Você está na página 1de 118

PAULO ROBERTO DE SOUSA

Autonomia dos Operadores e Trabalho de Convencimento na


Produção Contínua

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da Faculdade de


Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial à obtenção do título de mestre em Engenharia
de Produção.

Área de Concentração: Ergonomia e Organização do Trabalho

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Paula Antunes Lima

Belo Horizonte

Escola de Engenharia da UFMG

2002
2

AGRADECIMENTOS

Partilhar a alegria com quem viveu nossos sentimentos de angústia, com quem
compartilhou conosco o sofrimento – aquele que, em determinado momento, é
impossível disfarçar – é o mínimo que posso oferecer ao agradecer a todas as pessoas
que contribuíram para este trabalho. Em especial...

Ao meu orientador Prof.: Dr. Francisco Antunes de Paula Lima, pela


competência de ser a um só tempo duro e sensível, exigente e compreensível; pela
capacidade de fazer um administrador começar a caminhar como ergonomista e, acima
de tudo, entender que, a muitas custas, um trabalho científico não é um texto
jornalístico, obrigado pela chance de me fazer ver que, para além da estrutura e da
organização da atividade, existem pessoas.

Aos professores doutores Sérgio Birchal, Gustavo Gusman e Eliza, pelo


incentivo e compreensão aos meus limites e limitações.

Aos professores Drª Ada Avila Assunção e Msc. Carlos Alberto Diniz Silva,
pelo incentivo no início da caminhada e à nobreza de participar deste momento final.

Ao DEP, nas pessoas da Ismênia e, agora, Mabel, obrigado pela receptividade às


demandas de aluno e pela maneira de atender à pessoa.

Aos colegas de caminhada, Marcela, Nedson, Bernadete, Rosana, Ráuer, Márcia,


Nelson, amigos de suspiros e desabafos: vencemos.

Aos amigos da PUC MINAS: Denise e Heloísa, pela discussão e a coragem de


me dizerem o que eu não conseguia enxergar. Ao Hélvio e Andréa, parceiros de
coordenação, amigos do ombro e do peito. Ao David, que me fez enxergar que os
desafios servem ao intelecto como combustível da alma e não me deixar desistir. Ao
Odon, Rodolfo, Serginho, Atayde, Antonio Moreira, Henrique, Dalton, Chequer, Paulo
Sérgio, Greco e às colegas Tânia, Patrícia, Bia, Ângela, Lívia, Marília, Rita, Ana Maria,
Neusa, Mª Amália, pelos estímulos e disponibilidade para ouvir e pelo senso do
2
3

conselho. A todos os professores do nosso curso de administração e do ICEG, por


entenderem as minhas eventuais ausências e mudanças de humor. À reitoria da PUC,
pela confiança.

Aos gerentes e operadores da empresa pela disponibilidade e atenção durante


nossa pesquisa.

À minha família, Eliza, companheira e amiga, que assumiu o controle da nossa


vida e compreendeu com candura e resignação esses momentos de viuvez. À Gabriela,
Carolina e Rodolfo, meus filhos, pelas orações constantes e a compreensão de um pai,
às vezes chato e nervoso. A meus pais e irmãos, que entendiam, no início do trabalho,
que a engenharia é para construir prédios e continuam entendendo a mesma coisa hoje.
A eles digo que os limites do intelecto não assombram os limites do coração. Obrigado
por vocês existirem.

Enfim, a todos os que passaram comigo de alguma forma por esses momentos,
pois as marcas do respeito e admiração não se reproduzem nas linhas deste trabalho,
mas na minha história única e pessoal.

3
4

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

1.1 - O trabalho de campo ........................................................................................... 14

1.2 – Os procedimentos metodológicos adotados......................................................... 16

1.2.1 – As etapas ......................................................................................................... 16

1.2.1.1 – A demanda ................................................................................................... 16

1.2.1.2 – O entendimento sobre a empresa e a função operador ................................... 17

1.2.1.3 – A definição da população a ser estudada ....................................................... 17

1.2.1.4 – A análise das atividades ................................................................................ 17

1.2.2 – Os procedimentos ............................................................................................ 17

1.2.3 – Os instrumentos............................................................................................... 18

1.2.3.1 – A observação local........................................................................................ 18

1.2.3.2 – As entrevistas ............................................................................................... 19

1.3 – A estrutura da dissertação ................................................................................... 20

2 A CONSTRUÇÃO DA EMPRESA E A FUNÇÃO OPERADOR DE PAINEL ....... 22

3 O ANSEIO POR UM OPERADOR AUTÔNOMO................................................... 27

3.1 - As tarefas do OP ................................................................................................. 36

3.2 – O perfil da população em estudo......................................................................... 37

4 UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A AUTONOMIA DOS OPERADORES ....... 40

4.1 – A necessidade de autonomia na IPC ................................................................... 41

4.1.1 – A discussão da autonomia e o entendimento pela empresa ............................... 41


4
5

4.1.2 – A emergência da busca da autonomia .............................................................. 46

4.2 – As limitações à autonomia dos operadores.......................................................... 48

4.2.1 – A limitação material - o layout da sala de operação.......................................... 48

4.2.2 – As limitações organizacionais.......................................................................... 51

4.2.2.1 - Falta de informações ..................................................................................... 52

4.2.2.2 - Hierarquia ..................................................................................................... 54

4.3 - Os limites à autonomia dos operadores ou das condições concretas de exercício da


autonomia ................................................................................................................... 60

4.3.1 – Limites cognitivos: o saber e o conhecimento .................................................. 61

4.3.2 – Microdecisões cotidianas................................................................................. 65

4.3.3 - Eventos ............................................................................................................ 67

5 A RACIONALIDADE COMUNICATIVA NO TRABALHO DOS OPERADORES


................................................................................................................................... 72

5.1 – A racionalidade comunicativa e o trabalho de convencimento............................. 73

5.1.1 – A racionalidade comunicativa.......................................................................... 74

5.1.2.1 – Os riscos de interromper uma prescrição....................................................... 78

5.1.2.2 – As múltiplas representações para um problema ............................................. 79

5.2 – O Trabalho de Convencimento na prática dos operadores ................................... 83

5.2.1 – A importância do convencimento..................................................................... 83

5.2.2 – A argumentação............................................................................................... 87

5.2.3 – A veracidade e a validação do argumento ........................................................ 91

5.2.4 – O entendimento entre operadores..................................................................... 96

5
6

6. A PRETENSÃO E A REALIDADE NA AUTONOMIA DOS OPERADORES..... 103

6.1 – Mudanças recentes na atividade de operação .................................................... 103

6.2 – Dificuldades para a negociação e o convencimento........................................... 104

6.3 – A impossibilidade da autonomia pretendida para os operadores........................ 107

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 115

6
7

LISTA DE QUADROS PÁG.

