quase da Glória, sua santa de devoção, e à direita
esses encontros – que também
sempre vestida de branco, portava em cena e dela, o reflexo de Clementina, que se olha no
se tornaram, em maior ou
menor grau, amizades – fora dela figurinos que remetiam à cultura espelho e sorri. Sua penteadeira transmuta-
caracterizam e ilustram as e à religiosidade negra, embora fosse cató- -se em altar. Nossa Senhora é representada
ideias de afetividade e de lica fervorosa.2 O lenço na cabeça era uma de logo após sua assunção, já com a coroa e o
amorosidade que Firmo suas marcas. De uso muito comum entre as menino Jesus também coroado nos braços.
utiliza constantemente para mulheres negras da área rural e de regiões Ela é a rainha do céu. Seu véu azul contrasta
definir seu trabalho. Gostaria
mais pobres, ele era um forte marcador de com a túnica branca, sinal da pureza e da
de agradecer a leitura e as
contribuições que Rosenilton classe, que remetia às figuras das mammies, santidade de Maria. A genialidade de Firmo
Oliveira, Ruth-Anne Maciel, das trabalhadoras domésticas. Algumas das coloca Clementina também no altar ao lado
Raquel Menezes e Victor representações icônicas da escritora Caro- direito e num plano levemente posterior ao
Epifanio deram a este texto. lina de Jesus, por exemplo, mostram-na de de Maria, e constrói um paralelo entre elas,
2 Ver silva, Rubens Alves da. lenço na cabeça. Mas cobrir a cabeça pode como se a imagem de Clementina derivasse
Negros católicos ou catolicismo
tanto remeter a uma marca de subalterni- da imagem santa, como um decalque.3 Cle-
negro?. Belo Horizonte:
Nandyala, 2010. No livro, o dade quanto a uma expressão emancipatória mentina toda de branco, evocando a pureza
autor defende a ideia da e de autocuidado. Clementina também fazia o de Oxalá, o criador, e com seu torso é a Rai-
existência de um catolicismo uso de torsos, que têm uma função protetiva nha na/da terra, a Rainha Quelé. Foi numa
negro em Minas Gerais, nas religiões de matriz africana: eles prote- tarde que Firmo construiu essa cena. Pediu
marcado por uma leitura gem nosso ori, nosso ponto de contato com para que Quelé se arrumasse para a foto e
particular do catolicismo,
a espiritualidade e o sagrado. posasse para ele.
sobretudo através do congado
e de outras expressões da O sorriso feliz de Clementina ao se olhar Não seria a primeira vez que Firmo compa-
cultura negra. Ver também no espelho é de uma beleza atemporal, con- raria uma pessoa negra a uma imagem santifi-
o trabalho de Maria da trastante e disruptiva com o modo pelo qual a cada. Ao rememorar a sua já célebre fotografia
Consolação Lucinda (Umbanda
e religiões de matriz africana
no vale dos Tambores. Valença,
2012) sobre a religiosidade
afro-católica em Valença,
Rio de Janeiro, cidade de
16 Clementina de Jesus durante peça Rosa de Ouro, Rio de Janeiro, RJ, c. 1962 origem de Clementina de Jesus. 17
de Pixinguinha, ele afirma que, sentado em mento pelo qual entendemos o mundo6 que Clementina de Jesus,
sua cadeira de balanço, o músico tinha “cara estruturalmente não nos garante esse direito, Rio de Janeiro, rj, 1979
de santo”. O mesmo fez anos depois ao foto- pois manter a autoridade visual é fundamen-
grafar Arthur Bispo do Rosário diante de um tal para o exercício necropolítico. Amar a ne-
agave gigante que simula os raios luminosos gritude, ou seja, reivindicar o direito a olhar
do Cristo em ascensão. Bispo acreditava ser (até) para si mesmo, é reivindicar autonomia
Cristo. Então há nessa fotografia a delicadeza “com base em um de seus primeiros princí-
do reconhecimento, o que significava muito pios: o direito à existência”.7
para o artista. Em entrevista a Flavia Corpas, Mulher preta, Clementina, idosa, pretís-
Firmo diz que sua intenção ao fotografar Bispo sima, olhando e se orgulhando de si, é uma
era “consagrá-lo em sua altivez”.4 Em outra das construções visuais mais singelas e mais
foto, Bispo está de braços abertos, aludindo importantes da fotografia brasileira. Porque
à crucificação. Há uma iconografia religiosa ela exprime uma política que faz com que o
visível na obra de Firmo, talvez por isso os trabalho de Firmo não possa ser entendido
termos mais usados por ele para falar sobre a como um discurso simples de elogio da bra-
presença negra em sua fotografia sejam “glo- silidade, da cultura popular, do nacional, da
rificação” ou “consagração” das pessoas ne- mestiçagem ou da assimilação. Seu trabalho
gras. Nesse sentido, o único modo aceitável nos mostra o que fizemos de nós mesmos, nas
de visualização de sua obra seria o retabular. condições mais duras e extremas de racismo
A imagem de Clementina surge de costas e de desigualdade. Mais do que uma memória
para nós, mas seu rosto está em evidência da nação, o trabalho de Firmo faz parte de de formatos realistas estruturados em lítico, é na expressividade de suas imagens
no espelho, sorrindo e olhando para si. Não um “arquivo fotográfico da diáspora”,8 que se torno dessas tensões. Poderíamos ter o por intermédio da encenação, das cores, da
se trata de um olhar narcísico. Para aqueles constitui enquanto patrimônio da história cuidado de Bertolt Brecht ao trabalhar vocação retratista, da nomeação dos sujeitos,
que não têm direito a olhar, poder “se” olhar negra global. com a realidade e os realismos ao pé da da temática (família importa, amigos impor-
denota (auto)reconhecimento. A condição O uso da cor em seu trabalho, para além letra aqui: “A realidade não é somente tam, amores importam, cotidiano importa,
especular dessa imagem não é simplória. das questões formais, faz parte de seu dis- tudo o que é, mas tudo aquilo que está celebrar importa, iconicidade importa) que
Ela antecipa questões de subjetividade para curso cosmopolítico. As cores saturadas, so- se tornando. É um processo. Opera por ele mostra como “nossas vidas são comple-
a comunidade negra que se tornaram parte bretudo o azul, funcionam como portais que meio de contradições. Se não for perce- xas”. Nesses retratos, pobreza e beleza não
da discussão pública dos últimos anos. Essas revelam, ou antes propõem que “a verdade bida em sua natureza contraditória, não podem ser lidos de modo romântico, mas sim
questões ecoam trabalhos como o de Frantz não é uma, a verdade são várias”, a “ver- será nem mesmo percebida.” […] Essa visceral. O “realismo” de sua obra tenta dar
Fanon, ao refletir sobre como o olhar (da dade é o que está por vir” e apontam, gritam, criação de realidade como efeito per- sentido à irrealidade criada pela autoridade
autoridade/da visualidade branca) organiza reivindicam uma tridimensionalidade, uma ceptivo sob contradição não é o mesmo da visualidade enquanto, ao mesmo tempo,
nosso mundo sensível. vontade de existir para além de si. “Eu estava que o realismo, como usualmente tem propõe uma alternativa real. Não se trata de
quase fazendo cinema”, diz Firmo. “E isso nin- sido definido na literatura e nas artes vi-modo algum de uma representação simples
3 Otto Lara Resende
Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. guém fazia. Todo mundo chegava e fazia o que suais. Certamente o realismo de meados ou mimética da experiência vivida, mas de
afirmava que “Clementina,
Um peso inusitado nos oprimiu. O mundo estava lá. Eu realmente mudei a sistemática mais que devota, é santa do século xix, geralmente definido com retratar realidades existentes e contrapô-las
verdadeiro invadia o nosso pedaço. No do fotojornalismo dando outro interesse fo- desse altar que é honra e esse nome, é uma parte dele, como tam- com um realismo diferente.12
mundo branco, o homem de cor encontra tográfico à verdade.” 9 glória de nossa nação”. bém o neorrealismo da cultura visual É a autoridade da visão que cria a irrea-
dificuldades na elaboração de seu esquema Entendendo o real como o que está por vir, 4 CORPAS, Flávia (org.). italiana do pós-guerra, mas o realismo lidade. A fotografia de Firmo, pelo contrário,
corporal. O conhecimento do corpo é uni- do mesmo modo que a verdade, a obra de Walter Firmo: um olhar da contravisualidade não é necessaria- projeta realidades possíveis, destinos pos-
sobre Bispo do Rosário. Rio de
camente uma atividade de negação. É um Firmo pode ser inscrita em termos de con- mente mimético.11 síveis para cada um de nós. Talvez por isso
Janeiro: Nau, 2013, p. 78. 8 campt, Tina. Image Matters.
conhecimento em terceira pessoa. Em travisualidade “por definir a realidade como 5 fanon, Frantz. Pele negra, Archive, Photography, and the seus retratos tenham se tornado clássicos.
torno do corpo reina uma atmosfera densa aquilo-de-onde-se-deve-extrair-sentido” e máscaras brancas. Trad. African Diaspora in Europe. Essa condição possibilita entender a cor no Clementina, Pixinguinha, Dona Ivone Lara,
de incertezas.5 não como algo mimético:10 Renato Silveira. Salvador: Durham/Londres: Duke trabalho de Firmo como uma forma de en- Cartola, Candeia, Ismael Silva são, em seus
Edufba, 2008, pp. 104-105. University Press, 2012, p. 69. carnar os sujeitos que estão limitados pela dizeres, “ícones do povo”. A noção de ícone
Amar a negritude a partir de autores como Com essa dupla necessidade de apreen- 6 Ver MITCHELL, W. Seeing 9 costa, Rafael. “A realidade bidimensionalidade da fotografia. O verde vem do campo religioso, são imagens de ado-
Through Race. Cambridge: pelo encantamento”. Gazeta
Fanon, hooks e Virgínia Bicudo seria reivindi- der e contrariar um real que existe, mas e rosa “berrantes” dos retratos de Cartola ração que, segundo Nicole Fleetwood em On
Harvard University do Povo, Caderno G, Curitiba.
car o direito a olhar (até) para si mesmo, olhar não deveria, e um que deveria existir, Press, 2012. 09.11.2011. Disponível em: com Nelson Cavaquinho fazem parte desse Racial Icons: Blackness and the Public Imagi-
de volta, contravisualizar, perceber que a cor mas ainda está em devir, a contravi- 7 mirzoeff, Nicholas. www.gazetadopovo.com. desejo existencial. Cor em sua obra é carne. nation, “não eram apenas uma representação
não é um atributo, mas o próprio enquadra- sualidade tem criado uma variedade “O direito a olhar”. etd – br/caderno-g/a-realidade- Percebendo a produção visual como ato po- do sagrado, mas elas mesmas um modo de
Educação Temática Digital, pelo-encantamento-
v. 18, n. 4, Campinas, out.-dez, ada0d8lwiu66x7r5k783gf1vy/
2016, p. 750. Disponível em: Acesso em: 15.03.2022.
periodicos.sbu.unicamp.br/ 10 mirzoeff, Nicholas. Op. cit.,
ojs/index.php/etd/article/ p. 750.
view/8646472. Acesso em: 11 Ibidem, p. 749.
18 02.03.2022. 12 Ibidem, pp. 756-757. 19
oração”.13 Para a autora, os ícones negros, que minha postura nunca foi de usar o ver- a sua obra pode ser lida também em termos A participação de Firmo em Pequena África
na cultura popular são as celebridades com bal, discursar em uma mesa. Trabalho transnacionais, a partir daquilo que Paul rompe com o ativismo individual que marca
poder de permanência no circuito cultural, numa linguagem muda. A fotografia se Gilroy chama de cosmopolitismo negro. Não a sua trajetória. Pela primeira vez ele parti-
fazem “parte da produção e da circulação de apropria disso. Através dessa sutileza, apenas porque ele documenta visualmente cipa de um esforço coletivo com militantes
uma narrativa racial” 14 sempre em disputa. posso fazê-la gritar.15 a vida negra para além de nossas fronteiras, negros reconhecidos, como Bulbul.16 Zózimo,
Mas não é possível controlar o modo como mas, sobretudo, porque acessar a obra de além de ator e diretor, foi o criador do Cen-
nossas imagens são vistas, porque elas po- Morando nos Estados Unidos em 1967, no Firmo ajuda a preencher as peças faltantes tro Afro Carioca de Cinema e do Encontro
dem rapidamente cair numa interpretação auge do debate sobre direitos civis, Firmo para um entendimento mais amplo do Atlân- de Cinema Negro Brasil, África, Caribe e Ou-
colonial da negritude, sobretudo quando entrou em contato com o trabalho de fotógra- tico Negro. tras Diásporas,17 em 2007. Com isso, o Centro
categorizadas em termos que normalmente fos negros, como Gordon Parks e, em poucos Certamente ter as primeiras lições de Afro Carioca se torna uma das referências
aprisionam a existência negra. anos, sua obra, juntamente com a de Parks, fotografia em casa, com seu pai, José, um mundiais do “cinema negro”, conceito ainda
Nesse sentido, admirar as cores de seu tra- James Van Der Zee, Moneta Sleet, Carrie Mae homem negro amazônico cosmopolita, teve emergente naquele momento, mas hoje con-
balho por si só é algo estéril. É preciso ter um Weems, Januário Garcia, Peter Magubane, um impacto profundo nas tentativas de au- sagrado por pesquisadores como Janaína Oli-
compromisso político com as personagens Seydou Keïta, Santu Mofokeng, Rotimi Fani- toinscrição de Firmo. Talvez ali tenha bro- veira. A aproximação entre os dois é um gesto
apresentadas. Para isso, precisamos nos per- -Kayode, entre outros, mudou a história da tado também uma lição dessa amorosidade político importante de ambos os lados. Firmo
guntar se é possível universalizar a humani- fotografia mundial. Porque, assim como eles, reivindicada por ele e por hooks. sempre quis fazer cinema – em algumas de
dade a partir das personagens negras que ele Firmo compreende que é necessário “amar a suas entrevistas, ele expressa esse desejo, em
apresenta ou se teremos sempre que recorrer negritude”, como propõe bell hooks no ensaio outras, diz que pensa como cineasta, mas que
às ideias de brasilidade, de mestiçagem, de “Amando a negritude como resistência política”, a fotografia lhe dava mais liberdade. Em 2002,
nacional como uma forma de licença para texto que compõe o livro Olhares negros: raça Dois homens (negros) de imagem com mais de 60 anos, Firmo e Bulbul eram
poder admirar sua obra sem ferir os brios e representação. Nele, a autora explora o im- expoentes da afrovisualidade no campo fo-
coloniais da branquitude. pacto das imagens odiosas sobre o negro na Eram dois homens pretos, já com seus 60 tográfico e cinematográfico. O que, olhando
Firmo estava com 30 anos, e Quelé já era construção de nossa subjetividade e afirma anos, andando pelas ruas da Pequena África, retrospectivamente, significa muito. Politica-
reconhecida pelo grande público quando ele que é imperativa uma mudança no campo no centro do Rio de Janeiro. A altura e a pele mente, o debate pelas cotas disputava a arena
foi passar uma temporada em Nova York. da produção visual que permita que pessoas escura e cintilante de Zózimo contrastavam pública, e elas começavam a ser implementa-
Contratado pela revista Manchete, um dia negras acessem um repertório mais amplo de com a pele mais clara e a menor estatura de das em instituições como a Universidade do
o chefe de redação o chamou e, à guisa de representação de si. Firmo e os outros tantos Firmo. Bonitos, tinham em comum um sorriso Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
brincadeira, mostrou-lhe a carta que tinha fotógrafos citados são algumas das pessoas fácil e afável, muitas vezes também cáustico, Nesse contexto, retornar à “Pequena África”
recebido de um jornalista que estava no que ajudam a construir essa mudança, ex- uma enorme erudição, o gosto pela música, era singular. Era voltar para onde tudo come-
Brasil. Nela, o tal jornalista dizia não en- pressa, por exemplo, no olhar amoroso de em especial o jazz e o samba, e um amor ir- çou para a maioria de nós ao chegar a este
tender como a Editora Bloch podia ter en- Clementina para si mesma. redutível pela imagem. Firmo foi o diretor de lado do Atlântico.18 Era política. Na abertura do
viado como correspondente internacional Se numa sociedade racista, a norma é o 16 Primeiro homem negro fotografia de Pequena África, um curta-me- filme, ouvimos “Cordeiro de Nanã”; logo após
um “mau profissional, analfabeto e negro”. ódio e o auto-ódio, como nos mostram os tra- a protagonizar uma novela tragem de 14 minutos, idealizado e dirigido os créditos iniciais, vemos um plano aberto
A reação diante desse episódio explícito de balhos de bell hooks, Frantz Fanon e Virgínia em rede nacional, em 1969. por Zózimo Bulbul, lançado em 2002. Como do frontispício da igreja de Santana, na praça
Seu filme Alma no olho,
racismo veio em forma de indignação e de Bicudo, amar a negritude compreende um parte do elenco, outro sexagenário: o ator e Onze, e, em seguida, planos com detalhes da
de 1973, é um clássico da
uma adesão direta ao slogan black is beau- percurso necessário de cura. Não é à toa que cinematografia brasileira. diretor de cinema Waldir Onofre, famoso pela fachada do prédio. Na sequência, são apresen-
tiful [preto é lindo!] em dois níveis: em seu Firmo define a cor em seu trabalho em termos 17 Com direção de Biza Vianna, direção do filme As aventuras amorosas de tadas fachadas de casas de uma vila da praça
próprio corpo, pela adoção do penteado afro; de amor pelo povo e pela cultura negra, mas é Viviane Ferreira e Janaína um padeiro (1975). Douglas Silva, o Dadinho Onze, onde Douglas Silva apresenta a Pequena
e em sua fotografia, ao construir ao longo necessário entender que o direito a olhar não ReFem e curadoria de Janaína de Cidade de Deus, filme também lançado em África e surge conversando com Tia Jurema,
dos últimos 50 anos um dos mais belos per- se restringe à ideia de autorrepresentação. Oliveira, o festival encontra-se 2002 (Zózimo tira a arma da mão de Dadinho antiga moradora do bairro. São as primeiras
em sua 21a. edição.
cursos visuais dedicados à população negra Uma diferença entre Firmo e os outros e coloca no lugar a história negra), e Flávia imagens cinematográficas de Walter Firmo.
18 Durante a realização do
em todo o mundo. fotógrafos é a amplitude do que cada um fo- filme, em 2002, ainda não Souza da Cruz, atriz, cantora, produtora, fun- Os enquadramentos, a cor, a temporalidade do
tografou. Tendo acesso a todas as regiões do havia evidências da localização dadora do Grupo Afrolaje e do Aqualtune (im- filme têm nitidamente a sua assinatura.
Era a época da pílula, dos Beatles, do país (mais negro do mundo depois da Ni- concreta do cais do Valongo (o portante coletivo de mulheres negras), tam- Ana Paula Alves Ribeiro, num texto em que
Woodstock, do “negro é bonito”. Deixei géria), Firmo dialogou tanto com a cultura que só ocorreu em 2011). Para bém fazem parte do elenco. No filme, ainda analisa como surge a cidade na obra de Zó-
meu cabelo crescer, e começou a parte urbana quanto com a cultura rural brasi- Mônica Lima, este foi “o centro estão presentes Tia Jurema, da praça Onze, e zimo, nos lembra que Santana é um dos mo-
do local de desembarque do
política do meu trabalho. Fui para as leira, em suas mais distintas dimensões, Mercedes Guimarães, do Instituto Pretos No- dos como Nanã é visualizada por seus filhos.
maior número de africanos
ruas, para as fábricas, para as festas mostrando a complexidade da composição escravizados que chegaram vos. Zózimo e Onofre se conheciam de longa É a avó que ensina, a matriarca. Tia Jurema
profanas e para os músicos, sempre racial/cultural brasileira e a mulltiplicidade vivos às Américas. Em data, no passado tinham participado de Cinco também é Nanã na conversa com Douglas.
dando ênfase para a negritude. Mas negra em seus mais variados contextos. Mas nenhuma outra parte do vezes favela (1962) e Ganga Zumba (1963). Para Ribeiro, Zózimo estabelece uma relação
13 fleetwood, Nicole. mundo desembarcaram tantos
On Racial Icons: Blackness and cativos trazidos da África como
the Public Imagination. New nessa cidade”. lima, Mônica.
Brunswick: Rutgers University “História, patrimônio e memória
Press, 2015, p. 5. sensível: o cais do Valongo no
14 Ibidem, p. 7. Rio de Janeiro”. Outros Tempos,
20 15 costa, Rafael. Op. cit. v. 15, n. 26, 2018, pp. 98-111. 21
próxima com essa região da cidade em toda únicos fotógrafos negros a atuarem na pu- afastarmos do ressentimento e da la- cadeira de balanço no quintal de casa. Firmo
a sua obra, pois ele blicidade carioca. E, se tinham um ativismo mentação sobre a perda de um nom e o então jovem jornalista Muniz Sodré foram
visual importante, escolheram destinos po- propre, deve-se abrir um espaço inte- enviados à casa do músico para realizar uma
vivencia uma cidade que é retrato de líticos distintos e legítimos. lectual para repensarmos aquelas tem- entrevista. Ao partir, Walter estava feliz, pois
resistência e, de forma mais evidente, Mas isso não significa que Firmo tenha fi- poralidades que estão, sempre simulta- sabia que talvez tivesse realizado um dos seus
da resistência e da memória negras cado alheio à existência da militância negra neamente, se ramificando em diversos principais trabalhos.
do Rio de Janeiro: frequentadores das organizada. Em uma das partes mais sensíveis futuros diferentes, e ao fazerem isso O último encontro ocorreu às pressas. Her-
gafieiras e dos bailes, sambistas, pros- de nossa entrevista, uma de suas lembranças abrem caminho para a possibilidade de mínio Bello de Carvalho convidou Firmo para
titutas, artistas de rua, companhias de foi a de que frequentar os espaços de socia- múltiplas ancestralidades. Sociologica- ir à casa de Pixinguinha em Ramos, aquela
teatro, entre outros. Passante, andarilho, bilidade da militância negra fez com que ele mente, deve ser dada atenção às práticas mesma que ele havia visitado em 1967. Era
flâneur – Zózimo se constitui como ob- se sentisse verdadeiramente bonito pela pri- cotidianas através das quais os africanos 17 de fevereiro de 1973, sábado de Carnaval.
servador privilegiado do Rio de Janeiro, meira vez, pois sentiu que as moças o olhavam reconhecem o mundo e mantêm com ele A pedido de Hermínio, Firmo não levou sua
mas não de qualquer Rio de Janeiro. […] com interesse, algo que não ocorria da mesma uma familiaridade sem precedentes, ao câmera, pois a visita tinha o intuito de dar
São as transformações do Centro da forma em outros meios nos quais circulava. mesmo tempo em que eles inventam uma força para um amigo que estava pre-
cidade, reconhecido por Zózimo como algo que pertence tanto a eles quanto cisando de apoio moral. Na casa de Pixinga,
negro, que ele vai se interessar em fil- ao mundo em geral.24 Walter e Hermínio puderam ouvir o amigo
mar, registrar, esquadrinhar e, acima de tocar a flauta transversal pela qual havia se
tudo, documentar.19 A foto jamais realizada Firmo questiona o ordenamento do mundo tornado famoso, mas que raramente tocava
sugerido pela visualidade ao propor outros em público. Na verdade, o sax era o seu prin-
De modo similar, podemos comparar a traje- Tenho pensado as imagens produzidas por su- meios de divisão do sensível. Ele assume que cipal instrumento de trabalho. É ele que re-
tória visual de Firmo e seu apreço sobretudo jeitos negros em termos de contravisualidade tem direito a olhar, ele luta pelo seu direito pousa no colo de Pixinguinha naquela foto de
pela Zona Norte, lugar de uma sociabilidade e esforços de autoinscrição visual. A primeira a olhar. Compartilhar de seu olhar não nos 1967. Ao irem embora, a cena da despedida foi
privilegiada da comunidade negra, especial- tenta dar conta da reivindicação, nos termos leva a pensar a sua produção sob o ponto de o que mais marcou Firmo: Pixinguinha ficou
mente por meio do samba. Ela era outra Pe- de Nicholas Mirzoeff, do direito a olhar (a his- vista de uma singularidade ou de uma auten- acenando demoradamente para os dois en-
quena África no Rio de Janeiro, assim como tória, o mundo, o real, quem nos olha), que em ticidade negra, o que facilmente cairia num quanto eles partiam de carro para o centro
tantas outras que encontrou em suas viagens última instância é o direito à (própria) existên- essencialismo. Ao captar as mais distintas da cidade, e depois para a Zona Sul. Aquele
pelo mundo. cia. Nesse sentido, defino afrovisualidade como expressões da vida negra, organiza os nos- aceno – aquele aceno – foi a fotografia que
Se o encontro entre Clementina e Firmo uma contravisualidade, ou seja, um modo pelo sos afetos para outra coisa: para a criação Firmo fez somente para si. Horas mais tarde,
19 ribeiro, Ana Paula
poderia ser denominado como um encon- qual sujeitos negros reivindicam para si o di- de um arquivo sentimental que se ramifica o músico faleceria na igreja Nossa Senhora
Alves. “Rio de Janeiro e sua
tro afetivo-político – pensando com Stuart reito a olhar. No caso da fotografia, trata-se herança africana: histórias em “diversos futuros diferentes e, ao fazerem da Paz, durante o batizado de seu afilhado.
Hall,20 que o cotidiano e a vida pessoal e, com menos de um desejo de inscrição do já dado, contadas por Zózimo isso, abrem caminho para a possibilidade de Próximo dali, Firmo e Hermínio brincavam
hooks, que os afetos são expoentes da política mas de entender os esforços de autoinscrição Bulbul”. Todas as Artes: múltiplas ancestralidades”.25 o Carnaval na Banda de Ipanema.
e que as amizades negras são pouco visualiza- fotográfica como ação política na luta por di- Revista Luso-Brasileira de Em 1967, surgiu uma das nossas imagens Acho que tem algo de poético em saber que
das, sobretudo quando se trata de amizades reitos, na demanda de novos modos de estar e Artes e Cultura, v. 3, n. 3, mais icônicas, “aquela onde repousa a feli- o acervo de Pixinguinha e o de Walter Firmo
p. 68.
intergênero e intergeracionais –, seu encon- devir no mundo e, portanto, da realidade por- cidade”: lá está Pixinguinha sentado em sua se avizinham no Instituto Moreira Salles.
20 Ver: hall, Stuart
tro com Zózimo é um encontro político-afe- vir. Assim sendo, a desobediência da obra de (org.). Representation:
tivo. No caso de Zózimo, o convite para que Walter Firmo, através de sua convicção de que Cultural Representation
Firmo fosse seu diretor de fotografia era fra- a fotografia pode construir e propor novas ver- and Cultural Signifying
terno, mas também uma convocação política dades e novas realidades, invoca os momentos Practices. Londres/
a um dos nossos mais talentosos fotógrafos, em que estética e política possibilitam o que Thousand Oaks/Nova Delhi:
Sage/Open University, 1997.
que embora tivesse uma importante produ- Ana Lúcia Silva Souza chama de Letramentos
21 Ver: NERES, Vilma e
ção visual antirracista, ainda era distante do de reexistência.23 O entendimento de práti- SANTOS, Elisângela de
ativismo político organizado. Apenas como cas de autoinscrição visual que ensejam uma Jesus. “Leci e Januário:
lembrança, uma das principais instituições reexistência devem levar em consideração escrevivências negras
antirracistas do Brasil – o Instituto de Pes- duas recomendações de Achille Mbembe, ao contemporâneas na
quisa de Culturas Negras (ipcn) – teve como analisar as formas de autoinscrição africanas: música e fotografia”. Ideias, Janaina Damaceno Gomes é graduada em filosofia e mestra em educação pela Unicamp. Doutora
v. 8, n. 2, pp. 83-112, jul./
uma de suas principais lideranças Januário em antropologia pela USP, atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da Baixada
dez. 2017. Disponível em:
Garcia (1943-2021),21 outro expoente da cons- Antropologicamente, à obsessão com a periodicos.sbu.unicamp. Fluminense (Febf) da Uerj e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades (PPCult)
trução do “arquivo fotográfico da diáspora singularidade e a diferença, devemos br/ojs/index.php/ideias/ da UFF e coordenadora do Grupo de Pesquisas Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem
negra”.22 Por anos, ambos foram colegas e os opor a temática da igualdade. Para nos article/view/8651267/17480. Negra. É uma das fundadoras do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine).
22 campt, Tina. Op. cit.
23 souza, Ana Lúcia 24 mbembe, Achille.
Silva. Letramentos de “As formas africanas de
reexistência – Poesia, autoinscrição”. Estudos
grafite, música, dança: Afro-Asiáticos, ano 23, n. 1,
hip-hop. São Paulo: 2001, p. 17.
22 Parábola, 2011. 25 Ibidem. 23
A fotografia sempre foi presente em minha Junto ao portão de acesso à rua do “lar de

