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Chico Lopes

BRUNO FILISBERTI
Crônicas da Vida
dO Mestre dos Pintores
de Poços de Caldas

2ª edição
Poços de Caldas MG
Estância Projetos Editoriais
2019
Copyright Chico Lopes, 2018

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação


poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio
sem a autorização por escrito do autor.

Impressão: São Sebastião Editora e Gráfica Eireli-EPP,


São Sebastião da Grama, SP

Autor: Chico Lopes

Gênero: biografia

Projeto gráfico e revisão:

Uma parceria de
Chico Lopes
e
José Elias da Silva Neto
www.facebook.com/estanciaprojetoseditoriais

Agradecimentos:
ao Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas, pelas fotos;
a Huendel Viana, pelo desenho de Mário da Silva Brito.

Obra em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP


Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167

L851b Lopes, Chico


Bruno Filisberti: crônicas da vida do mestre dos pintores de
Poços de Caldas / Chico Lopes. – 2. ed. – Poços de Caldas:
Estância Projetos Editoriais, 2019.
128 p. : il. ; 21 cm.

ISBN: 978-65-81046-01-9.

1. Pintura brasileira 2. Pintores brasileiros 3. Pintores – Poços de


Caldas (MG) 4. Filisberti, Bruno – Pintores I. Título

CDD 759.981
CDU 75(81)
NESTE LIVRO, Chico Lopes leva o leitor preciosamente,
em detalhes, ao mundo da Pintura através da vida e da obra do
mestre pintor Bruno Filisberti. O escritor traz uma coletânea
de depoimentos e dá de presente ao mundo um dos maiores
pintores mineiros de todos os tempos, até então desconhecido
nacionalmente, apesar da vasta obra e por estarem suas obras
nas mãos de poucos colecionadores. Assim, Chico Lopes
finalmente dá o “kick off” a uma nova era na obra desse
personagem: a era do reconhecimento público do legado que
Filisberti nos deixou.

Falecido em 1979, passadas quase quatro décadas,


finalmente um escritor renomado, através desta obra, insere
esse pintor de grande fama no tempo e no espaço e destaca
sua importância para a cultura e a arte brasileira. De leitura
profunda, o livro vai remeter o leitor à sua própria infância
e à sua própria raiz, cumprindo o papel da arte, retratando
a arte através do reconhecimento de um trabalhador que,
em seu tempo, foi incompreendido pela sua reclusão e pelo
seu “modus operandi’. Nos dias de hoje, porém, com a lupa
da modernidade e da tecnologia, fica fácil de entender que
Bruno Filisberti era “o” gênio fora da curva, um “workaholic”
perfeccionista que alcançou a perfeição graças à sua intensa
dedicação ao trabalho artístico.

Flávio Delgado
“A pintura é o silêncio do
pensamento e a música da visão.”
Orhan Pamuk (“Meu Nome é Vermelho”)

“A boa pintura é como a boa comida:


pode ser saboreada, mas não explicada.”
Maurice de Vlaminck

“A pintura é uma fé, e ela impõe o dever


de desconsiderar a opinião pública.”
Vincent Van Gogh
1
bruno filisberti no convívio
entre passado e presente

É comum que, ao conversarmos com pessoas de idade


avançada, hoje em dia, elas se lembrem de Poços de Caldas
como a cidade em que passaram momentos românticos – uma
lua de mel, uma visita em criança à cascata Véu das Noivas ou
quando jovem à Fonte dos Amores, um passeio de charrete
bastante idealizado, passando pelos jardins do Palace Hotel
e pelas Thermas Antonio Carlos. Em geral, essas lembranças
se dissipam quase de imediato e entram em confronto
com a Poços de Caldas de hoje, crescida, industrializada e
comercial, com mais de cento e cinquenta mil habitantes,
repleta de movimento e já enfrentando problemas de cidades
brasileiras que se expandiram perifericamente e seguem se
expandindo de modo não necessariamente organizado.

7
Já me encontrei com visitantes assim, que da cidade se
lembravam como de um constante afago de vento serrano
sobre o que era pouco mais que uma vila paradisíaca no
passado e se espantavam pelo tumulto comercial do centro, os
cardumes de turistas, as atrações dos muitos e diversificados
hotéis e resorts, restaurantes, bares, centros culturais,
feiras. Essas pessoas, naturalmente nostálgicas e apegadas
a um saudosismo que lhes oferece um recorte de memória
privilegiado seja pelo entusiasmo natural da juventude,
seja por saudades do conforto de uma classe abastada que
podia fazer viagens a estações de cura, demoram um pouco
a acostumar-se com o presente. Quando abrem bem os
olhos, porém, abrindo mão da autoindulgência saudosista,
percebem que a cidade se multiplicou, tornou-se muito
grande, está repleta de bairros e de movimentação entre eles
e o centro através dos muitos ônibus circulares, mas a boa
nota é que não perdeu suas referências turísticas do passado
nem seu encanto memorável.

Poços de Caldas sempre foi, e continua a ser, uma cidade


pela qual ninguém passa indiferentemente. Algo de seus ares,
suas serranias azuis, seu céu sempre magnífico, a leveza de
sua brisa, a amenidade consistente de seu clima, o cuidado
de seus jardins, o espesso e belo arvoredo do Parque Afonso
Junqueira, permanece no viajante de passagem. O convívio
entre passado e presente, ainda que novos problemas sociais
e econômicos tenham surgido ao longo de décadas de turismo

8
BRUNO FILISBERTI NO CONVÍVIO ENTRE PASSADO E PRESENTE

e encantamento saudosista e a cidade não tenha escapado


aos imensos altos e baixos sofridos pelo país como um todo,
é um fato comprovável por toda parte.

Quando me tornei morador em outubro de 1992, fui,


durante algum tempo, tomado pelo entusiasmo do turista e
demorei a sentir-me pertencente ao corpo da cidade, até por
ter me instalado num de seus bairros mais distantes. Mas
de imediato senti o impacto de sua luz, de suas brisas, seus
azuis luminosos. Como escritor, mas também como o pintor
que sou, encantei-me com a luz da tarde nos bosques de
eucaliptos e pinheiros, o amarelo dos plátanos no Outono,
com a impressão, em certos dias cinzentos, de estar numa
espécie de refúgio europeu incrustado nas montanhas do
Sul de Minas, sentindo lampejos de telas impressionistas
latentes. Pensei que essas serras, céus e panoramas vistos
do alto dos bairros elevados, tinham que ter um pintor à
altura de sua beleza.

Dos muitos pintores locais o nome mais citado para mim


foi o de Bruno Filisberti. Havia no Complexo Cultural da Urca
um salão com seu nome, sua fama persistia como uma lenda
nos círculos especializados. Pintores que fui conhecendo
referiam-se a ele como a uma espécie de centro gravitacional
da arte pictórica em Poços. Pensei que um dia teria que
conhecer seus quadros, sua vida.

9
Bruno não foi avesso à prática do autorretrato. Na sua juventude,
retratou-se em imagens que ficaram marcantes.
2
o rosto de filisberti
revivido nas ruas

A prova desse peculiar convívio entre passado e presente


da cidade se reflete também em suas artes plásticas. Marcelo
Abuchalla, um dos artistas de maior fama do presente, não
poderia ser mais contemporâneo: inspirado por artistas
pop, além dos grafiteiros disseminados pelas metrópoles no
mundo atual, preocupou-se em organizar duas mostras sobre
Filisberti para reviver a importância deste pintor na história
da arte na cidade e apresentá-lo, da forma mais popular e
acessível que lhe ocorreu, às novas gerações. A arte de Bruno
tem pouco em comum com a sua, visto Filisberti ter sido um
acadêmico com toques impressionistas que passou ao largo
de escolas como o cubismo, o surrealismo, o expressionismo,
o abstracionismo, habitualmente consideradas as represen-
tativas do século XX. Mas Abuchalla vestiu a camisa,
por assim dizer, de um artista do passado que, a seu ver,
permanecia injustamente esquecido pelo público, a despeito
de emprestar seu nome a um salão de arte público como o
Bruno Filisberti no Complexo Cultural da Urca.

11
As mostras foram realizadas em junho de 2012 e em julho
de 2013. A primeira delas, no Espaço Cultural da Urca – salão
Bruno Filisberti, celebrava os 100 anos de nascimento do
pintor e tinha um título extraído de uma crônica do escritor
Jurandir Ferreira (1): “Bruno Filisberti: Tão grande quanto
ignorado”. A segunda, revelando em Abuchalla um artista
com o ímpeto contemporâneo de ir buscar os apreciadores
da arte nas ruas, não a deixando confinada aos museus,
permaneceu só parcialmente no Espaço Cultural da Urca,
pois 49 imagens de obras de Filisberti foram espalhadas por
ruas e espaços públicos de Poços de Caldas, acompanhadas
pela exibição de um autorretrato bastante famoso do pintor.

Esta exposição foi a que atraiu mais público, segundo


Abuchalla. As imagens foram coladas em pilares do
monotrilho, empreendimento da cidade que nunca foi posto
em funcionamento e pode ser visto inativo, cortando as árvores
ao longo do Ribeirão de Caldas, na Avenida João Pinheiro.
Adorno inesperado naqueles pilares infrutíferos, o rosto de
Filisberti procurava diálogo com a atualidade de Poços.

Nesse aspecto, ao intervir esteticamente na paisagem


urbana, Abuchalla revelou sua plena contemporaneidade e
sua vontade de fazer a arte do passado de Poços dialogar com
o presente. Ao conversar com ele em seu atelier na própria
João Pinheiro, soube que Filisberti ficou envolto numa
aura de lenda e mistério um tanto devido ao seu próprio

12
O ROSTO DE FILISBERTI REVIVIDO NAS RUAS

temperamento: “Era um homem muito reservado”, diz


Abuchalla. E por aí, pela conversa com Abuchalla, dei início a
uma série de pesquisas sobre a vida do pintor, entrevistando
antigos conhecidos, admiradores, conterrâneos e amigos
seus. A menção a essa reserva de Filisberti retornaria
inúmeras vezes por outras bocas.

13
A timidez de Bruno era notada inclusive por seu hábito de desviar-se
das calçadas ao caminhar pela cidade.
3
UM HOMEM SIMPLES E TÍMIDO

Bruno Filisberti foi visto por conhecidos e amigos sempre


como um tímido, um introvertido. Para definirmos melhor o
termo, recorremos a quem o cunhou: o psicólogo suíço C.G.
Jung (2). Para ele, o introvertido seria o indivíduo que demanda
toda a sua energia psíquica para si mesmo (em oposição ao
mundo exterior); que tende a ser fechado e contido.

O introvertido clássico tende a ser visto como antissocial


ou misantropo. Mas nada disso é estranho à vida dos pintores,
que em muitos casos são rotulados como socialmente
esquisitos e avessos a mundanismos. A incompreensão
costuma cercá-los. Um dos fundadores da arte moderna (para
alguns, seu principal fundador), Cézanne (3), depurou sua arte
no isolamento do campo francês em Aix-en-Provence. Era
também tido por um temperamento reservado e difícil.

15
Teríamos que entender, nesses artistas, a natureza de suas
exigências estéticas como incompatível com uma vida exterior
muito borbulhante e mundana. A arte lhes impõe restrições,
obriga-os à solidão, pede que se aprofundem num sentido
oposto ao mundo social, retendo para si mesma as energias que
são comumente requeridas pela sociedade, a família, os próprios
salões, as relações de prestígio, os jornais, os admiradores. Para
esses artistas, a sociedade pode parecer apenas dissipação,
dispersão, fuga às imposições crescentes de seu trabalho de
pesquisa e aprofundamento. Pode fazê-los, como no caso de
Gauguin (4), radicalizar opções a ponto de trocar a civilização
europeia por um país distante e primitivo como o Taiti.

A contínua popularização da vida dos pintores por


romances e filmes acostumou-nos a vê-los assim, talvez
até estereotipados, como figuras problemáticas do ponto de
vista social. Vivem, porém, no paradoxo de, praticando uma
arte visual, precisar de exposições, viagens, reconhecimento
dos salões, dos museus, da crítica, dos colecionadores, e
não raro este paradoxo os dilacera, tornando difícil sua
própria sobrevivência (exemplo é a história de um grande
impressionista, Sisley (5), que foi contínuo fracasso de vendas
e exposições, mas se obstinou em seguir com sua arte, hoje
plenamente reconhecida).

Por tudo que dizem conhecidos e amigos, Filisberti


foi um amante da pintura que a ela se consagrou,
desconsiderando considerações mundanas. Dizia que

16
UM HOMEM SIMPLES E TÍMIDO

a sociedade não o interessava, que era hipócrita, a seu


ver. E sua vida e relacionamentos obedeceram com toda
coerência a essas ideias.

Uma lembrança compartilhada por vários dos


entrevistados para este volume é do fato de Bruno preferir
sempre andar no meio-fio, como que ao abrigo dos encontros
e esbarrões naturais que poderia ter ao andar sobre as
calçadas de Poços. A introversão e a timidez explicavam
tudo. Talvez se sentisse melhor apenas no seu atelier, núcleo
uterino onde podia lidar com as cores e recriar o mundo que
captava ao redor muito à sua maneira. Ia pensativo, com as
mãos nas costas, na certa elucubrando novas telas e vendo
cores que ninguém mais via em cenas, locais e situações
rotineiros na estância. Sem se deixar atrair por palacetes, sua
predileção por quintais, casebres e cenas populares fez com
que os pintasse com muita frequência, registrando-os para
uma posteridade à qual devem parecer fragmentos de um
passado pitoresco impregnados de naturalismo romântico.
Não havia incoerência alguma nessas escolhas temáticas
pois, por trás destas imagens, havia um homem humilde.