1 - Características da população estudada 37

2 - Gerentes e operadores e o entendimento da autonomia na fábrica 45

3 - Extrato de entrevista com OP – representação e antecipação 50

4 - Extrato de entrevista sobre saber situado 63

5 - Influência de um evento na ação dos operadores 71

6 - A percepção do tempo para intervenção pelos operadores 86

7 - Negociação de prioridades entre operadores 88

8 - Argumentação do OP 90

9 - Extrato de entrevista com OC – prioridades 91

10 - Os papéis do OC e do OP numa situação de intervenção 93

11 - Demonstrando a seriedade de um problema 94

12 - Pontos de vista discordantes entre operadores 96

13 - Reforçando a decisão coletiva – extrato de comunicação 98

14 - As condições físicas da comunicação na operação 106

7
8

LISTA DE SIGLAS

AET – Análise Ergonômica do Trabalho

IPC – Indústria de Processamento Contínuo

ISO – International Standard Organization

OC – Operador de Campo

OP – Operador de Painel

MP – Matéria-prima

RX – Raio X

SAP – Sistema Integrado de Produção e Gestão

SE – Sistema Especialista

8
9

ABSTRACT

The study of the convincing procedures within collective work involving panel
and field operators was conducted in a cement industry situated in the Belo Horizonte
metropolitan region. This industry is undergoing structural, behavioral and
technological modifications, despite the usual reactions against changes in companies
that commercialize commodities. One of the basic aspects considered along the analysis
is that the existing computerized operation procedures are very dependent on a
specialized system performance. Within that environment, the success of any
intervention depends on negotiation between the parts involved, a process in which the
convincing procedures are very important for the results of operation/production. In
that case, the operator’s role is the key factor in the articulation and coordination of the
intervention. In order to understand the personnel behavior during his/her actual
activity, and to obtain useful information about continuous processing industries, the
data were collected through interviews and tape-recordings of operators’
communication, involving all operators and production managers, as well as through
observation during the employees’ work-time. The conclusion is that operators’
autonomy results from negotiation among workers, and that the key factor for
convincing the co-workers are the demonstration of experience, truthfulness, and
sincerity within the collective work if any kind of intervention during the
operation/production process is needed.

Key words: collective activity, autonomy, communication, convincing,


decisions, operation, continuous production.

9
10

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é o estudo do convencimento no interior do coletivo


de trabalho, envolvendo operadores de painel e operadores de campo, em uma indústria
cimenteira da região metropolitana de Belo Horizonte. Essa indústria passa atualmente
por um processo de modificação estrutural, comportamental e tecnológica, num setor
tipicamente avesso às mudanças, pela característica de seu produto, uma commodity.
Considerou-se como relevante à pesquisa, as características da atividade de operação,
totalmente informatizada, e muito dependente da performance de um sistema
especialista. Trata-se de uma atividade onde o sucesso de uma intervenção depende
essencialmente da negociação entre os envolvidos, em que o convencimento do outro é
fundamental à normalidade da operação/produção. A função do operador é peça chave
da engrenagem por funcionar na articulação e coordenação das intervenções. Os dados e
informações essenciais ao trabalho foram obtidos por meio de entrevistas, gravações de
comunicação entre operadores, envolvendo como universo o efetivo de operadores e os
gerentes de produção, e, ainda, observação da atividade no cotidiano dos trabalhadores.
O interesse foi o de entender o operário em atividade e, a partir dessa realidade, permitir
a ampliação de uma discussão sobre os aspectos da autonomia nas indústrias de
processamento contínuo. Concluiu-se que a autonomia dos operadores é aquela
resultante da negociação entre os trabalhadores e que a demonstração da experiência, da
verdade e da sinceridade, no exercício coletivo do trabalho, são pontos chave no
convencimento do outro, quando da necessidade de alguma intervenção no processo da
operação/produção.

Palavras-chave: atividade coletiva, autonomia, comunicação, convencimento,


decisão, operação, produção contínua.

10
11

1 INTRODUÇÃO

“ seria mais fácil pra gente se pudesse resolver o problema sem ficar passando, né? Por que tem coisa que
tudo bem, tem coisa que você resolve, mas tem coisa que tem que convencer, convencer que realmente tá
com algum problema. [...] tem que convencer à pessoa do lado (o outro) [...] se dessem prioridade pra
mim eu ia lá resolver o problema, eu ficava mais tranqüilo, entendeu?”1 (operador da sala de controle)

O objeto central deste trabalho é a discussão sobre a intenção das empresas em


fazer seus operadores autônomos e as razões pela qual essa autonomia não se
desenvolve. A autonomia que será discutida está submetida às condições do exercício
da atividade, desde aquelas ligadas ao posto de trabalho e à função, como as
determinadas pelo nível de conhecimento e saber do operador.

A busca pelo entendimento da forma com que os operadores lidam com a


necessidade de autonomia, diante dos limitadores de sua ação, levou-nos a compreender
que a maneira pela qual essa autonomia se viabiliza passa pela capacidade do operador
para argumentar, negociar e convencer o outro, num coletivo de trabalho. Este exercício
de convencimento esbarra em determinantes, que classificaremos em nosso trabalho
como limitações ou limites à autonomia, tornando o ato de convencer trabalhoso, difícil,
mas necessário, por isso mesmo, um verdadeiro Trabalho de Convencimento.
Consideramos que o trabalho de convencimento é um meio pelo qual se pode viabilizar
uma ação autônoma do operador.