Um plantador de atmosferas vida, desde os tempos infantis, quando – ainda


me lembro –, já garimpando possíveis indaga-
ções aos quatro anos, contemplava o viço das
Teresa”, – comovida e epistolar frase escrita em
letras garrafais sobre a parede frontal na fa-
chada da casa da avó –, o meu mundo, restrito,
folhagens umedecidas, tangidas pelo sereno se acabava ali. Além, só os sonhos, quimeras,
Walter Firmo do varal noturno, cúmplice vigia da natureza fantasias, transições e indagações. Tenho pen-
orgástica, sempre presente através das frestas sado nessa questão, qualificando como tese em
entreabertas da janela do meu quarto, mira- opinião ajuizada de que uma criança, na sua
gem tangível ao meu olhar virgem de menino. primeira infância, deposite tantos guardados
E quando chegava a alvorada, tudo relu- que possivelmente personalizará opiniões,
zia, desencantando-se gradualmente na luz construindo juízo de fatos que emoldurarão
suprema. sua psique até seu último dia de vida, tenha a
Tudo era teatro, como é a vida em si, livre, idade que tiver. Isto porque hoje, nesta atual
a se permitir inúmeros caminhos a desco- infância, eu mesmo posso conjugar em retros-
bri-la. E eu a tudo assistia, decifrando dentro pectiva minha história fotográfica como uma
das minhas limitações a representação visual inquisição desse paraíso, quando detido, voei
dos elementos, por mais díspares que fossem: prisioneiro com minhas próprias asas.
a orgástica bananeira, a imponente jaqueira, Dessa forma, essa ainda jovem senhora,
o pé de manga, o jamelão circense grudado no conhecida como fotografia, transforma-se
tronco de sua mãe, a carambola e seus notá- para mim numa verdadeira antropologia
veis gomos afrodisíacos, a laranja-seleta em visual, quando, subjugando princípios e tra-
seu espaço. O cachorro que latia, o galo can- dições, tento ir mais além, desamarrado e
tador, o porco que rosnava, as alvissareiras longe do cais, velejando pelos sete mares da
galinhas com seus pintinhos na hora do mi- criatividade, desfraldando bandeiras, posto
lho. Um autêntico sítio do pica-pau amarelo, que criar é educar, tirando do nada o tudo,
sem a bíblica maçã, mas com serpenteadas inventando, produzindo, cultivando pessoal-
e promissoras cobras, que às vezes transita- mente outras propostas que possam desvestir
vam no fundo do meu quintal, vestidas com a nobreza dessa soberana moça.
o uniforme do time do Flamengo, que mais A fotografia, para mim, reside naqueles
pareciam corais, as venenosas. instantes mágicos em que eu posso interpre-
Um espetáculo. Um cenário. tar livremente o imponderável, o mágico, o
Meu espaço cênico, lugar em que eu in- encantamento. Nos quais o deslumbre possa
tuía meus dramas, comédias, panos teatrais se fazer através de luzes, backgrounds, in-
com os quais representava lugares, paisa- findáveis sutilezas, administrando o teatro e
gens, fugas. Fui criado por minha avó até os o cinema nesse jogo de sedução, verdadeira
cinco anos, confinado, sem acesso às brin- tradução simultânea construída num piscar
cadeiras peraltas das ruas, onde todo mani- de olhos em que o intelecto e o coração se
festo é livre, cordial e comunista no sentido juntam, materializando atmosferas. E nesse
lato da palavra. Vovó Teresa era implacável, instantâneo residirá sua linguagem, maneira
cuidava do seu neguinho e primeiro neto de oportuna e sagaz de ver diferentemente, sen-
forma obstinada, achava a rua uma canalhice. tindo hálitos endeusados no simples prazer.
Mas, mesmo assim, como um privilegiado E, assim, a mensagem se faz.
prisioneiro, nada me faltava. Sua proteção Um olhar querubim movido por outras ga-
e carinho se caracterizavam desde o beijo à láxias, movido por um coração apaixonado e
melhor parte do frango na hora das delícias sedutor, deitado no simples, bebendo água
da mesa, o asseio corporal dos incontáveis naquela cacimba de um rio generoso, levado
banhos diários e a inesquecível sobremesa pela correnteza fecunda de outros métodos,
de ovos nevados, delícia dos deuses. José e em busca de uma terceira margem, educando
Maria, meus pais, costumavam me ver aos e inventando. Ou, sem pudor, sobre as asas
fins de semana. daquele mágico pássaro que sobrevoará po-

24 Vendedor de sonhos na praia de Piatã, Salvador, ba, déc. 1980 25


derosas nuvens alvas, buscando concretudes silenciosa, sem base doutrinária, mas pro- e a metafísica congelada de sua realidade dor, um evento, propagando “falsidade” na
ativadas sob a luz de um sol que tudo clareia vocando em quem a lê presságios e contem- gráfica. Curiosamente, preferi o recalque da informação ao público, mascarando fatos com
e seduz. plações? Eu, quando a interpreto, sinto-me sonoridade frágil e mágica de um clique à “inverdades impressas”. Eu era visto como um
Pensemos em Akira Kurosawa, esse mag- movido por uma intuição instantânea e, au- obtusa literatura visual movimentada, a que estranho no velho ninho, porque apontava
nífico diretor do cinema japonês, que se tomaticamente, sou conduzido pela faculdade traduz como o mundo é em 24 imagens por para a urgência de uma nova visão estética
engrandeceu por meio dos seus famosos de entender, dar razão, poder compreender segundo. Optei por uma só. A que me obri- de informação.
storyboards, cadernos de anotações nos quais e opinar, tudo empacotado numa rapidez de garia a mergulhar em sua piscina concreta e O presidente Getúlio Vargas se suicidara.
ele revelava seus sonhos e desejos de cená- fast food. Os sinais regularmente se transmi- vazia, sem água, viajando célere diante de sua Um tiro no coração abriu-se em novos tempos.
rios, desenhando e planejando locações de tem da imagem, cabe a mim traduzi-la. imobilidade, envolvido na máxima de que o Juscelino Kubitschek abraçou-se ao trono,
filmagens, exercício matinal de um amanhã Acredito que, utilizando sua própria lin- escafandro só dá para um, hibernando incó- transformando o Brasil num país dinâmico.
qualquer, fosse aonde fosse, dentro daquele guagem, cada qual irá se expressar, revelando lume, fechado em meus pensamentos, visua- Na música, outra revolução: o contrabando
lógico croqui. Ou num sentido inverso, no na verdade o seu íntimo, no retrato, na pai- lizando pela janelinha do meu equipamento do bolero, da rumba e de outros importados
qual um fotógrafo cego delineia e desenvolve sagem, no amparo surreal, na manifestação que o mundo não é azul e que a Terra por si que agora davam vez à bossa nova de Johnny
seu planejamento de trabalho com sua equipe, metalinguística, no prazer em se reinventar só é uma parábola descomunal e investigativa. Alf, Tom Jobim e João Gilberto. A cidade do Rio
desejando uma árvore em frente a uma casa no transe de outras concepções, porque esse O cinema se assemelha demasiadamente de Janeiro perdeu sua coroa de capital do país
semidestruída, tendo ao fundo uma linda mu- produto estético – a fotografia – é uma legí- à vida como ela é. Diante de seus princípios para a recém-nascida Brasília, construída em
lher desnudada através de uma velha janela. tima forma conceitual de expressão pessoal, básicos, gira, anoitece, veloz nas estações, cinco anos. O Brasil flanava.
Esse fotógrafo cego, Evgen Bavcar, vivenciou daquilo que acreditamos sentir individual- transgressora nos furacões, vendavais e ci- O que eu desejava, então, era a realização
seu prazer de olhar até os oito anos, quando mente e que escolhemos confidenciar através clones: tudo é voz e movimento. Prefiro o es- de uma imagem reflexiva, sem abdicar da
foi vitimado por uma doença rara. Ambos, de imagens. curo do meu cinema íntimo, que transita na documentação direta, porém consciente de
Bavcar e Kurosawa, concebem, planejam e Abrindo aspas: imobilidade, trazendo para sua intimidade o que, baseado em meu próprio storyboard, em
constroem seus mundos antes de registrá-los. estado lírico do silêncio. O que me fascina é minha direção de cena e em mais algumas
Apesar de a fotografia ter sido inventada “Somos, antes de tudo, na linguagem e pela seu estranhamento estético, congelado, imo- frações de segundos, outra verdade pode-
sob a contemplação filosofal do registro, linguagem. Não é necessário um cami- bilidade que me faz prisioneiro, guardado em ria vir à tona: por exemplo, o maestro Pi-
aquela que não mente jamais, na verdade ela nho para a linguagem. Um caminho para sonhos e fantasias, alucinado na decolagem xinguinha sentado em sua vienense cadeira
é apenas representação parcial, muitas vezes a linguagem é até mesmo impossível, uma concreta dessa pista em que me resguardo de balanço a exaltar os bons fluidos da vida,
ambígua, quando não uma grande mentira. vez que já estamos no lugar para o qual o solitariamente. A cena é muda e você está representando uma saudade ou, de outra
Sabemos, sim, e temos consciência de que caminho deveria nos conduzir. Mas será sozinho, determinando planos visuais, esco- forma, que a vida vale a pena e que a felici-
todo manifesto fotográfico é tangido sob a que estamos mesmo nesse lugar? Será que lha de lentes, filtros, filmes, planejamento de dade reside nisso.
égide de um verniz semelhante à verdade: somos e estamos na linguagem a ponto de ações, força e energia vital colhida no gesto Em outra versão, questionando verdades, a
mimese do real em determinado espaço/ fazermos a experiência de sua essência, de a expressivo e superior, fora do alcance e da cantora Clementina de Jesus, toda de branco,
tempo que, entretanto, uma vez construída pensarmos como linguagem, percebendo, percepção dos comuns. Isso é criatividade. recostada no tronco de uma árvore, e seu
por exposição à luz no interior do invento/ numa escuta, o próprio da linguagem? Será Um papel em branco, base de planejamen- corpo sobre o verde da grama revisitado por
aparato de Niépce, segundos depois de tra- que estamos na proximidade da linguagem tos autorais, numa linguagem de plantio, um folhas secas e amarelas espalhadas pelo chão.
duzida em imagem, poderá ser contestada mesmo sem uma ação nossa? Ou será o ca- terreno adubado esperando as primeiras mu- Uma visão encantada, impressionista, inspi-
como parte ou traço do passado. minho para a linguagem como linguagem o das de várias especificações, como o primitivo rada na pintura francesa, que remete ao bem
Fotografias são fragmentos cristalizados mais longo e extenso que se pode pensar? retrato (a primeira semente de muitas outras maior e existencial de um bem viver. Porque a
em sais minerais, drogas que não entorpecem, E não apenas o mais longo, mas também o descobertas); a ação, obstinada e preferencial, função da informação jornalística não se re-
mas que fecundam marcas, estruturas, sim- mais cheio de obstáculos oriundos da pró- percurso culminando com outras experimen- sume apenas a uma informação rudimentar
bologias, sinalizando grandezas históricas, pria linguagem tão logo tentamos pensar, tações, como o surrealismo, a metalinguagem do infortúnio, da desesperança, do fracasso.
inventariando, ainda que seletivamente, que genuinamente e sem desvios, a linguagem e outras degustações ecleticamente silencio- Ela pode e deve se associar, fotograficamente,
estivemos aqui de alguma forma, se assim lhe no que lhe é mais próprio? sas. Assim, ainda nos meandros da adoles- ao enriquecimento lícito decorrente do ato
possa parecer. O que é portanto a verdade, se Pretendemos algo estranho, que gosta- cência, eu já sabia o que queria fazer da vida. de se apoderar do belo, do formoso, do gentil.
tudo na fotografia é verossímil, tem aparência ríamos de formular da seguinte maneira: Propor, duvidar, insistir sempre, buscando Eu, ao começar a pontuar na folha de pa-
de verdadeiro, não contesta a provável ver- trazer a linguagem como linguagem para sem obstinação desenfreada um ideal que me gamento com meus honorários pagos como
dade, e que, ao se revelar como real, ainda a linguagem.”1 levou a ser um repórter fotográfico, mesmo efetivo pelo vespertino Última Hora, me con-
assim não o é. sem o apoio da quase totalidade de colegas solei nessas ideias de que a vida não se baseia
Como então dialogar através dessa lingua- Entre os 14 e 15 anos, fui atraído pela foto- de profissão, que viam em meus desejos e em no terror nem nos desencontros, mas na con-
gem muda, intuindo seus sinais, numa disser- grafia. Por sua linguagem muda que eu te- minhas propostas matizes obscuros, distan- templação e na utopia de que o bem haverá
tação monográfica capaz de expor a oratória ria de traduzir. Dividia-me entre o cinema tes da forma de se noticiar uma perda, uma de vencer o mal.