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Amedeo Scavone, professor de Arte, foi mestre
de Bruno por vários anos. Aqui, aparece em
desenho do próprio discípulo.
4
a origem italiana
e a reserva mineira

Nascido em Mococa, SP, em 11 de junho de 1912, filho de


imigrantes italianos, veio residir em Poços de Caldas aos 11
anos. Era de família pobre e foi cedo obrigado a trabalhar
para sobreviver, tendo passado de aprendiz de sapateiro a
carpinteiro e lavador de pratos. Mas pessoas que tiveram
contato com ele quando criança contam que bem cedo, com
menos de dez anos, ele já vivia com pedaços de carvão na mão,
desenhando em calçadas e paredes de Mococa. Instalado em
Poços, consta que teria trabalhado também como operário
na construção das célebres Thermas Antonio Carlos, uma
das atrações turísticas infalíveis do centro da cidade. O
convívio com a vida dura, com agruras e sofrimentos, deu-
lhe uma ligação espontânea e empática com tipos populares
(várias vezes retratados por ele) e com visões de uma Poços
de gente lutadora, oprimida pelas necessidades e um tanto
à margem dos grandes extratos sociais. A vida de trabalho
duro lhe deu também a possibilidade de pôr em prática uma

19
natural aptidão para habilidades manuais. Houve certo
estranhamento quando o jovem Bruno, que começava a ser
conhecido como futuro artista, deixou Poços de Caldas para
trabalhar em Mococa como ajudante de marmorista. Estava
interessado no contato com as formas e cores da pedra. Esta
habilidade lhe foi útil mais tarde, quando residiu em São Paulo
e trabalhou como auxiliar de marmorista para poder fazer
seus estudos de Belas Artes. E o conhecimento adquirido
também lhe valeu para ministrar um exercício de percepção
para seus poucos alunos. Em seu atelier, Bruno mantinha
algumas esculturas brancas, feitas em mármore ou gesso. O
artista pedia a seus alunos que desenhasse exaustivamente
tais esculturas. Só quando um aluno conseguia reproduzir
todas as variações de luz dos objetos e o desenho ganhava
volume, Bruno acreditava que ele estava preparado para
começar a usar tintas e cores.

Bruno, depois de terminado seu curso de Belas Artes, teve


outro mestre, Amedeo Scavone, com quem permaneceu por
quase dez anos, não se julgando mais que um modesto aluno.
E foi depois desse aprendizado que se sentiu preparado
a se revelar como pintor e começou a de fato assinar com
autoridade suas próprias telas.

Arriscamo-nos a dizer que, embora nascido em território


paulista, o espírito mineiro impregnou Bruno. O fato de
ter origem na imigração italiana só colaborou para que em

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A ORIGEM ITALIANA E A RESERVA MINEIRA

Poços sua vida florescesse com naturalidade, mesclando


a italianidade à “mineiridade”. Não estava em uma tribo
pequena, visto que Poços teve forte presença da imigração
italiana, registrada em livro bastante conhecido de Mário
Seguso . O “espírito mineiro”, ainda que possa ser
(6)

considerado um dado sociológico polêmico hoje em dia,


sempre foi tradicionalmente tido como propenso a criar
pessoas reservadas, ensimesmadas, o que muitos artistas
atribuíram à influência das montanhas, que ofereceriam
uma espécie de clausura natural.

É tradicional que os mineiros, especialmente os


pertencentes ao meio rural, sejam vistos às vezes como
homens que “enterram o umbigo” onde nascem, dali não
saindo a vida toda, como se o resto do mundo fosse alvo de
uma desconfiança atávica. Bruno, com sua preferência pela
reclusão e tendo vivido por alguns anos na cosmopolita São
Paulo, onde se fez um artista mais conhecedor de sua arte,
pareceu ter escolhido Poços de modo definitivo e com o
colorido desse clássico espírito a se depurar em sua vida de
quase asceta em dedicação à pintura. Resumiu-se à cidade e
à sua atividade solitária, compartilhada com poucos amigos
que o visitavam frequentemente.

Um desses amigos foi o próprio escritor Jurandir Ferreira,


que nutriu grande admiração por sua arte e, em seus escritos
nos jornais da cidade, celebrou Filisberti em crônicas que

21
oferecem registros preciosos de quem foi o pintor. Numa
delas, “A pintura vigorosa e humana de Bruno Filisberti”,
afirma: “Mesmo os artistas, mesmo os amadores e críticos
de artes plásticas, mesmo grande parte de seus concidadãos,
habitantes de Poços de Caldas, não conhecem este jovem
pintor de talento singular. Contudo e até certo ponto cabe
a culpa ao próprio Bruno Filisberti. Os seus amigos – e bem
poucos são estes – acham que ele se esconde como um
bicho e se esforçam inutilmente para torná-lo mais sociável.
Enquanto alguns pintores gostam de sair a campas tangidas
para colher festas e homenagens entre o público, Filisberti
silencia e trabalha, isolado em sua toca, inteiramente mudo e
alheio ao que quer não seja o seu próprio esforço criador ou
a linguagem das formas e das cores, com que ele se superpõe
ao homem comum e conversa com os deuses.”

No livro “A quieta substância dos dias”, Jurandir Ferreira


não publicou apenas esta crônica, mas outra, “Bruno Filisberti,
Medalha de ouro” (7), celebrando o recebimento da Medalha
de Ouro do XXXVIII Salão Paulista de Belas-Artes em
São Paulo em 1973 pelo pintor, que se distinguiu, ainda
segundo a crônica, “entre 167 mestres da pintura no Brasil, os
quais lá figuravam com 299 quadros”. Finalizando com o suave
humor sempre presente em sua prosa, Jurandir escreveu:
“É preciso que contemos isto a todos. Isto que Bruno Filisberti
com sua modéstia sem limites por ele mesmo jamais contaria
a alguém.”

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CURIOSIDADE

Com a finalidade de esclarecer controvérsias sobre


as origens de Bruno Filisberti e a grafia de seu nome,
pesquisas revelaram que:

1) Bruno Filisberti com “i” foi o nome com que o


mestre pintor escolheu viver e assinar suas obras.
Este é seu nome artístico. Já o seu nome de registro de
nascimento é Bruno Felisberti com “e”;

2) Bruno era filho do primeiro casamento de Sylvio


Felisberti com Cleonice. Apesar de nascido em 1912
em Mococa, Bruno só foi registrado em 19 de janeiro
de 1922 no Cartório de Registro das Pessoas Naturais
de Poços de Caldas.* Na ocasião Sylvio já era viúvo
da mãe de Bruno, do primeiro casamento, e registrou
cinco dos seis filhos que teve com Cleonice. Há relatos
que afirmam que a data de registro de nascimento de
Bruno está errada.

*Nota do autor: Desejamos agradecer pelo empenho nessas


pesquisas o casal Radegonda Carpegeani de Moura Gavião e
Gustavo Gavião, do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais
de Poços de Caldas que não mediram esforços no empenho de
localizar o documento que estabelece a verdade sobre o nascimento
do grande pintor.

23
5
“pintura não é charada”

Por onde andaram as ideias de Bruno Filisberti sobre


a pintura? Quais escolas, quais artistas ele elegeu como
suas influências permanentes e que pensava ele da arte
em geral? Observando-se seus quadros, verifica-se a
continuidade que é acima de tudo pensada e sentida
com sobriedade e contenção, sem grandiloquências e
com uma às vezes acentuada melancolia típica talvez
do introvertido que Bruno foi. A luz não é vívida, não há
explosões acentuadas de espaço, do cromatismo e da
euforia natural do impressionismo em seus trabalhos. Se a
pintura impressionista se inclinava à expansão e ao registro
realmente feérico das cidades e campos, a de Filisberti
sugere mais intimismo, como se dialogasse suavemente com
a paisagem, os pincéis numa relação menos espalhafatosa
ou exuberante com seu objeto. Sua arte tampouco trazia os
gritos arrebatados e dramáticos do expressionismo, escola
alemã que marcou profundamente a pintura das primeiras
décadas do século XX, nem ele se filiou ao surrealismo,

25
que o obrigaria a criar imagens bizarras que exigiriam do
espectador talento especial para decifrar símbolos, e o
abstracionismo, com seu descaso à figura humana, estaria
sempre fora de suas cogitações. Havia em sua arte uma
acentuada propensão a não fazer nada de maneira leviana
ou estrondosa, e até na questão das molduras Bruno se
revelava um adepto do artesanato modesto e sincero, pois
ele mesmo fazia as suas, sempre rústicas e simples. Quando
alguém uma vez lhe perguntou por que procedia assim, ele
respondeu que as molduras nunca devem ser mais belas
que o trabalho do pintor.

Leiamos a declaração que Bruno deu a um catálogo


publicado quando da exposição inaugural do Salão
Permanente de Artes Bruno Filisberti, transcorrida entre
11 de setembro e 9 de outubro de 1982, três anos depois de
sua morte. O catálogo, entre dados sobre Bruno e pequenas
biografias de expositores que haviam sido também, alguns,
seus alunos, foi assinado na ocasião por Maria José de Souza
(Tita), da Comissão de Cultura do Chico Rei Clube. Este
catálogo é precioso, pois revela que Bruno sabia perfeitamente
o rumo que seguia e aquilo em que este rumo implicava:

“Sou muito afeiçoado ao estilo impressionista. Acho que


a beleza é essencialmente orgânica, dispensando adornos
arbitrários e adventícios. A arte procura e encontra o belo em
tudo, tal como o mestre Rembrandt que, ao ver a grandeza
“PINTURA NÃO É CHARADA”

pitoresca do quarteirão dos judeus em Amsterdam, não se


lamentou que seus habitantes não houvessem sido gregos.
Minhas mensagens são entendidas por todos. Não me
afino com a técnica pictórica ultrarrefinada que obriga o
espectador a “interpretar” o sentido da tela exposta. Pintura
não é charada...”

Se isso já não fosse bastante claro por si, complementou:


“Não me dou bem com os trapezismos de sentimento e, por
isso mesmo, compreendo Almeida Júnior, no seu passado
glorioso, e sigo Arlindo Castellani de Carli na sua marcha da
atualidade, porque ambos são eternos, em contraposição aos
outros, que são passageiros...” (no catálogo, estas são dadas
como declarações extraídas de “Um flash de Bruno Filisberti”,
por Edmundo Cardillo, “Poços de Caldas em Revista”, edição
número 15, 1975)

27
Na solidão de seu atelier, Bruno não se manteve alheio às influências
artísticas de seu tempo, embora preferisse modelos clássicos.
6
no campo das influências

Não é sem interesse que Bruno tenha citado dois


artistas interioranos do estado de São Paulo como ele. O
primeiro, Almeida Júnior, consagrou-se com sua visão
acadêmico-naturalista do caipira paulista em quadros que
se tornaram célebres, verdadeiras referências imediatamente
reconhecíveis dessa escola. Quadros de Almeida Júnior
como “Caipira picando fumo”, “Caipiras negaceando”(8) e “O
violeiro” pertencem já ao imaginário pictórico do brasileiro,
devido à representação verídica e de “cor local” acentuada de
uma parte do país, que representou um conjunto considerável
de sua cultura popular.

Sabemos que Bruno gostava da identificação com o


“caipira” e amigos o mencionam como bom amigo de uma
cachacinha e de um cigarro de palha, além de ter habilidades
no violão e gostar de ouvir humoristas caipiras em fitas que
mantinha em sua casa.

29
Nascido em Itu em 1850, Almeida Júnior viveu em
Piracicaba, onde veio a falecer em 1899 tragicamente
assassinado. Fez grande nome como pintor regionalista, com
seus quadros de um realismo inspirado nos franceses Courbet
e Milliet. Bruno, com seu natural amor ao realismo, foi de
fato influenciado por ele, embora com métodos diferentes e
com um toque impressionista mais acentuado nas paisagens.

Quanto a Arlindo Castellani de Carli, foi outro pintor


que, tal como Almeida Júnior, situou-se esteticamente nos
moldes da pintura acadêmica da segunda metade do século
XIX. Nascido em 1910 em São Paulo, viveu também em
Ribeirão Preto, tendo se dedicado à pintura de nus, naturezas
mortas e paisagens e criado uma subescola pictórica
com uma tendência técnica chamada “axiomismo”, que
consistiria na mistura de vários estilos num único quadro.
Também foi escultor e é bem conhecido um monumento
seu, do Conde de Pinhal, situado numa praça da cidade
interiorana paulista de São Carlos.

Outros pintores citados por Bruno foram Robert Delaunay,


Pierre Alechinsky e Lapicque. Ele os citou aparentemente
para deixar claro que não desconhecia as tendências que a
pintura seguiu em sua época em termos de experimentação
e transfiguração da realidade. Pois Delaunay foi célebre pelo
seu cubismo, suas abstrações e cores muito vivas, dentro
do ritmo fragmentário e frenético do mundo moderno em
NO CAMPO DAS INFLUÊNCIAS

representação já desprovida de outra coisa que não formas


geométricas e movimentos (tanto que o quadro citado por
Bruno, “Ritmo” (de 1936), é quase um resumo das tendências
estéticas desse pintor francês. Já Alechinsky, belga, de
quem Bruno cita o quadro “Nado”, foi representante de uma
abstração mais violenta, de forte espontaneísmo, sinalizando
uma tendência verificada no pós-Segunda Guerra Mundial.
Quanto a Lapicque, pintor francês, cuja obra “O Mar”, é citada
por Bruno, foi engenheiro, escultor e pintor, e dedicou-se a
um tipo de pintura vivamente estilizado e colorido; era mais
um pintor cujo estilo em nada se parecia com o dele.

Evidente que Bruno sabia que estava praticando uma arte


que não seguia as tendências de seu tempo. Ele as conheceu,
mas preferiu adotar seu caminho próprio, não abandonando
a representação, que aos poucos foi desaparecendo das
galerias e da consideração dos críticos mais avançados.
Na verdade, a pintura não seguiu apenas um caminho de
abolição da representação clássica (visto que o surrealismo e
o expressionismo representaram, ainda, uma conciliação das
formas livres com o figurativismo, em muitos casos), mas, sob
aspectos de vanguarda nas hostes mais avançadas da crítica,
houve uma acentuada propensão para um construtivismo
e uma abstração que eliminariam as figuras reconhecíveis
de seres humanos e paisagens na pintura contemporânea,
substituídas pelo dinamismo da cor pura e da pintura como
uma linguagem inteiramente voltada para si mesma, donde

31
a aversão de Bruno ao que chamou de “charadas”. Ele não
iria ceder a um tipo de pintura que se contentava com tal
despojamento ou hermetismo – queria ser claro, queria ser
popular, sem perder a sua identidade pictórica.

