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BRUNO FILISBERTI
Crônicas da Vida
dO Mestre dos Pintores
de Poços de Caldas
2ª edição
Poços de Caldas MG
Estância Projetos Editoriais
2019
Copyright Chico Lopes, 2018
Gênero: biografia
Uma parceria de
Chico Lopes
e
José Elias da Silva Neto
www.facebook.com/estanciaprojetoseditoriais
Agradecimentos:
ao Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas, pelas fotos;
a Huendel Viana, pelo desenho de Mário da Silva Brito.
ISBN: 978-65-81046-01-9.
CDD 759.981
CDU 75(81)
NESTE LIVRO, Chico Lopes leva o leitor preciosamente,
em detalhes, ao mundo da Pintura através da vida e da obra do
mestre pintor Bruno Filisberti. O escritor traz uma coletânea
de depoimentos e dá de presente ao mundo um dos maiores
pintores mineiros de todos os tempos, até então desconhecido
nacionalmente, apesar da vasta obra e por estarem suas obras
nas mãos de poucos colecionadores. Assim, Chico Lopes
finalmente dá o “kick off” a uma nova era na obra desse
personagem: a era do reconhecimento público do legado que
Filisberti nos deixou.
Flávio Delgado
“A pintura é o silêncio do
pensamento e a música da visão.”
Orhan Pamuk (“Meu Nome é Vermelho”)
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Já me encontrei com visitantes assim, que da cidade se
lembravam como de um constante afago de vento serrano
sobre o que era pouco mais que uma vila paradisíaca no
passado e se espantavam pelo tumulto comercial do centro, os
cardumes de turistas, as atrações dos muitos e diversificados
hotéis e resorts, restaurantes, bares, centros culturais,
feiras. Essas pessoas, naturalmente nostálgicas e apegadas
a um saudosismo que lhes oferece um recorte de memória
privilegiado seja pelo entusiasmo natural da juventude,
seja por saudades do conforto de uma classe abastada que
podia fazer viagens a estações de cura, demoram um pouco
a acostumar-se com o presente. Quando abrem bem os
olhos, porém, abrindo mão da autoindulgência saudosista,
percebem que a cidade se multiplicou, tornou-se muito
grande, está repleta de bairros e de movimentação entre eles
e o centro através dos muitos ônibus circulares, mas a boa
nota é que não perdeu suas referências turísticas do passado
nem seu encanto memorável.
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BRUNO FILISBERTI NO CONVÍVIO ENTRE PASSADO E PRESENTE
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Bruno não foi avesso à prática do autorretrato. Na sua juventude,
retratou-se em imagens que ficaram marcantes.
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o rosto de filisberti
revivido nas ruas
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As mostras foram realizadas em junho de 2012 e em julho
de 2013. A primeira delas, no Espaço Cultural da Urca – salão
Bruno Filisberti, celebrava os 100 anos de nascimento do
pintor e tinha um título extraído de uma crônica do escritor
Jurandir Ferreira (1): “Bruno Filisberti: Tão grande quanto
ignorado”. A segunda, revelando em Abuchalla um artista
com o ímpeto contemporâneo de ir buscar os apreciadores
da arte nas ruas, não a deixando confinada aos museus,
permaneceu só parcialmente no Espaço Cultural da Urca,
pois 49 imagens de obras de Filisberti foram espalhadas por
ruas e espaços públicos de Poços de Caldas, acompanhadas
pela exibição de um autorretrato bastante famoso do pintor.
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O ROSTO DE FILISBERTI REVIVIDO NAS RUAS
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A timidez de Bruno era notada inclusive por seu hábito de desviar-se
das calçadas ao caminhar pela cidade.
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UM HOMEM SIMPLES E TÍMIDO
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Teríamos que entender, nesses artistas, a natureza de suas
exigências estéticas como incompatível com uma vida exterior
muito borbulhante e mundana. A arte lhes impõe restrições,
obriga-os à solidão, pede que se aprofundem num sentido
oposto ao mundo social, retendo para si mesma as energias que
são comumente requeridas pela sociedade, a família, os próprios
salões, as relações de prestígio, os jornais, os admiradores. Para
esses artistas, a sociedade pode parecer apenas dissipação,
dispersão, fuga às imposições crescentes de seu trabalho de
pesquisa e aprofundamento. Pode fazê-los, como no caso de
Gauguin (4), radicalizar opções a ponto de trocar a civilização
europeia por um país distante e primitivo como o Taiti.