1 heidegger, Martin.
A caminho da linguagem.
Trad. Marcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis/Bragança
26 Paulista: Vozes/Edusf, 2003. 27
Descolar do flash usando a fidalga luz am- amoroso evento. Ficamos amigos, um cara ciando as batidas de um coração suburbano a sucesso do trabalho, eleito como ganhador do
biente era coisa de veado; inclinar a luz do super generoso e de uma lira anedótica des- beber ainda a seiva de um samba verdadeiro, maior prêmio jornalístico, o Esso, com 500 dó-
flash de encontro ao teto branco, insubor- concertante. Estivemos juntos em sua última fossem ou não dias de Carnaval. lares na mão e uma viagem a Nova York, nos
dinação técnica; tentar no estádio do Ma- viagem à cidade italiana de Áquila, convida- Tive muita sorte ao escolher essa atividade Estados Unidos. Essa proeza foi no ano de 1963.
racanã trabalhar com câmera 35 mm, uma dos que fomos a representar a fotografia bra- profissional, porque é por meio da função do Super valorizado, a cobiça fez aterrissar
afronta aos bons costumes. Tentar induzir o sileira no projeto O último grito da Amazônia, registro que conhecemos as pessoas, seja no em meados de 1964 no aeroporto Santos Du-
fotografado a olhar para a câmera, um abuso. expondo nossos trabalhos sobre o tema. Teve seu íntimo ou em seu reduto da mentira. A mont no Rio de Janeiro, vindo de São Paulo, o
Coisas assim. Na verdade, o ideal era ser um um problema cardíaco na noite anterior ao função de informar são aulas apreendidas senhor Luis Fernando Mercadante, repórter
autômato, despersonalizado, sem iniciativa, dia do seu falecimento. Quase morreu nos diariamente, militando na faculdade jor- amigo dos Civita da Editora Abril, embaixa-
aquele subordinado a tudo. De certa maneira meus braços. Ainda na manhã seguinte, ao nalística, porque ela te ensina a sublimar o dor das boas causas, munido da ideia de me
um pouco revolucionário eu posso ter sido. visitá-lo no hospital em que estava internado, existir, conhecendo o homem em todos seus seduzir a me transferir à cidade dos deuses
Mas tudo dentro dos padrões de exigência quando me viu, alvoroçou-se, gritando-me: aspectos, seja na mesquinhez, altivez, em das chuvas para integrar uma jovem equipe
que a minha idade ordenava, coisas novas, “Maria Firmina… vexame!!!”. qualquer função em que ele possa desfrutar de jornalistas que preparariam o número
diferentes, um dia após o outro, como tudo Suburbano de raiz, forjado em Irajá e pa- no existencial de seus dias. Universidade, isso zero de uma nova publicação da editora,
deve ser na vida. Um dia você nasce, cresce, rido numa maternidade no bairro de São sim, foi lá que me transformei em outro in- cujo nome seria Realidade, mensal, dirigida
almeja, amadurece, envelhece, e tudo passa. Cristóvão – bairro imperial onde habitou en- divíduo, apurando fatos, vicejando verdades a assunto diversos. Pela ousada proposta fi-
Como disse com total propriedade nosso es- castelado em seu condado dom João vi com a e mentiras; e nesse dia a dia criei outra pele, nanceira, impossível de recusar, e também
cultor de cidades Oscar Niemeyer: “A vida é família –, minha primeira e segunda infância como fazem as serpentes, cegas e rastejan- pela ousadia de deixar o meu Rio de Janeiro,
um sopro”. foram plantadas em bairros afastados da ci- tes, apurando notícias que a própria razão jamais antes abandonado, com sua energia e
Mas, naquela época, quando me transpas- vilização turística carioca, onde olhares no- desconhecia, tudo isso herdado nos anos de alegria indômita, aceitei.
sava, nem o sol sabia da força que eu tinha. tadamente estrangeiros se perfilam ávidos e trabalho ininterruptos, sem sábados, domin- Fato assumido, dividindo agora um apar-
Última Hora foi a minha primeira pista de fagueiros por conhecer a Cidade Maravilhosa. gos ou feriados, trancafiado numa “panela de tamento de dois quartos com Armando Rosá-
decolagem a universos nunca imaginados. E o meu desfile infantil de moradia foi ditado pressão”, cujo apito para descontrair não ti- rio, fotógrafo chinês radicado no Brasil havia
Resignado, pero no mucho, apenas desejava pelo samba e o ronco da cuíca, ouvidos nos nha hora marcada, apenas você como indiví- anos, também antigo morador da Cidade Ma-
ser um bom fotógrafo dentro das minhas exi- arrabaldes de Mesquita, Nilópolis, Marechal duo, eventualmente passando a não acreditar ravilhosa, mas que trabalhava para a revista
gências e limitações. Um menino que morava Hermes, Oswaldo Cruz, Vaz Lobo, Cordovil, em mais nada. Quatro Rodas, da mesma Editora Abril. E as-
ao lado do Méier, que pisava sobre as estrelas Parada de Lucas, Vista Alegre e Irajá. Um sim se iniciou uma grande amizade, com uma
suburbanas, refletidas numa poça d’água em périplo engalanado na alegoria do simples, pessoa que falava pouco e comedidamente.
noite de chuva, distraído andante, após o pri- ornado de sonhos e ilusões de que um dia a Deixou-me como legado a paixão pelo jazz, do
meiro beijo na boca da namorada, Elizabeth, vida haveria de dar certo outra vez… Duro de morrer qual tinha grande conhecimento e bela disco-
filha de portugueses a adorar um bom preti- Só fui conhecer a Zona Sul da minha ci- grafia. Às sextas-feiras, lá estávamos nós na
nho. Éramos jovens, tínhamos 15 anos. dade quando já trabalhava no Última Hora, No Jornal do Brasil me consagrei fotogra- velha estação rodoviária junto à praça da Luz,
Desconhecia a Zona Sul, mas venerava José trepado naqueles jipes de cópia americana fando e escrevendo “100 dias na Amazônia a nos alojar num ônibus da Viação Cometa
Medeiros, ao esfolhear as revistas nas quais que a jovem indústria automobilística bra- de ninguém”, título de uma matéria proposta no horário da meia-noite para chegar às seis
ele trabalhava, primeiramente O Cruzeiro, sileira produzia, não sendo mais necessária por mim, cujo trajeto naquela região monu- horas da manhã de sábado na mui leal cidade
semanal, a melhor nas reportagens, com pu- a sua importação. E fazendo diariamente mental denotava o abandono político de vozes de São Sebastião do Rio de Janeiro, instalada
blicações também coloridas, o que não era reportagens de todos os tipos, gente, costu- que não se ouviam em Brasília; o abandono às margens da baía de Guanabara. Na noite do
o caso dele. O Zé era o cara da Rolleiflex e mes, tradições, pude sim mapear em quase das causas humanas relegando os ribeirinhos dia seguinte, na volta a São Paulo, nos aboletá-
do preto e branco. Enfurnava-se com tribos todos os lugares desta deslumbrante cidade, à sua própria sorte. Desengano hospitalar, vamos novamente em outro ônibus da mesma
indígenas e sumia do mapa. Mas depois po- encantos, realezas e perversões. Uma das ca- desmilitarização, a religiosidade presente, empresa, naquele mesmo horário da meia-
deria ser encontrado na Bahia, fotografando racterísticas dessa rica profissão é conhecer transporte fluvial precário, a vivência com -noite, chegando no mesmo horário das seis
negros no candomblé, ou na malandragem o homem, o bandido, a natureza, a religião, tribos de indígenas aculturados. A base ter- horas na capital financeira do país. E toda
crioula do Rio de Janeiro, ou com os artistas seu desencanto e sua alegria bem de perto. restre para desenrolar esse enredo seriam os semana repetíamos esse ritual.
convencionais da ribalta. Sempre em ação. E só assim, quando ultrapassei seus túneis, rios Solimões, Negro e Amazonas, nos quais Foi quando a cor entrou na minha vida,
Ainda tinha como bala na agulha duas pági- auscultando suas batidas, pude reconhecer o os transportes disponíveis variavam desde porque até então meu olhar era em preto e
nas mensais na revista A Cigarra, ensinando contraste de onde tinha surgido. Nem por isso uma simples canoa até o lombo de burro, mas branco, base vocabular nos jornais nos quais
fotografia, também dos Diários Associados. diminuo suas partes, apenas, descobrir suas igualmente barcos, voadeiras, navios e aviões trabalhei, o Última Hora e o Jornal do Brasil.
Desejei ser como ele. intimidades à flor de suas peles, desde seus Catalina, da Força Aérea Brasileira, a pousar Publicações que naqueles tempos não se ma-
Anos depois, só não foi meu padrinho de sumários biquínis ostentando sua carne feliz sobre lagos e baías. Aos 26 anos, o jovem fotó- nifestavam em cor por ordem técnica de suas
casamento porque preferiu ser o fotógrafo do ao compasso das batidas do bumbo, anun- grafo já era reverenciado no país inteiro pelo máquinas impressoras, ainda não dotadas do

28 29
esplendor dos matizes coloridos. Só na dé- Mas senti saudades da ótima turma da Trabalhei na revista Manchete de 1966 a barba e bigode também. Um manifesto íntimo
cada de 1980 passariam a ostentar fotografias redação de Realidade. Fazer o quê? A vida é 1971, e foi lá que, numa tarde ensolarada em calcado na iniciativa dos panteras negras:
em cores em suas páginas. feita de decisões, e naquele momento estava 1967, fotografei o maestro Pixinguinha sentado Black is beautiful. E aqui fiquei durante anos,
Foi um privilégio poder desfrutar de tona- insatisfeito com o lento e paulatino trabalho em sua cadeira de balanço, respaldando seu envolvido deliberadamente nesse modelito,
lidades febris, notadamente podendo agora de uma revista mensal ainda em formação. saxofone debaixo de uma mangueira. Imagem incitando simpatia e alguns olhares de des-
me comunicar visualmente como se exalta a Chorei ao sair justamente quando a primeira esta que certamente marcou minha carreira prezo. Um ano depois, viajei pela revista Fatos
vida, coloridamente. Poder tirar partido da edição já estava nas bancas de jornais, ao fotográfica, já que se tornou magneticamente & Fotos para o rio Arinos, em Mato Grosso,
luminosidade tropical, desvendando seus tons som do espocar de fogos, com uma edição unânime, um ícone no qual as pessoas encon- para fotografar uma tribo indígena que aten-
frios e quentes e, sobretudo, experimentar de 700 mil exemplares consumida em pou- tram e reconhecem uma construção poética dia pelo nome de “Beiço-de-Pau”. Foi uma só
uma nova linguagem. Um desfrute recorrer a cas horas. da felicidade. emoção quando a tarde caía, e, unidos em
um Brasil incorporado na raiz cósmica de sua Bloch Editores foi o meu próximo destino. Tempos também em que fui várias ve- círculo, cantávamos em voz alta “Escravos
intensa claridade. Como era gostoso me sin- Fatos & Fotos e Manchete, revistas semanais, zes premiado nos concursos internacionais de Jó”. Eu chorava naquele horário todos os
tonizar assim, exaltando matizes nunca antes uma se ocupava mais do discurso em preto anuais da Nikon, em Tóquio, no Japão. Em dias em que lá fiquei. Éramos crianças ro-
percebidos, cuja função primordial era criar e branco, e a outra em cores. Virei um cai- 1968, fui designado para trabalhar na sucur- dando nus, irmanados sobre o chão batido,
o poder da fantasia: aquela corbeille de flores xeiro-viajante, uma espécie de descobridor sal da Manchete na cidade de Nova York, nos tendo as águas do rio Arinos refletindo o céu
representando a conquista, tal como provar das esquinas brasileiras e, sendo assim, só Estados Unidos. Lá, morei na rua 76 East, uma se transformando em noite.
e, num enlace, sorver de um só gole uma taça não estive na ilha de Fernando de Noronha, elegância que só me estimulava a grandeza Ainda em Nova York, durante minha per-
de champanhe durante os momentos de co- passando por todos os estados brasileiros, fo- mágica daquela urbe. Em meus aposentos manência de seis meses, visitava museus, ga-
memoração e celebração das vitórias na vida. tografando sua gente e seu cheiro. Foi quando no 30o andar de um edifício envidraçado, eu lerias, desfrutando animadamente da iguaria
E, ao longo daqueles dois anos em que lá me adaptei, cursando in loco seus trejeitos e flutuava durante o dia na redação da revista, que é essa portentosa cidade. Batia pernas
fiquei trabalhando na produção do número malícias, suas danças e religiosidades. O equi- e à noite dormia na enorme cama padrão pelo Central Park, por avenidas, ruas e becos,
zero e do primeiro número da revista, perfilei pamento era soberbo: duas Hasselblads, duas americano, berço do senhor Adolpho Bloch, observando os extratos visuais que pudessem
ensaios para matérias sobre as mulatas do Nikons, lentes, filtros, filmes, um laboratório o dono da empresa, quando ele viajava a me confortar, sendo eu um fotógrafo anda-
Rio de Janeiro, planadores em São José dos de desejos que se desencantavam na exce- Manhattan. Durante as noites, eu me dividia rilho. Nações Unidas, Brooklyn, bairro chi-
Campos, o samba carioca, a fé em Aparecida lente produção, fustigando ensaios, produ- entretido entre os programas televisivos e nês, Harlem, todos esses bairros passaram
do Norte, e outras concernentes à produtivi- zindo seduções. Hotéis cinco estrelas, carro as aterrissagens e decolagens no aeroporto pelo crivo do meu olhar suburbano, ciente
dade mensal da revista. Viajei a Sergipe para com chofer, restaurantes caros, uma orgás- LaGuardia, distante poucos quilômetros da de que estava deslumbrado no pouco ou tudo
fazer uma reportagem sobre o petróleo com o tica vivencial, mesmo que, para isso, durante minha janela. que via. Certo dia, resolvi visitar o escritório
repórter Carlos Azevedo. Estive também em os fecundos trabalhos de campo, houvesse A maior metrópole do mundo me abrigava da agencia Magnum para ver os negativos
São Domingos, no Caribe, retratando os sol- por vezes, sob o sol inclemente ou a chuva, como um cosmonauta a sair pelo espaço vi- do mago Cartier-Bresson e, para minha sur-
dados brasileiros que lá estavam em missão assolado pelo vento, de comer rapadura com sitando estrelas. Catapulta, estilingue, lancei- presa, debruçado sobre a mesa de luz, estra-
de paz, enviados pela onu, em conjunto com jerimum, bebendo água na cacimba. -me a várias viagens, pelo Caribe e pelo México. nhei que ele usasse além da lente normal, tão
o repórter Luis Fernando Mercadante, que Tenho pelos tempos que trabalhei sobre- Em terras caribenhas, visitei quase todas as apregoada na mídia sobre ele, também uma
acabou ganhando o Prêmio Esso daquele ano tudo na Manchete as maiores recordações de ilhas, paradisíacas, belezas da natureza, uma grande angular 28 mm e uma pequena tele de
pela matéria sobre os pracinhas, que resguar- um tempo incrível, em que era padre, psicó- confraria social das mais lindas que vivenciei. 105 mm. Referência para todos nós, me intri-
davam os acontecimentos de modo a evitar logo, parturiente e comedor de luz, atração Depois foi a vez do México, onde tive a honra gava conhecê-lo um pouco mais, visualizando
distúrbios para a população local, exaltada constante nas amazônias e sertões pátrios, de conhecer o muralista David Siqueiros, e de particularmente aquilo que muitos fotógrafos
pela presença inoportuna da missão brasi- fundações de uma escrita silenciosa onde me sobra o americano Calder, que estava a almo- não mostram: seus negativos e contatos, evi-
leira – o título do trabalho vencedor do prê- deleitava sob seus mantos azuis. çar na casa do pintor. A embaixada do Brasil na dência maior de seus processos de trabalho.
mio jornalístico foi “Brasileiros go home”. Ainda na revista Manchete, cheguei a for- Cidade do México, enquanto estive hospedado Amadurecia. Palmilhando aquelas ruas,
Ainda em 1966, decidi deixar São Paulo e mar uma dupla com Ateneia Feijó, primeira naquele país, enviava-me diariamente uma pousada de folhas outonais, caminhava solerte
voltar ao Rio de Janeiro. Só deixei amigos. mulher repórter viajante, porque, na moral carruagem Mercedes-Benz com motorista, na estonteante metrópole. Nada me arrefecia,
O ritmo de trabalho era lento para as minhas vigente da época, era inconcebível ousar uma imprescindivelmente às oito da manhã, a passadas miúdas, mas firmes, na direção de
pretensões, acostumado a vivenciar diaria- parelha profissional desse tipo, viajando jun- apanhar-me para o trabalho diário. Dias de- um rumo qualquer, desde que encontrasse
mente um jornalismo muito mais vivaz, que tos pelo Brasil. Brilhamos durante dois anos, lirantes, porque o México é um país fotográfico. algo a cristalizar, o que glorificava meus pas-
era justamente ao que tinha me acostumado em reportagens nos estados do Paraná, Bahia, Os direitos civis, a independência da mu- sos. Sob um frio contagiante, cada esquina
na forja insana dos jornais por onde passei, Ceará, na cidade de Olinda e na construção da lher, os Beatles, motivos de revolução em sua ressoava um vento forte, que parecia entrar
produzindo de forma absurdamente inces- estrada Transamazônica, contando histórias áreas de atuação. 1968, o ano que nunca aca- roupa adentro. Lufada de vento forte e gelado,
sante entre três e cinco saídas fotográficas que envolviam e favoreciam a grandeza do bou. Ao regressar para o Brasil, desembar- navalha na carne, impiedosa lâmina cortando
diárias. Haja pauta e mais pauta. homem em seu fecundo trabalho. quei no Galeão com os meus cabelos crescidos, a pele sem deixar marcas. Um crime perfeito,

30 31
Clementina de Jesus
na Quinta da Boa Vista,
mudez e solidão articulem asas a voos anato- bosa e o Claus Meyer, e vendíamos imagens
Rio de Janeiro, RJ, 1978 micamente precisos como forma e expressão. do nosso arquivo pessoal para agências de
Mas quero deixar aqui meu apreço pelos publicidade e alhures. Eu viajava muito e,
anos que passei na Manchete, uma casa de quando não arranjava um “frila” aqui no Rio
loucos, sim, mas cuja redação nunca conheci de Janeiro, debandava a me socorrer em São
outra igual, cujo manifesto libertário do ir e vir Paulo, trabalhando para o Bondinho e o Canja,
resultou em uma fábrica de intenso jornalismo, pequenas publicações alternativas, mas com
mesmo com as preocupações do dono da em- um público inteligentemente certo. Certa vez,
presa, Adolpho Bloch, quanto ao figurino de ainda durante esse período, peguei um ônibus
seus funcionários, que, quando os encontrava na rodoviária Novo Rio e fui parar no Pará, em
viajando no mesmo elevador social, indagava Belém, fotografando o Círio de Nazaré.
o porquê daquela gravata ou do cabelo black Renomado desde cedo, nunca fui de pro-
diante de si. Uma comunidade de loucos, todos: jetos. Também porque não sabia fazê-los,
reis e vassalos. Uma fábrica de gargalhadas. sempre me lancei sozinho, sem amparo
Deixei aquele maravilhoso hospício em econômico, mas livre das alíneas e objetivos
1971, quando resolvi trabalhar como freelance. programáticos na fisiologia estrutural análoga.
Tempos difíceis, sofri no desemprego. Como Meu manifesto sempre se concentrou no bloco
eu não arranhava nos esses nem nos erres, a do eu sozinho. Depois, para não me submeter
preferência profissional nesse inovador está- logicamente à comissão de jurados. E se eles
gio, fora da folha de pagamento, caía no colo não fossem com a cara do meu trabalho? E se
dos colegas estrangeiros, assim como se faz eles não fossem ter uma pinima comigo por
hoje no futebol brasileiro, em que a predile- ser um notável saber? E se eles aniquilassem
ção se distingue por técnicos de outros países. os meus sonhos trazidos à tona naquele pro-
notadamente para aqueles egressos do Irajá, dos homens, que a tecem de forma mental, Mas mesmo assim alguma coisa sobrava para jeto? Não. Sempre me lancei sozinho, apos-
como eu, a teimar caminhar sobre suas ruas e não por um aparelho reprodutor. Mesmo mim, e nessas horas nada como ter amigos a tando nas minhas próprias cartas, fazendo
sem uma resposta efetiva. Morei nessa ilha de assim, julgo que quem está detrás da câmera lhe salvar. Mino Carta, Sérgio Cabral, Hermí- meu jogo limpo. Curiosamente, o único pro-
novembro a maio. Mas aprendi algumas coisas. pode sim ter sua postura criadora, traduzin- nio Bello de Carvalho, Emanoel Araujo, Sergio jeto que ganhei sem nunca ter enviado nada
Ser discriminado à distância. Certo dia, o do-a de forma interpretativa, replicando na de Souza, Paulo Henrique Amorim e outros. foi, em 1998, o do Banco Icatu de empreendi-
diretor de redação do bureau me chamou às imobilidade algo do filme Sonhos, do diretor Morava em Santa Teresa, na rua Costa mentos, do Braguinha, que, por meio de uma
falas, comunicando que um telex havia che- japonês Kurosawa. Bastos, num velho e maravilhoso casarão comissão desconhecida, me concedeu uma
gado, cujo conteúdo maldoso ironizava mi- Outra coisa: eu, caso habitasse algum país português, assoalho de pinho-de-riga, lam- bolsa e me enviou a Paris, onde morei durante
nha acolhida na sucursal como profissional de pouco sol confinado em dias nublados, não brequins no telhado e toda aquela maravi- seis meses a 80 metros do rio Sena, me far-
da revista Manchete. O teor da mensagem, traduziria minha sensação de cor, forte em lha de ostentação, quando um dia recebi a tando naqueles queijos fedorentos e contu-
mais que deplorável, exemplificava: “Como sua natureza, matriz de raízes ungidas nos visita de um amigo querido, o Sérgio Cabral, mazes vinhos nacionais, com o refinamento
é que vocês aí dos Estados Unidos adotam trópicos, onde o céu é mais azul e os mares e que trabalhava para a revista Realidade, soli- da roupa lavada e de dois mil dólares mensais.
um mau profissional, analfabeto e negro?”. as cascatas infinitamente paradisíacos. A cor citando uma reportagem que ele queria fazer Jamais me disseram os nomes que compu-
Pois é. Era um colega enciumado, sócio do afogueada se sustenta sob o calor dos mur- comigo sobre o Antônio Carlos Brasileiro de nham essa banca que me enviou à Cidade Luz,
Iate Clube na Urca, que se lamentava, doído múrios, tangíveis pela emoção, tonificada na Almeida Jobim. Quase caí da rede onde me um mistério até hoje não revelado. Espraiou-
pela minha permanência no cargo. O pior é alegria. Seria, quando muito, na Islândia, por ostentava. Claro que sim! No dia seguinte, -se como uma ação e bons ventos, aragens
que eu, inocente, jamais tinha vivido tamanha exemplo, um contador de histórias recolhidas passamos uma noite inesquecível na casa do confessionais de certa assistente concluindo
humilhação em minha pátria e, mesmo ne- em um livro mental que as traduzisse intelec- músico, no Jardim Botânico. Em meio à ge- que foi unânime por questão de bons servi-
guinho do paraíso, filho de mãe branca e pai tualmente às solidões dos pensamentos, e em nerosidade do dono da casa, enxugamos duas ços prestados à causa fotográfica. O resul-
negro, não atinava essa perseguição maldosa, preto e branco, rebuscadas e operantes sobre garrafas de um scotch soberano, e saímos tado dessa amorosa e inesquecível estadia foi
cruel, parida da cabeça de cidadãos como eu as sendas do surrealismo, do metafísico, da de lá às quatro horas da manhã, após uma a produção de um livro em preto e branco,
a viver comunalmente, fazendo parte de uma metalinguagem. Um tradutor de si mesmo, prodigiosa madrugada festiva em que rimos Paris, parada sobre imagens, publicado sob a
mesma sociedade. fechado, quase hermético. muito, acolhidos por aquela bem-humorada responsabilidade da Fundação Nacional das
A fotografia é basicamente uma cons- Não, não vejo através das paredes. Mas sinto. inteligência carioca. Artes, a Funarte.
tatação do óbvio, naquilo que se ajoelha ao E, sentindo, posso me transportar a qual- De 1971 até o final de 1972, fiquei à deriva, O grande jornalista Mino Carta, fã do meu
real, herança que acolhe o fato. É isso que a quer delírio, excepcionalmente na linguagem levando o barco bem devagar. Criamos a trabalho, com quem trabalhei algumas vezes
distingue das artes engendradas pelas mãos visual em que seus vetores pragmáticos na agência Câmera Três, eu, o Sebastião Bar- nos anos 1970 em regime de freelance para a