Praticou, portanto, uma forma peculiar de impressionismo,


entendendo a escola muito à sua maneira. Vários amigos seus,
por mim entrevistados, revelaram que ele não tinha apreço
pela arte do retrato em especial, embora muitos de seus
retratos sejam bastante conhecidos e suas reproduções sejam
frequentemente divulgadas em Poços de Caldas. O retrato
lhe surgiu como uma forma possível de sobrevivência, já
que atravessou períodos de pobreza e penúria. Também não
tinha muito apreço pela pintura de flores e naturezas mortas,
facilmente vendáveis num mercado em que a arte decorativa
sempre interessou mais aos clientes que a experimentação
ou a visão muito particular do mundo que um pintor menos
comercial cultivaria.

E não falta quem lhe prefira o desenho às pinturas. Seu


traço ágil e conciso de desenho, na verdade, causa a impressão
convicta de uma captação muito segura. Bruno procurou ser
fiel a si mesmo e à sua arte, retratando sua cidade e o mundo
paisagístico que o cercou, e, se fez concessões, foi porque não
sobreviveria de outro modo. Não teria como resistir a certas
contingências, sendo pobre como era. Consta que ergueu seu
atelier com a ajuda dos amigos que puderam adquirir suas obras.

32
NO CAMPO DAS INFLUÊNCIAS

Nesse ponto, não foi um fenômeno isolado: sua história


se inscreve na história coletiva de tantos outros pintores que,
padecendo de necessidades e precisando seguir um caminho
pessoal, fizeram concessões a um mercado de exigências
estéticas pouco informadas, mantendo um trabalho
competente e profissional em áreas que não eram exatamente
as que escolheriam se pudessem ser financeiramente
independentes. A competência de Bruno Filisberti, mesmo
com os temas que não lhe agradavam e que eram impostos
pela necessidade de sobreviver, ainda assim dava resultados
visivelmente superiores aos que se produziam ao seu redor.

33
De temperamento pouco dado a homenagens oficiais, Bruno
recebe aqui, pelas mãos do amigo Dorival Ferreira, tributo
prestado pelo Lions Club de Poços nos anos 1970.
7
A REVERÊNCIA DOS
POÇOS-CALDENSES

A aceitação do nome de Bruno Filisberti no meio poços-


caldense é um fenômeno digno de nota. Não se trata apenas
de um apreço do meio artístico nem dos colecionadores,
que foram muitos e fizeram com que os seus quadros
achassem sempre compradores e lhe permitissem a desejada
sobrevivência – as pessoas comuns também, pouco ligadas
à Pintura, saberão quase sempre dizer quem ele foi, talvez
devido a ele dar nome ao principal salão de artes plásticas da
cidade, talvez por ser o seu o primeiro nome a ocorrer sempre
que se menciona pintores de Poços. Para alguns, dizer “tenho
um Filisberti” em casa é fator de orgulho, e assim os quadros
de Bruno, como moeda rara, passaram de muitas mãos a
muitas mãos, percorrendo caminhos sinuosos e tornando-
se de difícil acesso, só parcialmente, em pequeno número,
expostos numa ocasião ou outra. Esboços seus podem ser
encontrados entre moradores da Poços de seu tempo e ele

35
não deixava de desenhar sobre qual fosse o papel, com um
talento que incluía a veia da caricatura. Também gostava de
presentear seus amigos com quadros.

Porém uma grande retrospectiva de sua obra completa, ao


que consta, não foi ainda realizada em Poços, talvez porque
fosse necessário, para realizá-la, mobilizar grandes recursos
em termos de reconstituição fotográfica fiel das obras e re-
correr também a colecionadores ou proprietários que nem
são facilmente encontráveis. Os salões de artes plásticas, li-
mitados a iniciativas municipais, não podem dar conta disso.

Mas, quanto à divulgação da obra de um artista, questiona-


se também o poder de penetração social da arte dos salões.
Eles parecem sempre seletivos e elitistas devido à ignorância
generalizada do público em questões artísticas, e ainda mais
quando o refinamento da forma e as aventuras estéticas dos
artistas menos propensos a agradar e fazer concessões se
fazem presentes. A percepção vulgar do público não cultivado
em questões artísticas, no reino da pintura, faz de imediato a
sua escolha: prefere a figuração clara, explícita e, se possível,
próxima à sua realidade imediata e reconhecível, de tal
maneira que não haverá um só desses grupos de apreciadores
mais comuns onde não se ouse uma exclamação do tipo “que
perfeição! parece uma fotografia!”.

36
A REVERÊNCIA DOS POÇOS-CALDENSES

Quanto a isso, é interessante saber que Bruno não gostava


de pintar a partir de fotografias e tinha preferência por motivos
naturais e modelos vivos. Roberto Tereziano nos informa
que “ele fazia questão de não melhorar a profundidade ou
alterar a luz quando pintava a partir de fotografia e dizia
que não se sentia confortável em assinar tais trabalhos, que
ele considerava como cópias, pois a composição já estava
pronta. Talvez seja a explicação para que algumas de suas
telas tenham a assinatura do lado oposto”, aventa o jornalista.

A sociedade de consumo, obviamente, incorporou as


formas mais audaciosas da pintura (do surrealismo à pop art)
no cinema, na publicidade, no jornalismo e em várias mídias, já
que a reprodução de obras de arte de todo tipo se generalizou e
gerações foram se acostumando à pintura cubista, surrealista
e abstrata. Também estas foram domesticadas, por assim
dizer, para tornarem-se agradáveis aventuras cromáticas,
mesmo que às vezes um tanto excêntricas, no campo da
arte decorativa. Mas, mesmo convivendo com essas formas
derivadas da vanguarda pictórica e fotográfica, o público
comum, em sua maioria, ao se referir à Pintura, costuma ter
como padrão de qualidade e excelência aquilo que faz a coisa
mais óbvia: imitar a realidade. Cultura estética de fato não é
coisa que se propague tão facilmente e a massa não se sente
obrigada a praticá-la, numa sociedade em que tudo lhe vem
mastigado e imposto.

37
Os salões, independentemente de quanta polêmica causem
por não inclusões consideradas injustas ou por inclusões que
parecem advindas de políticas grupais fechadas, continuam
tendo sua importância, e o “Bruno Filisberti” parece ser, em
Poços de Caldas, de longe o mais duradouro e prestigiado.

No catálogo de inauguração desse “Salão Permanente


de Artes Bruno Filisberti” de Poços de Caldas em 1982, o
radialista Celso S. Saraiva escreveu: “...em sendo uma casa
em que serão abrigados os trabalhos de artistas locais, em
primeira questão, nada mais justo que darmos a ela o nome de
um grande pintor, e quem melhor que BRUNO FILISBERTI
para ser o patrono desta casa de arte, beleza e cultura? Vem
esta escolha bem ao encontro das homenagens que se lhe
faltaram quando em vida? Não podemos questionar o fato em
si, mas acreditamos que o espírito arredio do grande artista
provavelmente inibia os alunos e amigos que privaram de
seu convívio, tornando praticamente impossíveis quaisquer
manifestações de louvor ao seu trabalho.”

Nesse salão inaugural, compareceram muitos artistas,


alguns dos quais com nomes reconhecidos em Poços de
Caldas e fora da cidade como Aldo Stoppa, que foi aluno
de Bruno; Edis Bonadero, pintor nascido em Cachoeira do
Sul, RS, que estudou com Bruno entre 1974 e 1979, e seguiu
pintando sob os ensinamentos do professor, por quem nutre

38
A REVERÊNCIA DOS POÇOS-CALDENSES

grande respeito; João Batista Francisco, que talvez seja,


depois de Bruno, o principal pintor de Poços. Nascido em
Poços de Caldas em julho de 1961 e falecido em junho de
2014, veio de um meio humilde e se tornou pintor conhecido
por esforço próprio e constante. Suas telas têm alta procura
e valor comercial. Nelas assinava apenas “João Batista” e,
segundo Roberto Tereziano, em várias é possível reconhecer
influência direta do estilo de Bruno Filisberti. Além dele,
citemos Maria Aparecida da Costa Laier, nascida em Botelhos,
radicada em Poços, que durante um curto tempo frequentou
as aulas de Bruno Filisberti com evidente proveito. Muito
ligada à cultura popular, Laier executou quadros muito
hábeis nesta temática, refletindo expressões tradicionais de
Poços, como a Festa de São Benedito e as congadas. Nesse
terreno da cultura popular Filisberti também pisou, bastando
lembrar telas em que retratou a famosa festa, que continua
a acontecer numa atmosfera feérica e repleta de gente em
torno da igreja do santo na cidade.

Em 1983, o salão estava inativo quando Margarida


Valente assumiu a chefia da Divisão de Cultura, e decidiu
dar a ele uma nova dinâmica. Alunos e admiradores de
Bruno Filisberti a visitaram, em grande número na ocasião,
e entre eles pode-se citar Maria Antonieta de Carvalho
Prézia, Severo Augusto Luizi, Valdir Félix Sabino, Alfeu Silva
Barbosa, Aldo Stoppa, Reinaldo Alvim Pietro, Nacib Nacklé

39
Cury. Foram realizadas várias exposições coletivas e, nas
próprias palavras de Valente, “tínhamos o hábito de nos
reunir no Salão de Artes todas as terças-feiras para a troca
de ideias. Todos os artistas eram convidados, mas tínhamos
uma média de 10 a 15 artistas assíduos – geralmente os mais
jovens. Destes encontros surgiram exposições coletivas que
fizemos em Belo Horizonte, no Centro Cultural São Paulo
e outras, com apoio da Divisão de Cultura. Deles surgiu
também a criação do Salão Poços-Caldense de Belas Artes.
O primeiro Salão foi realizado de 3 a 14 de novembro de 1984,
no início só com arte acadêmica, mas depois se expandindo
para a arte contemporânea também.”

Margarida Valente não titubeia ao afirmar que Bruno


Filisberti foi para ela a maior expressão das artes plásticas
em Poços de Caldas.

40
8
SOB AS FLUTUAÇÕES
DA VONTADE POLÍTICA

Quando Margarida Valente foi isolada da Chefia da


Divisão de Cultura em 1988, o Salão ainda teve um tempo
de prosseguimento com atrações maiores ou menores, mas
as seguidas mudanças políticas, como sempre acontece,
fizeram com que tivesse maior ou menor força.

Nenhum salão ligado às políticas municipais (e o


fenômeno não é apenas poços-caldense, mas de todo o país,
para a infelicidade geral dos apreciadores e criadores de
arte) consegue ir avante com contínuas vacilações em sua
sustentação pública.

Isso é explicável pelas mudanças instaladas a cada nova


administração, que traz uma nova leva de cargos de confiança
e posturas políticas e pode fazer alterações que, substanciais,
mudam o espírito da atividade fundada ou por vezes a extingue
sem mais explicações. Assim, a vida cultural brasileira sob o
domínio das iniciativas públicas é marcada pela instabilidade

41
e o ziguezaguear volúvel e interesseiro da vontade política. O
grande problema de deixar a Arte sob influência dos humores
políticos é condená-la a essa esterilidade e a essa atitude quase
assistencial, espasmódica, em relação aos artistas. Lamenta-
se que muitas das obras de grandes artistas permaneçam
confinadas a colecionadores particulares, mas a verdade é
que a tutela pública das administrações municipais não é
suficientemente confiável com seu hábito de deixar ao “Deus
dará” muito material importante, dependendo, quase sempre,
de ações individuais isoladas para que a importância de
uma obra cultuada continue de pé, assegurada. Abnegados
admiradores ou simples promotores desprendidos da Arte
de sempre fazem com que ações tenham lugar, e, num país
em que a classe política foi perdendo, com os anos, homens
públicos preocupados com a Cultura real, não é de admirar
que a iniciativa privada pareça muito mais segura que a
pública nesses domínios – fundações promovidas por bancos
ou fortunas particulares começaram a grassar nos anos 1990
por causa disso.

Ademais, há nos artistas um justificado receio de se


aproximar dos patrocínios oficiais e de atender aos desejos
de políticos, que visam palanques e não plateias refinadas.
Em geral, com sua natureza às vezes pouco prática, o artista
costuma ser um administrador negligente de sua própria obra
e, não raro, nutre expectativas ingênuas com pessoas que não
mereceriam sua confiança. Tudo que ele deseja é fazer seu

42
SOB AS FLUTUAÇÕES DA VONTADE POLÍTICA

trabalho da maneira mais sossegada e fecunda possível, mas


isso raramente lhe é fácil, a menos que disponha de riqueza
pessoal capaz de poupá-lo de aborrecimentos inevitáveis a do
convívio com gente que intelectual e artisticamente considera
(e geralmente lhe é) inferior. Esta nota é dominante em toda a
história da arte, fazendo parecer que entre o mundo real e o
mundo da artista há um abismo que raros conseguem transpor.

Saltando desses anos iniciais do Salão para os dias atuais, ao


acabar de falar com o artista Marcelo Abuchalla, responsável
por um “revival” do interesse pela obra de Bruno Filisberti
com a exposição mencionada na crônica inicial deste livro,
um pequeno pulo me levou da Avenida João Pinheiro, onde
reside Abuchalla, até o Complexo Cultural da Urca, onde falei
com Daniela Marco Antonio Alvisi, responsável pela Divisão
Cultural, à frente de uma nova versão do Salão tradicional,
que seguiu com o concurso nacional de pintura, incluindo
a fotografia, atraindo concorrentes de muitas partes do
país, entre estas as principais capitais e mesmo de estados
distantes, como o Rio Grande do Sul.

Daniela, a despeito da passagem do tempo e da solidez


abalada, mas recorrente, do Salão que leva o nome do maior
pintor da história de Poços de Caldas, se confessa uma
admiradora de Bruno, mas lamenta que o seu legado não
esteja sendo transmitido às novas gerações. Para ela, não
há publicações que levem o nome e a obra de Filisberti a

43
crianças e jovens com sensibilidade para as artes plásticas,
a despeito da frequência com que o nome do artista é
pronunciado. Nesse mesmo Salão, encontraremos na parede
aos fundos, em grande destaque, uma fotografia de Bruno já
maduro e também desenhos seus, cedidos pelo colecionador
particular Roberto Tereziano. Tereziano é um jornalista que é
dos principais responsáveis pela manutenção da memória do
grande artista, tanto conhece sobre sua obra e vida.