Entende-se por limitação as condições materiais do exercício da atividade do


operador – o espaço físico da operação (layout) - e as condições organizacionais,
aquelas que são impostas ao operador pelas determinações das regras superiores e sob
as quais o operador não tem domínio, mas que, eventualmente, poderiam ser objeto de

1
Nesse, e nos demais depoimentos, não nos preocupou a existência de incorreções estruturais ou
lingüísticas.

11
12

transformação, pois são dependentes de um determinado modo social de organização da


produção e do trabalho: falta de informações para a decisão e o comando hierárquico.

Entende-se por limite aquilo que de alguma forma foge a qualquer controle,
mesmo por parte do operador, como o saber e o conhecimento ao lidar com as decisões
cotidianas e aquelas ligadas a eventos na produção, mas que, no entanto, podem ser
mais ou menos potencializadas pelas relações sociais, pela organização, pela gestão ou
pelas inter-relações subjetivas. O conceito de evento é significativo se entendido “como
o que ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada, vindo perturbar o
desenrolar normal do sistema de produção, superando a capacidade da máquina de
assegurar sua auto-regulagem” (ZARIFIAN, 2001 p.40).

Realiza-se um permanente exercício de comunicação do operador com os


demais operários. O operador, além de todas as dificuldades ligadas às limitações e
limites da autonomia, ainda lida com um coletivo que tem níveis diferentes de
conhecimento e vivência da atividade na empresa e representações diversas de um
problema. Cada operador, por sua vivência, motivação, conhecimento e entendimento,
tem uma representação da importância de uma solicitação. Por isso é difícil convencer e
“(...) seria mais fácil pra gente se pudesse resolver o problema, sem ficar passando”,
segundo um operador.

Toda essa discussão sobre a autonomia nas empresas passa pelas exigências de
uma nova gestão da produção, denominada, em Zarifian (1990), novas abordagens da
produtividade. A implementação de novas tecnologias acelera-se, mas as formas de
controle têm insistido em se repetir. Percebe-se nas indústrias modernas um anseio
incessante em reproduzir o saber operário, através das regras e padrões organizacionais,
bem como a tentativa da substituição do homem por automatismos, na medida em que
cada vez mais as máquinas “tentam” se parecer com os homens. No entanto, quando
elas e os sistemas inteligentes passam a fazer parte da vida operária, percebe-se que a
necessidade de autonomia não se extinguiu, apenas as decisões a cargo do homem
sofisticaram-se.

Buscando entender a necessária emergência da autonomia, efetuamos uma


pesquisa em uma Indústria de Processamento Contínuo – IPC -, mais precisamente em
uma cimenteira na região da grande Belo Horizonte, focando a atividade dos operadores

12
13

da produção, mais especificamente os operadores de painel, na sala de controle da


operação da produção.

Escolhemos essa indústria cimenteira pela transformação geral que ocorre na


empresa, desde a mudança recente de capital acionário, passando pela proposta de um
novo modelo de gestão, até a mudança de tecnologia do sistema de monitoramento da
produção. Com um quadro de pessoal bastante enxuto, resta aos operadores dar conta
do recado, fazendo rearranjos na atividade, compartilhando seus saberes, articulando-se
coletivamente para realizar da melhor forma sua função.

A opção pela função de operador se explica por sua importância para o processo
de produção, reconhecida pelo pessoal da fábrica: “O painel de controle (sala de
operação) é o coração da fábrica” no dizer de um operador de campo - OC. O papel do
operador da sala de controle envolve a articulação e coordenação dos demais
operadores, e foi essa a forma que encontramos para o acesso a todos os outros
operadores e até engenheiros, já que a sala de controle é também um centro de
informações sobre a performance da produção.

Enfim, a opção pelo tema e pela empresa também diz respeito ao pesquisador.
Trabalhando nela por mais de dez anos, cinco como gerente, sempre fomos
considerados como um crítico, em relação às condições de trabalho oferecidas aos
trabalhadores da fábrica, apesar de termos que representar a empresa junto aos
empregados. Como professor, o papel de crítico se acentuou, e o sentido de uma
confusão que dá certo para classificar a produção da fábrica, levou-nos a querermos
entender um pouco mais, agora como pesquisador, por que, diante de condições de
trabalho tão desfavoráveis, não se ouviu dizer que a fábrica tivesse parado por uma
falha do operador. Ao contrário, por falhas no sistema, por descargas elétricas e por
combustível ruim, dentre outros motivos, muito já se soube de paradas forçadas nos
equipamentos. Assim, uniu-se o interesse particular do pesquisador, com uma proposta
de tema com algo de novo – o Trabalho de Convencimento – para pretensiosamente
apresentarmos este trabalho.

13
14

1.1 - O trabalho de campo

A pesquisa foi executada com a finalidade de procurar compreender como a


autonomia é entendida pela empresa, representada pelos gerentes, e como é vivida na
produção pelos operadores. Empregou-se nesta investigação, como instrumento de
coleta de dados, a entrevista realizada no ambiente de trabalho. As entrevistas não
estruturadas foram realizadas com os operadores de painel – OPs -, em turnos
diferentes, para obter depoimentos diferenciados, em situações de trabalho específicas –
manhã, tarde, noite e fins de semana -, por julgarmos que esse tipo de entrevista pode
auxiliar na compreensão da atividade procurando entendê-la a partir do real do trabalho.
Utilizou-se ainda a observação direta do trabalho, com a presença do pesquisador na
sala de operação e no campo, em turnos e com operadores diferentes, a fim de procurar
entender as diferentes formas de representação para os problemas na produção e como
os operadores utilizam seu saber e conhecimento para o convencimento do outro.