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UM HOMEM SIMPLES E TÍMIDO
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Amedeo Scavone, professor de Arte, foi mestre
de Bruno por vários anos. Aqui, aparece em
desenho do próprio discípulo.
4
a origem italiana
e a reserva mineira
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natural aptidão para habilidades manuais. Houve certo
estranhamento quando o jovem Bruno, que começava a ser
conhecido como futuro artista, deixou Poços de Caldas para
trabalhar em Mococa como ajudante de marmorista. Estava
interessado no contato com as formas e cores da pedra. Esta
habilidade lhe foi útil mais tarde, quando residiu em São Paulo
e trabalhou como auxiliar de marmorista para poder fazer
seus estudos de Belas Artes. E o conhecimento adquirido
também lhe valeu para ministrar um exercício de percepção
para seus poucos alunos. Em seu atelier, Bruno mantinha
algumas esculturas brancas, feitas em mármore ou gesso. O
artista pedia a seus alunos que desenhasse exaustivamente
tais esculturas. Só quando um aluno conseguia reproduzir
todas as variações de luz dos objetos e o desenho ganhava
volume, Bruno acreditava que ele estava preparado para
começar a usar tintas e cores.
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A ORIGEM ITALIANA E A RESERVA MINEIRA
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oferecem registros preciosos de quem foi o pintor. Numa
delas, “A pintura vigorosa e humana de Bruno Filisberti”,
afirma: “Mesmo os artistas, mesmo os amadores e críticos
de artes plásticas, mesmo grande parte de seus concidadãos,
habitantes de Poços de Caldas, não conhecem este jovem
pintor de talento singular. Contudo e até certo ponto cabe
a culpa ao próprio Bruno Filisberti. Os seus amigos – e bem
poucos são estes – acham que ele se esconde como um
bicho e se esforçam inutilmente para torná-lo mais sociável.
Enquanto alguns pintores gostam de sair a campas tangidas
para colher festas e homenagens entre o público, Filisberti
silencia e trabalha, isolado em sua toca, inteiramente mudo e
alheio ao que quer não seja o seu próprio esforço criador ou
a linguagem das formas e das cores, com que ele se superpõe
ao homem comum e conversa com os deuses.”
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CURIOSIDADE
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“pintura não é charada”
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que o obrigaria a criar imagens bizarras que exigiriam do
espectador talento especial para decifrar símbolos, e o
abstracionismo, com seu descaso à figura humana, estaria
sempre fora de suas cogitações. Havia em sua arte uma
acentuada propensão a não fazer nada de maneira leviana
ou estrondosa, e até na questão das molduras Bruno se
revelava um adepto do artesanato modesto e sincero, pois
ele mesmo fazia as suas, sempre rústicas e simples. Quando
alguém uma vez lhe perguntou por que procedia assim, ele
respondeu que as molduras nunca devem ser mais belas
que o trabalho do pintor.
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Na solidão de seu atelier, Bruno não se manteve alheio às influências
artísticas de seu tempo, embora preferisse modelos clássicos.
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no campo das influências
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Nascido em Itu em 1850, Almeida Júnior viveu em
Piracicaba, onde veio a falecer em 1899 tragicamente
assassinado. Fez grande nome como pintor regionalista, com
seus quadros de um realismo inspirado nos franceses Courbet
e Milliet. Bruno, com seu natural amor ao realismo, foi de
fato influenciado por ele, embora com métodos diferentes e
com um toque impressionista mais acentuado nas paisagens.
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a aversão de Bruno ao que chamou de “charadas”. Ele não
iria ceder a um tipo de pintura que se contentava com tal
despojamento ou hermetismo – queria ser claro, queria ser
popular, sem perder a sua identidade pictórica.
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NO CAMPO DAS INFLUÊNCIAS
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De temperamento pouco dado a homenagens oficiais, Bruno
recebe aqui, pelas mãos do amigo Dorival Ferreira, tributo
prestado pelo Lions Club de Poços nos anos 1970.
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A REVERÊNCIA DOS
POÇOS-CALDENSES
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não deixava de desenhar sobre qual fosse o papel, com um
talento que incluía a veia da caricatura. Também gostava de
presentear seus amigos com quadros.