Daniela lembra o Bruno introvertido, pouco ou nada


ambicioso em relação à fama, à glória do reconhecimento e
mesmo aos salões, desenhando por vezes sobre papel de pão.

É irônico pensar que Bruno, ganhador de tantas medalhas


em tantos salões, fosse tão pouco dado a se importar
com prêmios e fugisse, com sua simplicidade arredia, às
homenagens – deveria ter considerável aversão a usar paletó e
gravata e de estufar o peito, solene, ao ouvir discursos de louvor.
Enfurnado em seu atelier, adjunto à casa de sua irmã, Gilda, na
Rua Maranhão, 364, ele vivia como um clássico ermitão das
artes, preocupado em depurar sua técnica, fumar seu cigarro
de palha e ouvir seu rádio. Estabeleceu ali uma trincheira
contra um mundo de que desconfiava profundamente e se
moveu sempre dentro de passos rotineiros, como se tudo que
não fosse a sua pintura não valesse muita atenção.

Pode-se concluir que é quase a despeito da natureza


desapegada dos artistas que a fama chega a coroá-los.

44
9
EM TORNO DE UMA LENDA

Uma vida de artista que permaneça em vastas partes


desconhecida, e sobretudo de um artista que não se
empenhou em fazer de seu ego e das características de
sua personalidade uma bandeira pública, parece da maior
estranheza nos dias de hoje. Um artista que, hoje em dia,
se obstine em permanecer quase anônimo, sem fornecer
ansiosamente acesso à sua casa e sem correr aos jornais e
à mídia de tevê, e-mail, Facebook, Twitter e o mais, será um
artista predestinado ao fracasso. A todos parecerá ter feito
uma escolha suicida, poucos considerando que essa escolha
poderá ser muito consciente e até mesmo parte de seu
projeto de arte ou que sua integridade estética não pode ser
dissociada de sua postura existencial e de uma moral pessoal
fundamentada na solidão.

Há artistas para os quais a arte se constitui uma espécie


de vocação religiosa e pode significar um mergulho num
empenho de eliminação dos traços ególatras e mundanos da
personalidade e para esses a ânsia de sucesso com o público é
que não faz sentido. Para eles, parafraseando Marcel Proust (9)

45
e transferindo as observações literárias por este feitas em
“O tempo redescoberto” (10) para o campo da pintura, pode-se
afirmar que “o Eu social é uma criação do pensamento dos
outros e só o Eu do exílio e da solidão do artista é verdadeiro”.

Portanto, é natural que os artistas avessos à fama e ao


reconhecimento “a campas tangidas” (na curiosa expressão
anteriormente citada de Jurandir Ferreira) sejam muito mal
compreendidos. Por que se privar dos benefícios e deleites da
glória, se é isso que todos querem? – pergunta a massa vulgar.
Bem, não é isso que TODOS os artistas, indiscriminadamente,
querem, e as exceções existem, mas parecem inexistentes
porque desaparecem no anonimato de vidas escolhidas
para serem passadas longe dos holofotes – portanto, não
são destacadas senão em necrológios de que poucos se dão
conta, até porque sua obstinada recusa em fazer sucesso nos
parâmetros estabelecidos pela sociedade de consumo pode
parecer uma atitude independente e rebelde demais para o
gosto desta. A sociedade de consumo, tal como se constituiu,
pressupõe que o que tem a oferecer seja nada menos que
o Paraíso na terra e haver quem não pense assim a deixa
abalada e inquieta em suas premissas.

O século XX viu nascer um culto por vezes exagerado à


personalidade do artista. O artista foi, aos poucos, precisando
vender, mais que a sua obra, a sua vida, seus gostos pessoais,
suas excentricidades, como apêndice indispensável de
seu sucesso e, ainda que esta vida não fosse extravagante,
teria que aparentar sê-lo – a ideia burguesa é de que todo

46
EM TORNO DE UMA LENDA

artista, por recusar-se ao pacto utilitário e pragmático da vida


comum, tem algo de louco (e o considerável número de artistas
quase psicóticos ou suicidas, com um histórico de hospitais
psiquiátricos, só parece confirmar esses preconceitos). Um
dos maiores nomes deste século, o espanhol Salvador Dali (11),
jamais poderia ter sido considerado um artista tão grande
se não fosse muito hábil naquilo que hoje chamamos de
“marketing” – promoveu a si mesmo com frases destinadas
a escandalizar pessoas de direita ou esquerda, cultivou um
bigode que um homem comum jamais teria coragem de
ostentar publicamente e pintou quadros nos quais explosões
de bizarrice não escondem que, debaixo delas, havia um
hábil pintor acadêmico. Por vezes, seu trabalho era só dar
a temas convencionais, como a crucificação e outros, um
aspecto inusitado através de extravagâncias figurativas,
distorções de perspectiva e inserções de elementos insólitos
(formigas, ruínas, estátuas que se derretiam ou ostentavam
gavetas, desertos nos quais vagavam, à distância, girafas
incendiadas), mas ele circulou com grande desenvoltura e
fazendo ampla publicidade de si mesmo entre milionários que
o cultuavam como um troféu chique e exótico e compravam
suas obras. Ninguém nunca ousou negar que fosse um
pintor de muito talento, habilidoso e com formação sólida.
O que se questionou foi a superfície obviamente apelativa
de seu trabalho, quando o surrealismo, inicialmente proposto
como uma escola revolucionária destinada a trazer à tona
conteúdos inconscientes e elementos de sonhos, tornou-se
uma mania burguesa, repetindo temas e marcas de estilo

47
sem maior inventividade, como se mesmo dentro do absurdo
mundo dos sonhos o número de fórmulas fosse limitado.

A ânsia contemporânea de fama a custo de qualquer gesto,


mesmo disparatado, e lucro, mesmo que a obra não tenha como
valor senão a assinatura célebre, pareceria totalmente estranha
à personalidade de Bruno Filisberti. Ele não pensou nisso, pelo
que indicam as informações disponíveis sobre a sua vida, mas
se tornou uma lenda, ainda que uma lenda exclusivamente
poços-caldense, devido à sua pouca propensão a expandir
sua arte em sentido nacional, saindo de sua terra. Se os
artistas podem ser divididos em duas categorias, expansivos
e umbilicais, sendo expansivos os que se lançam em muitas
aventuras no mundo exterior e rompem fronteiras geográficas
e umbilicais os que se contentam em permanecer na sua terra e
às vezes restritos mesmo aos seus bairros e circunvizinhanças,
certamente Bruno foi umbilical: interessava-o unicamente
seu pequeno mundo e não raro usou até mesmo pessoas de
sua vizinhança como modelos para alguns de seus quadros.
Roberto Tereziano afirma ele ter se valido de vizinhos como
Dinorah e Rômulo Fiorin para obras suas.

Em torno da casa da Rua Maranhão, onde Bruno


morou com a irmã por muitos anos, e construiu seu atelier
frequentado por poucos amigos e alguns alunos, houve
também o vizinho “X” (que pede para que não revelemos seu
nome, por questões de discrição) que lhe serviu de modelo e
com frequência o recebia em sua casa.

48
EM TORNO DE UMA LENDA

“X” até mesmo se comove ao narrar a relação que teve


com seu vizinho famoso: “Era um homem muito simples,
muito generoso. Gosto de me lembrar de como eu ia lá e o
chamava “Sô Bruno” com naturalidade, e ele de vez em
quando até vinha à nossa casa para almoçar, reclamando que
o arroz que a sua irmã cozinhava não tinha tanto tempero
como ele gostava...” – lembra ele, com um brilho no olhar.
“Ele vendia bem seus quadros, lembro-me de um membro da
família Lundgren, proprietários das Casas Pernambucanas,
que vinha comprar seus quadros logo que acabados. Ele era
muito sério e fechado em público, embora fosse acolhedor
em sua intimidade” – revela.

Fechado sim, mas capaz de discernimento ao escolher


seus amigos e as pessoas que iria receber em casa. Conta-
se que hesitava muito em acolher novos alunos, não gostava
de ser professor, achava que ninguém poderia ser ensinado,
que cada um tinha que descobrir sozinho seu caminho na
pintura. Mas, ainda assim, movido por simpatias ou por
razões insondáveis (certo de que havia no candidato a aluno
um terreno fértil em que investir seus ensinamentos), acolhia
algumas pessoas para explicar sua visão da arte. Exigia que o
desenho fosse bom e, ressaltando a importância da luz para
esta prática, salientava que a observação da luz em bustos
de gesso e esculturas que mantinha no atelier teria que ser
escrupulosa. A base do desenho lhe parecia fundamental,
e não à toa seus desenhos mostram um raro poder de
observação e concisão, esculpindo-se em luz no grafite ou

49
ponta de caneta. Os traços nunca parecem desperdiçados,
são econômicos e precisos.

Outra vizinha da Rua Maranhão, hoje uma escritora e


pintora, Rita Schulz, autora dos romances “Corpo Cindido” e
“Brisa” (12), lembra que, ainda menina, observava Bruno e a irmã
Gilda quando vinham até à janela que dava para a rua, mas
não tinha coragem de aproximar-se. Ela se intrigava com o
mistério do homem Bruno e seu andar pausado e introspectivo
pela rua. Sabia-o um pintor conhecido e lembrava-se de ter
conhecido até um personagem popular retratado por ele,
o carregador de malas da companhia de trens da Mogiana
apelidado “Mexerica”. Rita Schulz, com a sensibilidade que lhe
confere a dupla vocação de escritora e pintora, disse que teria
gostado de tê-lo conhecido de perto, mas que isso não fora
possível devido aos modos arredios de Bruno.

Desses modos e mistérios que atravessam gerações,


partindo de um único indivíduo singular, é que nascem as
lendas. Nada há de errado com as lendas, no sentido mais
poético do termo – elas são capazes de fecundar a realidade
por exibirem exemplos humanos “maiores que a vida”,
exagerando sim, mas criando um campo de imaginação onde
artistas criadores e historiadores sensíveis possam circular
à vontade, avistando permanentes trigais onde outros só
veriam uma sucessão de desertos.

50
10
DESCOBERTO PELO OLHAR
DE ELVINO POCAI

Bruno Filisberti desenhou desde sempre. Ainda em garoto,


morou alguns anos com a família Sarti. Quem nos falou disso
foi Maria Nylce Sarti, viúva de Nelson Sarti, grande amigo dos
tempos de juventude, que contou do convívio do pintor com
a sua avó, Milena, o que nos traz a visão de um jovem cuja
criatividade de futuro pintor já transbordava, desenhando a
carvão na calçada em Poços como o fizera ainda menininho
em Mococa, SP, buscando expressar-se por meios precários.
Era, ainda que reservado, um brincalhão, pois desenhou
um rosário na parede de um quarto dos domínios dos Sarti,
trabalho muito fiel, para confundir as pessoas que por ali
passavam para rezar, para que o julgassem um terço real. A
substituição da realidade por sua representação gráfica revela
desde cedo sua vocação a trocar a realidade pela sua pintura.

51
Um tio de dona Maria Nylce, Elvino Pocai, vindo de
São Paulo, visitava os Sarti, e assim viu Bruno – sujando
as mãos com seu carvão para erguer talentosos rabiscos
na calçada. Escritor voltado para a indústria gráfica, Pocai
mirou seu olhar de artista sobre quem era, precocemente,
um pintor, e achou-o merecedor de conhecer melhores
técnicas, tendo presenteado o garoto com papéis de melhor
qualidade e aquarelas.

Consta ainda, no catálogo da exposição inaugural do Salão


“Bruno Filisberti”, realizada entre setembro e outubro de
1982, que teve lições de desenho com o carpinteiro Vicente
Nasi e que foi Angelo Guazelli o primeiro a lhe ensinar o uso
e a mistura de tintas que o fariam desabrochar como pintor.
Mas temos que nos deter em Elvino Pocai, para corroborar
a importância desse primeiro olhar sobre a precocidade de
Bruno Filisberti. Foi um olhar treinado, artístico, certamente,
aquele que viu, nos esboços de carvão destinados a virar pó
na calçada, um artista a ser estimulado.

Pocai viveu em São Paulo na primeira metade do século


XX, onde se estabeleceu como gráfico e editor refinado
numa época em que o padrão geral de editoração no país
era bastante baixo. Seu nome rapidamente se destacou na
indústria gráfica paulistana pelo cuidado com que imprimia
suas edições. Foi tão importante na sua especialidade que
mereceu um estudo de Cristiane Tonon Silvestrin, bacharel

52
DESCOBERTO PELO OLHAR DE ELVINO POCAI

em Comunicação Social com Habilitação em Editoração, da


Escola de Comunicação e Artes da USP – São Paulo. Cristiane
relata: “(...) enfeitava as brochuras com vinhetas, capitulares,
aberturas ou fechos de capítulos, com paciência de artista
autêntico, de puro artesão. Não admitia o mínimo deslize
gráfico. A marca “Pocai” devia significar, sempre, perfeição”.

Esse foi o caminho inicial de Bruno para São Paulo e para a


Escola de Belas Artes. Lembremo-nos que nesses tempos, anos
1920 e 1930, São Paulo vivia a efervescência de uma metrópole
já cosmopolita em virtude de seu crescimento urbano, da
presença de imigrantes estrangeiros que traziam uma nova cor
cultural e racial à cidade, e com isso introduziam novidades no
cenário das artes nacionais, um tanto estagnado.

A Semana de Arte Moderna de 1922 havia acontecido com


notável barulho, trazendo novidades no campo das artes
plásticas, precedida pelo escândalo causado pela exposição
da pintora Anita Malfatti em 1917, que provocou no escritor
Monteiro Lobato um artigo demolidor chamado “Paranoia ou
mistificação?”.

A artista, dizem, ficou abalada, deprimida e arredia


devido ao artigo de grande repercussão, o que revelou
como as novidades estéticas (nem tão novas na Europa,
onde já iam se transformando numa realidade previsível)
podiam ser mal recebidas num país ainda quase todo rural e
acostumado com o academicismo. Mas futurismo, cubismo,

53
fauvismo, expressionismo davam suas caras no país,
embora os integrantes da Semana fossem conhecidos mais
genericamente como “futuristas”. O clima era de ebulição, de
renovação, mesmo contra as barricadas do conservadorismo
e da estreiteza mental.