Com o consentimento do grupo de operadores, os diálogos analisados neste


trabalho foram gravados e transcritos, permitindo a descoberta de situações que
demonstram a inconsistência entre o que se quer como autonomia e o que realmente se
pode observar. Inconsistência que se demonstra, por exemplo, na falta de informações
cruciais para a decisão do operador, quando da ocorrência de um evento. Observou-se
ainda que o operador, em suas ações, encontra problemas tais como: dificuldade de
mobilização diante de um evento por falta de contingente; necessidade de autorização
superior para ações não estratégicas; convivência com a dificuldade entre ser autônomo
e seguir regras e uma dificuldade em lidar com excepcionalidades (eventos). Todas
essas situações serão discutidas ao longo do nosso trabalho. Mostraram-se como
categorias relevantes ao estudo, dentre outras, as situações de manutenção de
equipamento, a necessidade de informação, o acesso e consulta aos padrões de operação
e a relação entre OPs e operadores de campo – OCs -, OPs e gerentes, OPs e antigos
supervisores, e entre os próprios OPs.

A população em estudo foi todo o universo dos operadores e não uma amostra.
Os agentes de nosso trabalho foram, além dos operadores de painel, os operadores de

14
15

campo e os gerentes de produção. O acesso ao grupo definido para a pesquisa foi


facilitado pela gerência geral da fábrica, na unidade de Belo Horizonte.

A escolha pela entrevista como instrumento de pesquisa principal e a gravação


de diálogos entre os operadores se deu por entendermos que estas garantem fidelidade à
recriação das situações de trabalho, que envolvem os operadores. A análise da
comunicação entre os trabalhadores permite identificar três dimensões essenciais ao
Trabalho de Convencimento, a partir de questões formuladas por Habermas (1989),
Lacoste (1996) e Dejours (1997):

1. a propriedade de um argumento: solicitar a intervenção de outro operador


necessita de uma argumentação sólida, baseada no conhecimento, na
vivência no processo de produção e nas relações do coletivo, sendo
condição primordial para o atendimento da solicitação. Se o argumento não
disser respeito à realidade de um equipamento ou de um procedimento
validado pelo grupo, não será considerado;

2. o exercício do convencimento: o outro deve ser convencido de que é


importante atender a uma solicitação do OP. O convencimento a princípio
só se dará se a situação real justificar, por exemplo, a mudança de uma
prioridade;

3. o julgamento e o reconhecimento: a comunicação entre os operadores é a


oportunidade em que são colocados à prova o saber operário e o
conhecimento sobre o processo. Cria-se um espaço de discussão muito rico,
em que o OP coloca a forma de realizar sua atividade sob a avaliação dos
pares ou dos superiores. É ainda uma oportunidade para que se apresentem
as diversas formas que o grupo tem de lidar com os limites da prescrição, no
exercício da atividade.

Cerca de 20 horas de gravação foram realizadas para se conseguir reproduzir os


diálogos que apresentamos nos capítulos que buscam discutir a prática do trabalho no
dia-a-dia. As entrevistas foram estimadas em cerca de cinco horas de gravação. As
observações foram obtidas durante o intervalo de um ano e meio, entre setembro de
1999 e, fevereiro de 2001. As demais considerações são fruto de dez anos de
experiência nossa na empresa pesquisada.

15
16

A revisão de literatura auxiliou-nos a compreender que a autonomia dos


operadores resulta de determinantes próprios da atividade, obrigando o operador a uma
constante negociação, contribuindo para forjar o conceito de Trabalho de
Convencimento.

1.2 – Os procedimentos metodológicos adotados

A pesquisa de campo moldou-se às reais condições de trabalho encontradas. A


necessidade de ouvir o trabalhador durante a execução de sua tarefa exigiu do
pesquisador a utilização de instrumentos que permitissem conferir maior credibilidade
possível aos resultados.

O detalhamento da metodologia adotada nos auxiliará a entender o que foi


buscado e o que foi obtido como resultado de nossa pesquisa.

1.2.1 – As etapas

As etapas da pesquisa foram:

1.2.1.1 – A demanda

O trabalho teve como ponto de partida o interesse do pesquisador em entender


como os operadores lidavam com a questão de manter a fábrica em funcionamento,
exigindo decisões que envolviam até, em alguns casos, a parada de equipamentos, e, a
um só tempo, dependerem de definições e autorização de gerentes e assessores para
realocação de pessoal, alteração do nível de matéria-prima, dentre outros. Este dilema
foi confirmado como questão central, na medida em que os gerentes declararam
necessitar de um operador autônomo.

A vivência do pesquisador na empresa, as declarações dos gerentes sobre a


necessidade de autonomia, ratificadas nas entrevistas posteriores durante a execução do
trabalho, foram a base para a construção da questão central de nossa pesquisa: entender
a autonomia dos operadores numa empresa de processamento contínuo.

16
17

1.2.1.2 – O entendimento sobre a empresa e a função operador

As informações gerais sobre a empresa foram obtidas junto à gerência geral e


gerências setoriais da fábrica. O conhecimento do pesquisador, adquirido durante 10
anos na empresa, facilitou a coleta de dados e o acesso a informações via catálogos e
manuais organizacionais.

A análise da função operador foi baseada nas entrevistas e observações no local


de trabalho.

1.2.1.3 – A definição da população a ser estudada

Foi definido como foco do estudo o universo dos operadores de painel e


operadores de campo. Como componentes diretos do fluxo de atividades dos operadores
foram ouvidos ainda dois gerentes de operação/produção e o gerente geral da fábrica.

1.2.1.4 – A análise das atividades

A análise das atividades foi baseada em observações diretas e entrevistas


semidirigidas com os agentes envolvidos na operação/produção - operadores e gerentes
-, e foi realizada em diferentes turnos de trabalho e dias da semana, visando ampliar as
possibilidades da convivência com uma situação envolvendo um evento,
caracteristicamente marcado por sua aleatoriedade. Interessou-nos, sobretudo, a
existência de um evento, o que exporia o operador a uma condição de decisão diante de
fatos muitas vezes não previstos nos padrões organizacionais.