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revista Realidade, namorava a possibilidade projetava – os azuis, ocres manchados em uma partida de qualquer final de campeo- contemplaram fotografando a inauguração do
de eu aceitar seu convite para me incorpo- cenários ocasionais, encontrados a esmo nas nato de tênis diante da televisão, mesmo que sambódromo e Arthur Bispo do Rosário.
rar à sucursal carioca da revista Veja. Topei, ruas e quintais da cidade em que morava ou aparentemente possa perder cinco horas da Logo depois, fui tirado das ruas e acomo-
bati o martelo. Governo Geisel. Anos ainda nas viagens pelo Brasil, fadadas a esses en- minha vida. dado numa cadeira com uma mesa à minha
de chumbo, e grosso. Muitos desaparecidos, redos onde habitam as criações. Não mais De volta ao Rio de Janeiro, trabalhando frente, catapultado pelo convite de Celso Fur-
revolta de algumas facções, dizimadas, tortu- me traduzia, tinha perdido a linhagem. Subi como freelance, e agora sendo reconhecido tado, ministro da Cultura do governo José
radas, excesso de brutalidades do poder far- incontinente e apressadamente me dirigi ao mesmo sem os erres e os esses, fotografei Sarney. Daí em diante a minha vida mudou.
dado. Eu começava a trabalhar exatamente no escritório de Zuenir Ventura, meu chefe e di- para a indústria fonográfica, fazendo inúme- Passei a orientar politicamente a fotografia
dia em que Geisel tomava posse em Brasília: 1 retor de redação, demitindo-me da revista. ras capas de discos com os grandes cantores brasileira na Fundação Nacional de Arte, a
de janeiro de 1974, mais cinco anos no poder Ele me confortou, pediu que eu tivesse pa- da época: Chico Buarque, Marina, Clemen- Funarte, onde fui diretor do Instituto Nacio-
presidencial. ciência e que esperasse mais um pouco. E, na- tina de Jesus, Paulinho da Viola, Cartola, Leci nal da Fotografia durante alguns anos, até
Lembro-me que, no mesmo e pequenís- quele aguardo, que durou bons pares de meses, Brandão, Roberto Ribeiro, Candeia, Djavan, o governo Collor, quando o senhor Ipojuca
simo elevador no prédio da Mesbla na rua do acabei tendo a chance de fotografar Madame Dona Ivone Lara, Simone e tantos outros. Fo- Pontes, ministro da Cultura de seu governo,
Passeio, local de acesso às redações, subía- Satã, Glauber Rocha, Roberto Carlos, Pedro tografava também para empresas estatais: implodiu minha corporação visual, acredito
mos juntos eu e o repórter Flavio Pinheiro, Casaldáliga, os Doces Bárbaros, entre outros. Petrobras, Furnas, Eletrobras, entre outras. que subestimando a história dos povos por
também recém-contratado pela Abril para Mesmo trabalhando numa revista de pura Foi a época em que mais ganhei dinheiro com meio da fotografia em seu país. Além de ser
trabalhar na revista Exame. Quis o impon- informação calcada no verbo, me deparei com fotografia. Como se vê, não foi necessário fa- destituído do cargo por não ter curso superior
derável destino que, 38 anos depois, aquele inesquecíveis totens fotográficos, uma ima- zer uma mise en scène, atropelando a língua e por não ter prestado concurso para assumir
jovem jornalista fosse superintendente do gem que jamais esquecerei: a do Garrincha para me fazer notar, tinha chegado a minha um cargo público, fui demitido, regressando
Instituto Moreira Salles, e que, depois de um (que inclusive foi capa da revista Veja neste hora e a minha vez. uns dois anos depois, anistiado pelo governo
ano de negociações, assinasse um contrato episódio) se despedindo do futebol no final de Uma das últimas cenas da minha vida pro- Itamar Franco. Permaneci como funcionário
de aquisição de um conjunto expressivo de um jogo noturno no campo do Olaria, na rua fissional como repórter fotográfico foi quando da Funarte até atingir os 70 anos, quando, pela
tiragens de minha autoria e também de co- Bariri, onde ele, já no final de carreira, melan- atendi a um telefonema, já noite alta, de São compulsória, fui obrigado a me aposentar.
modato do meu arquivo, com 140 mil imagens colicamente batia corners. Todo suado, gote- Paulo. O diretor do departamento fotográfico A partir de então, logrei ensinar, dar pa-
a serem preservadas, identificadas, cataloga- jando luzes refletidas pelos poros umedeci- da revista IstoÉ me convidava a trabalhar na lestras, workshops, trabalhar em exposições,
das, tratadas e oferecidas à pesquisa e fruição dos, luminosos pela reflexão dos derradeiros sucursal da revista na Cidade Maravilhosa. fazer curadoria, leituras de portfólio – traba-
do público como parte da história vivida por refletores ainda acesos do estádio. Transpi- Era o João Farkas, filho do grande Thomaz, já lhando uma fotografia autoral, não comissio-
mim durante os anos de existência profis- rava lágrimas enquanto segurava uma coroa amigo de outras pequenas proezas no campo nada. Nesses anos de inteira liberdade, minha
sional, legitimamente testemunhadas, então. de flores doada pelos fãs e aficionados por invertido da realeza fotográfica, enquanto se- vida reside em fazer o que quero e o que de-
Minha passagem pela Veja no Rio foi tor- sua arte de jogar futebol. Cena antológica de dução, reinventando esse prazer em outras sejo. Livre, sempre livre, ó senhora liberdade.
turante. Isto porque, naquela produção foto- reconhecimento, respeito e, sobretudo, ho- conexões inventivas. Aceitei. Pedi-lhe que Nestes tempos sombrios, recluso pela pan-
gráfica inserida em seu contexto verbal, na menagem àquele que foi, junto de Pelé, um me enviasse uma passagem aérea de ida e demia, me contento fazendo fotos com meu
maneira de se exibir e se dirigir aos leitores, dos maiores jogadores de futebol do Brasil. volta, e lá fui eu, conhecer e conversar com telefone celular, criando e oportunizando
burocrática e narcisista em sua maneira de Fotografei essa comovida cena em prantos. meu empregador, um jovem menino de olhos nova leitura, na sagrada orientação de que
informar, o uso da fotografia era secundário. Finalmente, quando deixei a Veja, em 1979, verdes, fala mansa e caráter obstinado, como os tempos mudam, e nós também. A vida é
Sua filosofia substantiva era adjetiva no ver- o pessoal da redação da extinta revista Reali- pude observar. Voltei empregado novamente. uma só, mas temos de acompanhá-la em seus
náculo, fria nas vírgulas, insossa, sem paladar. dade trabalhava num projeto sobre uma re- Era 1984. Lá estava eu, feliz na tentativa de movimentos, assim como são regidas as es-
Uma publicação centrada na política, encra- vista esportiva de tênis, em São Paulo, uma fazer arte do meu ofício, trabalhando nova- tações, as preamares, o eterno rebolado da
vada no que emanava de Brasília. A fotografia empresa chamada Guatapará, cujo proprie- mente no fotojornalismo. A redação era num terra no universo.
era secundária. Limitava-se a um aperto de tário era fã do esporte e tinha bala na agulha daqueles prédios na avenida Presidente Vargas, Aí está o meu relato, a história de uma vida
mão, a uma assinatura de contrato, o “boneco” para realizar esse sonho. Carteira assinada, entre a Uruguaiana e o colégio Dom Pedro ii. O dedicada ao fazer fotográfico, dias encantados,
frontal do entrevistado, uma facção partidária fui trabalhar na Tênis Esporte, mensal, foto- diretor de redação era o Aluizio Maranhão, e anos dourados. Qual a minha melhor ima-
do real, do acontecimento. Desesperava-me grafando esse esporte fino e individual. O pro- outros colegas eram o hoje escritor José Cas- gem? Certamente aquela que em vida ainda
por não poder fabular, narrar em forma de jeto durou somente um ano, mas foi um labor telo e o falecido Artur Xexéo. Dois anos que me poderei fazer. Emoções, demais.
ensaio, contar, inventar. A minha estrada era de fino trato. Por intermédio dessa publicação,
outra, a do imaginário, extraordinário, admi- comecei a viajar a países diversos, inclusive
rável. Até que um dia, visitado por um colega conhecendo Paris, metrópole pela qual te-
gaúcho, o Lemyr Martins, tomando café no nho grande paixão. Era a época de Mandarino,
bar da esquina, ele comentou sobre meu de- Kirmayr e outros tenistas exímios. Fiquei tão
sencanto, constatou aquilo que eu não mais apaixonado pelo esporte que hoje não perco Walter Firmo, aos 84 anos, fevereiro de 2022.

34 35
negra cor / aura de luz
36 Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa
[página anterior] Praia da Macumba, Rio de Janeiro, rj, 1994
38 Festa de São João, Cachoeira, ba, c. 1975 39
41
[páginas anteriores] Mãe Filhinha, Cachoeira, ba, 1998
42 Festa de Iemanjá no Rio Vermelho, Salvador, ba, c. 1972 Festa do Divino, Serro, mg, c. 1990 43
Barreirinhas, ma, 1997
44 [página seguinte] Salvador, ba, c. 1972
46 Bahia, c. 1990 Noiva na favela de Alagados, Salvador, ba, 2002 47
48 Feira de São Joaquim, Salvador, ba, 2001 49
50 Dona Anica (Anna Benedita Ferreira), Alcântara, ma, 2003 Morro do Salgueiro, Rio de Janeiro, rj, déc. 1990 51
52 Rocinha, Rio de Janeiro, rj, 2000 Rio de Janeiro, rj, 1971 53
55
[páginas anteriores] Parada de Sete de Setembro, Rio de Janeiro, rj, 1980
56 Funcionário do Hotel Nacional, Rio de Janeiro, rj, 1972 Funcionários da casa de Lily Marinho, Rio de Janeiro, rj, c. 1976 57
58 Família na rodoviária de Petrópolis, RJ, c. 1990 Parada de Sete de Setembro, Rio de Janeiro, rj, c. 1977 59
60 Ensaio sobre nu, ilha de Itaparica, ba, c. 2000 Ensaio sobre nu e negritude, Santo Amaro, ba, 2002 61
62 Oficina sobre nu, Salvador, ba, 2003 Ensaio sobre escravidão na praia de Piatã, Salvador, ba, c. 1990 63
64 Festa de Bom Jesus da Lapa, ba, 2001 65
Mestre-sala Delegado (Hélio Laurindo da Silva) desfilando no Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1984 Carnaval, Rio de Janeiro, rj, c. 1979
66 Mestre-sala da Mangueira desfilando no Carnaval, Rio de Janeiro, rj, c. 1982 Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1968 67
[página anterior] Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1985
Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1985
[páginas seguintes] Festa de Iemanjá na praia de Itapuã, Salvador, ba, 1982 69
71
[esquerda] Havana, Cuba, 1992; Havana, Cuba, 1985; Casamento, Cabo Verde, 1988 [esquerda] Kingston, Jamaica, 1968; Cabo Verde, 1988; Cabo Verde, 1988
72 [direita] Mãe e filha, Cabo Verde, 1988; Cabo Verde, 1988 [direita] Mãe Olga do Alaketu, Salvador, ba, 1979; Kingston, Jamaica, 1968 73
74 Nova York, eua, 1968 75
síntese do grito
76 Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa Noiva na favela de Alagados, Salvador, ba, 2002 77
78 Belo Horizonte, mg, c. 2000 Mãe e filho na Rocinha, Rio de Janeiro, rj, 2003 79
80 Festa de Iemanjá, ilha de Itaparica, BA, 2009 Belo Horizonte, mg, c. 2000 81
82 Oficina com alunos em Madureira, Rio de Janeiro, rj, c. 2006 Oficina com alunos em Madureira, Rio de Janeiro, rj, c. 2006 83
Mãe Olga do Alaketu, Salvador, ba, 2002 85
86 Mães de santo, Belford Roxo, rj, 1975 Cachoeira, ba, déc. 2000 87
88 Praia de Itapuã, Salvador, ba, c. 2000 Fotógrafa Carla Osório, Cachoeira, ba, 2000 89
90 Mãe e filha durante Lavagem do Senhor do Bonfim, Cachoeira, ba, c. 2005 Lavagem do Senhor do Bonfim, Cachoeira, ba, c. 2005 91
92 Festa de Iemanjá, ilha de Itaparica, ba, c. 2004 Festa de Iemanjá, ilha de Itaparica, ba, c. 2004 93
[esquerda] Carnaval, Salvador, ba, c. 2003 [esquerda] Bumba meu boi, São Luís, ma, c. 2005; Carnaval, Olinda, pe, c. 2010
94 [direita] Vendedor ambulante, Salvador, ba, c. 2007; Carnaval, Salvador, ba, c. 2003 [direita] Bumba meu boi, São Luís, ma, c. 2005 95
96 Bumba meu boi, São Luís, ma, c. 2005 Capoeira no mercado São Joaquim, Salvador, ba, déc. 2000 97
Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 2002 99
[esquerda] Pai e filho na praia de Piatã, Salvador, ba, 2000; Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 2003 [esquerda] Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 2002
100 [direita] Praia de Piatã, Salvador, ba, 2000 e c. 2002 [direita] Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 2002 e 2000 101
Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 2005 Praia de Piatã, Salvador, ba, 2004
102 Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 1975 Praia de Piatã, Salvador, ba, 2002 103
104 Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 1995 Praia de Piatã, Salvador, ba, c. 1995 105
106 Praia do Caburé, Barreirinhas, ma, 2000 Lençóis Maranhenses, Barreirinhas, MA, 2010 107
108 Pedra em Lajedo de Pai Mateus, Cabaceiras, pb, c. 2010 Pedra em Lajedo de Pai Mateus, Cabaceiras, pb, c. 2010 109
Missa do Vaqueiro, Serrita, pe, 2010 111
112 Romeira, Juazeiro do Norte, ce, c. 2003 Romeira, Juazeiro do Norte, ce, c. 2003 113
[esquerda] Pedra em Lajedo de Pai Mateus, Cabaceiras, pb, c. 2010; Juazeiro do Norte, ce, c. 2005 [esquerda] Romeiros, Juazeiro do Norte, ce, c. 2005
114 [direita] Romeira, Juazeiro do Norte, ce, c. 2003; Serra Talhada, pe, 2002 [direita] Juazeiro do Norte, ce, c. 2005 115
Contrabaixista, Trinidad, Cuba, c. 2005 117
[esquerda] Trinidad, Cuba, c. 2005
118 Santiago de Cuba, Cuba, c. 2005 [direita] Trinidad, Cuba, c. 2005; Santiago de Cuba, Cuba, c. 2002 119
[em cima] Havana, Cuba, c. 2005; Santa Clara, Cuba, c. 2005
120 [embaixo] Casamento, Havana, Cuba, c. 2005 Santa Clara, Cuba, c. 2005 121
122 Santiago de Cuba, Cuba, c. 1990 Santiago de Cuba, Cuba, c. 2005 123
encantamentos e experimentações
124 Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho), Rio de Janeiro, rj, 1967 125
126 Pixinguinha, Rio de Janeiro, rj, 1967 127
128 Mestre Marçal (Nilton Delfino Marçal), Rio de Janeiro, rj, c. 1979 129
130 Clementina de Jesus (Clementina de Jesus da Silva), Rio de Janeiro, rj, c. 1977 Aniceto do Império (Aniceto de Menezes e Silva Júnior), Rio de Janeiro, rj, c. 1975 131
132 Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos), São Paulo, sp, 2007 Dona Ivone Lara (Yvonne Lara da Costa), Ramos, Rio de Janeiro, rj, 1968 133
134 Madame Satã (João Francisco dos Santos), Rio de Janeiro, rj, 1976 Cartola (Angenor de Oliveira) desfilando no Carnaval, Rio de Janeiro, rj, déc. 1970 135
136 Moreira da Silva (Antônio Moreira da Silva), Rio de Janeiro, rj, c. 1975 Ismael Silva (Milton de Oliveira Ismael Silva), Rio de Janeiro, rj, déc. 1970 137
138 Paulinho da Viola (Paulo César Batista de Faria), Rio de Janeiro, rj, déc. 1980
141
[páginas anteriores] Mano Décio da Viola (Décio Antônio Carlos), Rio de Janeiro, rj, c. 1970
Maria Bethânia (Maria Bethânia Viana Teles Veloso), Rio de Janeiro, rj, c. 1968
[página seguinte] Doces Bárbaros (Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso) no Canecão,
142 Rio de Janeiro, rj, c. 1976
144 Caetano Veloso (Caetano Emanoel Viana Teles Veloso) no Canecão, Rio de Janeiro, rj, c. 1976 Gilberto Gil (Gilberto Passos Gil Moreira) no Canecão, Rio de Janeiro, rj, c. 1976 145
146 Milton Nascimento, Rio de Janeiro, rj, c. 1974 Chico Buarque (Francisco Buarque de Hollanda), Rio de Janeiro, rj, 1988 147
148 Paulo Moura no Theatro Municipal, Rio de Janeiro, rj, 1984
Pais de Walter Firmo (José Baptista e Maria de Lourdes), Rio de Janeiro, rj, c. 1985
150 [página seguinte] Filhos (Eduardo e Aloísio Firmo) e pais de Walter Firmo, Rio de Janeiro, rj, c. 1985
152
[páginas anteriores] Arthur Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro, rj, 1985
154 Arthur Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro, rj, 1985 Arthur Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro, rj, 1985 155
Cavalhada, Pirenópolis, go, 1992 157
158 Cavalhada, Pirenópolis, go, 1992 Cavalhada, Pirenópolis, go, 1992 159
160 Cachoeira, ba, c. 2000
162 Cachoeira, ba, 2001 Criança tocando atabaque no Pelourinho, Salvador, ba, déc. 1990 163
[esquerda] Local não identificado, déc. 1990; Funcionário do Instituto Pierre Verger, Salvador, ba, 2005 [esquerda] Local não identificado, 1972; Marujada durante Festa do Divino, Serro, mg, 1982
164 [direita] Sombras de ex-alunos na praça Tiradentes, Ouro Preto, mg, 2003; Cavalhada, Pirenópolis, go, c. 1985 [direita] Salvador, ba, 1976; Havana, Cuba, 1985 165
166 Rio de Janeiro, rj, c. 1970 Vaqueiro, Serrita, pe, 2015 167
Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1989
168 [página seguinte] Festa de São Benedito, es, c. 1989
170 Festa de São Benedito, es, c. 1989 Bumba meu boi, São Luís, ma, 1994 171
172 Festa de São Jorge, Sepetiba, rj, c. 2000 Parada de Sete de Setembro, Recife, pe, 1988 173
174 Festa de São Benedito, Conceição da Barra, es, 2002 Carnaval, Salvador, ba, déc. 1980 175
Festa do Divino, Serro, mg, c. 1990
176 Carnaval, Salvador, ba, déc. 1980 [páginas seguintes] Cavalhada, Pirenópolis, go, 1986 177
178 179
[esquerda] Festa de São João, Cachoeira, ba, 1982; Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 1985 [esquerda] Carnaval, Rio de Janeiro, rj, c. 1977; Parque Ibirapuera, São Paulo, sp, déc. 1970
180 [direita] Bumba meu boi, São Luís, ma, s.d.; Bumba meu boi, São Luís, ma, 1994 [direita] Bumba meu boi, São Luís, ma, 2010; Carnaval, Maragogipe, ba, 2011 181
182 Círio de Nazaré, Belém, pa, c. 2012 Festa de São João, Cachoeira, ba, c. 1975 183
184
[páginas anteriores] Cavalhada, Pirenópolis, go, c. 1995
186 Cavalhada, Pirenópolis, go, c. 1995 Cavalhada, Pirenópolis, go, c. 1990 187
188 Semana Santa, Mariana, mg, 2005 Bumba meu boi, São Luís, ma, c. 1977 189
[esquerda] Carnaval, Rio de Janeiro, rj, 2000; São Luís, ma, déc. 1970
190 [direita] Cavalhada, Pirenópolis, go, c. 1980; Oficina com alunos, Juazeiro do Norte, ce, c. 2010 Bumba meu boi, São Luís, ma, 2007 191
192 Círio de Nazaré, Belém, pa, 1980 Vendedora de doces, São Cristóvão, se, c. 1982 193
194 Marujada durante Festa do Divino, Serro, mg, c. 1980 Local não identificado, déc. 1990 195
São João da Barra, rj, 2000 Rio de Janeiro, rj, déc. 2000
196 Salvador, ba, c. 2001 Juazeiro do Norte, ce, déc. 1980 197
198 Ilha de Itaparica, ba, c. 2010 Rio de Janeiro, rj, 1982 199
200 Festa de São Benedito, Valência, pa, 1994 201
primeiras imagens
202 Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa Vista da ilha Porchat, entre Santos e São Vicente, sp, c. 1952 203
[esquerda] Autorretrato na ilha do Governador, Rio de Janeiro, rj, 1957 [esquerda] Amigos de Walter Firmo, Rio de Janeiro, rj, c. 1955
Família materna de Walter Firmo, Belém, pa, 1956 Walter Firmo como cabo do exército, Rio de Janeiro, rj, 1957
[direita] Walter Firmo e amigos da escola, Rio de Janeiro, rj, c. 1955 [direita] Fotógrafo Paulo Nery, Rio de Janeiro, rj, c. 1953
204 Walter Firmo com os pais, José Baptista e Maria de Lourdes, Rio de Janeiro, rj, 1956 Walter Firmo revelando seus filmes, Rio de Janeiro, rj, 1956 205
206 Ensaio de escola de samba Unidos de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, rj, c. 1958 Ensaio da escola de samba Unidos de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, rj, c. 1958 207
208 Time do Vasco da Gama no Maracanã, Rio de Janeiro, rj, c. 1957 Garrincha (Manoel Francisco dos Santos), Rio de Janeiro, rj, 1957 209
Oscar Niemeyer diante de uma coluna modelo do palácio do Planalto, Brasília, DF, c. 1957 Ex-presidente Eurico Gaspar Dutra, Roberto Mangabeira e Alencastro Guimarães, Rio de Janeiro, rj, c. 1957
210 Dilermando Reis, Walter Firmo, presidente Juscelino Kubitschek e Pinheiro Júnior, Brasília, df, c. 1958 Jânio Quadros, candidato à presidência eleito em 1960, Rio de Janeiro, rj, c. 1959 211
Indígenas na fronteira do Brasil com a Colômbia, Alto Rio Negro, am, 1963 213
[esquerda] Casamento no povoado de Iauaretê, Alto Rio Negro, am, 1963; Missa no povoado de Iauaretê, Alto Rio Negro, am, 1963
214 [direita] Missa no povoado de Iauaretê, Alto Rio Negro, am, 1963 Missa no povoado de Iauaretê, Alto Rio Negro, am, 1963 215
Pai de Walter Firmo (José Baptista) cruzando rio Amazonas em embarcação, pa, c. 1992 Primo paterno de Walter Firmo, Loirá, pa, 1963
216 Mãe de Walter Firmo (Maria de Lourdes), Monte Alegre, pa, c. 1955 Pai de Walter Firmo (José Baptista), Boa Vista do Cuçari, pa, 1985 217
Familiares de Walter Firmo (Maria das Graças e Daniel Baptista), Loirá, pa, c. 1970
218 Família paterna de Walter Firmo, Loirá, pa, 1992 [páginas seguintes] Tio de Walter Firmo (Daniel Baptista), Loirá, pa, 1970 219
220
Pixinguinha, Rio de Janeiro, rj, 1962 223
224 Ataulfo Alves (Ataulfo Alves de Sousa) na boate Le Bec Fin, Rio de Janeiro, RJ, 1964 225
[em cima] Pixinguinha, Rio de Janeiro, rj, 1962; Paulinho da Viola, Rio de Janeiro, rj [no meio] Pixinguinha e sua esposa, [em cima] Chico Buarque, Rio de Janeiro, rj, 1988; Cartola, Rio de Janeiro, rj, 1974 [no meio] Gal Costa (Maria da Graça Costa Penna
Albertina, Rio de Janeiro, rj, 1962; Pixinguinha, Rio de Janeiro, rj, 1962; Nelson Sargento (Nelson Mattos), Rio de Janeiro, rj Burgos), Rio de Janeiro, rj, c. 1979; Gilberto Gil no iii Festival de Música Popular, São Paulo, sp, 1967 [embaixo] Hermínio Bello de
[embaixo] Pixinguinha e Albertina, Rio de Janeiro, rj, 1962; Mano Décio da Viola, Rio de Janeiro, rj, c. 1970; Candeia Carvalho à direita, Salvador, ba, c. 1971; Clementina de Jesus, Rio de Janeiro, rj, c. 1977; Clementina de Jesus, Rio de Janeiro, rj, c. 1977
226 (Antônio Candeia Filho), Rio de Janeiro, rj, c. 1975 [páginas seguintes] Tiras de filmes fotográficos da Coleção Walter Firmo (ver nota de conteúdo na p. 254) 227
228 Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa Festa de Iemanjá, Salvador, BA, 2003 circa 229
pesquisamos anteriormente sobre eles,