Nos anos 1930, consolidam-se vários grupos de artistas


em São Paulo, marcados por grandes presenças da pintura
como o expressionista Lasar Segall, o provocador Flávio de
Carvalho, e, se muita coisa acontecia ainda numa esfera de
proximidade com a elite econômica, brotava também algo
como o “Grupo Santa Helena”, que reunia artistas de extração
social mais humilde, até proletária, consagrando nomes como
Rebolo, Bonadei, Clóvis Graciano e o perene Alfredo Volpi,
cuja evolução nunca cessou. Em 1934, Cândido Portinari
voltava da Europa e trazia sua força expressionista e cubista,
tornando-se o maior nome da pintura brasileira.

Como mencionamos, Bruno passou um tanto ao largo


dessas novidades sensacionais (e polêmicas), embora tivesse
consciência de que a pintura mudava e que seus rumos
podiam ser múltiplos e imprevisíveis, a julgar pela citação
que fez dos artistas estrangeiros e suas obras.

Vale, a esta altura, registrar a opinião do artista plástico


poços-caldense Teodoro Dias, curador de exposições no
Instituto Moreira Salles (Casa da Cultura de Poços de Caldas):

54
DESCOBERTO PELO OLHAR DE ELVINO POCAI

“Não sou um grande conhecedor da obra de Bruno


Filisberti. Do que vi de exposições, coleções e museu, posso
tecer um comentário que passa muito pela questão do gosto,
sem grandes teorizações sobre a figura do artista no universo
das Artes Plásticas.

O fato de Bruno ter estudado pintura em São Paulo em


meio muito acadêmico deu-lhe um conhecimento bastante
grande de qualidade de Pintura sem, no entanto, inseri-lo
no meio modernista com que certamente conviveu. Sua
escolha recaiu sobre temas que herdamos do século XIX,
paisagens, natureza-morta, retratos, com uma fatura que
tentava aproximar-se de um impressionismo tardio, mas se
ressentia da falta da luz dócil que tinha aquele grupo. Suas
pinturas de paisagens apresentam uma luz mais dura e
tropical que embaça as cores e o aproxima mais de Almeida
Júnior (“Homem afiando o machado”, “Violeiros”). (...) De uma
maneira muito pessoal, acredito que o seu retorno a Poços
é ligado a essa recusa do novo, preferindo um porto seguro
onde sua obra era apreciada sem maiores questionamentos.”

55
A velha Poços, de paisagens bucólicas e casebres isolados, foi o paraíso
particular pelo qual Bruno circulou com suas telas e pincéis.
11
“LONGE DO MUNDO INSENSATO”

Um homem recluso numa cidade pequena não é um


homem sem amigos. A rigor, manter a reclusão numa cidade
como Poços de Caldas, que naturalmente não foi sempre tão
grande e repleta de bairros como hoje a vemos, seria manter
uma reclusão por muitos conhecida, e foi bem esse o caso de
Bruno Filisberti.

Vastos trechos pelos quais os poços-caldenses circulam


hoje em dia não eram assim. Imaginemos terrenos baldios
extensos, morros, casebres isolados, bosques e matagais,
riachos e capinzais onde, nos primeiros, moleques nadavam
alegremente ou pegavam a encher as mãos prateados
peixinhos fugitivos e, nos segundos, cavalos pastavam soltos,
tendo ao fundo cerquinhas de taboca em torno de casas em

57
cujos quintais bambuzais espessos ofereciam seu verdor
escuro e bananeiras se agitavam e estalavam suas folhas ao
vento; aqui e ali, galinhas ciscando livres e uma atmosfera
de sossego provinciano da qual se encontram descrições
muito precisas e deliciosas no antigo livro “Vida ociosa”, de
Godofredo Rangel (13).

Imaginemos também Poços como a cidade que terminava


ali no bairro Vila Nova, segundo depoimento em livro “Doce,
basta a vida”(14), da poços-caldense Elza Nastrini, e onde,
como ela destacou, mesmo na Rua Marechal Deodoro,
central, podia-se dormir deixando a porta aberta, apenas uma
cadeira encostada a ela para quando as pessoas que haviam
saído para um pequeno programa – ir ali mesmo, ao cinema
ou à praça – entrariam sem precisar de chave, bastando um
confiante (e confiável) empurrão.

Essa foi a cidade que Filisberti bem conheceu e retratou,


vendo-a mudar, com certeza, de maneira a se tornar um
ponto comercial e industrial tão forte quanto o turístico, em
1960 e 1970. Talvez até tivesse consciência de que, ao registrar
certas visões em quadros, colaborava para que uma história
do passado visual da cidade fosse mantida e lembrada. Os
artistas, com seus instintos fortes e sua força instintiva na
reconstituição da realidade, seja ela urbana ou rural, acabam
tendo essa importância histórica.

58
“LONGE DO MUNDO INSENSATO”

Essa cidade foi amada por muitos, entre célebres e


anônimos, e podemos aplicar a ela o belo título de um
livro famoso do inglês Thomas Hardy (15): “Longe do mundo
insensato” (no original, “Far from the madding crowd”). Era
um refúgio para celebridades exaustas da lida ou política
ou artística nos grandes centros, Rio e São Paulo, ou para
gente anônima que simplesmente buscava a doçura de seu
clima e a cura pelas suas águas. Que Bruno Filisberti tenha
trocado a trepidação de São Paulo e suas novidades artísticas
cosmopolitas por ela não parece despropositado. Como
muitos, ele buscava refúgio.

Nessa cidade, em grande parte idílica (a leitura das


crônicas de Jurandir Ferreira em seus belos livros do
gênero nos levará a céus “entre montanhas”, profusamente
estrelados, e descrições muito precisas e líricas dos campos e
arredores nus de uma Poços que crescia), Filisberti teve seus
amigos e os cultivou com cuidado, deixando lembranças bem
marcantes entre eles.

Entre os citados no catálogo do Salão inaugural,


encontram-se nomes como os de Aldo Stoppa, Ademar
Tramonte, Nagib Nacklé, Dr. Antenor Damini, Jurandir
Ferreira, Sebastião Landi, Dorival Pereira, Nelson Sarti, Dr.
Benedictus Mourão.

59
Essas figuras souberam quem era ele na intimidade,
até onde ele permitiu se mostrar, com toda certeza.
Compartilharam com ele de seu prato favorito – que era a
prosaica “pizza”, traindo seu gosto previsível de filho de
italianos – e até devem tê-lo ouvido tocar violão e penetrado
em seu atelier para verificar o andamento de algum quadro,
encomendado por eles ou não.

Muitos desses amigos, talvez a maioria deles, está falecida,


e um esforço empreendido por esse livro foi procurar localizar
alguns ainda possíveis em Poços de Caldas, ou conversar
com os familiares dos que já se foram.

60
12
O CADERNO DO PASSADO
E SUAS FOLHAS VIVAS

Um amigo constante, já aos 89 anos, mas lúcido ainda


para nos fornecer um importante depoimento, foi Dorival
Pereira. Teve um convívio estreito com Bruno nos seus
últimos dez anos de vida, e o via diariamente surgir em seu
estabelecimento comercial, o Foto Dorival.

Dorival lembra-se da pontualidade de Bruno, muito


rígida: “Estava lá em meu foto todo dia às três da tarde, mas
só conversava comigo lá mesmo, nunca ia à minha casa, e
ficava na loja-estúdio até fecharmos...”

A amizade se estreitou de tal modo que, a cada vez que


o pintor recebia uma das muitas medalhas recebidas em
sua vida pelos seus quadros, Dorival o fotografava para os
jornais. Nem por isso a inibição de Bruno quanto a aparições
oficiais desaparecia: “Para se ter uma ideia, eu pertencia ao
Lions Clube e o indiquei para uma homenagem, mas levei
seis meses para convencê-lo a ir recebê-la...”

61
A despeito de não gostar de fazer retratos, por carinho e
amizade, Bruno fazia exceções – foi o caso de Dorival, que
teve seus dois filhos retratados por ele. Coisa da qual Dorival
mostra evidente orgulho.

Mas ele mesmo lamenta não ter podido preservar um


quadro em particular – foi necessário vendê-lo – que Bruno
fez a seu pedido e com que o presenteou. “Eu quis que ele
fizesse um ambiente pobre no Natal. Seria numa manhã
natalina, há uma gaiola, uma árvore enfeitada com os adornos
típicos da época e o sol entra por uma janela. Ali, uma criança
olha para um sapato vazio”, conta Dorival.

Esse pedido deve ter mexido com profundezas de Bruno,


pois sua infância foi a de um órfão e tanto ele quanto a
irmã, Gilda, foram criados por outras famílias. O tema, aliás,
evoca uma atmosfera literária de Charles Dickens (16), cujos
romances, situados numa Inglaterra cruelmente oprimida
pela pobreza durante a Revolução Industrial, várias vezes
nos mostraram Natais problemáticos e órfãos comoventes.

A perda da mãe com a gripe espanhola, epidemia


marcante que arrebatou vidas em todo o planeta no início
do século XX, e a ausência do pai, que sentiu-se incapaz de
criar os filhos e os distribuiu entre famílias poços-caldenses
para serem criados, podem ter deixado em Bruno a ferida
de um sofrimento que às vezes comparece, indiretamente,
em seu trabalho, onde crianças solitárias não raro desfilam –

62
O CADERNO DO PASSADO E SUAS FOLHAS VIVAS

há meninas por vezes abatidas e pensativas entre muitos de


seus retratos.

Essa melancolia na obra de Bruno é bastante notada e


é natural que se imagine que uma infância solitária tenha
deixado rastros detectáveis em sua pintura, pois nenhum
artista escapa a traçar reflexos de sua vida pessoal (ainda
que involuntários, ainda que suas intenções não sejam
confessionais) em sua obra. No entanto, a especulação
freudiana nos campos da arte acha-se, hoje em dia, um pouco
ultrapassada, pois muitos são os fatores que contribuem para
a formação de um artista e de sua visão do mundo específica,
não devendo restringir-se apenas aos psicanalíticos.

O contato inicial com Bruno, lembra Dorival, foi um


pouco difícil, feito através do pintor Pietro Flumiani, mas
Bruno estava relutante em se aproximar de Dorival. “Era
mesmo muito simples, de poucas amizades, e teve que ser
convencido por Pietro a perder a timidez comigo...”

Cita como amigos de Bruno, também seus companheiros,


Nelson Sarti e Eduardo Marras, proprietário do Cine
Vogue existente então. Marras, com toda certeza, tinha
com Filisberti conversas cinéfilas, pois foi pintor de astros
e estrelas de cinema, e sua família, que hoje possui o Cine
Ultravisão, realizou em anos recentes uma exposição com os
quadros pintados por ele, exímios “portraits” de figuras que
todos aprendemos a amar pelas telas, os mais jovens através

63
de sessões de nostalgia em DVD. Um verdadeiro panteão dos
astros da Hollywood nos anos 1940 foi revivido – de Walter
Pidgeon a Miriam Hopkins, passando por Mickey Rooney.
E sabe-se que Bruno gostava de cinema, frequentador assíduo
do extinto Cine São Luiz na companhia de Nelson Sarti.

Dorival, com seu estúdio fotográfico, atendia a fotos de


casamentos, fotografias aéreas, fotos industriais, paisagens,
e também postais da cidade. Aposentou-se aos 75 anos,
recebendo homenagens da A.S.I. (Associação Comercial e
Industrial), depois de 55 anos de trabalho. Nasceu em Poços,
mas chegou a trabalhar no Rio de Janeiro, e percebe-se nele
prazer e afeição ao falar de seu passado e de seus amigos.
Mas ele ostenta uma clareza de pensamento e fala bastante
segura para a sua idade, paralela a uma grande gentileza no
trato pessoal.

A tomada de seu depoimento foi feita numa mesa da


calçada turística da Pedro Sanches, mesa a que estava
presente inclusive Maria José de Souza, a Tita, que já tivemos
citada nesta narrativa. A cidade, aliás, parece se obstinar em
manter relações com um passado ainda vivo, e seus inúmeros
aposentados pelas praças e jardins ou conversando em
mesas nas proximidades dos cafés podem dar testemunhos
curiosos, divertidos e sedutores de muitas histórias vividas
e muitos tipos perdidos no tempo. O passado ainda vibra e
resiste nesse caderno de muitas folhas amareladas.

64
13
O AMIGO DR. DAMINI:
COLECIONANDO BRUNOS

As conversas sobre este livro reuniram, em cafés de Poços,


alguns amigos meus, e deles próprios, poços-caldenses,
brotaram sugestões para a procura de depoimentos sobre
vida e obra de Bruno Filisberti.

Registro aqui o advogado e escritor Antonio Luiz Fontela,


autor de “Memórias de um descasado” e “Pedalando” ,
(17)

memorialista que manteve por bom tempo uma coluna


nostálgica no “Jornal da Cidade”, “Uísque com Guaraná”.
Confiei no faro nostálgico de Fontela, e não me enganei:
ele me conduziu ao Dr. Antenor Damini, grande amigo e
colecionador de quadros de Filisberti que se mudou para
Belo Horizonte, mas continuou a manter relações estreitas
com Poços de Caldas.

A filha do já falecido Dr. Damini, Elizabeth, casada com


José Fontella Jr. e residente em Belo Horizonte, foi quem
nos deu uma visão da longa amizade mantida entre seu
pai e Filisberti.

65
“Sei que o relacionamento entre os dois se deu por meio
de um amigo comum, Aldo Stoppa, dentista que dedicava seu
tempo livre à pintura e que tinha um consultório no mesmo
andar que o consultório de meu pai, no Edifício Serigy,
situado na Rua Assis Figueiredo. Ele ficou tão encantado com
a obra de Bruno que encheu as paredes do consultório de
quadros. Passou então a colecioná-los, e a revestir as paredes
de nossa casa com eles também. Praticamente transformou-a
em uma pinacoteca, pois havia quadros em todas as paredes
de todos os cômodos, de cima até embaixo, com exceção
da cozinha e do banheiro. Ao falecer em 19 de setembro de
1972, seu acervo contava com 343 quadros, sendo que de
Bruno Filisberti o número era de 103. Conversando com meu
irmão Eduardo, relembramos que meu pai tinha como maior
concorrente nas compras de quadros dele um minerador de
nome Curimbaba. Papai também teve muita expectativa de
valorização dos trabalhos quando um dos proprietários das
Casas Pernambucanas (família Lundgren) começou a adquirir
quadros diretamente do pintor. Mas sua grande alegria era
quando trazia para casa um dos quadros com o carimbo de
que fora exposto na Pinacoteca de Piracicaba e premiado.
Para tanto, sabíamos que papai dava uma ajuda financeira
para que Filisberti participasse dessas exposições, bem como
ajudou a construir seu atelier junto à casa de Gilda, sua irmã.”