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A REVERÊNCIA DOS POÇOS-CALDENSES
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Os salões, independentemente de quanta polêmica causem
por não inclusões consideradas injustas ou por inclusões que
parecem advindas de políticas grupais fechadas, continuam
tendo sua importância, e o “Bruno Filisberti” parece ser, em
Poços de Caldas, de longe o mais duradouro e prestigiado.
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A REVERÊNCIA DOS POÇOS-CALDENSES
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Cury. Foram realizadas várias exposições coletivas e, nas
próprias palavras de Valente, “tínhamos o hábito de nos
reunir no Salão de Artes todas as terças-feiras para a troca
de ideias. Todos os artistas eram convidados, mas tínhamos
uma média de 10 a 15 artistas assíduos – geralmente os mais
jovens. Destes encontros surgiram exposições coletivas que
fizemos em Belo Horizonte, no Centro Cultural São Paulo
e outras, com apoio da Divisão de Cultura. Deles surgiu
também a criação do Salão Poços-Caldense de Belas Artes.
O primeiro Salão foi realizado de 3 a 14 de novembro de 1984,
no início só com arte acadêmica, mas depois se expandindo
para a arte contemporânea também.”
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SOB AS FLUTUAÇÕES
DA VONTADE POLÍTICA
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e o ziguezaguear volúvel e interesseiro da vontade política. O
grande problema de deixar a Arte sob influência dos humores
políticos é condená-la a essa esterilidade e a essa atitude quase
assistencial, espasmódica, em relação aos artistas. Lamenta-
se que muitas das obras de grandes artistas permaneçam
confinadas a colecionadores particulares, mas a verdade é
que a tutela pública das administrações municipais não é
suficientemente confiável com seu hábito de deixar ao “Deus
dará” muito material importante, dependendo, quase sempre,
de ações individuais isoladas para que a importância de
uma obra cultuada continue de pé, assegurada. Abnegados
admiradores ou simples promotores desprendidos da Arte
de sempre fazem com que ações tenham lugar, e, num país
em que a classe política foi perdendo, com os anos, homens
públicos preocupados com a Cultura real, não é de admirar
que a iniciativa privada pareça muito mais segura que a
pública nesses domínios – fundações promovidas por bancos
ou fortunas particulares começaram a grassar nos anos 1990
por causa disso.
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SOB AS FLUTUAÇÕES DA VONTADE POLÍTICA
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crianças e jovens com sensibilidade para as artes plásticas,
a despeito da frequência com que o nome do artista é
pronunciado. Nesse mesmo Salão, encontraremos na parede
aos fundos, em grande destaque, uma fotografia de Bruno já
maduro e também desenhos seus, cedidos pelo colecionador
particular Roberto Tereziano. Tereziano é um jornalista que é
dos principais responsáveis pela manutenção da memória do
grande artista, tanto conhece sobre sua obra e vida.
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EM TORNO DE UMA LENDA
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e transferindo as observações literárias por este feitas em
“O tempo redescoberto” (10) para o campo da pintura, pode-se
afirmar que “o Eu social é uma criação do pensamento dos
outros e só o Eu do exílio e da solidão do artista é verdadeiro”.
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EM TORNO DE UMA LENDA
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sem maior inventividade, como se mesmo dentro do absurdo
mundo dos sonhos o número de fórmulas fosse limitado.
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EM TORNO DE UMA LENDA
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ponta de caneta. Os traços nunca parecem desperdiçados,
são econômicos e precisos.
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DESCOBERTO PELO OLHAR
DE ELVINO POCAI
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Um tio de dona Maria Nylce, Elvino Pocai, vindo de
São Paulo, visitava os Sarti, e assim viu Bruno – sujando
as mãos com seu carvão para erguer talentosos rabiscos
na calçada. Escritor voltado para a indústria gráfica, Pocai
mirou seu olhar de artista sobre quem era, precocemente,
um pintor, e achou-o merecedor de conhecer melhores
técnicas, tendo presenteado o garoto com papéis de melhor
qualidade e aquarelas.
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DESCOBERTO PELO OLHAR DE ELVINO POCAI
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fauvismo, expressionismo davam suas caras no país,
embora os integrantes da Semana fossem conhecidos mais
genericamente como “futuristas”. O clima era de ebulição, de
renovação, mesmo contra as barricadas do conservadorismo
e da estreiteza mental.
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DESCOBERTO PELO OLHAR DE ELVINO POCAI
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A velha Poços, de paisagens bucólicas e casebres isolados, foi o paraíso
particular pelo qual Bruno circulou com suas telas e pincéis.