1.2.2 – Os procedimentos

O primeiro passo do trabalho foram as reuniões com os gerentes da fábrica.


Nessas reuniões definiram-se o cronograma de realização dos trabalhos, os operários
que seriam os pontos de referência em caso de dúvidas – foram indicados os antigos
supervisores – e franqueada a presença do pesquisador em qualquer área da produção.

O segundo passo foi a ambientação do pesquisador junto ao grupo. Essa etapa


exigiu a presença do pesquisador em diversas reuniões de troca de turno e o

17
18

acompanhamento de paradas para manutenção. Somente após a ambientação as


observações e entrevistas foram iniciadas.

As entrevistas e observações foram realizadas nas diversas etapas do fluxo de


operação/produção, envolvendo: o painel de controle; o laboratório de análise de
ensaios de resistência; o campo, compreendido desde a produção (fornos) à estocagem
do pó; e o apoio administrativo, representado pelas assessorias e gerências.

1.2.3 – Os instrumentos

Os instrumentos de pesquisa foram:

1.2.3.1 – A observação local

A observação da atividade no local de trabalho proporcionou ao pesquisador o


entendimento das ações e intervenções do operador em diferentes situações de decisão.
Percebeu-se que a melhor maneira de entender uma atividade, de se aprender sobre ela,
é compartilhando com quem a vive. O pesquisador, nesse momento, toma consciência
das dificuldades, das habilidades e competências exigidas ao operador.

A atividade de operação/produção estende-se por uma série de etapas. De cada


uma, exigem-se decisões específicas, que requerem observações particulares.

a) da sala de controle

As observações na sala de controle foram efetuadas nos três turnos de trabalho,


de forma aleatória: das 7:00 às 15 h.; das 15:00 às 23 h.; e das 23:00 às 7 h.. A
prevalência deu-se no turno de 15:00 às 23 h., por sugestão dos operadores, pois, nesse
horário, é que seriam necessários ajustes mais freqüentes na produção.

Durante o período de observação ocorreram as gravações dos diálogos entre os


operadores, de painel e de campo, com o consentimento da equipe. Em situações
específicas, após a transcrição dos diálogos, foi necessário retornar aos agentes para a
confrontação de dúvidas.

18
19

Em todo o período de observação na sala de controle, o pesquisador viu-se


acompanhado por um operador. Todos os operadores demonstraram segurança e
conhecimento sobre o processo, pois mesmo os de contratação mais recente, já
possuíam experiência anterior na função.

b) das atividades no campo

Observar o trabalho no campo significou acompanhar os operadores em suas


atividades de manutenção ou monitoramento dos equipamentos. Foram observadas
manutenções e checagem de eventuais problemas nas áreas de mecânica, elétrica e
eletrônica, assim como os diálogos travados entre os operadores de campo e a sala de
controle. Cada caso teve o acompanhamento de sua solução checada com os operadores.
Este procedimento colocou o pesquisador em contato com os equipamentos da fábrica e
com todas as dificuldades do exercício da atividade vivida pelos operadores de campo.

c) das reuniões de troca de turno

A troca de turno entre operadores é precedida de uma reunião de verificação


sobre pendências e fatos importantes a serem considerados para o turno que se inicia. A
troca de experiência e conhecimento entre os operadores manifesta-se de forma mais
evidente, durante a reunião. As reuniões foram acompanhadas, gravadas, registrando-se
os diálogos entre operadores.

1.2.3.2 – As entrevistas

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os gerentes da fábrica e


serviram ao pesquisador como forma de refinamento da demanda inicial. Estas
entrevistas também auxiliaram no entendimento da filosofia de gestão da empresa,
permitindo melhor percepção do papel dos operadores dentro da operação/produção.

As entrevistas junto aos operadores foram realizadas a partir da observação da


atividade no ambiente de trabalho, durante a convivência com o grupo. Foi necessário
ao pesquisador entender de forma pormenorizada o trabalho na produção.

Como demonstra nosso trabalho, em algumas situações de observação foi


necessário recorrer ao confronto trabalho real versus prescrito, etapa indispensável à

19
20

uma pesquisa que se propõe a compreender melhor alguns aspectos do trabalho


humano.

1.3 – A estrutura da dissertação

Após uma breve introdução, o Capítulo 2 apresenta uma evolução histórica da


empresa estudada. A função escolhida como objeto principal de nosso estudo é
apresentada em paralelo à construção da empresa. Ressaltam-se as modificações
organizacionais que contribuíram para a gradual mudança no perfil dos operadores. Este
capítulo traz, ainda, razões que levaram o pesquisador a optar pelo estudo do tema nessa
empresa.

O Capítulo 3 está constituído de uma discussão inicial sobre a demanda do


trabalho - tornar os operadores autônomos em sua atividade -, explorando o
entendimento obtido a partir da fala dos gerentes. Apresenta-se ainda a população em
estudo, e alguns dados relevantes do quadro de operadores da empresa. Caracteriza-se
aqui a atividade do trabalhador do painel de controle, uma atividade coletiva de inter-
relação com outros operadores e gerentes.

Discute-se, no capítulo 4, a questão da autonomia com o foco nos determinantes


da ação coletiva. A partir da atividade do operador, da prática do trabalho, analisam-se
os determinantes da autonomia. Esses determinantes são classificados como limitações:
de cunho material - o espaço físico - layout - e organizacionais – falta de informações, e
hierarquia. Também são apresentados os limites, aqueles de ordem cognitiva e social,
diretamente ligados à atividade dos operadores – saber e conhecimento, micro-decisões
cotidianas e eventos. Traz ainda uma breve discussão sobre autonomia segundo a
literatura estudada e a posição de gerentes e operadores sobre o tema na empresa.