Elizabeth nos fala dos temas recorrentes em alguns


dos quadros de propriedade de seu pai: “Há modelos

66
O AMIGO DR. DAMINI: COLECIONANDO BRUNOS

de cabeças, de gente extremamente simples, tais como


lenhadores, trabalhadores rurais, ciganos. Gente com feições
muito expressivas, mas completamente desconhecida.
Há paisagens de Poços, trabalhos a óleo e a bico-de-pena
retratando o antigo Mercado Municipal, a Feira que se
realizava no fundo do mercado (Rua Pernambuco), a Praça
dos Macacos, a Ponte da Cascatinha, o monumento que fica
no Jardim ao lado esquerdo do Palace Hotel homenageando
o Dr. Mourão. Paisagens citadinas e rurais – como fundos
de casas, casebres, acampamentos de ciganos, paisagens de
córregos, matas e montanhas. As últimas aquisições apontam
para uma mudança de temas, pois os trabalhos apresentam
uma cabeça de menina, um jovem pintor, um palhacinho.”

O Bruno avesso a sair de Poços de Caldas e que para os


amigos fazia concessões especiais comparece no depoimento
de Elizabeth: “(...) Meu pai admirava profundamente a obra e
o potencial do Bruno Filisberti. Conversava com ele sobre a
importância de viajar, ver museus, fazer cursos. Porém Bruno
era muito apegado a Poços de Caldas e à sua casa e não via
a possibilidade de seguir estes conselhos. Conversando com
meu irmão, ele lembrou-me que papai tentou estimular
Bruno a elaborar nus artísticos, mas ele sempre declinou.
A interação entre os dois era muito forte, tanto que uma
das obras que Bruno estava elaborando certa feita – um
quadro de rosas, na fase de mancha – meu pai pediu que ele
interrompesse e colocasse um preço, pois já tinha alcançado

67
a perfeição. Papai chegou com o quadro ainda úmido em casa
e nos contou este fato com muito orgulho, pois conseguira
convencer o pintor, fato que ele disse ser muito incomum.”

As lembranças de Poços de Caldas nunca saíram do


espírito do falecido Damini: “(...) ele praticamente retornava
a Poços no máximo a cada dois meses. Havia deixado uma
vida, muitos amigos na cidade. Nos seus retornos nos contava
as novidades da terra, das mudanças que iam acontecendo,
dos amigos que iam se findando e de vez em quando trazia
uma obra de Bruno, como a de um palhacinho, a última a
ser adquirida e que o fazia sorrir sempre que a apontava.
A esta época, estava sendo instalada a “Feira Hippie” na Praça
da Liberdade em Belo Horizonte, onde entre flores, vasos
ornamentais e outras tantas traquitanas, os pintores locais
expunham seus trabalhos para venda. Era o grande prazer de
papai levar um quadro de sua coleção e apresentá-lo a alguns
dos expositores, quando longas conversas eram mantidas.”

O que a própria Elizabeth sentia em relação às obras


do grande amigo de seu pai? “Tanto eu quanto meu irmão
Eduardo tivemos poucas oportunidades de interagir e
conversar com Bruno Filisberti, pois éramos muito jovens,
mas isso não significa que sua obra não seja apreciada por
nós. Minha casa tem as paredes das salas, dos corredores e
alguns quartos com obras dele e me pego frequentemente
“namorando-as”. A meu filho dei o nome de Bruno de forma

68
O AMIGO DR. DAMINI: COLECIONANDO BRUNOS

instintiva; somente após o fato foi que parentes fizeram esta


associação. Quanto à personalidade de Bruno Filisberti,
algumas poucas palavras talvez possam descrevê-lo como
introvertido, tímido, pessoa de poucas palavras e uma forma
de vestir muito simples (calça, camisa de manga e blusa).
Uma das últimas interações de mamãe com Poços se deu
pelos idos de 1996, quando a Urca foi transformada em
Espaço Cultural e a Prefeitura de Poços de Caldas solicitou
uma doação de um quadro de Filisberti para o local. Mamãe
então enviou um óleo, autorretrato do pintor, pois entendeu
que seria uma interessante homenagem.”

69
A popular Festa de São Benedito, que acontece anualmente em noites
frias de maio, atraiu o pincel de Bruno em inúmeros quadros.
14
O ARRISCADO CONCEITO DE “ALMA”

Apesar de sua atração confessa pelo impressionismo,


é mesmo difícil classificar Bruno como um paisagista e
desenhista dessa escola. Há nele um gosto pelos tons pastéis
que denuncia talvez uma filiação pré-impressionista, à
pintura neoclássica praticada por Jean-Baptiste Camille
Corot , por exemplo, artista que foi classificado como um
(18)

pré-impressionista, tal sua influência sobre os adeptos da


escola posterior. Há nele, impregnada, uma Poços de Caldas
que não veremos nunca mais, senão em quadros, e de um
modo muito “filisbertiano”, suave e um pouco triste, fazendo
jus à atmosfera por vezes europeia vista e sentida nestes
contrafortes da Serra da Mantiqueira. Em quantos outonos
na cidade não tivemos a impressão de que, com as folhas
amareladas dos plátanos, os pinheirais, os céus cinzentos e
as extensões de água entre prata e azul, contrastando com os
sienas, ocres, ferrugens, castanhos, estávamos diante de uma
Europa ainda não traduzida para telas, mas passível de sê-lo?

71
O olhar de um pintor empenhado em construir uma
obra própria, por mais que nos deixe felizes pela técnica
realista empregada, que nos torna reconhecíveis quadros
de nosso presente ou do passado (o que explica a paixão
verdadeiramente saudosista inspirada pelos quadros de
Filisberti), nunca nos remete a uma realidade confiavelmente
fotográfica, o famoso “tal e qual” apreciado por quem tem
pouco entendimento da pintura.

Óleos da Fonte dos Amores, de uma ponte em arco no


Country Clube, de uma Festa de São Benedito, de um trecho
arborizado da Vila Cruz, do Mercado Municipal, da Avenida
João Pinheiro, captam a realidade local de um modo ímpar.
Nunca seriam fotografias, e compará-los a uma outra arte,
dando esta como superior pelo realismo, é não compreender a
carga de emotividade e de identidade profunda que um quadro
assinado pode comportar. Aliás, a arte da fotografia pareceu,
ao olho comum, superar a da pintura em certa altura, e o
início do século XX acreditou que a segunda estaria enterrada
devido ao prodígio de câmaras e lentes poderem reproduzir
o real com fidelidade capaz de dispensar a intermediação
do olho do pintor. A isso reagiram os pintores, objetando
– com razão – que cores e formas praticadas pelo pintor
remetem a uma forma específica de ver o mundo cujo calor e
emotividade jamais poderão ser apreendidos do mesmo modo
pela fotografia, embora esta pudesse, aos poucos, ambicionar
o status artístico, o que de fato veio a ser comprovado com

72
O ARRISCADO CONCEITO DE “ALMA”

o passar do tempo. Com isso, os pintores avançaram para o


terreno do fauvismo, onde a cor é bruta e o traço é sintético,
ou para o abstracionismo, onde não há tema e o assunto é a cor
em si mesma, para o expressionismo, onde a dramaticidade do
espírito humano vai à distorção e à desfiguração sem peias, ou
para o surrealismo, onde os sonhos e a irracionalidade da alma
emergem disfarçados em símbolos invertidos ou em cenários
que, a julgar pelos quadros de, por exemplo, Max Ernst ,
(19)

sugerem outros planetas até.

Mas, ao amar uma fotografia, ao até venerá-la pela força


artística de sua captação (pois a arte fotográfica hoje em dia
perfeitamente roça a abstração, o arbítrio expressionista e a
amplitude onírica do surrealismo), não é possível esquecer
que, lá pelos fundos de uma casa, num atelier solitário,
com um avental salpicado de manchas de tinta, com mão
hesitante apenas antes de pegar os pincéis, guiado por uma
certeza incerta, o pintor, ainda que trate de algo exterior a
si – digamos, uma paisagem que contenha uma cerca viva
de flores e espinheiros, uma casa simples a algumas nesgas
de azul sobre serras no plano de fundo – está lidando com
sua alma, com toda a sua vida, sua experiência, seus erros,
paixões e desejos.

O que ele fará, portanto, se, como Bruno Filisberti, for


um homem simples, cuja capacidade de expressão e relação
social quase se resume a pintar e a mostrar o que pintou, é de

73
extrema importância subjetiva e reflete uma singularidade
não encontrável em nenhuma outra parte. Essa singularidade,
embora hoje em dia se tema muito o uso desta palavra,
será “alma”. Na certa é o que procuraremos em sua obra
(e encontraremos), ainda que não saibamos bem o que seria
esse “quê” indefinido que nos faz gostar de um quadro mais
do que qualquer outro e eleger um pintor em detrimento de
tantos outros nomes de sua escola e época.

Ainda que relutemos diante dessa palavra, “alma”,


teríamos que concluir que o mistério de uma individualidade
de artista é que nos faz pensar na existência concreta dessa
substância muito mais que vaga e desse conceito que, junto
com outro, “Beleza”, parece estar ultrapassado e implicar em
muitos riscos de crítica.

Mas esse mistério, essa imponderabilidade, é irredutível, e


não tem que necessariamente nos remeter a uma atitude de
passividade mística – pelo contrário, ele nos pede investigações,
uma demora mais profunda diante de certo tom amarelado
num muro descascado, de certo renque de eucaliptos pintado
com uma habilidade que parece sobrenatural, de certo traço
de carmim num poente, que pode até ser sido um acidente de
pincel no encontro imprevisível de uma cor com outra, mas é
um acidente que só poderia ter ocorrido àquele artista, àquele
homem, naquele momento não repetível. Isso é pintar, e isso é
olhar de fato para uma pintura.

74
15
MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA
OBRA EXTENSA

Bruno Filisberti produziu a vida inteira. Não teve outro


desejo ou ambição além de pintar, pintar e pintar. Um pintor
de verdade é assim: fica desejando que a vida não seja tão
curta, já que há tantas coisas a pintar, tantas cores a explorar.
Pintar é uma via de mão única para o Infinito, e a arte é a
maior tirana possível: nunca achará que seu transmissor,
para sempre fascinado, estará suficientemente esgotado.

Para alguns, o apogeu da arte de Filisberti se situa nos


anos 1950, outros darão outras datas, incluindo os 1960.
Múltiplos olhares se deitarão sobre uma obra extensa vendo
tudo que foi feito e o que mais poderia ter sido realizado não
fosse curto o tempo de uma vida para um artista incansável
e realmente fecundo.

E ele teve outras facetas – foi um desenhista de humor e


caricaturas, pois havia um lado brincalhão em seu talento.
É possível encontrar, entre as coisas que deixou para alguns

75
amigos e admiradores, esses desenhos de humor. Para um
verdadeiro artista, os poros abertos se informam a qualquer
manifestação de arte que cave acomodações em seus veios
emotivos e estéticos. Desenhar, para Bruno, parecia tão
natural quanto respirar, e nisso ele não era um conservador
– gostava das canetas hidrográficas, por exemplo, que
substituíram os lápis de cor para os escolares, e as chamava
de “pincéis secos”, talvez se deleitando em experimentar suas
cores vivas, ardentes.

Bruno também teve estreita relação com a literatura da


cidade, especialmente devido à sua amizade com Jurandir
Ferreira, que escreveu crônicas já mencionadas a seu
respeito. Huendel Viana, Mestre em Letras pela USP, nascido
em Poços de Caldas e biógrafo de Jurandir, escreve:

“Tal intimidade era fruto de uma antiga convivência,


estreitada pelo interesse de ambos nas artes. Em 1953, como
era comum à época, Jurandir ganhou uma foto do pintor,
que trazia no verso a dedicatória ‘Ao grande amigo Jurandir
Ferreira’. Essa amizade acabou fazendo com que ambos
trabalhassem juntos no jornal literário Fronteira, dirigido por
Jurandir em parceria com o escritor Lindolfo Lino.

Nos oito números que o jornal teve, entre novembro de


1958 e dezembro de 1960, Bruno colaborou com paisagens,
retratos e charges. O bom nível do jornal – que tinha entre
seus colaboradores Milton Costa, Elza Monteiro Ferreira,

76
MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA

Eduardo Adami, Edmundo Cardillo, entre outros escritores


da cidade – lhe valeu o título de melhor periódico literário do
interior, atribuído pela Associação Brasileira de Imprensa do
Rio de Janeiro. (...)

Essa troca entre as artes plásticas e a literatura foi de mão


dupla. Bruno Filisberti colaborou com capas e ilustrações de
livros, elevando a qualidade das edições dos escritores poços-
caldenses. Em 1953, salvo engano, apareceu sua primeira
colaboração: a capa do livro de contos ‘Quebra-cocos’, de
Lindolfo Lino. Depois veio um retrato do poeta paulistano,
radicado em Poços, Armando Teixeira, reproduzido em seu
livro de sonetos ‘Rosas de bronze & rosas de papel’, de 1965.
Já em 1977, a novela ‘Guímel’, de Milton Costa, saiu com uma
graciosa capa de Bruno. Nesse mesmo ano apareceu também
o livro de crônicas de Jurandir Ferreira intitulado ‘A visita’, com
um crayon do artista na capa. Entre outros trabalhos, Bruno
ainda deixou uma série de mais de quarenta desenhos para um
livro de Lindolfo Lino, que infelizmente permanecem inéditos.