“O fotógrafo é um parador do tempo” O despertar para


como fotografar à maneira que eles viam
o mundo na sua época. Os encantamentos
vieram agora seguramente numa linha di-
a fotografia, a reta, voltando ao passado nas pinturas da
Walter Firmo em conversa com Janaina Damaceno Gomes, Nabor Jr. e Sergio Burgi coleção da Abril.
influência estética do [Sempre] Me considerei um menino pro-
dígio, pensador… por ser filho único e ter sido
impressionismo, a criado pela avó até os cinco anos. E você sabe
que, quando a gente está sozinho, elucubra,
sedução pela tríade de como um poço das imaginações. Ainda não
foi nesse momento [que escolhi a fotografia],
fotógrafos franceses e mas eu já me preocupava em ver, observar…
as jaqueiras, as bananeiras, as frutas que
a revista O Cruzeiro tinham lá no terreno, no quintal da minha
avó. Também já quis ser padre, cantor de
e José Medeiros como rádio… Essas coisas estão na tinta da minha
lembrança. A televisão naquela época era a
referências brasileiras revista O Cruzeiro, que saía todas as quar-
tas-feiras, e as pessoas compravam para
saber do mundo, como era o mundo, pela
Antes de a fotografia brotar na minha vida, fotografia. Eu me interessei, já com 14 anos,
antes de O Cruzeiro, acredito que com os em conhecer o mundo por meio de O Cru-
meus 12, 13 anos, minha mãe comprou toda zeiro. E me atraía muito essa sensação orgâ-
a coleção dos pintores da história da pintura, nica de olhar fotografias tiradas nas viagens
da Editora Abril. Vendia assim a rodo, por- dos fotógrafos. Nessas pegadas, me deparei
que todo mundo queria, e eram livros edi- com um senhor chamado José Medeiros, que
tados com uma finura gráfica, sabe? A tinta, me alertava sobre os índios do meu país, so-
a produção, o papel cuchê, era uma coisa bre os candomblés dentro da cultura negra,
preciosa. Não que eu quisesse ser pintor, as viagens internacionais… Eu sempre fui,
mas como estava numa fase de transfor- quando estudante no ginásio, muito atraído
mação, passando de menino para rapaz e pela geografia, pela história, enfim.
depois para gente, eu não sabia o que queria, Quero crer que foram essas motivações
mas aquilo ali me induzia à questão da vi- que me levaram à fotografia. Porque então,
sualidade, e durante um tempo tive os meus quando, por intermédio de José Medeiros, eu
favoritos – foi quando entrou o Impressio- via todas essas viagens, eu digo: “Eu quero
nismo. Muito interessante eu estar agora me ser José Medeiros”. E aí comecei a me inte-
recordando disso, numa linha direta. E isso ressar por fotografia. Tinha uma máquina
mexia comigo, a questão da visualidade, que que até hoje não descobri ainda, de fole, pe-
ficou parada ali até que entrou a fotografia. quena. Eu não sei se minha mãe deu. Mas a
Uma vez, nas minhas sucessivas idas, não minha mãe não queria que eu fosse fotógrafo,
à Amazônia, mas a Paris – eu amo aquela eu acho que ela não ia comprar isso pra mim.
cidade –, fui ao famoso Louvre, num do- Acho que eu mesmo comprei. Esse interlúdio
mingo à tarde, e vejo uns alunos de pintura histórico não me transpassa na memória. Eu
desenhando um [Edgar] Degas, com absoluta não tenho ideia de como essa máquina 6 × 9
fidelidade. E aí me veio: “Pô, mas eu podia entrou na minha vida. Porque com ela eu
fazer isso na fotografia de que forma?”. De- fotografava meus colegas, meninas e rapa-
cantando os meus sete ases de ouro, que zes, que faziam parte das minhas aulas no
eram em sua maioria os franceses. E a gente ateliê brasileiro. Eu já conhecia por meio
saía a cada dia dentro daquela formalidade, das fotografias vistas daquela tríade fran-

230 Walter Firmo em entrevista filmada por Egberto Nogueira no IMS Rio, 2021 231
cesa do [Marcel] Gautherot, [Jean] Manzon fica), fui para o Última Hora. Eu já tinha ten- que classe for. Agora, eu quero ser tratado da enfim. Falo isso porque o nosso pai, quando
e [Pierre] Verger. tado… eu me achava glorioso depois da Abaf mesma maneira. tinha oito anos, era um menino que andava
Esses três aí, eles só falavam em quadrado.
e com uma Rolleiflex na mão. Ninguém tinha E era assim com aqueles 25 homens ali, nu na beira do rio Amazonas onde ele era
Só em quadrado, que era a minha Rolleiflex uma Rolleiflex, só filhinho de papai rico, e isso de todas as idades possíveis. Que me colo- mais largo – naquela época dava seus seis
[risos]. E eu queria ser esses caras, eu digodepois do [filme] Blow-up [risos]. caram no colo deles. Eu era o mascote, com quilômetros de largura –, meu pai nasceu
“pô”, queria conversar, né, no silêncio da fo- E aí vem aquele cara que gingava na aquela idade ­– 16 anos –, e ninguém fazia naquelas palafitas que ficam pregadas na
tografia, da maneira como eles viam – cada frente do zagueiro, aquele cara do Santos, cara feia de me ensinar. Eu saía com eles para beira do rio. E comia peixe, farinha, fari-
um dentro da sua especialidade –, como é que hoje virou maldito, não me recordo o aprender in loco como se praticava a profis- nha e peixe, legumes pouquíssimos… arroz
que eles conseguiam ver o Brasil. O que mais nome dele. Com uma bola redonda, com são. Foi assim. Eu fiquei até a hora de servir o e feijão de vez em quando, enfim. Eles eram
me comovia de uma forma imediata era o 17 anos, ele fazia das tripas coração, era um Exército. E quando saí para servir o Exército, quase sempre assessorados por barqueiros,
Manzon, colocando o presidente Juscelino belo atacante. E eu digo: “Eu vou procurar o seu Maia me disse: “Não vou te fazer ne- que iam lá e trocavam por madeira, deixa-
numa placa, num terreno totalmente inábil. esses jornais aí”. Quando a gente é jovem, nhuma forçação de barra, se você quiser se- vam alimentos, café, açúcar, esses negó-
Tinha uma placa em Brasília, assim, e ele lá,se acha mesmo, cara. As guerras, todas as guir a vida militar, siga, como o seu pai quer. cios todos, e pegavam madeira em troca. E,
galhardamente vestido, de paletó e gravata, coisas de marcas, competições, tudo é ga- Mas se você quiser voltar a ter essa atividade, um dia, num desses barcos, o comandante
olhando. E eu digo: “Porra, mas isso é…”. Foirotada de 18, 19, 20, 21 anos. E eu não fugia você vai sair de lá empregado, tem um lugar do barco olhou para minha avó, a Camila
graças ao Manzon que me interessei muito à regra. Aí fui, bati na porta do Jornal do aqui para você”. Eu falei: “Eu vou voltar”. Eu negra, Camila querida, minha avó, e disse:
pela foto criativa. Já do Gautherot, era das Esporte. Era o Ângelo, ele olhou pra mim e fiquei lá 11 meses e voltei. E aí, pum. “A senhora é a mãe dele, né? Eu posso le-
viagens que ele fazia pelo rio São Francisco e
disse: “Não, não temos vaga”. Mas não me var o seu menino para educar em Belém do
(o modo como) trabalhava com a arquitetura dei por vencido, e digo: “Bom, tem o Última Pará? Ele vai cuidar da minha casa, e eu vou
em Brasília ainda em seu berço. E o Verger, Hora”, aí fui ao Última Hora. “Quero falar dar educação pra ele.” A minha avó achou
com toda aquela magia dos homens, da ne- com o chefe de fotografia.” Aí a portaria li- aquilo um achado. “E quando ele estiver
gritude da qual ele se possuía e que gratifi-gou pra lá e disse: “Tem um menino aqui que mais rapaz, ele pode voltar aqui ou fazer a
cava de uma forma tão bela, aqueles homens está com uma máquina fotográfica e quer vida dele.” Então meu pai foi ser um xerim-
maravilhosos, lindos, fotografados por ele. De
conversar com o chefe da fotografia”. O cara Laços de família: babo. Naquela época se fazia muito isso, não
uma sensualidade. E também aquele filtrozi- da portaria disse: “Pode ficar ali que ele vai sei se ainda se faz. Traziam-se esses me-
nho amarelo que usava, aquelas velas, aquelesaparecer no primeiro andar”. Então chega a influência paterna, ninos e essas meninas, mais meninos, para
saveiros quando viajavam e se reencontravam um cara de 1,70 metro, parecia o Hulk, esse ajudar nas casas em Santarém, em Manaus
com o branco das nuvens eram uma coisa jogador de futebol. Ele disse: “O que é? O que a vida enclausurada ou em Belém, nas capitais. Eles cuidavam,
muito especial pra mim. Esse foi o meu co- você quer, menino?”. E eu disse: “Eu fiz curso limpavam, asseavam a casa, enfim. E, em
meço, foi a minha sedução. na Abaf e tenho uma Rolleiflex, eu queria na casa da avó, contrapartida, tinham um estudo relativo.
Meu pai foi o fotógrafo da família, e tem uma
conversar com o senhor para o senhor me Além disso, meu pai também vendia doces
foto em que ele aparece numa sombra, e eu, fa-
dar uma chance de me ter como aprendiz. noções de liberdade árabes na rua, ele me contou uma vez – eu
zendo cocô, com dois anos, na ilha de Paquetá,
Dentro de seis meses eu estou igual a um chorei quando ele me contou isso. Ele saía
junto a minha mãe, que devia ter seus 17 anos,
desses profissionais seus” [risos]. E ele falou: e a primeira – e empurrando um carrinho com doces árabes,
“Democles Bezerra, venha cá!”. O Democles
e ali eu via meu pai me fotografando. E assim porque quem foi buscá-lo era um homem de
foi a sucessão dos anos, até que eu devo ter Bezerra era o grande fotógrafo de esportes cinematográfica – terras árabes. Quando ele chegou em Belém,
pensado: “Agora chegou a minha vez” [risos]. daquela época, sabe? Então veio o Democles havia mais cinco meninas, filhas educadas.
e ficou na mesma posição, olhando de cima ida ao Amazonas Ele chegou com oito anos, depois ficou ra-
para baixo pra mim, e o chefe disse: “Olha, pazinho, com 13, 14, um dia foi visto com 15
quer ser você, disse que vai ser você daqui a anos, brechando uma das meninas tomando
seis meses”. Aí eles se entreolharam, riram, Para falar da minha vida, em relação à ques- banho pela fechadura do banheiro. Ele foi
e o Roberto Barros disse: “Sobe!”. E eu tô tão familiar, eu tenho que primeiro falar do mandado para fora de casa. Viveu um ano
aqui, diante de vocês [risos]. meu pai. Nessa relação filial, qualquer um de como menino de rua. Ele quase esteve, ele
A entrada no jornal Eu caí muito nas graças de 25 homens nós, o pai e a mãe deixam marcas na gente. me contou – ô, ele me contando isso, cara:
que faziam parte daquela equipe. Por quê? Marcas de ensinamento, de carinho, prote- “Eu quase estive entre a vida e a morte, meu
Última Hora Pela minha mania, essa coisa que o pai do ção, de querer o melhor para nós. A gente filho, eu poderia ter sido um bandido”.
Rio Branco foi… diplomata. Eu seria um bom demora a entender isso tudo, achamos que Ele me disse que ia ver jogo do Remo, que
diplomata se meus pais tivessem dinheiro eles são uns chatos. Muito tempo depois, era o time de futebol dele, trepado naque-
Depois das experiências no aeroporto e na para terem me colocado, eram cursos caros, percebemos que estamos sendo iguais a las mangueiras [risos], porque não tinha
Abaf (Associação Brasileira de Arte Fotográ- porque eu sei tratar o outro – não importa de eles [risos]. Quando nascem nossos filhos, dinheiro pra pagar o ingresso. E assim fez

232 233
Sergio Burgi, Janaina
Damaceno Gomes, Walter
foram ter conta de mim, de que tinham filho porque quando o cara virasse a cara ele já
Firmo e Nabor Jr., entrevista mesmo, quando eu tinha meus cinco ou seis estava escutando um telefone internacional
filmada por Egberto anos, que foi quando eu fui viajar com o casal aqui, ó. Telefonema internacional naquele
Nogueira no IMS Rio, 2021 para o Recife. Aí entra a questão estética das tempo era um negócio assim [imita o ruído].
viagens, daqueles navios. Quer dizer, levava um soco, sem saber por
É muito interessante toda essa conexão quê. Meu pai era assim. Certa vez, no dia de
visual, porque aquilo que fica dentro do pneu, ir ao cinema ver um filme comigo e minha
aquela câmara de ar, eu ficava com aquela mãe, na mesma época, entrou um menino
coisa cheia. Morava no Pina, ali na beira da da minha idade, branco, com os pais, bem
praia, todo dia, pelas ruas do bairro com na minha frente. Quando chegou a vez de
aquele negócio, descalço, eu era um menino eu entrar, com meu pai e minha mãe, aquele
de seis, sete anos, talvez oito, não sei. E eu homem que ficava cortando os bilhetes na
me lembro que eu olhava para os coqueiros… entrada da sala disse: “Não, esse menino
Eu observava muito o céu, a luz. Vivia inten- não vai entrar, não”. E meu pai disse: “Como
samente numa liberdade consentida que eu não vai entrar?”. Meu pai não tinha bebido
nunca tinha tido, porque eu fui muito prisio- nada, era de noite, era um dia de semana.
neiro naquela época em que eles se beijavam “Não, não vai entrar porque eu não quero.”
loucamente e eu morava com a minha avó “Ah, mas aquele menino entrou”, e o homem
Teresa. Minha avó não me deixava sair do respondeu: “Não, não vai entrar”. Aí o meu
portão para a rua. Era aí que eu elucubrava, pai, o que ele fez? Ah, que glória, que glória!
certamente sem saber o que era liberdade, o Armou-se de um soco, encheu de porrada a
que era viver… E me tornei um pensador, eu cara daquele homem, que prejulgava que a
sou pensador à minha maneira, eu penso em raça branca era a deusa dos encantamentos,
tudo, em muitas das coisas da vida, enfim. Eu não sabe que o mesmo sangue da mesma
optei pela fotografia. cor transita por qualquer cidadão. E meu
Meu pai me contava uma história no Re- pai estava fardado, foi reconhecido depois.
cife sobre discriminação. Meu pai, que figura, Eu me lembro que nós saímos às pressas,
ele me contou alguns episódios, mas é bom pegamos um táxi, fomos para o Pina, onde
conotar a personalidade dele. Ele era um morávamos, e depois meu pai foi descoberto
amigos de rua. Até que um dia ele viu pre- Minha mãe me teve com 15 anos. Com 30 negão lindo, que aos sábados não andava e foi preso, foi condenado a seis meses de
gado em algum lugar, numa parede, num anos, andávamos de braços dados, as pessoas fardado, se vestia todo de branco, um cha- prisão. Ele ficou preso seis meses. Não sei
muro, numa porta, sei lá, que precisavam olhavam pra ela com maldade, achavam que péu-panamá branco… Porra, eu com meus por que ele não foi expulso da corporação,
de jovens de 16 ou 17 anos que quisessem ser eu era um caso esporádico da minha mãe [ri- oito anos, eu queria ser ele, era uma coisa só faltava essa também. Mas ele ficou pri-
militares da Marinha do Mar, da nossa Ma- sos]. Porque eu era um mulatinho lindo de linda aquele negão. Ele era dono de uma sioneiro lá no lugar que hoje é turístico. Lá
rinha de Guerra. Ele fez os exames, passou morrer, era mesmo, eu me vejo, né, não era sublimação, de um autoconhecimento, de no Recife, a cidade que eu amo por ter sido
e veio para o Rio de Janeiro. Agora, o mais fácil [risos]. E minha mãe era linda também, um poder. Ele podia. E tudo isso eu estou muito importante na minha formação, na
interessante dessa história é que a minha muito linda. pensando, eu estou guardando. Mas também minha vida. Eu já escrevi sobre essas coisas
mãe vai entrar nesse processo. A minha Meus pais se conheceram lá no Irajá. Mi- tem algumas cenas tristes, porque ele, de- com meu pai, morávamos em Vaz Lobo, daí
mãe, sendo também do Pará, de Belém do nha mãe me falou que ela era discriminada pois que passou a se interessar muito por voltamos… Foram três anos lá no Recife e
Pará, com a pele clara, e o meu pai negão, porque esperava o filho de um negro – dei- bebidas, virou alcoólatra. Nos domingos, voltamos ali para Vaz Lobo. Era um domingo,
misto de índio com negro, os dois só foram xaram de falar com ela e todas essas his- saía fardado, porque era uma autoridade, fomos à feira, eu e ele, mamãe ficou em casa
se conhecer no Rio de Janeiro. Meu pai via- tórias, sabe? Foram muito bravos com eles. e o que ele fazia depois? A minha tia Santa, preparando o almoço. E eu menino, passei a
jou com 17 anos e foi conhecê-la quando ele Eles moravam na casa da minha avó Teresa, que hoje está com 94 anos, irmã da minha mão no para-lama de um carro, era um táxi.
tinha 24. Porque o irmão da minha mãe, que que me criou até os cinco anos. Foi uma coisa mãe, ela tinha 17 anos, era linda também, Tinha uns cinco, seis, sete táxis, e os moto-
era fuzileiro naval e era amigo dele, disse frenética esse carinho, essa paixão deles. todas as duas, ele dizia a ela: “Agora vocês ristas todos do lado. Aí um dos motoristas
assim: “Ô, Batista, você precisa ir lá em casa Eram jovens e não queriam que eu atrapa- duas vão na frente”. E ele, fardado, a uns dez falou: “Vai botar a mão na sua mãe!”. Ah, foi
conhecer as minhas irmãs e a minha família”. lhasse aquela transação. Gostavam muito de metros atrás, acompanhava as duas, eu me outra cena [risos]. Meu pai largou o saco de
Então meu pai foi até lá um dia e conheceu morar a cada seis meses ou a cada ano em lembro muito disso. Eu morria de vergonha. compras e tá. Brigou com os seis. Saiu com
a minha mãe, com 14 anos, e eu mais uma um lugar do subúrbio: Honório Gurgel, Ma- Ele estava doido para que alguém passasse sangue na cara, mas saiu vencedor. Meu pai
vez estou aqui [risos]. dureira, Vaz Lobo, Central do Brasil… Eles só e olhasse pra elas ou jogasse um galanteio, era bom de briga. Meu pai era fuzileiro naval,