O Capítulo 5 tem o propósito de discutir a questão da racionalidade


comunicativa, a partir de uma breve revisão teórica e apresentação de diálogos entre
operadores buscando a identificação das dificuldades de uma atuação autônoma na
fábrica. Discutem-se as dificuldades específicas do operador no convencimento do outro
e o Trabalho de Convencimento como forma de o operador enfrentar os determinantes

20
21

da autonomia na atividade. Analisam-se ainda as diversas maneiras como o grupo de


trabalho lida com essas dificuldades.

O Capítulo 6 retoma a questão da autonomia, discutindo a viabilidade da


existência na empresa do operador completamente autônomo como desejam os gerentes.
São os resultados do trabalho, em resposta à demanda inicial.

21
22

2 A CONSTRUÇÃO DA EMPRESA E A FUNÇÃO OPERADOR DE


PAINEL

Neste capítulo, pretendemos analisar o histórico da empresa, principalmente no


que concerne às transformações na organização e na gestão do processo de trabalho. A
função de operador evoluiu paralelamente ao incremento da tecnologia e das
modificações causadas pelo crescimento da empresa. Mais recentemente, as mudanças
exigidas por um novo modelo de produtividade impactaram a atividade do OP.

A indústria cimenteira pesquisada originou-se em um grupo familiar


genuinamente mineiro. Sua fundação se deu nos anos 50 (1952 - pedra fundamental;
1955 - início de operação). No início das suas atividades, a capacidade de produção era
de 100 mil toneladas/ano, contando, para isso, com 300 funcionários, ou seja, 333
toneladas/ homem/ano. Classificada como de grande porte e com tecnologia de ponta, a
cimenteira surgiu num momento de efervescência política e econômica. Por influência
política do fundador, os motores da fábrica foram acionados pelo governador Juscelino
Kubitschek de Oliveira, candidato, posteriormente, à presidência da república. A
localização estratégica da fábrica, numa fazenda próxima ao Distrito de Pedro
Leopoldo, trouxe perspectivas de desenvolvimento para a região com a implantação de
serviços básicos de transporte e a criação de vias de acesso rodo-ferroviárias capazes de
escoar a produção.

A empresa cresceu, assim como toda a região circunvizinha, o que forçou a


verticalização do negócio, com a criação, em meados dos anos 60, de uma
transportadora exclusiva para escoamento da produção. Tal situação deveu-se ao fato de
que, em 1962, o forno II entrou em operação, passando então a empresa a produzir 250
mil toneladas/ano, com o efetivo de 340 funcionários, alterando a relação de
produtividade para 735 toneladas/homem/ano.

Outra etapa do crescimento da empresa resultou na mudança de tecnologia no


início dos anos setenta, tendo sido ela uma das pioneiras na transformação da via úmida

22
23

de produção para a via seca2. Esta mudança significou um salto de qualidade no


aproveitamento da matéria prima, maior racionalidade no uso da energia e uma
conseqüente necessidade de aprimoramento da mão-de-obra. Os anos setenta foram
considerados os anos de ouro da indústria cimenteira. As grandes obras, principalmente
aquelas ligadas ao governo, mantiveram as indústrias a pleno vapor, capitalizando-as de
modo a enfrentar o período recessivo da economia nos anos oitenta.

Na empresa em questão, os anos oitenta foram marcados pelo projeto e começo


da profissionalização da gerência. Os proprietários começaram a se dedicar à expansão
dos negócios, abrindo maior espaço para os engenheiros químicos, metalúrgicos e de
minas, assumindo posição de decisão no nível técnico-operacional. Em 1982, a empresa
concluiu as obras de sua unidade de produção de clínquer3 na região do Vale do Aço,
aumentando a capacidade produtiva para 2,16 milhões de toneladas/ano.

No final dos anos oitenta, portanto, a empresa contava com duas fábricas, uma
em Pedro Leopoldo e outra em Ipatinga, sendo responsável por 5% do mercado nacional
de cimento. Sua estruturação administrativa/organizacional obedeceu aos critérios de
operação de uma grande empresa. Nessa época, iniciaram-se os estudos para a mudança
da tecnologia de monitoramento das fábricas, que incluíam sistema de controle
inteligente, modificação dos sistemas administrativos informatizados, revisão total dos
métodos de composição de custos e preços e início da redução gradual do efetivo de
mão-de-obra. As duas fábricas saíram de um total de 1.000 funcionários para algo em
torno de 500, no ano de 1995, sem prejuízo para a produção. A razão da redução
drástica no número de funcionários advém da implantação de um novo modelo de
operação e gestão que associa a mudança nos procedimentos organizacionais, incluindo-
se aí o incremento da automatização da empresa e a necessidade de redução dos custos
para enfrentar a incipiente, mas irreversível, concorrência de mercado. Os serviços
considerados como apoio são terceirizados. Além dos normalmente tratados nessa
forma como alimentação, transporte e segurança são terceirizados inclusive os serviços

2
A alteração do modo de produção buscou o aprimoramento da tecnologia, pois a produção por
via úmida era mais dispendiosa. A utilização da via seca permite que o aquecimento do forno seja feito,
aproveitando-se os gases resultantes da exaustão do próprio forno, preaquecendo a farinha ( mistura de
elementos minerais que irão compor o cimento), diminuindo, assim, o gasto de energia.
3
Clínquer é matéria-prima para moagem do cimento. É composta de. calcário e sílica.

23
24

de manutenção mecânica, elétrica e eletrônica da fábrica. Durante essa época existiu um


forte embate entre a empresa, o sindicato e a comunidade local.
Esse período, em torno de cinco anos, foi intensamente marcado pelo estudo e
implantação de "modernas"4 tecnologias administrativas, sendo a principal delas a
Qualidade Total. A empresa sofreu uma grande mudança em seu contingente de pessoal,
na medida em que aqueles que não comungavam com o projeto da Qualidade Total
passavam a ser discriminados e, naturalmente, acabavam por deixá-la.