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“LONGE DO MUNDO INSENSATO”
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cujos quintais bambuzais espessos ofereciam seu verdor
escuro e bananeiras se agitavam e estalavam suas folhas ao
vento; aqui e ali, galinhas ciscando livres e uma atmosfera
de sossego provinciano da qual se encontram descrições
muito precisas e deliciosas no antigo livro “Vida ociosa”, de
Godofredo Rangel (13).
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“LONGE DO MUNDO INSENSATO”
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Essas figuras souberam quem era ele na intimidade,
até onde ele permitiu se mostrar, com toda certeza.
Compartilharam com ele de seu prato favorito – que era a
prosaica “pizza”, traindo seu gosto previsível de filho de
italianos – e até devem tê-lo ouvido tocar violão e penetrado
em seu atelier para verificar o andamento de algum quadro,
encomendado por eles ou não.
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O CADERNO DO PASSADO
E SUAS FOLHAS VIVAS
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A despeito de não gostar de fazer retratos, por carinho e
amizade, Bruno fazia exceções – foi o caso de Dorival, que
teve seus dois filhos retratados por ele. Coisa da qual Dorival
mostra evidente orgulho.
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O CADERNO DO PASSADO E SUAS FOLHAS VIVAS
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de sessões de nostalgia em DVD. Um verdadeiro panteão dos
astros da Hollywood nos anos 1940 foi revivido – de Walter
Pidgeon a Miriam Hopkins, passando por Mickey Rooney.
E sabe-se que Bruno gostava de cinema, frequentador assíduo
do extinto Cine São Luiz na companhia de Nelson Sarti.
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O AMIGO DR. DAMINI:
COLECIONANDO BRUNOS
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“Sei que o relacionamento entre os dois se deu por meio
de um amigo comum, Aldo Stoppa, dentista que dedicava seu
tempo livre à pintura e que tinha um consultório no mesmo
andar que o consultório de meu pai, no Edifício Serigy,
situado na Rua Assis Figueiredo. Ele ficou tão encantado com
a obra de Bruno que encheu as paredes do consultório de
quadros. Passou então a colecioná-los, e a revestir as paredes
de nossa casa com eles também. Praticamente transformou-a
em uma pinacoteca, pois havia quadros em todas as paredes
de todos os cômodos, de cima até embaixo, com exceção
da cozinha e do banheiro. Ao falecer em 19 de setembro de
1972, seu acervo contava com 343 quadros, sendo que de
Bruno Filisberti o número era de 103. Conversando com meu
irmão Eduardo, relembramos que meu pai tinha como maior
concorrente nas compras de quadros dele um minerador de
nome Curimbaba. Papai também teve muita expectativa de
valorização dos trabalhos quando um dos proprietários das
Casas Pernambucanas (família Lundgren) começou a adquirir
quadros diretamente do pintor. Mas sua grande alegria era
quando trazia para casa um dos quadros com o carimbo de
que fora exposto na Pinacoteca de Piracicaba e premiado.
Para tanto, sabíamos que papai dava uma ajuda financeira
para que Filisberti participasse dessas exposições, bem como
ajudou a construir seu atelier junto à casa de Gilda, sua irmã.”
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O AMIGO DR. DAMINI: COLECIONANDO BRUNOS
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a perfeição. Papai chegou com o quadro ainda úmido em casa
e nos contou este fato com muito orgulho, pois conseguira
convencer o pintor, fato que ele disse ser muito incomum.”
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O AMIGO DR. DAMINI: COLECIONANDO BRUNOS
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A popular Festa de São Benedito, que acontece anualmente em noites
frias de maio, atraiu o pincel de Bruno em inúmeros quadros.
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O ARRISCADO CONCEITO DE “ALMA”
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O olhar de um pintor empenhado em construir uma
obra própria, por mais que nos deixe felizes pela técnica
realista empregada, que nos torna reconhecíveis quadros
de nosso presente ou do passado (o que explica a paixão
verdadeiramente saudosista inspirada pelos quadros de
Filisberti), nunca nos remete a uma realidade confiavelmente
fotográfica, o famoso “tal e qual” apreciado por quem tem
pouco entendimento da pintura.