Tamanha proximidade entre o pintor e a literatura poços-


caldense acabou por transformá-lo num personagem da
premiada novela ‘Um ladrão de guarda-chuvas’, de Jurandir
Ferreira, lançada em 1995. Nela, Bruno Filisberti aparece com
seu próprio nome de batismo. Como outros personagens da
trama, passada em Poços de Caldas, ele acaba prejudicado
pelo famoso escritor Hallim-Dubois, um forasteiro convidado

77
para dar uma conferência na cidade mas que acaba partindo
sem honrar o compromisso. E ainda por cima surrupia uma
tela de Bruno. Diferente da realidade, na ficção nem todo
escritor era seu amigo.”

Pertencente a outra arte, a Arquitetura, o poços-caldense


Ralf Matavelli, urbanista interessado nos problemas de
conservação do patrimônio arquitetônico da cidade,
presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico, Cultural e Turístico de Poços de Caldas, ganhou
recentemente um quadro de Bruno Filisberti que despertou
minha curiosidade e também a vontade de saber o que ele
achava do pintor. Ao que ele me respondeu gentilmente:

“O quadro é uma paisagem que mostra o antigo Mercado


de Poços (atual Casa Carneiro) e o trecho do ribeirão da Serra
que foi “engolido” pela construção do terminal de ônibus.

Conheci a obra do Bruno quando comecei a fazer pintura


no Conservatório em 1984. Tinha 14 anos e as professoras
Thaís Bastos e Evelyn Pizzo sempre nos mostravam paisagens
e casarios mineiros. Um dia nos mostraram uma série de
desenhos do Bruno e fiquei impressionado com os traços
clássicos das figuras. Esboços de cenas do cotidiano, de uma
delicadeza ímpar. Fiz pintura durante quatro anos até me
mudar para Campinas para fazer cursinho e posteriormente
a faculdade. Creio que a pintura do Bruno influenciou as
gerações das minhas professoras, as minhas e as atuais

78
MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA

também. Sempre será referência em Poços quando o assunto


for pintura. Estranhamente, não é conhecido fora da cidade.

Acho que conheço pouco a pintura do Bruno. Conheço


melhor os desenhos e esboços. Os quadros são na maioria
de particulares e de pouco acesso. Dos poucos que vi, não
gosto das naturezas mortas, mas a vivacidade das pinceladas
nas paisagens é vibrante e sempre me interessou muito. Uma
vez vi um pequeno quadro de flores dele, que devia ter uns
25 x 25 centímetros. De uma delicadeza de cores e de uma
luminosidade que até hoje conservo na lembrança...”

Já para o professor de Inglês, pintor e autor de belos


retratos a lápis Eduardo Augusto Malaquias, permaneceu a
forte impressão de um quadro de Bruno Filisberti: “Havia um
quadro dele chamado Tranquilidade, sendo restaurado pelo
Edis Bonadero, e nele eram incríveis os tons de um verde
acinzentado azulado. Havia nele também uns bambus, um
tronco podre e uma carroça. Mas, infelizmente, é tudo que
guardo em minha lembrança.”

A busca de uma tranquilidade ímpar, maravilhosa e


terapêutica, sempre acompanhou esse tipo de pintura. Essas
visões do mundo rural são muito frequentes no tipo de pintura
consagrado pelo público, que as adquire regularmente e que
costumavam enfeitar muitas paredes de classe média até
serem substituídas por visões diluídas do abstracionismo, do
surrealismo e das escolas mais contemporâneas. É um mundo

79
rural que atrai pelo pitoresco e pelo passadismo, fazendo supor
que nada mudou nesses campos sempre idealizados onde há
cabanas, bambuzais, mulheres à janela e homens pitando
preguiçosamente às soleiras das portas rústicas. Em geral,
a procura por esse tipo de pintura reflete uma vontade de
refúgio e escapismo de citadinos que um dia conheceram algo
vagamente semelhante nos seus passeios confortáveis pelo
mundo rural do passado. Mas, nesse caso, pouco importa que
essas pinturas tenham algo de verossímil ou real. Por vezes,
ganham aquele aspecto das velhas paisagens de folhinhas
e calendários, com cenas europeias ou norte-americanas e
canadenses, trazendo paisagens em que as árvores, a flora e a
fauna em geral nada tinham de brasileiro.

Na origem desses cultos à paisagem, certamente há muitos


pintores de respeito, nomes do neoclassicismo realista e do
impressionismo verdadeiro que nos fizeram ver a Natureza
como algo divino colocado diante do Homem e da Cultura
como um desafio misterioso ou uma benção permanente.
A pintura norte-americana teve uma forte tradição na
reprodução da vasta América das pradarias e seu paisagismo
voltado para o amplo e o monumental, e cenas dos desertos,
florestas e montanhas se repetiram indefinidamente sob
as visões de inúmeros pintores. A arte contemporânea
julgou ter banido essas coisas com sua visão mais cética e
paródica, quase que unicamente urbana e crítica, do mundo,
mas isso não desapareceu por completo. É o que atende às

80
MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE UMA OBRA EXTENSA

necessidades estéticas mais primárias de compradores de


quadros em feiras de ruas de grandes cidades ou de gente que
“não quer saber de arte moderna” e nunca considerou Picasso
senão um desfigurador de pessoas ou um esquizofrênico
supervalorizado. A fragmentação, a dramaticidade de figuras
deformadas, a crueza do tratamento de realidades humanas
nos quadros, tudo isso pareceu demasiado aos espíritos
cultivados e elegantes de outros tempos – e dizer que eles
desapareceram é simplesmente esquecer que muita gente
instruída nunca educa seu gosto nem quer ver nada diferente
daquilo que sempre conheceu, algo que é cômodo e consolador
e não oferece questionamentos e novidades em nada.

Certo que Bruno pintou muitas cenas assim, mas, tanto


quanto possível, só se diferenciou pelo fato de imprimir a
elas um conhecimento de primeira mão, cercado que era
pelas belezas da região serrana de Poços. Consta que gostava
de caminhar muito e, nos seus tempos, ir para as imediações
rurais não exigia muitos passos. Uma cidade mineira muito
conhecida pelas inúmeras pinturas que se faz de seu casario
colonial, Ouro Preto, não chegou a interessar muito a Bruno,
que achava sua arquitetura uniforme e repetitiva. Roberto
Tereziano conta que, ao instalar-se lá para pintar determinado
casarão, teve outro pintor, todo cheio de recursos (barraca de
praia, ventilador na bateria do carro, caixa térmica com água
gelada) pondo-se ao seu lado para pintar o mesmo casarão,
mas que dentro de pouco tempo, foi Bruno quem, isolado e

81
sem tantos aparatos, atraiu a atenção do público que passava
por ali. Atraiu, naturalmente, pela superioridade inegável de
seu trabalho.

Poços era mais seu assunto, sua paixão. Quanto ele


deve ter visto das serranias azuis, dos capins coloridos
como “vinho tinto derramado sobre os campos” (citação de
memória de uma crônica de Jurandir Ferreira), dos barrancos
salpicados por florezinhas silvestres, dos pessegueiros,
pereiras, pinheiros da espécie araucária, riachos brilhantes e
frescos e cascatas as mais prateadas! Essa beleza toda existe
ao redor de Poços com abundância. Tudo isso encharcou sua
obra de uma singularidade – onde entra a sua peculiar visão
melancólica do mundo - que é o que a faz resistir até hoje.

82
16
QUADROS E AMIZADES

Rafael Sarti, filho de Nelson Sarti, grande amigo de Bruno,


foi uma das figuras mais alegres e acolhedoras no processo
de pesquisa do passado de Bruno que me levou a este livro.
Levou-me a conhecer sua mãe, Maria Nylce Milani, e
recebeu-me com muito bom humor para contar as antigas
histórias de Bruno Filisberti com Nelson Sarti. Uma delas
é particularmente reveladora da resistência de Bruno às
cerimônias oficiais: havia sido premiado com uma medalha
importante num salão de artes de Piracicaba, mas foi Nelson
quem o forçou a sair, vestindo-o obrigatoriamente com paletó
e gravata e enfiando-o no carro que os conduziu até lá para
buscar a ambicionada (nem tanto, digamos) medalha.

A timidez de Bruno, ao longo de sua vida, dependeu


sempre dessas “ações entre amigos” para que tivesse
consciência mais precisa de seu valor social e ficasse à
altura de sua fama. Era preciso sacudi-lo em seu torpor
de humildade, pois o anonimato não lhe parecia nada
dramático – antes o considerava convidativo, queria mesmo
viver “encaramujado”, lidando com seus quadros e pequenos

83
hábitos e prazeres sem precisar se aluir para fazer coisas que
considerava secundárias.

Em reconhecimento à sólida amizade com a família, Bruno


presenteou Rafael com um quadro de flores em seu noivado.
E Rafael fez questão de me conduzir à sua casa, defronte à
casa de sua mãe, para que eu o visse. Havia ali belas flores e
paisagens realmente dignas de toda a admiração. Mas minha
atenção se deteve num quadro sem título que considerei de
extraordinária beleza: de uma garota, cujo rosto não vemos,
sentada tranquilamente em uma pedra numa manhã de
neblina, num cenário que Rafael afirmou ser da Cascatinha.
Sem título, tomei a liberdade de batizá-lo de “Menina na
neblina da manhã.”

A pintura é de um imenso realismo, daquele realismo


verdadeiro que transcende a realidade e nos faz vê-la do
modo que merece ser vista: como algo ímpar, captado pelo
olho de um pintor num momento privilegiado. É uma manhã
de neblina que nos faz sentir a síntese poderosa das muitas
manhãs de neblina nas serras ao redor de Poços, quando tudo
submerge nesse branco devorador e o ato de contemplar se
torna ainda mais solitário. A contemplação da garota me fez
pensar em quadros românticos de Caspar Friedrich, pintor
alemão que foi o maior representante da escola romântica
e viveu entre 1774 e 1840. A cena da garota contemplando a
neblina, pintada por Bruno, fez-me pensar em duas telas de
Friedrich, “O viajante sobre o mar de névoa” e “O nascer da

84
QUADROS E AMIZADES

lua sobre o mar”, em que figuras humanas em pé ou sentadas


sobre pedras demonstram seu fascínio total pela paisagem
monumental e por ela parecem subjugadas. De imediato
tracei uma associação entre a atitude de Bruno diante da
natureza e o romantismo desses paisagistas, que ele na certa
herdou por afinidade irresistível. A Natureza, para esses
alemães, tinha uma qualidade a um só tempo exaltante e
esmagadora. O culto a esse romantismo alemão clássico é
observado também na obra do cineasta Werner Herzog, autor
de filmes muito conhecidos entre os adeptos do cinema de
arte como “O enigma de Kaspar Hauser”, “Aguirre - A cólera
dos deuses”, “Fitzcarraldo” e “Nosferatu”.

Também fui recebido com muita alegria e bom humor por


José Roberto Linguanotto, apresentado a mim por Geraldo
Laier como “irmão de criação de Bruno”.

Os pais de José Roberto, Pedro Linguanotto e Palmira


Bertucelli Linguanotto, acolheram Gilda, irmã de Bruno,
quando Silvio, pai de Bruno, os doou para a criação entre
famílias de Poços de Caldas. Isso fez com que José Roberto
nos falasse desses muitos “filhos de criação” que eram
comuns na época, tendo várias famílias feito essas adoções
até mesmo de crianças vindas da Europa, onde seus pais
eram perseguidos por Mussolini.

A ação de Sílvio fez com que José Roberto conhecesse Bruno


de perto e fosse por ele presenteado com quadros que estão em
sua sala de visitas até hoje. José Roberto os aponta com muito

85
orgulho, e vemos figuras humanas, paisagens e flores dos quais
ele nos fala, mencionando que o talentoso quase-parente,
ao morar em São Paulo e trabalhando como marmorista,
fizesse para ele um cinzeiro de mármore que conserva até
hoje. Linguanotto lembra Bruno em muitos episódios, mas,
sempre bem-humorado, revela que o pintor, quando doente e
precisando ser revirado em seu leito de hospital, reclamou dele
quando se pôs a ajudá-lo, achando suas mãos “ásperas”, ao que
respondeu: “Eu ajudando e você reclamando, ora!”.

Uma outra história de Linguanotto foi que chegou a pedir


a Bruno que desenhasse uma cena engraçada de um banheiro
onde um “voyeur” de Poços teria feito um buraquinho para
espiar as moças. Sugeriu que Bruno pintasse um enorme olho
humano numa parede, pois o tal buraquinho foi bastante
usado até que um dia uma das moças o descobriu. O “voyeur”
tentou se esquivar, dizendo que aquele buraco não era usado
para fins de “voyeurismo”, mas a moça retrucou: “Buraco não
pisca, senhor...”

O bom humor de Linguanotto pontuou essa conversa toda


mantida sobre o pintor com a presença de um colecionador
de quadros de Filisberti, Caíque Rodrigues, de Botelhos, e o
entrevistado não deixou de acentuar que Bruno, dado a se
esconder de tudo, não gostava mesmo dos “vernissages”, e
esta era uma das características suas de que Linguanotto,
que afirmou não tê-lo conhecido tão bem para falar com
mais extensão de seu temperamento, tinha certeza absoluta.

86
17
RESTAURAÇÃO EXIGE
EMPATIA PROFUNDA

Foi através de Lenise Alves de Paula, restauradora,


autoridade em sua especialidade com qualificação vinda
do Liceu de Artes e Ofícios de SP – Escola de Restauro, e
trabalhos no Museu do Ipiranga e Museu Histórico do Rio
de Janeiro, que soubemos que o trabalho de Bruno Filisberti
exigiu restaurações. Lenise manteve por vinte e oito anos
a loja Ponto Chique em Poços de Caldas e conta que fez
restaurações de telas de Bruno a pedidos de colecionadores
como o dermatologista Moacyr Nabo e Lilian e Moacir
Carvalho Dias.

O que motivou as restaurações foi o fato de Bruno trabalhar


numa casa com porão, onde tinha suas atividades em meio
a maquinarias e apetrechos de pintor e muitas telas terem
ficado ao descaso por algum tempo num cômodo da casa
entre quarto e banheiro e sofrido infiltrações e proliferação
de fungos devido à umidade nos contatos entre paredes.