Vários projetos de expansão e inovação da área industrial surgiram, mas, na sua


maioria, acabaram ficando na superficialidade. Ainda assim, resultados operacionais
foram alcançados5. Toda essa euforia gerencial durou aproximadamente entre dois e três
anos, quando o projeto da Qualidade Total começou a apresentar problemas. Se os
resultados eram melhores, os operários desejavam uma recompensa por eles. Essa
situação e a falta de preparo da empresa para lidar com as cobranças tiveram como
resultado uma enorme frustração do grupo de operários. A empresa saiu dessa fase com
os operários insatisfeitos e desconfiados das novas tecnologias gerenciais.

Nos anos noventa, as indústrias cimenteiras, ao se sentirem ameaçadas pela


abertura econômica à concorrência externa, foram forçadas a romper com seu
comportamento tradicional. Enquanto, após as mudanças no setor, a tonelada de
cimento no Brasil tinha o preço aproximado de U$45.00, o cimento importado que
chegava ao País custava por volta de U$35.00. Toda a atuação da empresa perante tal
quadro foi questionada. A força de grandes grupos econômicos levou os proprietários,
em 1996, a transferir o poder acionário para um dos quatro grandes grupos cimenteiros
que irão prevalecer no Brasil. Dentre eles, três são de capital nacional, Votorantim, João
Santos e Camargo Corrêa, e um, Lafarge, multinacional. A assinatura dos contratos se
deu no início de 1997, terminando, assim, o ciclo da empresa familiar mineira.

4
Não comungamos com a expressão modernas, embora alguns autores ligados à Qualidade Total
e alguns empresários ainda utilizem tal terminologia. A técnica da qualidade total, tanto em termos
históricos, quanto de aplicação gerencial, é constituída de um somatório de questões já discutidas e
abordadas ao longo do desenvolvimento das organizações, principalmente as industriais.
5
Os resultados preponderantes estão ligados à economia de energia na fábrica e à melhora da
performance de produção. Nessa época, a empresa conseguiu obter o melhor índice entre as cimenteiras
para a chamada quebra de sacaria, ou seja, o número de sacos que são perdidos quando da embalagem do
produto.

24
25

De 1997 até os dias atuais, a empresa tem passado por uma grande injeção de
capital, que vem sendo investido prioritariamente na modernização das instalações. Os
sistemas de informação e a modernização do parque industrial são o foco. Somada à
modernização, uma austera política de adequação e redução de custos, fez com que o
quadro de pessoal passasse de cerca de 500 funcionários para um número de
aproximadamente 250 pessoas, sendo 100 funcionários próprios e 150 de terceiros, em
1999.

A mudança no controle acionário da empresa trouxe conseqüências imediatas para


os funcionários da produção, mais especificamente, para os operadores de painel e os
operadores de campo. Os operadores viveram a transição de um modelo de gestão
semiprofissional, com características de informalidade como: confiança pessoal,
parentesco na empresa e laços comunitários, para uma gestão dura e profissional,
exigindo um tipo uniforme de empregado, já existente em outras fábricas do grupo. A
possibilidade da comparação de índices de produtividade com outras fábricas de um
mesmo controlador acrescentou um novo componente na vida laboral. Os operadores,
que após as mudanças advindas da nova forma de gestão ficaram sem o supervisor
imediato, tiveram que incorporar em seu trabalho uma atitude de iniciativa antes
assumida pelos supervisores.

O quadro de funcionários da operação do painel foi reduzido (de dez operadores


em 1997, para seis, em 1999). A produção da fábrica incrementou-se. Com a redução do
efetivo geral, também os gerentes se tornaram menos disponíveis, reduzindo a fonte de
apoio e de consulta dos trabalhadores. Ademais, a diminuição do número de
funcionários aumenta o nível de stress (termo usado no sentido do senso comum para
indicar um nível alto de fadiga) dos trabalhadores, já que o impedimento de algum
operador se dirigir ao trabalho leva o restante do grupo a cumprir horas extras que são
desgastantes tanto física, quanto psicologicamente.

Os seis operadores atuais no painel têm formação técnica de segundo grau e


trabalham em turnos de revezamento. São todos remanescentes da gestão anterior à
mudança do capital acionário, portanto, carregando marcas de outros processos de
mudança.

25
26

A cada mudança, tende-se a repetir uma cobrança sistemática para que os


operadores tenham um maior nível de participação no trabalho, incorporando, de
imediato, atitudes como iniciativa, liderança, comando e discernimento. Um gerente da
empresa considera que o grupo de operadores, de uma forma geral, não tem
demonstrado essas atitudes. Em sua entrevista, o gerente ressalta que “apenas um deles
se salva”. Como essa atitude passiva e de pouca participação, considerada pelo gerente,
se traduz na prática? Questões dessa natureza foi que despertaram o interesse para a
realização deste trabalho: estudar numa situação específica a questão da autonomia dos
operadores, identificando alguns de seus principais limites e limitações e as
conseqüências da relação entre operadores e as (im)-possibilidades de autonomia na
atividade.

26
27

3 O ANSEIO POR UM OPERADOR AUTÔNOMO

A proposta deste capítulo é entender o que a empresa espera do operador. Qual


deve ser seu comportamento no exercício da atividade? A partir do discurso da gerência
estaremos avaliando o comportamento esperado dos operadores.

Para um melhor entendimento da atividade do OP, será apresentada a


caracterização física do posto de trabalho, através de figuras e descrição do ambiente.
As figuras mostram o ambiente de trabalho do operador, destacando-se os aspectos que
interessam ao nosso trabalho, especialmente aqueles ligados aos limites da atuação do
operador: a sala cega da operação, os equipamentos de comunicação e a conturbação do
ambiente, considerada pelos gerentes como dificultante da ação dos operadores. As
tarefas descritas pelo OP servem para caracterizar a atividade como coletiva e
dependente de informações do outro e do sistema especialista. As informações sobre a
população em estudo mostram uma equipe com experiência, formação e conhecimento
sobre a atividade, seja formada na empresa ou contratada junto ao mercado. Tais
informações servirão de parâmetro para compreender, no desenrolar do trabalho, se é
possível obter dos OPs aquilo que quer a empresa. A fonte dessas informações para
nossa pesquisa é o gerente, que assume a responsabilidade de delinear o espaço e o
conjunto de valores empresariais, regras e procedimentos, a partir da extinção do cargo
de supervisor.