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O ARRISCADO CONCEITO DE “ALMA”
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extrema importância subjetiva e reflete uma singularidade
não encontrável em nenhuma outra parte. Essa singularidade,
embora hoje em dia se tema muito o uso desta palavra,
será “alma”. Na certa é o que procuraremos em sua obra
(e encontraremos), ainda que não saibamos bem o que seria
esse “quê” indefinido que nos faz gostar de um quadro mais
do que qualquer outro e eleger um pintor em detrimento de
tantos outros nomes de sua escola e época.
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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA
OBRA EXTENSA
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amigos e admiradores, esses desenhos de humor. Para um
verdadeiro artista, os poros abertos se informam a qualquer
manifestação de arte que cave acomodações em seus veios
emotivos e estéticos. Desenhar, para Bruno, parecia tão
natural quanto respirar, e nisso ele não era um conservador
– gostava das canetas hidrográficas, por exemplo, que
substituíram os lápis de cor para os escolares, e as chamava
de “pincéis secos”, talvez se deleitando em experimentar suas
cores vivas, ardentes.
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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA
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para dar uma conferência na cidade mas que acaba partindo
sem honrar o compromisso. E ainda por cima surrupia uma
tela de Bruno. Diferente da realidade, na ficção nem todo
escritor era seu amigo.”
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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA
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rural que atrai pelo pitoresco e pelo passadismo, fazendo supor
que nada mudou nesses campos sempre idealizados onde há
cabanas, bambuzais, mulheres à janela e homens pitando
preguiçosamente às soleiras das portas rústicas. Em geral,
a procura por esse tipo de pintura reflete uma vontade de
refúgio e escapismo de citadinos que um dia conheceram algo
vagamente semelhante nos seus passeios confortáveis pelo
mundo rural do passado. Mas, nesse caso, pouco importa que
essas pinturas tenham algo de verossímil ou real. Por vezes,
ganham aquele aspecto das velhas paisagens de folhinhas
e calendários, com cenas europeias ou norte-americanas e
canadenses, trazendo paisagens em que as árvores, a flora e a
fauna em geral nada tinham de brasileiro.
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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA
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sem tantos aparatos, atraiu a atenção do público que passava
por ali. Atraiu, naturalmente, pela superioridade inegável de
seu trabalho.
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QUADROS E AMIZADES
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hábitos e prazeres sem precisar se aluir para fazer coisas que
considerava secundárias.
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QUADROS E AMIZADES
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orgulho, e vemos figuras humanas, paisagens e flores dos quais
ele nos fala, mencionando que o talentoso quase-parente,
ao morar em São Paulo e trabalhando como marmorista,
fizesse para ele um cinzeiro de mármore que conserva até
hoje. Linguanotto lembra Bruno em muitos episódios, mas,
sempre bem-humorado, revela que o pintor, quando doente e
precisando ser revirado em seu leito de hospital, reclamou dele
quando se pôs a ajudá-lo, achando suas mãos “ásperas”, ao que
respondeu: “Eu ajudando e você reclamando, ora!”.
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RESTAURAÇÃO EXIGE
EMPATIA PROFUNDA
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Lenise, tendo cuidado dessas telas com algo que ela procura
definir como empatia ou fusão até mesmo mística – “era como
se eu entrasse em contato com a alma de Bruno através das
paisagens, das rugosidades das árvores que ele pintava...”
– ela conta que Bruno tomava conta de suas telas de modo
absoluto, fazendo-as ele mesmo, entalhando as molduras e
mantendo-as sob um artesanato vigilante tal qual um artista da
Renascença. Fala das tintas importadas que Bruno usava e das
suas preparações de telas com óleo Carneiro, cola Coqueiro,
usando também o chamado “verniz de boneca”.
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RESTAURAÇÃO EXIGE EMPATIA PROFUNDA
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Sua filha, Isabelle Laier, mostrou-se muito receptiva à
biografia e contou da admiração de sua falecida mãe por
Bruno, com quem teve um curto período de aprendizado
antes de seguir para São Luís, no Maranhão, e fez questão
de me oferecer as tintas para que eu lhes anotasse as marcas.
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A LENTA DESPEDIDA
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em seu atelier, pode ser que uma associação automática, não
muito refletida, tenha sido feita a partir da morte de Bruno.
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A LENTA DESPEDIDA
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pés ou dos veículos saibam quem foi Bruno. Mas, em espírito,
ele é a história sempre viva da pintura na cidade – basta
que se pronuncie seu nome e uma enxurrada de imagens,
em quadros a óleo e desenhos, voltará à lembrança de
quem o conheceu. E sua lenda de homem arredio persistirá,
indissociável de sua pintura. Foi arredio para resguardar-se
da tirania das aparências e melhor apegar-se à sua verdadeira
essência: a arte de pintar.