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é aquele da tropa que chega primeiro. Em recolheu toda a força dos motores, iluminou Última Hora, era fotógrafo do Jornal do Bra- partir da chegada de lá – fotografando os
qualquer lugar de ataque, são os primeiros e tinha umas 50 pessoas esperando por ele, sil, era fotógrafo de O Cruzeiro, da Manchete. músicos, os operários, as festas folclóricas,
que chegam – por terra, os fuzileiros navais. cara. E então eu saltei com ele, no colo dele. Eu só fui perceber isso um dia quando estava enfim, toda a gente.
Engraçado, eu não segui a índole do meu pai, Isso eu nunca mais esqueço. Muito tempo trabalhando no birô da revista Manchete em Os subúrbios. Festas religiosas, as outras
porque eu não tenho essa violência que ele depois, eu queria fazer um filme sobre isso, Nova York, em Manhattan, quando chegou pagãs. Tudo, incluí tudo no mesmo saco. A
tinha quando necessária, ou não. E eu pas- já nessa fase dos 17 anos. Era um negócio um telegrama e me chamaram: “Ô, Firmo, vertigem é em cima deles. De colocá-los
sei muita vergonha ao lado do meu pai, mas fantástico: as pessoas negras, malvestidas, chegou aqui uma mensagem para você, leia como honrados, totens, como homens que
ao mesmo tempo às vezes analisando que, quase deprimente, quase, mas digno. Aí, tá aí”. Então eu li, com o chefe da redação lá trabalham, que existem. Eles ajudaram a
no fundo, ele estava certo, quando não tem vendo, é a minha fotografia. E ali… ele far- de Nova York: “Puxa, mas como vocês con- construir esse país para chegar aonde ele
conversa, tem que sair na porrada. dado [risos]. Olha, talvez tenham sido as tratam um cara que, além de analfabeto, chegou, mão negra, mão crioula. Então isso
A primeira vez que eu fui ao Amazonas, minhas fotografias mais memoráveis, se- mau profissional, é negro?”. E foi gozado, não podia passar em branco na minha vida,
eu estava morando no Recife, e o meu pai não gloriosas, que eu perdi, porque eu tinha porque aí eu entrei naquele movimento do era uma desforra. Como eu não sou de pegar
não via a mãe dele, a minha avó, há 25, 28 oito anos e não fiz. Mas o que eu vi ali foi de Black Is Beautiful. alguém e dar um tapa na cara ou quebrar
anos. Ele não via a mãe, queria ver a mãe, grande envolvimento. Ai, meu Deus do céu. Aí deixei o cabelo vitrine, o meu discurso mudo é através da
queria levar o neto pra que ela conhecesse. crescer, entendeu? E digo: “Ah, eu sou bonito, fotografia. Então eu coloquei o Pixinguinha
Me levou. Quase que ele perde o navio Ita- sim!” [risos]. Voltei logo depois porque o Ja- ali, o Paulinho acolá, o Candeia não sei onde,
quecê, sei lá, em Fortaleza, porque ele já era quito, que era o chefão lá da Manchete do e foi por aí. Todos eles, sempre eu tinha um
alcoólatra e dado a mulheres [risos]. Era um Rio, não cumpriu o acordo comigo, o Duda lugar pra colocar, a Clementina de Jesus toda
homem do mar, um real fuzileiro naval, va- estava com seis meses e havia ficado com a de branco sentada em cima de umas folhas
cinado. Ele se achava assim. Eu via aquilo Didi. O trato é que eles fossem mandados ali na relva, recostada no tronco, então… Essa
tudo com torpor, porque dentro de uma Discriminação para Nova York, já que eu ia morar lá. Aí é a constituição do meu trabalho.
moralidade infantil às vezes a gente sabe o passaram seis meses e ele não cumpriu, eu Foi quando eu voltei e comecei a fotogra-
que é e o que não é, a gente já é juiz. Eu dizia: racial, despertar da tinha a passagem de volta, e eu digo: “Ah, far as festas pagãs, as religiosas, fui para as
“Pô, mas meu pai é assim?”. Quase que ele é?”. Eu já tinha dito a ele: “Olha, preciso da fábricas, fotografei os caras trabalhando,
me deixa, ele foi se lembrar que ele tinha consciência étnica, minha família aqui”. Eu senti que estavam sempre negros. E me interessei em fazer o
um filho quando já estava indo com algumas me enrolando. Algumas vezes eu sou bem musical – com o Pixinguinha, com o Cartola,
mulheres lá pro navio. “Tchau, tchau, tchau!”, os retratos de intrépido, isso até hoje, velho, eu continuo, o Paulinho da Viola… Porque era uma ordem
as mulheres não iam seguir viagem. Foi aí na hora que tem que fazer um negócio eu política que eu queria. Eu achava que por
que ele disse: “Ué, cadê o Walter?”. Voltaram personalidades negras viro o meu pai, sem o álcool. Então peguei meio deles, também, ia ficar muito interes-
correndo, eu estava sozinho, perdido no cais, o avião e entrei no dia seguinte no gabinete sante, e haveria um interesse da mídia de
me pegaram e pegamos o navio. Chegando da música popular dele. Quando ele me viu, ficou pálido. Ele tê-los em suas páginas. E foi assim, talvez
a Belém, trocamos, porque o navio Itaquecê disse: “O que você tá fazendo aqui?”. Eu digo: por meio desses trabalhos, que eu me con-
não fazia Manaus, dali de Belém ele voltava. brasileira e a fotografia “Ah, o que eu tô fazendo aqui? Me mande em- sagrei de vez. Porque a foto mais perseguida,
Aí pegamos um barco menor e… e aí é que bora se você quiser! E aquele trato que a mais vista do meu trabalho, é a do Pixin-
tá. Vai aquele negócio, ele sabia que a cidade como instrumento de gente tinha feito? Você acha que eu ia mo- guinha sentado na cadeira de balanço. Já
mais próxima era Monte Alegre que estava rar lá sozinho? E a minha mulher e o meu perguntei para várias pessoas por que todo
mais ou menos a uns 20 ou 30 quilômetros luta e afirmação filho aqui sozinhos, que história é essa? Não, mundo gosta dessa foto, e uma senhora me
em linha reta, talvez 40, de onde ele tinha cheguei, tô aqui, você faça da minha vida disse: “Ah, meu filho, nessa foto a gente vê
nascido. Era madrugada, e ele tinha feito profissional o que você quiser.” Eu continuei a felicidade”. Mas, num plano geral, através
amizade com o comandante. Fazia uma Eu era tão benquisto pela minha família na Manchete, todo mundo me respeitava da profissão, foi muito pouco, eu acho, senti
luazinha tênue que jogava uma claridade e, branca, de pele branca, que para mim não como profissional, todo mundo queria sair muito pouco essa questão da cor da pele;
pelas árvores e pela sinalização, pelo dese- tinha diferença racial no Brasil, entendeu? Eu, com o Waltinho [risos], ali, fazendo as ma- como cidadão, sim. Uma vez fui visitar, con-
nho das árvores, ele poderia achar a casa na minha juventude, puberdade, eu era muito térias e tudo mais. Então, eu deixei o meu vidado por uma ex-aluna que morava, até
dele. Ele saiu de lá com oito anos. E aí ele querido por eles – eu era primo, era sobrinho, cabelo crescer, cheguei aqui e me chama- hoje ela mora, lá na praça… na feira aqui em
pediu ao comandante: “Olha, vá pela mar- enfim. Não sentia na sociedade também, no vam de Tim Maia, outros de veado! Essas Ipanema. Onde que é a praça da feira? Ge-
gem esquerda, devagar, que eu vou conhecer meu percurso já rapaz e trabalhando, eu não coisas foram muito engraçadas, mas aí eu já neral Osório. Ela mora lá numa cobertura.
o meu lugar pelas árvores”, porque não dava, via. Claro que não via, por quê? Porque eu comecei a perceber que havia discrimina- Quando eu fui, iam fazer um churrasco para
não se via nada, estava escuro. E aí, 20, 30, 40 era de uma entidade jornalística que tinha ção no meu país e comecei a me preocupar mim, e ela me convidou com o marido e as
minutos, até que uma hora ele diz: “Joga a força e poder na comunicação, e as pessoas com isso. Acabei colocando os negros numa filhas adolescentes – naquela época, já tem
luz lá, é ali, naquela árvore”. Aí o comandante me atendiam porque eu era o fotógrafo do atitude de referência no meu trabalho, foi a uns bons oito, dez anos. Quando eu fui pas-

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Janaina Damaceno Gomes,
sar pelo porteiro, eu fui entrar no social, ele uma pergunta assim: “Mas onde estava esse Sergio Burgi, Walter Firmo e
disse assim: “Não, moço, desculpe, é lá nos cara tão escondido no preto e branco que Nabor Jr. em foto de Egberto
fundos”. E eu digo: “Esse aqui tá enguiçado?”. nunca vi?”. Nogueira, IMS Rio, 2021
“Não, tá funcionando, mas é lá nos fundos”, O preto e branco é pra mim até hoje uma
eu digo: “Olhe”… Aí eu perdi as estribeiras, e incógnita, porque nunca me deixaram sair
quando eu perco as estribeiras fico nervoso, de braços dados pela rua com ela, sempre foi
começo a falar, a saliva saindo, entendeu, com a cor [risos]. Por isso que eu digo que a
desbragadamente, eu passei uma descom- cor é a minha esposa, e a minha namorada é
postura, ameaçando-o não de agressão, mas o preto e branco.
de levá-lo a uma delegacia próxima. Eu digo:
“O senhor vai ligar para a dona dessa cober-
tura, que foi minha aluna, ela vai descer ou
então eu vou ligar pra ela, e ela vai me fazer
entrar nesse elevador que funciona”. E ela
desceu, passou um pito nele na minha frente,
ele botou o rabinho entre as pernas, e eu Recordações do
entrei. E eu ainda falei pra ele: “Viu só, e eu
ainda vou descer nele!” [risos]. Prêmio Esso
A Amazônia ficou arraigada em mim desde
quando eu tinha oito anos. Aquela primeira
viagem, em que eu chego de madrugada lá e
que não vi nada, só vi aquele pessoal espe-
A relação com a rando o meu pai.
E a questão de eu me sentir como repór-
fotografia em cores ter, escritor, de ter essa coragem e esse des-
cuido. Querer achar aquela palavra também,
e p&b porque o próprio querido [Alberto] Dines, já
falecido, de ter acreditado, eu achei que foi central era o rio Amazonas, que na minha minha maneira uma razão de ser, de fazer
um momento também dele, porque iam me cabeça não tinha o Solimões, desde que ele o texto. E o meu texto é um texto mesmo da
Se eu morasse em um país que não fosse tro- decapitar se eu não trouxesse [a reportagem], entra lá como domínio brasileiro e vai até maneira que eu gosto de escrever, um texto
pical, que não tivesse essa luz quase obscena, gastaram rios de dinheiro. Quer dizer, foi um a foz. E depois me passou pela cabeça que decantado, enraizado em alguns ramos de
eu não trabalharia com a cor. Porque o que montante de passagens aéreas, de hotel, de eu podia fazer o rio Negro também, e eu in- poesia. Um texto pessoal, um texto tranquilo,
me seduziu nessa questão da cor foi sempre alimentação, enfim… de transporte pra lá, corporei. E isso entrando naquelas casinhas, sem muita prosopopeia.
essa fortificação. Paris, por exemplo, eu não pra cá, de aluguel de lancha, de barco, pra vivenciando todas as particularidades da- Um texto até fotográfico, a minha escrita é
vejo Paris, absolutamente sem cor. Aquelas nada? Foi um crédito da tamanha confiança quela pobreza, fui pela poética, trabalhando muito fotográfica. Trabalho com a natureza,
cores tom sobre tom, tô fora! É muito ele- que eu merecia, e através da fotografia eu os personagens. Foi assim que eu me de- trabalho às vezes a maneira de ser de cada
gante pra mim aquilo, é muito, sabe? Eu gosto cheguei lá. Uma coisa era nítida, mesmo diquei, que eu entrei mesmo. Eu já tinha um, eu descrevo isso. Então, quando voltei,
do tribal, América do Sul, abaixo da linha do quando obtivesse sucesso com a reportagem, aprendido muito saindo com os repórteres, eu fiquei sabendo que tinha o Prêmio Esso.
Equador, é assim que eu me comovo, é assim que na época nem me passava pela cabeça como eles atuavam, como eles faziam. Eu E tinha, dentro do Jornal do Brasil, dois
que eu me reproduzo. Se eu morasse em paí- colocar no Prêmio Esso, queria continuar tinha um pouco de repórter, um pedacinho personagens, uma mulher, repórter, e outro
ses que não veem a luz, eu estaria certamente, fotógrafo. A fotografia até hoje é o terror de mim de escrever, e eu achava que isso repórter, o Pontes. Os dois tinham matérias
se eu tivesse engajado na fotografia, nas asas máximo, é de vitalidade na minha vida. Eu era fácil demais, desculpe lhe dizer isso, mas diferentes, prontas pra botar no Prêmio Esso,
de André Kertész, do Doisneau e do grande gosto muito de escrever, mas acho que eu bastava ter uma boa ideia. E foi assim que eu e os dois vieram a mim para que eu não pu-
Cartier-Bresson. Aí é que entra uma questão não vou ter mais tempo pra me dedicar a fiz. Eu me libertei naqueles casebres, entre- sesse a minha matéria no Prêmio Esso. Os
que a gente discutiu muito, “Walter Firmo isso. Porque escrever é tempo, é pesquisa, vistando cada um, navegando, atravessando dois vieram com esse pedido, e eu digo: “Olha,
na cor”, mas muita gente que for à exposi- e eu sou muito mais rápido do que isso, sou rios, voltando àquelas casas, indo a merca- não leva a mal, não. Eu sou amigo de vocês,
ção aqui em São Paulo ou no Rio de Janeiro, instantâneo, em todo tipo de relação minha, dos, falando com prefeitos, sacerdotes, com tantas vezes já saímos, profissionalmente. Eu
quando ela vier pra cá, certamente haverá embora seja matreiro [risos]. Mas a ideia índios já aculturados. Eu fui fomentando à não quero magoar vocês, quero continuar

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amigo, mas eu vou, é minha única oportu- levado pelas mãos de conhecidos que eles para a Manchete. Aí eu chego lá, a Clementina cia uma jamanta, assim [demonstra tamanho
nidade, eu vou botar essa matéria no Prêmio amavam, que eram Sérgio Cabral e Hermínio tá com um vestido amarelo lindo, fazendo com as mãos], e com uma bengala. Ele era
Esso, sim”. E ganhei [risos]. Bello de Carvalho, [risos] eu fui levado e co- comida [risos], dona de casa, com um negó- um homem bonito também, totalmente di-
Fui muito, assim, vilipendiado pelos re- locado no colo deles, porque todos eles, além cio assim [aponta para a cabeça], não estava ferente daquele Hermínio, tudo isso me deixa
pórteres que já tinham ganhado. Aquelas de me respeitar, gostavam muito de mim. aquela do palco, mas para mim, nos meus com susto [emocionado] de visitar as pessoas,
comemorações de Prêmio Esso de Reporta- Poxa, hoje eu digo, porque quando ele estava olhos, essa coisa supernatural na pessoa porque… Será que essas pessoas estão tristes,
gem, aqueles jantares fartos, na noite, fim de vivo eu não queria dizer que fui amigo dele endeusava ainda mais ela. Aí eu digo: “Olha sabe? Eu não quero estar num ambiente triste,
ano, mês de dezembro, eu fui a quase todos, ou que ele foi meu amigo, o Cartola. Nós ti- quem eu trouxe”. Eles se conheciam, claro. Aí mas eu tenho que visitá-los. Eu vou visitá-los.
e alguns repórteres davam bola para mim, vemos uma convivência de 15, talvez 20 anos. eu fiz uma fotografia dos dois, assim, ampa- Sem o Hermínio e sem o Sérgio, eu não teria
já tinham ganhado, e outros repórteres não Eu não quero ser o fotógrafo dele, mas era rados pela parede azul da casa dela. entrado nisso. Eu não teria.
davam a mínima para mim, eu sabia por quê… uma coisa assim, quase sempre fotografando E tem aquela, do pai do Cartola, uma das
Mas meu nome estava lá, em todos aqueles ele. Nós éramos companheiros. Ele cantava, primeiras fotos que eu fiz com ele e com toda
memorandos. E eu estava lá, mas nunca me compunha, e eu fotografava. Houve um lance a família. Está o Carlos Cachaça, a mulher do
chamaram para um discurso por eu ter ga- uma vez que ele até ligou pra mim, eu mo- Carlos Cachaça, a Dona Zica e uma menini-
nhado aquele prêmio, nunca. Mas ninguém rava na Tijuca. Ele disse assim: “Waltinho, nha também.
me tira mais [risos]. venha domingo, a Zica vai fazer aquela fei- Sérgio Cabral, por ser jornalista, me apre-
joada que vocês todos gostam”, ia a turma sentou mais as santidades do que o poeta, Cinema
toda, “e eu tô te convidando”, e eu fiquei as- me levou ao Moreira da Silva, Nelson Cava-
sim: “Pô, mas me convidar pra uma feijoada, quinho… Mas a minha gratidão, na aba do
que coisa íntima, né?”. Mas eu digo: “Então chapéu deles. Sou grato eternamente. São O Zózimo, que belo homem, né? Aquele negri-
tá, eu vou, mas posso levar a máquina?”. Ele meus amigos. nho [risos], lindo de morrer, um belo não só
disse: “Oh, Walter, traz o que você quiser. Sérgio tá agora com Alzheimer, eu estou espécie humana, mas também era muito bom
A importância de Pode, sim, trazer a máquina.” Eu queria do- muito encorajado de revê-lo, mas poxa vida ator, e ficamos amigos não sei por quê. Ah,
cumentar aquilo. [emocionado]. Servimos o Exército juntos, José Medeiros! Ele tinha uma grande apro-
Sérgio Cabral e O próprio Paulinho, que está vivo. A úl- com 19 anos, eu vi aquele homem sem barriga, ximação com José Medeiros, e José Medeiros
tima vez que o vi, eu estava jogando sinuca sem aquelas… [risos] que ele tinha, bochechas, me botou na fita. E ficamos amigos mesmo,
Hermínio Bello com meus alunos, em Copacabana – tem um lindinho que ele era, com a metralhadora, ele também parou na minha, como eu parei
clube ali que tem um andar só de sinuca. Aí ainda marchando. na dele. Um belo dia, ele disse assim: “Walter,
de Carvalho e um dos alunos, que sabia que eu era amigo Aí nos encontramos dois anos depois, eu eu sei que você tem um grande problema com
dele, diz: “Paulinho da Viola tá aí”. E eu digo: já titular no Última Hora, e ele no Diário Ca- cinema, através da fotografia, que te roubou.
a proximidade “Onde, onde?”. Ele estava subindo a escada, aí rioca. Ele levou um susto, uma matéria na Eu tenho um plano de fazer um filme sobre a
eu fui lá na escada e disse: “Muito prazer, hein, rua, e ele disse: “Ô, Firmo, cabo Firmo [risos], chegada dos negros lá na praça Mauá, e pen-
com artistas cara”. Ele falou: “O que você tá fazendo aqui?”. o que você tá fazendo aqui?”. E eu digo: “Eu sei em convidar você pra ser o meu diretor de
Então, o Paulinho é um camarada meu, fre- que pergunto a você, cara, eu tô trabalhando fotografia. Você não quer, não?”. Aí eu quase
negros da música quentei a casa dele muitas vezes. no Última Hora”. E a amizade perdura até abracei aquele homem, e disse assim: “Posso
Através de Hermínio Bello de Carvalho, hoje, mas com esse agravamento aí, e eu não beijar na sua boca?” [risos]. Não, não houve.
popular brasileira eu fui amigo da Quelé, cara. Eu era amigo queria falar do Serginho, que eu peguei no É porque a gente era íntimo, nós éramos ín-
do marido dela, o Pezão, pô. A Quelé ia ser colo e que tá preso, porra, essas conversas timos, a gente se gostava muito e… e fui lá,
madrinha do Duda, que o Duda era um me- não têm que ter com ele. Não quero fazê-lo ficamos mais ou menos o quê? Uma produção
Eu acho que houve uma facilidade de eu ser nino de um ano, dois anos, por aí. Depois eu sofrer. Como é que eu vou visitar o Sérgio rápida de 15 minutos, não durou dez dias, tal-
como eles eram, negros. Isso facilitou muito, achei que era muita pretensão minha usar a Cabral e não vou falar no Serginho? Vai ser vez 15 no máximo. E foi um contato como eu
entendeu? E a pessoa, eu acho que quando Clementina de Jesus para ser madrinha do difícil, né? Mas enfim. queria, assim, com poucas pessoas, éramos
a pessoa analisa o rosto do outro e quer tê- meu filho. E nunca mais falei no assunto, e O Hermínio, poxa vida, companheiro de uma equipe de cinco a seis pessoas talvez. E
-lo como amigo, eu devo passar isso, pela ela também não falou. Na casa da Clementina copo. A gente bebeu muito nas noites de fes- foi superlegal. Eu tenho esse filme, que ele me
minha suposta fragilidade, pela parte que eu entrava a qualquer hora, sem problema tas da igreja da Glória. E foi uma amizade mandou, atendendo a pedidos.
certamente a minha cara deve conotar, sou nenhum. Uma vez eu peguei aquele menino assim… Muitas vezes ele me chamava, me Então, essa coisa do cinema. Quando co-
um homem de bem. Isso é um atrativo pra que batia prato, o João da Baiana. Que fi- botava num projeto dele, e a gente viajava mecei a fazer fotografia, mesmo com toda a
quem joga nesse time. Então normalmente gura! Todo de branco. Também sentou no pros lugares para fotografar shows e tudo paixão, a minha escala era o cinema. A foto-
esses cantores que vivem na poesia, eles vão meu Fusca, eu digo: “Vamos lá na casa da mais – na Bahia, no Recife. Ele tá bem, mas grafia era apenas um degrau para ascender
se dar bem com esses caras. E eu ali, ainda Clementina”. Eu estava fazendo um ensaio a última vez que o vi eu me assustei, ele pare- ao cinema. Para vocês terem uma ideia, com