87
Lenise, tendo cuidado dessas telas com algo que ela procura
definir como empatia ou fusão até mesmo mística – “era como
se eu entrasse em contato com a alma de Bruno através das
paisagens, das rugosidades das árvores que ele pintava...”
– ela conta que Bruno tomava conta de suas telas de modo
absoluto, fazendo-as ele mesmo, entalhando as molduras e
mantendo-as sob um artesanato vigilante tal qual um artista da
Renascença. Fala das tintas importadas que Bruno usava e das
suas preparações de telas com óleo Carneiro, cola Coqueiro,
usando também o chamado “verniz de boneca”.

Lembra-se dele como um grande professor, pois escolhia


seus alunos a dedo e não tinha paciência para os candidatos
que não se mostrassem qualificados para as suas exigências.
Lembra de frases usadas por ele, nesses casos: “Não me faça
perder tempo” e de um teste cômico a que submetia alguns
deles: “Você sabe de que cor o céu está hoje? Azul cobalto ou
azul celeste?” (...) “Se você não sabe, não pode ser pintor”.

Além do mais, Bruno era de uma precisão matemática


em seus esboços, enquadramentos e alinhamentos, segundo
Lenise, o que tornava a passagem do desenho para a tela
algo extremamente importante – saber desenhar era uma
exigência indispensável para efetuar a chegada às tintas e à
aventura das formas nos quadros.

Lenise lembra das preferências de Bruno por tons pastéis,


que eram uma nota marcante em seu cromatismo, fosse

88
RESTAURAÇÃO EXIGE EMPATIA PROFUNDA

pintando casario, cenas de roça ou quintais, e também o


uso dos modelos mais próximos, como familiares seus,
sobrinhos, e de como era prodigioso na técnica ao executar
nuances audaciosas no campo da cor, embora seu desenho
mantivesse o rigor clássico.

Nos anos em que recebeu encomendas sucessivas de


colecionadores de Poços de Caldas para que efetuasse
restaurações das telas de Bruno Filisberti, Lenise desenvolveu
um peculiar afeto por esse pintor, que para ela deu-lhe a lição
de um grande amor por aquilo que fazia – “eu sentia que o
compreendia muito bem”.

Lenise afirmou que poucas pessoas sabem da incumbência


não apenas técnica, mas espiritual de seu trabalho – o amor
e atenção aos detalhes têm que ser rigorosos. Com sua
percepção exercitada na técnica que, ao recompor obras
do passado, exige olhar e conhecimento apurados para
refazer, com os materiais e condições da época em que foram
executadas, obras que, não fosse assim, seriam perdidas, ela
sentiu ter penetrado nos segredos da criação de Bruno, o que
a tornou uma admiradora ainda mais convicta de suas telas.

Além das informações transmitidas por Lenise, referentes


às técnicas do atelier de Bruno, tivemos acesso a alguns
tubos de tinta que ele usou e que ficaram com sua aluna
Maria Aparecida da Costa Laier (que também assinava “Mac
Laier”).

89
Sua filha, Isabelle Laier, mostrou-se muito receptiva à
biografia e contou da admiração de sua falecida mãe por
Bruno, com quem teve um curto período de aprendizado
antes de seguir para São Luís, no Maranhão, e fez questão
de me oferecer as tintas para que eu lhes anotasse as marcas.

Vi com surpresa e encanto de pesquisador caírem em


minhas mãos os tubos de Winsor & Newton, Lefranc &
Bourgeois e Grumbacher, além de Permanent Pigment,
pincéis e espátulas. Imaginei as mãos ávidas de Bruno
espremendo os tubos na paixão de recriar os mundos que
trazia dentro de si com as paletas em que as tintas iam
fazendo suas pequenas poças mágicas.

Foi Isabelle Laier quem localizou para mim um raro


exemplar do catálogo de inauguração do Salão Bruno
Filisberti em 1982, assinado por Maria José de Souza (Tita),
da Comissão de Cultura do Chico Rei Clube.

90
18
A LENTA DESPEDIDA

Há poucos dados sobre os últimos dias de Bruno. Sobre


o mal de que morreu, poucos parecem ter uma afirmação
objetiva e determinante – para alguns, foi de um câncer
de estômago, para outros foi de um câncer de fígado,
tendo este sido causado pelo contínuo uso de tintas a
óleo (cujos pigmentos sabidamente contém componentes
de muita toxicidade como o mercúrio e o chumbo),
solventes, diluentes, e pelo ambiente talvez pouco arejado
em que pintava, bastando isso para que houvesse como
consequência uma intoxicação.

Foi de uma intoxicação por tintas que Portinari, o pintor


mais famoso do país, morreu em 6 de fevereiro de 1962, porque
já havia sido diagnosticado com esse mal, mas reincidira
na prática proibida por médicos, o que lhe foi fatal. Assim,
tendo a sua morte se tornado um fato bastante conhecido e
despertado a atenção do público para essa possibilidade bem
concreta da intoxicação pelos próprios materiais utilizados
na criação da beleza na vida de um pintor sempre fechado

91
em seu atelier, pode ser que uma associação automática, não
muito refletida, tenha sido feita a partir da morte de Bruno.

Dorival Pereira, o fotógrafo amigo de Bruno que conviveu


com ele nos últimos anos sem prever que estes seriam os de
uma lenta despedida deste mundo, conta-nos que houve
um período em que seu amigo pontual, que não deixava de
comparecer todas as tardes às três horas em sua loja-estúdio,
ficou algum tempo sumido, o que lhe causou apreensão.
Indo à sua casa, encontrou-o num quadro melancólico –
deitado numa espreguiçadeira, muito amarelado e
prostrado. Chamou-se o médico, Dr. Maurício Romão, e foi
diagnosticado que o quadro era de uma hepatite.

Não havia extravagâncias no comer, beber e fumar na


vida do pintor, segundo o fotógrafo, mas talvez ele fosse
desatento ao uso contínuo (uma vida toda) de diluentes,
solventes e pigmentos tóxicos espalhados pelo ambiente de
seu atelier, e Dorival não titubeou quanto a considerar a
possibilidade de a hepatite ter evoluído para um câncer de
fígado causado pela intoxicação.

Ele se foi devagar, com tempo suficiente para meditar


sobre os mistérios indevassáveis da vida e da morte, e
podemos imaginá-lo ainda em seu leito de enfermo a pintar
mentalmente coisas que nunca seriam materializadas
numa nova tela, enquanto passavam por sua lembrança
quadros de um passado fecundo, já que nunca parou de

92
A LENTA DESPEDIDA

trabalhar. Também deviam desfilar as cenas urbanas,


fosse do centro, fosse da periferia quase rural de Poços
de Caldas, que tanto amou – Carnavais, festas de São
Benedito, muros, cercas, quintais de casinhas dos bairros
– enquanto era cuidado com carinho pela irmã, Gilda, e
recebia a atenção de seus vizinhos.

O amigo “X” nos revela que o ajudou a ser conduzido ao


hospital, impressionado pela palidez e esqualidez a que a
doença o tinha reduzido. Esse amigo contou-nos de sua vida
com um franco entusiasmo fraterno. A amizade com o Bruno
lhe era lisonjeira pois, colocado a uma distância um pouco
intimidadora que tinha com a fama de pintor e de homem
pouco acessível, ainda assim o pintor era muito simples,
cordial e o recebia para dar opiniões sobre um quadro
acabado de pintar ou para conversas ao pé do violão que
tocava enquanto a fumaça do cigarro de palha enchia o ar.

Bruno faleceu em 2 de julho de 1979. Por ocasião do


falecimento, foram decretados três dias de luto oficial pela
Prefeitura e a Câmara Municipal de Poços de Caldas.

Por todas as marcas que assimilou e deixou na cidade, seu


nome foi dado a uma rua no bairro Véu das Noivas. Uma rua
residencial muito simpática, toda arborizada e que tem uma
curiosidade: sem saída, dá numa pracinha ou jardim exíguo
cheio de flores. Talvez muitos pés a tenham pisado e muitos
pneus a percorrido sem que os poços-caldenses donos dos

93
pés ou dos veículos saibam quem foi Bruno. Mas, em espírito,
ele é a história sempre viva da pintura na cidade – basta
que se pronuncie seu nome e uma enxurrada de imagens,
em quadros a óleo e desenhos, voltará à lembrança de
quem o conheceu. E sua lenda de homem arredio persistirá,
indissociável de sua pintura. Foi arredio para resguardar-se
da tirania das aparências e melhor apegar-se à sua verdadeira
essência: a arte de pintar.

94
SOBRE O AUTOR

Chico Lopes (Francisco Carlos Lopes) nasceu em


Novo Horizonte, SP, em 6 de maio de 1952. Desde menino
voltado para as artes, destacou-se na pintura e na literatura.
Realizou exposições de seus quadros na sua terra natal,
promovendo individuais e coletivas e levou seus desenhos
a esferográfica a Curitiba, PR, com exposição de 60 deles na
Fundação Cultural, em 1978. Textos seus sobre a pintura de
Darcy Penteado figuraram em mostras deste artista como
“Sombras da Noite” e “Sessenta anos” nos anos 1980 em São
Paulo. Mudando-se para Poços de Caldas em 1992, escreveu
sobre cinema e literatura e ocasionalmente pintura no diário
“Mantiqueira”, no “Jornal da Cidade”, no jornal cultural e
turístico “Brand News” e em revistas como a “Lacreme”.
Realizou exposições na PUC, na Opem Odontologia e no
Instituto Moreira Salles (Casa da Cultura de Poços de Caldas)
onde, por dezoito anos, foi programador e apresentador de
filmes no Cinevideoclube, de entrada gratuita.

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Desde 2000, publicou livros de contos, romances, poesia,
memórias, ensaio, tendo um deles, o romance “O estranho
no corredor” (editora 34, SP), estado entre os dez finalistas
do prêmio São Paulo e recebido um Jabuti em 2012. Quanto
a personalidades poços-caldenses, publicou pela Gráfica
Sulminas de Poços de Caldas em 2001 a biografia “Nos tempos
de Agostinho”, sobre o falecido prefeito Agostinho Loyolla
Junqueira. É também tradutor de ficção em Inglês, trazendo
neste currículo em particular autores clássicos como Henry
James, Arthur Machen, M.R. James e Edith Wharton, além
de nomes contemporâneos como Gregory Maguire, Max
Allan Collins, Michael Scott e Kenneth Oppel, para editoras
do país como Geração Editorial, Rocco, Penalux, Faro e
Ediouro. Suas traduções já são em número de trinta e seis.
Continua pintando e escrevendo, publicando seus livros
com frequência e realizando exposições esporádicas de seus
quadros, que mesclam variadas influências e escolas.

96
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os amigos, conhecidos, artistas e


admiradores de Bruno Filisberti que se dispuseram a dar,
com paciência, depoimentos para este livro. Seus nomes
estão inseridos no próprio corpo da narração, mencionando
as circunstâncias em que as informações foram fornecidas.

Gratidão a eles, que atuaram sempre de perto com sugestões,


indicações de nomes e referências sobre a vida e a obra do
artista. Agradecimentos à Organização Monreale Hotels,
que propiciou a publicação desta obra.

97
IMAGENS
DO MUNDO
DE BRUNO

O premiado Bruno Filisberti era


um homem humilde. Deteve
seu pincel sobre pessoas e
cenários simples. Seu talento
se estendeu à caricatura e
ao retrato, revelando traços
concisos e primorosos. Este
caderno registra um pouco do
olhar “filisbertiano”.

99
100
a, no
o r Jur a ndir Ferreir
escrit
O amigo
a q uieta substância
ônicas “D
livro de cr uno
pre sta tributo a Br
dos dias”, 275.
na s p á ginas 77 e
Filisberti

101
A vida humilde da periferia
e o povo nas feiras e festas
da antiga Poços de Caldas
que Bruno conheceu
profundamente.

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Na captação
de expressões
humanas, Bruno
utilizou diversas
técnicas, sempre
demonstrando
uma capacidade
inata de precisão e
justa composição.

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O traço conciso e às vezes
humorístico de Bruno
capta aqui, pela ordem da
esquerda para a direita, o
seu próprio rosto, o rosto
do amigo Dorival Pereira
e o do crítico literário do
Modernismo brasileiro
Mário da Silva Brito.

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Estudiosos da obra de Bruno observaram
que há nela uma constância de crianças
com expressões sérias ou melancólicas,
o que pode ser decorrente de uma infância
difícil, de menino adotivo, por ele vivida.

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NOTAS

(1) Jurandir Ferreira nasceu em 1905 e morou por quase a vida toda em
Poços de Caldas, consagrando-se como o escritor mais famoso e elogiado
da cidade. Em 1994, recebeu o prêmio “Guimarães Rosa” por sua novela
“Um ladrão de guarda-chuvas”. Faleceu na própria Poços em 1997.
(2) Carl Gustav Jung (1874-1961), criador da Psicologia Analítica e dos
conceitos de Arquétipo e Inconsciente Coletivo.
(3) Paul Cézanne, pintor francês (1839-1906).
(4) Paul Gauguin, pintor francês (1848-1903).
(5) Alfred Sisley, pintor francês (1839-1899).
(6) “Os admiráveis italianos de Poços de Caldas - 1884-1915”.
(7) Página 275 de “A quieta substância dos dias”.
(8) Negacear: Consta no “Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa” como atrair por meio de negaça; fazer negaças, provocar;
enganar, iludir; negar, recusar (em geral fingidamente); fazer negaças.
(9) Escritor francês (1871-1922).
(10) Sétimo volume de “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust,
editora Globo, SP, 1995.
(11) Pintor espanhol (1904-1989).
(12) Edições Scortecci, SP, 2012.
(13) Escritor nascido em Carmo de Minas, MG (1884-1951).
(14) Livro publicado pela editora do autor em Poços de Caldas, 2009.
(15) Escritor inglês do período vitoriano (1840-1928).
(16) Escritor inglês de enorme sucesso e influência (1812-1970).
(17) “Memórias de um descasado” (Edicon, SP, 2000), “Pedalando”
(Gráfica Sulminas, Poços de Caldas, 2003).
(18) Pintor francês (1796-1875).
(19) Pintor alemão, naturalizado norte-americano e depois francês
(1891/1976).

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Uma parceria de
Chico Lopes
e
José Elias da Silva Neto
www.facebook.com/estanciaprojetoseditoriais

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