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SOBRE O AUTOR
95
Desde 2000, publicou livros de contos, romances, poesia,
memórias, ensaio, tendo um deles, o romance “O estranho
no corredor” (editora 34, SP), estado entre os dez finalistas
do prêmio São Paulo e recebido um Jabuti em 2012. Quanto
a personalidades poços-caldenses, publicou pela Gráfica
Sulminas de Poços de Caldas em 2001 a biografia “Nos tempos
de Agostinho”, sobre o falecido prefeito Agostinho Loyolla
Junqueira. É também tradutor de ficção em Inglês, trazendo
neste currículo em particular autores clássicos como Henry
James, Arthur Machen, M.R. James e Edith Wharton, além
de nomes contemporâneos como Gregory Maguire, Max
Allan Collins, Michael Scott e Kenneth Oppel, para editoras
do país como Geração Editorial, Rocco, Penalux, Faro e
Ediouro. Suas traduções já são em número de trinta e seis.
Continua pintando e escrevendo, publicando seus livros
com frequência e realizando exposições esporádicas de seus
quadros, que mesclam variadas influências e escolas.
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AGRADECIMENTOS
97
IMAGENS
DO MUNDO
DE BRUNO
99
100
a, no
o r Jur a ndir Ferreir
escrit
O amigo
a q uieta substância
ônicas “D
livro de cr uno
pre sta tributo a Br
dos dias”, 275.
na s p á ginas 77 e
Filisberti
101
A vida humilde da periferia
e o povo nas feiras e festas
da antiga Poços de Caldas
que Bruno conheceu
profundamente.
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106
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109
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111
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Na captação
de expressões
humanas, Bruno
utilizou diversas
técnicas, sempre
demonstrando
uma capacidade
inata de precisão e
justa composição.
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O traço conciso e às vezes
humorístico de Bruno
capta aqui, pela ordem da
esquerda para a direita, o
seu próprio rosto, o rosto
do amigo Dorival Pereira
e o do crítico literário do
Modernismo brasileiro
Mário da Silva Brito.
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Estudiosos da obra de Bruno observaram
que há nela uma constância de crianças
com expressões sérias ou melancólicas,
o que pode ser decorrente de uma infância
difícil, de menino adotivo, por ele vivida.
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NOTAS
(1) Jurandir Ferreira nasceu em 1905 e morou por quase a vida toda em
Poços de Caldas, consagrando-se como o escritor mais famoso e elogiado
da cidade. Em 1994, recebeu o prêmio “Guimarães Rosa” por sua novela
“Um ladrão de guarda-chuvas”. Faleceu na própria Poços em 1997.
(2) Carl Gustav Jung (1874-1961), criador da Psicologia Analítica e dos
conceitos de Arquétipo e Inconsciente Coletivo.
(3) Paul Cézanne, pintor francês (1839-1906).
(4) Paul Gauguin, pintor francês (1848-1903).
(5) Alfred Sisley, pintor francês (1839-1899).
(6) “Os admiráveis italianos de Poços de Caldas - 1884-1915”.
(7) Página 275 de “A quieta substância dos dias”.
(8) Negacear: Consta no “Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa” como atrair por meio de negaça; fazer negaças, provocar;
enganar, iludir; negar, recusar (em geral fingidamente); fazer negaças.
(9) Escritor francês (1871-1922).
(10) Sétimo volume de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust,
editora Globo, SP, 1995.
(11) Pintor espanhol (1904-1989).
(12) Edições Scortecci, SP, 2012.
(13) Escritor nascido em Carmo de Minas, MG (1884-1951).
(14) Livro publicado pela editora do autor em Poços de Caldas, 2009.
(15) Escritor inglês do período vitoriano (1840-1928).
(16) Escritor inglês de enorme sucesso e influência (1812-1970).
(17) “Memórias de um descasado” (Edicon, SP, 2000), “Pedalando”
(Gráfica Sulminas, Poços de Caldas, 2003).
(18) Pintor francês (1796-1875).
(19) Pintor alemão, naturalizado norte-americano e depois francês
(1891/1976).
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Uma parceria de
Chico Lopes
e
José Elias da Silva Neto
www.facebook.com/estanciaprojetoseditoriais