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meus 15, 16 anos, ali no coreto do Méier, eu ponês também, gosto dos franceses, dos do tempo. Dona Filhinha… lá de Cachoeira, sem ser fratura exposta, trabalhando com
assisti àquele filme Janela indiscreta, do italianos, nossa! Giulietta Masina, é isso? Ah, na Bahia. Ela também saía naquelas festas o movimento das pessoas dançando, acen-
Hitchcock. Eu vi seis vezes aquele filme, as- aquele filme circense que ela faz, Noites de anuais da Boa Morte, ela fazia parte. Poxa dendo uma vela, por aí.
sim, em 15 dias. Eu tava jogado no cinema, Cabíria, ai meu Deus, que coisa! Jamais vou vida, uma mulher finérrima, pequenininha, Quando eu sei que não gostam de fotografia
eu queria ser o Walter Carvalho, eu já falei me cansar de ver aquele filme. Que história do tamanho da minha avó, mais baixa do eu nem vou. Não quero ser agressivo. Entendo
sobre isso com ele [risos]. Até que um dia eu e que apresentação dela como atriz. que eu, eu tenho 1,60 metro. Muito delicada bem e respeito. A escola mágica do jorna-
percebi que o movimento de 24 quadros por comigo, sempre. lismo me fez outro homem, outro ser, me
segundo, que dá o movimento, eu achei que Eu sou muito intuitivo. Eu vou com indu- fez observar e ter uma percepção assim, de
não era a minha, não, porque tudo que está ção, assim, de alguma coisa que me move, que antecipação, se eu vou receber um não, um
em movimento a gente tem a percepção de eu não sei o que que é, e fico sem ter como talvez ou um sim. Eu sei, eu sinto. Eu não
que a realidade é a mesma. responder isso com a afirmação, mas sempre quero nada que a pessoa não queira. Agora,
Nada vai te fazer dizer: “Ai, que foto- que me deparava com coisas em torno, eu às vezes também sei roubar. Sabe, a pessoa
grafia de cinema!”. A não ser quando é um A fotografia nos estava lá para fotografar ou pedindo: “Peraí, não sabe que foi fotografada. Levo a foto co-
filme de um diretor como Antonioni, que peraí, não olha para mim”. Ou então, mesmo migo, ela não vai saber.
tem uma bela história por trás pra contar, cultos religiosos
você fica preso a essas histórias, como os
sonhos, o Sonhos, do Akira [Kurosawa], que de matriz africana
eu já vi tantas vezes e sempre vou ver. Mas,
na fotografia, na imagem parada, reside um
mistério que é impossível a gente responder. É, eu tive incursões lá, sim [Umbanda], fre-
A gente pode elucubrar. Vendo uma foto de quentei lugares… Eu não tenho como receber.
Marc Ferrez em que tinha uma carruagem, Eu gostava de ir a esses lugares, eu gosto
uns cavalos parados e um homem, um ho- ainda, só que foi uma fase, isso já tem uns
menzinho andando… Aí entra a imaginação, 15 para 20 anos. Eu frequentava também
né? Eu pensei: “Onde estará agora esse ho- com intenções de marcar minha fotogra-
menzinho?”. Aquilo foi em 1907, 1910 [risos], fia naquele espaço. E fiz muito isso. Alguns
eu queria ir muito além. Então, pontuando anos, fiquei amigo do dono da casa, da es-
isso de que a imagem parada pra mim me posa dele também, que trabalhava lá. E eu,
resolve mais do que a imagem em movi- de uma forma afetiva, frequentava também
mento. Eu me emociono muito mais com por causa deles. Mas eu estava naquela fase,
a imagem parada porque eu elucubro, eu vocês entendem. Hoje eu não estou fre-
mergulho nela. quentando mais. Mas isso não quer dizer
Admiro o Hitchcock. Notadamente, aquele que me afastei definitivamente, não. Uma
cinema mágico, da época do Antonioni. To- hora dessas vai me dar vontade e vou, por-
dos eles me faziam pensar. Eu saía do cinema que geralmente são lugares longe. E eu fico
com vontade de ver de novo, pelos diálogos com uma preguiça de ir a lugares longínquos
principalmente. E por alguns enquadramen- assim. De ter que voltar tarde, realmente
tos audaciosos do câmera e do diretor de acaba tarde.
fotografia. Aí vêm os clássicos, John Ford, Não cheguei a conhecer o Joãozinho da
pela coisa épica, cinema americano. No Bra- Gomeia. Mas conheci Olga do Alaketu, na
sil, claro, Glauber Rocha, que, pra mim, no Bahia. Mãe espiritual do Emanoel [Araujo],
início, eu não entendia nada daquilo, mas lá de São Paulo. [Mãe] Menininha não conheci
depois, mais maduro, dez anos, 15 anos de- também, mas conheci uma em Cachoeira,
pois, fui rever tudo e adorei. O Nelson Pereira não era Menininha, não, morreu com 109
do Santos, com Vidas secas, ah, aquele filme, anos… mãe de santo. E foi muito engraçado,
meu Deus do céu, show de fotografia. Tem o quando ela me conheceu, me disse assim:
Paris, Texas, nossa senhora! Que estupenda “O senhor sabia que o senhor para o tempo?”.
cor, que estupenda fotografia e que história Ela não me conhecia. “O senhor é um parador
dramática – aquele homem, nossa senhora, do tempo.” Eu fiquei assim, eu não falei nada
que coisa aquilo! Interessante o cinema ja- para ela, porque o fotógrafo é um parador Nabor Jr. é jornalista, fotógrafo e editor da revista O Melenick 2° Ato

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Walter Firmo, em
foto de Ateneia Feijó,

Breve cronologia de Walter Firmo Rio de Janeiro, RJ, 1964;


“100 dias na Amazônia
de ninguém I”, Jornal
do Brasil, 07.01.1964;
Walter Firmo, em foto
Andrea Wanderley de Claus Meyer, Rio de
Janeiro, RJ, 1977

1937 1955-1959 1961 1966 nos eua, México, Canadá, 1973 1981-1984 1984 1986 1990
Carioca do Irajá, Walter Trabalha no jornal Última Participa da primeira Em abril, é lançada a Jamaica, Haiti, República Com Klaus Mayer e Como freelance, trabalha Coordena a Oficina É nomeado pelo ministro Vai para Áquila, na Itália,
Firmo Guimarães da Silva Hora, inicialmente como exposição nacional revista Realidade. A Dominicana, Porto Sebastião Barbosa, funda a para estatais, como Fotográfica da iii Semana da Cultura, Celso Furtado, para acompanhar a
nasce em 1º de junho, filho aprendiz e depois como de fotojornalismo, no reportagem “Brasileiros Rico e outros países do agência Câmera 3, da qual Furnas e Petrobras, Nacional de Fotografia, em diretor do Instituto apresentação de artistas
único dos paraenses José fotógrafo profissional. saguão do aeroporto go home”, de Firmo e Luis Caribe. Influenciado sai em 1974. Entre 1973 e e também para a Fortaleza, e a oficina Como Nacional de Fotografia, brasileiros, como Caetano
Baptista da Silva e Maria Publica, entre 1957 e Santos Dumont. Fernando Mercadante, pelo movimento black 1982, é premiado sete vezes indústria fonográfica. fazer uma reportagem, da Funarte, cargo que Veloso, Chico Buarque e
de Lourdes Guimarães 1959, artigos semanais publicada na primeira power, deixa seu cabelo no Concurso Internacional no iii Colóquio Latino- exercerá até 1991. Gilberto Gil, no Festival
da Silva. Segundo Firmo, na coluna “Atrás do gol” edição, rendeu à revista crescer no estilo black is de Fotografia da Nikon. Americano de Fotografia, Em Paris, é Ecológico Último Grito.
foi criado “sob as estrelas deste jornal. 1963 seu primeiro Prêmio beautiful. Ao retornar ao 1982 em Havana, Cuba. inaugurada, em Firmo e o artista plástico
suburbanas na altura Em 6 de agosto, nasce Esso de Jornalismo. Volta Brasil, passa a atuar de Com os fotógrafos novembro, a exposição Rubens Gerchman
do Méier”. Aloísio Firmo, seu filho para o Rio e vai trabalhar forma mais intensa no 1974 Cafi, Pedro de Moraes Espelho rebelde: realizam exposições em
1957 com Maria do Carmo. na revista Manchete. combate à discriminação De 1974 a 1979, trabalha na e Miguel Rio Branco, 1985 fotografia brasileira Moscou, em setembro.
Serve no 1º Regimento Vendo os ensaios racial, por meio da revista Veja. Lançamento lança uma edição de A convite de João Farkas, contemporânea,
1952-1954 de Infantaria do Exército, fotográficos do fotógrafo construção de imagens do livro As escolas de 24 cartões-postais em na época chefe da durante o festival Mês
Começa a se interessar onde conhece o jornalista 1964 norte-americano David icônicas de importantes samba: o quê, quem, preto e branco sob o editoria de fotografia da da Fotografia em Paris, 1991
por fotografia e consegue e futuro crítico musical Publica a série de Drew Zingg, publicados nomes da cultura como, quando e por quê, título Os brasileiros, com IstoÉ, começa em julho com curadoria de Pedro Volta a trabalhar como
sua primeira Rolleiflex. Sérgio Cabral, que reportagens “100 na revista, passa a negra e da permanente de Sérgio Cabral com prefácio de Darcy Ribeiro. a trabalhar na sucursal Vasquez, que reúne freelance. Na primeira
Faz um curso na reencontra, em torno dias na Amazônia de dedicar-se à cor, na qual valoração da população fotos de Walter Firmo e carioca da revista, até 12 fotógrafos, Firmo exposição da Coleção
Associação Brasileira de 1959, quando Cabral ninguém” no Caderno B se tornará um virtuoso. negra do país em seu prefácio de Lúcio Rangel, julho de 1986. Fotografa entre eles. A mostra é Pirelli/Masp de Fotografia,
de Arte Fotográfica é repórter do Diário do Jornal do Brasil, com trabalho fotográfico. pela Editora Fontana. 1983 personalidades como apresentada no Museu são reunidas produções
(Abaf). Passa a fotografar Carioca. Firmo credita textos e imagens suas. No Museu de Arte Paulo Moura e Celso de Arte Moderna do Rio de diversos fotógrafos,
a família e colegas de a ele e ao compositor e Por esse trabalho, 1967 Moderna do Rio de Furtado. Na IstoÉ de 31 de de Janeiro em 1990. dentre eles Bob Wolfenson,
escola e bairro. Frequenta poeta Hermínio Bello de recebe o Prêmio Esso Em 5 de janeiro, nasce 1971 1979-1980 Janeiro, é realizada julho de 1985, publicação Claudia Andujar, Mario
assiduamente a livraria de Reportagem de 1963,
Carvalho seu livre trânsito Eduardo Firmo, seu filho É citado no verbete Trabalha cerca de Ensaio no tempo, da matéria “Quando Cravo Neto, Maureen
e banca de revistas do pelo mundo do samba. o terceiro conquistado com Dionéia. “Fotografia” da nove meses na revista exposição retrospectiva explode a vida”, sobre 1987 Bisilliat, Otto Stupakoff,
aeroporto Santos Dumont, por profissionais do Realiza suas Enciclopédia Britânica. Tênis Esporte, da Rio de 25 anos de carreira Arthur Bispo do Rosário, Nomeado conselheiro Sebastião Salgado e
onde folheia revistas Jornal do Brasil. icônicas fotografias de Sai da revista Manchete Gráfica, sendo o autor do fotógrafo. Sob a primeira reportagem do Conselho Nacional Walter Firmo. Depois de
ilustradas internacionais, 1960 Pixinguinha, no quintal e torna-se freelance. da fotografia de capa da curadoria de Zeka sobre o artista na do Direito Autoral. expostas na mostra, as
como Life, Paris Match Começa a trabalhar no da casa do músico, primeira edição: Pelé com Araújo, são exibidas grande imprensa. imagens são incorporadas
e Oggi, analisando o Jornal do Brasil no mês de 1965 durante a produção de duas bolas de tênis no 200 fotografias em Ganha o Prêmio à coleção, que integra o
trabalho de fotojornalistas janeiro, no momento de Sai do Jornal do Brasil uma matéria para a 1972 lugar dos olhos. cores e em preto e Golfinho de Ouro do 1989 acervo do Masp.
estrangeiros, ao mesmo consolidação da reforma e passa a integrar a revista Manchete, com Começa a fotografar para branco. A exposição Governo do Estado Publicação de Walter
tempo que lê a revista gráfica do jornal, a partir primeira equipe da o então repórter Muniz a indústria fonográfica é apresentada em do Rio de Janeiro na Firmo – Antologia
O Cruzeiro, com trabalhos do qual a fotografia passa revista Realidade, Sodré. É correspondente, e inicia sua pesquisa 1979 São Paulo, Fortaleza, categoria Fotografia, pela fotográfica, pela 1992
dos fotógrafos José a ter forte protagonismo. em São Paulo. durante cerca de seis fotográfica sobre as festas Fotografa Clementina Buenos Aires, Curitiba, “sensibilidade de suas Editora Dazibao. Começa a ensinar
Medeiros, Luciano Está presente na primeira meses, da Editora do folclore brasileiro. de Jesus na casa em que Havana e Cabo Verde. fotografias, em especial, fotografia na FotoRiografia,
Carneiro e Jean Manzon, página do jornal com Bloch, em Nova York, Trabalha na revista Veja a cantora vivia em Lins a poética do povo escola dirigida por Ivan
entre outros. grande destaque. realizando reportagens como freelance. de Vasconcelos. brasileiro e sua realidade”. Lima no Rio de Janeiro.

244 245
“Na música popular
quem samba fica”,
Manchete, 04.11.1967;
Revista Fotoptica,
n. 117 – 1984; Ensaio
no tempo – 25 anos de
fotografia Walter Firmo,
1983; Walter Firmo –
Antologia fotográfica,
1989; Firmo fotografias,
2005; Walter Firmo –
Um olhar sobre Bispo
do Rosário, 2013

Em homenagem ao o projeto realiza eventos, 1995 1997 mostra Negro de corpo 2002 concedida pelo Ministério para a posteridade, do livro África em nós, 2019
centenário do escritor organiza uma escola e Sus obras participam Exibição do filme O Brasil e alma, na Exposição do Lançamento do curta- da Cultura. Promove Museu da Imagem e do lançado pela Editora Inicia os trabalhos de
Graciliano Ramos, realiza uma agência de fotos. da exposição Fotografia de Walter Firmo, de Ana Redescobrimento Brasil -metragem Pequena África, workshops de fotografia Som do Rio de Janeiro. Assaoc. Exposição Corpo organização do acervo
uma exposição na Casa Lançamento do livro contemporânea brasileira, Lopes, na Cinemateca do + 500 anos, no Parque idealizado e dirigido na França e em Cuba, Participa da exposição e alma, na Galeria Imã, no Instituto Moreira
de Rui Barbosa, no Rio de Cadeia, sobre Graciliano da coleção Joaquim Paiva, Museu de Arte Moderna, Ibirapuera, em São Paulo. por Zózimo Bulbul, do quando produz o ensaio Black Is Beautiful, na de São Paulo. Salles e grava os
Janeiro, com fotografias Ramos, escrito por Clara no Centro Cultural do durante o Festival Em outubro, inauguração qual Firmo foi o diretor fotográfico Românticos Bienal Internacional de primeiros depoimentos
que refazem o trajeto Ramos, filha do escritor, e Banco do Brasil no Rio Nacional/Brasilidade. São da exposição Inéditos de de fotografia. Entre de Cuba. No Centro José Fotografia de Amsterdã. sobre sua vida e
do escritor em Maceió, ilustrado com fotografias de Janeiro. Faz parte realizadas as exposições Walter Firmo, na Galeria 2002 e 2007, frequenta e Bonifácio, na Gamboa, 2010 trajetória, em vídeos
Palmeira dos Índios e de Walter Firmo. do primeiro grupo que individuais O Brasil de Câmara Clara, no Rio fotografa cultos religiosos Rio de Janeiro, é um dos Participa do Festival produzidos pelo fotógrafo
Quebrângulo. No Festival deixou registradas Walter Firmo, na Galeria de Janeiro. de matriz africana. fotógrafos da exposição 2007 Back 2 Black, na Estação Egberto Nogueira.
de Junho de Zurique, é suas mãos no concreto Arte Hoje, no Rio de Dez artistas nota dez.No Centro Cultural da Leopoldina, no Rio
apresentada exposição 1994 do Muro da Fama do Janeiro, e Pixinguinha Justiça Federal, no Rio de Janeiro.
de diversos fotógrafos Participa da exposição Museu da Imagem e do e outros batutas, na 2001 2003 de Janeiro, é curador 2020-2021
brasileiros, dentre eles Ruas do Rio – Caminhos Som, no Rio de Janeiro, Pinacoteca do Estado, em Ministra a aula Abertura da exposição 2005 e um dos expositores Recluso durante a
Firmo e Rogério Reis. da história, no Centro juntamente com Anselmo São Paulo. inaugural da oficina individual Um passeio Lançamento do livro da mostra No ventre 2012 pandemia, continua a
Participa do Festival Cultural Banco do Brasil. Duarte, Paulinho da Viola, de fotografia, na pela nobreza, na Pequena Firmo fotografia pela azul e branco – Tempo Nomeado embaixador do trabalhar intensamente
Fotofest em Houston, eua. Leciona no curso de Emilinha Borba e Jô Casa das Artes da Galeria 18, no Rio de Editora Bem-Te-Vi, de Iemanjá. Na Galeria turismo do Rio de Janeiro. de forma remota na
Associa-se aos fotógrafos jornalismo da Faculdade Soares. 1999 Mangueira. No Museu Janeiro, com flagrantes organizado por Lélia de Arte LGC Arte organização de seu
Ana Jobim, Luiz Garrido Cândido Mendes e Vive seis meses em Paris, Histórico Nacional, de vários artistas da Coelho Frota. A exposição Contemporânea, no Rio acervo. Em paralelo,
e Peter Feibert na agência também na Escola Foto como parte do prêmio participa da exposição música popular brasileira, Impressões digitais, na de Janeiro, exposição 2013 compartilha nas redes
Econews Brasil. in Cena, hoje Ateliê da 1996 da Bolsa de Artes do coletiva Negras como Cartola, Chico Galeria do Centro de reúne trabalhos inéditos, Publicação do livro Walter sociais fotografias
Imagem. Inauguração das Publicação do livro Nas Banco Icatu. Nos dois memórias, memórias de Buarque, Clementina de Cultura e Comunicação do em comemoração aos Firmo – Um olhar sobre produzidas com seu
exposições individuais trilhas do Rosa, pela primeiros meses, estuda negros – O imaginário Jesus, Paulinho da Viola Senac no Rio de Janeiro, 50 anos de carreira. Bispo do Rosário, pela Nau telefone celular.
1993 Achados e perdidos, na Editora Scritta, com francês e, nos quatro luso-afro-brasileiro e a e Pixinguinha. Firmo e o apresenta fotografias Lançamento do livro Editora, organizado por
Entre junho e dezembro, Galeria Cândido Mendes, fotos de Firmo e texto seguintes, sai diariamente herança da escravidão, fotógrafo Haruo Ohara digitais produzidas por Álbum de retratos: Walter Flávia Corpas.
viaja de Parintins à ilha e Paixão e morte segundo do jornalista Fernando flanando e fotografando organizada por Emanoel são homenageados na Firmo durante uma Firmo, pela Editora 2022
de Marajó, na região Walter Firmo, no Centro Granato. Eles refizeram a cidade. Os registros Araujo e apresentada no exposição da coleção viagem para o sul do Mauad, organizado por Exposição e catálogo
amazônica, para retratar Cultural da Light, ambas as andanças do escritor são mostrados no ano ano seguinte na Galeria Pirelli/Masp, na Casa Brasil. Recebe a Comenda Cora Rónai. 2018 Walter Firmo – No verbo
o povo e a natureza. O no Rio de Janeiro. Guimarães Rosa pelo seguinte na exposição de Arte do Sesi, em São França-Brasil. Orilaxé 2005, concedida Exposição O Brasil que do silêncio a síntese do
resultado é mostrado Curador do i Salão Finep sertão de Minas Gerais, Paris, parada sobre Paulo. Lançamento do pelo Afro Reggae Grupo merece o Brasil, no Centro grito, no IMS Paulista,
na exposição Ribeiros de Fotojornalismo. usando como guia a imagens, realizada na livro Paris: parada sobre Cultural, em virtude 2008 Cultural Vale, em São Luís, em comemoração aos
amazônicos, em Belém, e Reintegrado à Funarte, caderneta de notas Galeria Debret em Paris. imagens, editado pela 2004 do trabalho dedicado Publica o livro Brasil: Maranhão. Em maio, o seus 70 anos de prática
depois no Rio de Janeiro. volta a trabalhar na área de levada pelo escritor em Funarte, com fotografias Recebe a Comenda da à negritude brasileira. imagens da terra e arquivo fotográfico de fotográfica ininterrupta.
Criação do Projeto Foto in fotografia, aposentando-se suas viagens. de Firmo, seguido por Ordem do Rio Branco, do povo, editado pela Walter Firmo, com cerca
Cena, a partir do encontro em 2007. Participa da 2000 exposições no Rio de concedida pelo Ministério Imprensa Oficial do de 140 mil imagens, passa
de fotógrafos durante exposição coletiva O negro Curador do Módulo Janeiro e em São Paulo das Relações Exteriores, 2006 Estado de São Paulo e a estar abrigado em
curso ministrado por brasileiro, na Universidade de Fotografia e, no ano seguinte, em e a Comenda da Ordem Concede entrevista para organizado por Emanoel regime de comodato no
Firmo. Ao longo dos anos, de Miami, Flórida. Contemporânea na Brasília, Belém e Vitória. do Mérito Cultural, a série Depoimentos Araujo. Curador do Instituto Moreira Salles.

246 247
Inverno e verão em Prainha, PA
248 páginas da reportagem “Amazônia, inverno e verão – Ensaio de Walter Firmo”, Realidade, jan. 1973 249
Sobre as obras em exposição
Todas as imagens desta publicação integraram a exposição papel de fibra. As obras representadas nas páginas 114, 115,
Walter Firmo – No verbo do silêncio a síntese do grito, reali- 118-120 (imagens 1, 2 e 3), 121-123, 251 (imagens 7-13) são fo-
zada no IMS Paulista de 30 de abril a 11 de setembro de 2022, tografias analógicas em gelatina e prata sobre papel resinado.
com exceção das imagens das páginas: 12, 13, 16, 17, 79, 80, 120 As obras representadas nas páginas 9, 24, 37, 39, 40, 42-48,
(imagem 4), 230, 234, 238, 245 (imagens 1 e 3) e 247 (imagens 50-54, 58, 60-64, 66-70, 72, 73, 75, 125, 126, 129-137,139, 140,
1-3). As imagens de referência abaixo, nesta página e na se- 142-147, 149-151, 153-155, 161-167, 169-177, 179-183, 185-191,
guinte, com os respectivos dados das obras que representam, 196-199, 201, 217 (imagem 2), 225 e 250 (4 e 8-12) são impres- Martinho da Vila Djavan (Djavan Caetano Antônio Mulato (Antônio Morena (Gonçalina
complementam a relação de obras que integraram a exposição. sões digitais em jato de tinta com pigmentos minerais sobre (Martinho José Ferreira), Viana), Rio de Janeiro, Benedito da Conceição), Teodora da Conceição),
papel Fine Art de fibra de algodão. As obras representadas Rio de Janeiro, RJ, 1995 RJ, 1986 Nossa Senhora do Nossa Senhora do
Autoria, procedência e técnica nas páginas 192-195 são impressões digitais em jato de tinta Livramento, MT, 2016 Livramento, MT, 2016
Todas as obras discriminadas no parágrafo anterior são de com pigmentos minerais sobre filme translúcido de poliéster.
autoria de Walter Firmo, com exceção daquelas nas páginas As obras representadas nas páginas 56, 57, 59 e 157-159 são
15 e 250 (imagens 5 e 6). fotografias coloridas em processo Cibachrome. As obras re-
Todas as obras pertencem à coleção Walter Firmo, em presentadas nas páginas 167 e 251 (imagem 4) são impressões
comodato no acervo do Instituto Moreira Salles, com exceção digitais em jato de tinta com pigmentos minerais sobre papel
das representadas nas páginas 43, 56, 57, 59, 104 (imagem 2), Fine Art de fibra de algodão a partir de registros nato-digi-
105, 136, 137, 139, 151, 157, 158, 159, 167, 169, 181 (imagem 2), 250 tais. As demais obras são impressões analógicas ou digitais a
(imagem 12) e 251 (imagens 1 e 4), que pertencem à coleção partir de filmes fotográficos diapositivos, para as imagens em
pessoal do autor. cor, e filmes fotográficos em preto e branco, para as imagens
As obras representadas nas páginas 2, 77, 78, 81-83, 85- em preto e branco. Todas as obras são tiragens posteriores Festa do Divino, Alcântara, Circo Mambembe, Sabará, Fila de banco, Parnaíba, Belo Horizonte, MG,
97, 99-104 (imagem 1), 106-109, 111-113, 117, 203-211, 213-217 com supervisão do autor, com exceção das tiragens originais MA, 1972 MG, 1972 PI, 2021 c. 2000
(imagem 1), 218, 219, 212, 250 (imagens 1-3 e 5-7), 251 (imagens representadas nas páginas: 56, 57, 59, 104 (imagem 2), 105, 114,
5 e 6) são fotografias analógicas em gelatina e prata sobre 115, 118-123, 136, 137, 139, 157-159 e 251 (imagens 7-13).

Kaoru Higuchi Casamento no Arthur Bispo do Rosário Arthur Bispo do Rosário Alaíde Conceição, dona do Pedra em Lajedo de Havana, Cuba, c. 1990 Cuba, c. 2005
Comemoração pela povoado de Iauaretê, na Colônia Juliano Moreira, na Colônia Juliano Moreira, restaurante Alaíde do Feijão Pai Mateus, Cabaceiras,
conquista do Prêmio Alto Rio Negro, AM, 1963 Rio de Janeiro, RJ, 1985 Rio de Janeiro, RJ, 1985 no Pelourinho, Salvador, BA, PB, c. 2010
Esso de Fotografia, c. 2003
Rio de Janeiro, RJ, 1964

Walter Firmo e sua prima Rio de Janeiro, RJ, 1955 Enchente na Kaoru Higuchi Santa Clara, Cuba, c. 2005 Santiago de Cuba, Cuba, Pixinguinha, Rio de Janeiro,
(Francis Guimarães), praça da Bandeira, Comemoração pela c. 2005 RJ, 1967
Rio de Janeiro, RJ, 1956 Rio de Janeiro, RJ, c. 1957 conquista do Prêmio
Esso de Fotografia,
Rio de Janeiro, RJ, 1964

250 251
Walther Moreira Salles Hashimoto, Roberta Loiola Zanette, Gilmar Carrasco David, Mariana Fernando Garcia dos Anna Carolina Pereira Fernanda Pereira, Laura Rádio Batuta
(1912-2001) – Fundador Costa Val (Supervisão), Tavares, Marcelo Mendonça Tessitore, Santos de Paula, Marcos Rocha, Carolina Filippo Klemz, Laura Liuzzi, Maria Luiz Fernando Rezende
Celina Yamauchi, Alexandre Faria Leme, Robson Figueiredo da Silva. Pereira da Silva, Sergio do Nascimento, Daniel Clara Villas, Nani Rubin, Vianna (Coordenação),
Conselho Juliano Matteo Gentile Vivaldi Bertozzi. Luiz Arantes, Silvana Sias Veloso, Guilherme Sendy Lago Araújo. Joaquim Ferreira dos
João Moreira Salles – (Consultoria), Amanda Controladoria Aparecida dos Santos. Gomes Guimarães, Santos (Consultoria),
Presidente Cristina Tamborim, Amaré Centro Cultural IMS Rio Fernando Malics Marcele de Oliveira Jurídico Filipe Di Castro, Mário
Fernando Moreira Salles – Yndio, Ana Clara da Costa, Elizabeth Pessoa Teixeira (Coordenação), Adriana Fotografia Gonçalves, Marcelo Ji Hyun Kim (Coordenação), Tavares.
Vice-presidente Andressa Palomo Balarin, (Coordenação), Lúbia Rosa da Silva Rufino, Sergio Burgi Hein de Andrade e Silva, Thais Yamamoto.
Pedro Moreira Salles – Ariadne Moraes Silva, Maria de Souza, Luiz Arnaldo dos Santos (Coordenação), Cassio Nrishinro Vallabha das Recursos Humanos
Conselheiro Bruna Lisboa de Sousa Fernando da Silva de Almeida, Cecília Loredano (Consultoria), Mahe, Reginaldo Carvalho Literatura Sirlei Marinho Paulino
Walther Moreira Salles Jr – Oliveira, Carla Aparecida Machado, Maria Azevedo Ribeiro de Carvalho, Aílton Alexandre da Silva, da Silva Júnior, Thais Rachel Valença (Coordenação), Raquel
Conselheiro Carretoni Brandão da Moretto, Vagner Frasão da Rogério Cossero. Alessandra Coutinho Maciel Berlinsky, Wallace (Coordenação), Eucanaã Aparecida Barbosa Santos
Silva, Cauê Guimarães Silva (Supervisão), Adriano Campos, Alexandre Amaral Primo Correa. Ferraz (Consultoria), Correa, Sandra Maria de
Diretoria Nascimento, Cecília Brito dos Santos, Alain Inclusão e Diversidade Delarue Lopes, Andrea Bruno Cosentino, Danilo de Carvalho da Silva.
Marcelo Mattos Araujo – Siqueira Araújo, Dani Anjos, Setúbal Manso, Alexsandro Viviana Santiago Câmara Tenório Núcleo de Catalogação Oliveira Bresciani, Elizama Revista serrote
Diretor-geral Elio Buoso Cones, Elton Almeida da Silva, Amanda (Coordenação). Wanderley, Ileana Pradilla e Indexação Almeida de Oliveira, Jane Paulo Roberto Pires
João Fernandes – Virginio da Costa Silva, Fernandes de Barcellos, Ceron, Joanna Barbosa Roberta Mociaro Zanatta Leite Conceição Silva, (Coordenação),
Diretor artístico Eugênio Chaves Nakayama, Bianca Vieira Beserra, Editorial Balabram, João Gabriel (Supervisão), Ana Clara Kátya de Sá Leitão Pires Guilherme Freitas.
Jânio Francisco Ferrugem Fabiana Martins Amorim, Carla de Melo Torres, Samuel de Vasconcelos Reis Lemos, Josiene Dias Ribeiro Campos Maio, de Moraes, Manoela Purcell
Gomes - Diretor executivo Flor Antonieta Avariano Carlos Augusto Ferreira Titan Junior (Coordenação), Cunha, Mariana Newlands Charlyne Scaldini, Vanessa Daudt D’Oliveira. Tecnologia da Informação
Hernandez, Gabriela Lima de Lima, Cícero Teixeira Acássia Valéria Correia da Silveira, Martim Passos, Matheus Cavalcante. Eliane de Castro Lima
Artes Visuais da Silva, Georgia Ramos dos Santos, Davi Barbosa Silva (Supervisão), Denise Pâmela de Oliveira Logística, Empréstimos (Coordenação), André
Heloisa Espada Rodrigues de Oliveira, Jackson Izidro, Edmar dos Santos Cristina de Pádua, Flávio Pereira, Rachel Rezende Núcleo de Preservação e Licenciamentos Roberto Felipe, Maurício
Lima (Coordenação), Santos Pereira, Julie Leite de Brito, Eliana Lúcia de Cintra do Amaral. Miranda, Tatiana Novas de e Conservação Bianca Mandarino Adriano Oliveira
Beatriz Matuck. Pereira, Lívia Spósito Souza, Irinea Aparecida Souza Carvalho, Thaiane Maria Clara Ribeiro (Supervisão), Odette dos Santos.
Biancalana, Luanda da Pires de Brito, Jairo Educação do Nascimento Koppe. Mosciaro (Supervisão), Jerônimo Cabral Vieira
Biblioteca e Cursos Silva, Lucas Gonçalves Soares da Silva, Lucas Renata Bittencourt Edna Kátia Gaiardoni, (Consultoria), Ake Marc Estagiáries
de Fotografia de Souza, Luis Miguel Souza dos Santos, Rafaela (Coordenação), Ana Luiza Fotografia Guilherme Zozimo Teixeira Albert Adje, Nadja dos Alanis Batista dos Reis
Miguel Del Castillo Conteras Padron, Marcos Soares de Lima, Reginaldo de Abreu Cláudio, Janis Contemporânea Dias, Jéssica Maria da Silva, Santos Silva, Vera Santos, Amanda do
(Coordenação), Vânia de Almeida Messias, Pereira do Nascimento, Pérez Clémen, Maria Emília e Revista Zum Luiz Henrique da Silva Lúcia Ferreira da Silva Nascimento Pereira,
Aparecida de Jesus dos Natália de Jesus Santiago, Renata Barcellos de Paula, Tagliari Santos (Supervisão), Thyago Nogueira Soares, Marina de Castro Nascimento. Beatriz Carvalho
Santos (Supervisão), Núbia Narciso de Azevedo, Robert Gomes Pinto, André Luiz dos Santos (Coordenação), Ângelo Novena Correa. Schreiner, Fábio Ferreira
Bruna Acylina Gallo, Raimundo Hermínio dos Rosana Inácio Carneiro Bispo, Anna Clara Monteiro Augusto Manjabosco, Música Alencar, Guilherme dos
Bruna Pacheco Marques, Santos, Ricardo Elias Tavares, Tereza Cristina Hokama, Beatriz Abade, Carlos Eduardo Sampaio Iconografia Bia Campello Paes Leme Santos Silva, Manuela
Danny Mathias Lins, Militão, Sabrine Fernanda Maximiano Nascimento. Felipe José Ferraro, Franco, Daniele Queiroz, Júlia Kovensky (Coordenação), Miguel Dantas Coelho, Marina
Leonardo Vieira. Karolline Ferreira, Isabela Magalhães Santos Rony Maltz. (Coordenação), Gustavo Angelo de Azevedo “Nirez” Rigolleto, Monique
Sebastião Ribeiro da Silva, Cinema Brasileiro, Jhonny Medeiros Aquino dos Reis, Jovita (Consultoria), Elias Silva Santana de Oliveira
Centro Cultural IMS Sonia Xavier, Stefanni Kleber Mendonça Miranda, José Adilson Gestão de Acervos Santos de Mendonça, Leite, Euler Picanço de Sousa, Suzane Mayer
Paulista e Planejamento Melanie Silva, Wilson (Coordenação), Lígia Rodrigues dos Santos Millard Wesley Long Mayra Cristina Araújo Gouvea, Fernando Varela da Silva.
de Programação Roberto Lopes dos Santos. Ribeiro da Costa Gabarra, Júnior, Leandro Mizael Schisler (Coordenação), Lopes Cortês. Lyra Krieger, Isadora Cirne.
e Eventos Thiago Gallego Cunha. Duarte Gonçalves, Letícia Fabiana Costa Dias, Aprendiz
Joana Reiss Fernandes Centro Cultural IMS Poços Pereira de Souza, Rafael Maria Silvia Pereira Internet Produção de Exposições João Carlos de Souza Brito.
(Coordenação), Daniela Haroldo Paes Gessoni Comunicação e Marketing Braga Lino dos Santos. Lavieri Gomes. Alfredo Ribeiro Camila Goulart
Viegas Marcondes, (Coordenação), Teodoro Marília Scalzo (Coordenação), Anna (Supervisão), Lívia Ferraz,
Gabriela Caetano Stein Carvalho Dias (Coordenação), Gustavo Financeiro Núcleo Digital Paula de Carvalho Ibrahim, Márcia Vaz, Maria Paula
D’Amoreira (Supervisão), (Consultoria), Cláudia de Gouveia Basso, Marcela Antônio Carlos Mezzovilla Joanna Americano Daniel Pellizzari, Daniela Ribeiro Bueno, Marina
Raquel Monteiro Lehn Maria Cabral, Cristiane Antunes de Souza, Marcell Gonçalves (Coordenação), Castilho (Coordenação), França, Fábio Montarroios, Marchesan.
Publicado por ocasião da exposição Walter Firmo – No verbo do silêncio a síntese do grito,
CCBB-RJ: novembro de 2022 a março de 2023
CCBB-DF: abril a junho de 2023
CCBB-BH: julho a setembro de 2023

Fotos: © Walter Firmo

Realização Organização Produção CATÁLOGO Filme Agradecimentos créditos das imagens


CENTRO CULTURAL INSTITUTO MOREIRA SALLES TISARA ARTE PRODUÇÕES F525
BANCO DO BRASIL Organização Pequena África Biza Vianna, Centro Afro capa Firmo, Walter (1937- )
Curadoria Coordenação Geral Sergio Burgi (Brasil, 2002), Carioca de Cinema, Coleção Capoeira no mercado Walter Firmo: no verbo
Patrocínio SERGIO BURGI de Produção 14 minutos de Arte Visual do Instituto São Joaquim, Salvador, ba, do silêncio a síntese do
BANCO DO BRASIL MAURO SARAIVA Produção editorial de Estudos Brasileiros déc. 2000 grito / organização Sergio
Curadoria Adjunta Núcleo Editorial IMS Direção e roteiro (ieb-usp), Eduardo p. 2 Burgi; textos Sergio Burgi,
JANAINA DAMACENO GOMES Produção Executiva Zózimo Bulbul Firmo, Egberto Nogueira/ Marcio Scavone Janaina Damasceno e Walter
ANDRÉ FERNANDES Projeto gráfico imafotogaleria, família Walter Firmo, São Paulo, SP, Firmo; apresentação João
Assistente de Curadoria Bloco Gráfico Coordenação de produção de Walter Firmo, Janice c. 2010 Fernandes e Marcelo Araújo. –
ALESSANDRA COUTINHO Projeto Expográfico Biza Vianna Pimentel, Marcio Scavone, © Marcio Scavone São Paulo: IMS: CCBB, 2022.
e Identidade Visual Preparação e revisão Maria do Livramento pp. 228-229 256 pp: il., fots.
Pesquisa BLOCO GRÁFICO de textos Direção de fotografia Machado, Museus Castro (nota de conteúdo) ISBN 978-65-88251-06-5
ANDREA WANDERLEY Ana Paula Martini Walter Firmo Maya/Ibram, Nabor Jr. As imagens presentes 1. Firmo, Walter (1937- ).
Assessoria de Imprensa Andressa Veronesi e Wagner Firmo nestas páginas são 2. Catálogos 3. Exposições.
Consultoria BEATRIZ CAILLAUX | Lia Fugita Produção fotogramas integrantes 4. Fotógrafos brasileiros.
WALTER FIRMO MIDIARTE COMUNICAÇÃO EcoRio Produções e de tiras de filmes 5. Retratos. 6. Fotografia
Digitalização e Promoções Ltda. fotográficos negativos documentária. I. Título. II.
Ampliações e Impressões Iluminação tratamento de imagens em preto e branco do Burgi, Sergio (organização).
NÚCLEO DE FOTOGRAFIA E BELIGHT Núcleo Digital IMS arquivo de Walter Firmo III. Damasceno, Janaina
NÚCLEO DIGITAL IMS e evidenciam a relação (texto). IV. Fernandes, João
Montagem de proximidade e mesmo (apresentação). V. Araújo,
Projeto Educativo KBEDIM intimidade do fotógrafo Marcelo (apresentação)
NÚCLEO EDUCATIVO IMS com os retratados, CDU 77(81)
Projeto Educativo todos grandes nomes CDD 770.9281
SAPOTI da música popular no
Brasil, a saber (de cima Bibliotecária responsável:
Transporte para baixo, da esquerda Vania Santos – CRB8 -5039
MILLENIUM TRANSPORTES para a direita): Ataulfo
Alves, Nelson Cavaquinho,
Clementina de Jesus,
Ismael Silva, Cartola, Sergio
Cabral, Candeia, Milton
Nascimento, Johnny Alf,
Elza Soares e Paulo Moura.

Envidamos todos os esforços


para identificar e localizar
detentores dos direitos
de imagem das pessoas
retratadas aqui publicadas, e
agradecemos toda informação
suplementar a respeito.
Este catálogo foi impresso
na Ipsis Gráfica e Editora
no papel Eurobulk 135 g/m2.
As fontes utilizadas
foram Silva e Manuka.
“Negro, [Walter] Firmo foi enviado inúmeras vezes organização
por editores e chefes de redação a fotografar Sergio Burgi
os grandes nomes da cultura negra brasileira,
cuja visibilidade o racismo dominante tolerava, textos
sobretudo na música ou no desporto. Firmo Andrea Wanderley
aproveitou todas essas oportunidades para Janaina Damaceno Gomes
construir um projeto de vida e de trabalho que João Fernandes
induzisse, nas suas palavras, ‘orgulho, altivez e Nabor Jr.
dignidade aos negros brasileiros’, […] exemplificando Marcelo Mattos Araújo
no seu fazer uma peculiar teoria da fotografia, Sergio Burgi
que soube construir enquanto crítica da noção de Walter Firmo
realidade e objetividade fotográficas, combatendo
qualquer pretensão de uma neutralidade fotográfica
num mundo onde tão pouco a neutralidade existe.
Em cada fotografia, Firmo convida o espectador
à ‘reflexão imediata sobre a realidade exibida e isbn 978-65-88251-06-5

sobre o próprio ato de fotografar’, consciente de


que ‘o poder do olhar deve influenciar as pessoas
porque o ato de fotografar tem que ser político,
e não um mero acaso instantâneo’. […] Toda a sua
vida e todo o seu trabalho são um ensinamento
único para aprendermos, através do seu olhar,
a desajustar a realidade para reajustar o Brasil.”

Marcelo Mattos Araújo


João Fernandes

Produção Apoio

Realização

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