Em conseqüência da mudança do controle acionário, ocorrida nos últimos anos,


a nova administração da empresa vem transformando a estrutura organizacional com o
objetivo de torná-la mais competitiva. Algumas das decisões tomadas foram a redução
do número de postos de trabalho e o repasse das tarefas dos trabalhadores demitidos
para os remanescentes. Estas medidas afetaram diretamente os OPs que tiveram que
acumular as funções dos antigos supervisores de turno. Antes da mudança do comando
da empresa, havia o cargo de chefe de turno. Com a nova administração, este posto foi
extinto por ser considerado uma função que poderia ser acumulada por outros
trabalhadores.

27
28

Os OPs deveriam ser os líderes durante o seu turno: “o que a gente quer dos
operadores é que eles sejam os chefes de turno”, comenta um dos gerentes. Os gerentes
constataram, porém, que a grande maioria dos OPs não vêm assumindo essa função.
Apenas um (do total de seis) a assumiu ou quer ser “um bom operador de painel” que
“corre atrás, estuda a coisa”, alguns outros “correm atrás para não perderem o emprego
e outros estão inteiramente desmotivados mesmo” diz um gerente. Ainda, segundo os
gerentes, a maioria continua atuando como antes, ou seja, continua obedecendo ordens,
quando deveria ser o inverso. “Eles, os OPs, é quem deveriam estar dando ordens aos
outros trabalhadores” afirma um gerente. Existem duas questões básicas no contexto
acima: 1. os contatos do gerente com os OPs são em sua maioria para passar instruções
e obter informações; 2. é impossível exercer a função de operador apenas obedecendo
ordens quando algum evento se apresenta: se, em cada situação de dúvida, o OP
aguardar a ordem do gerente para continuar o trabalho, simplesmente inviabiliza-se a
produção. Se observarmos detidamente, a eliminação do nível de supervisor trouxe
conseqüências maiores que simplesmente se mudar a chefia. As articulações sociais do
trabalho, por exemplo, antes exercidas pelo supervisor, passam agora ao OP, o que será
discutido mais adiante. Exemplo de uma articulação é a capacidade de mobilização do
grupo, sua sensibilização para um trabalho extra quando da ocorrência de um evento. O
supervisor, por sua convivência com todas as áreas da produção, pelo seu conhecimento
do grupo, antecipava situações de mobilização, sem a necessidade da convocação
expressa pela hierarquia, como declara um OP:

“Tinha um supervisor aqui, que todo mundo trabalhava fora de hora e ninguém brigava. A
gente resolvia os problemas e eu nunca vi ninguém discutir ou reclamar dele”. (OP)

Tal poder de mobilização pode ser considerado como “um trabalho invisível de
organização de uma atividade coletiva” (LIMA, 2000, p.88).

Ademais, a situação anterior e a nova situação – com e sem supervisor – não


trouxeram reais mudanças substanciais para a atividade de trabalho do OP, no que diz
respeito à hierarquia, pois o gerente agora assumiu o comando da operação. O gerente
está diretamente envolvido na supervisão do trabalho, participando, inclusive, de
algumas reuniões de troca de turno. As cobranças sobre as metas de produção e o índice
de produtividade dos equipamentos também estão a cargo do gerente.

28
29

As mudanças exigidas do trabalhador são quase sempre isoladas do contexto das


condições de trabalho que a empresa oferece. No caso da cimenteira, como em diversos
outros, reinam o anseio pela autonomia e o discurso sobre ela. O sonho de um novo
modelo de operário, auto-suficiente, independente, e com um índice de erro muito
pequeno é a tônica de um novo modelo de produtividade. A empresa deseja diminuir
custos, racionalizar pessoal, agilizar a produção com a introdução de novas tecnologias
e liberar os gerentes para funções de planejamento. Diz o gerente: “Não precisa chegar
picuinha para mim não. Quanto mais ele (o OP) resolver, melhor. Dá tempo de eu
buscar outras coisas”. Este é o sonho explicitado no discurso gerencial e presente na
lógica e nas práticas produtivas empresariais. A posição de um gerente:

“Chega uma pessoa lá (na sala do painel de controle) e a gente (os gerentes) fala: Fulano
faça isso. E tem que ser o contrário. Ele tem que ter o domínio dele na mão dele, a máquina.
A pessoa chegar e: ‘eu quero fazer isso’, ‘Não agora não pode, só vou poder fazer isso, isso,
isso’ [...] não é uma questão técnica do processo, é a atitude mesmo [...] a gente quer que
eles tomem a frente e que eles imponham até moralmente comigo que sou o gerente...”
(gerente)

A separação entre técnica e atitude sugerida pelo gerente não faz sentido na
realidade do trabalho. O OP só assumirá uma atitude diante de uma causa que seja
razoável no contexto da atividade (como por exemplo “desobedecer ao roteiro de uma
intervenção a fim de agilizar o tempo de reposta”). Não basta, portanto, que o gerente
deseje que o OP se imponha. A atitude no trabalho não é uma posição mística, mágica,
descontextualizada. Ela está intimamente relacionada ao domínio da técnica, ao
conhecimento sobre a atividade. Necessita ser reconhecida e legitimada pelo grupo
através da demonstração do saber do OP. Descolada dessa realidade (LIMA, 1996) a
atitude cai no campo do psicologismo, torna-se apenas um apelo ao envolvimento.
Desvinculada de uma ação, cai no vazio (diversas exaltações ao envolvimento, à atitude,
à motivação para o trabalho, tornam-se ridículas quando ouvimos os operários no chão
de fábrica). Promessas ufanistas de prêmio por produção foram ridicularizadas pelos
operários da fábrica. Segundo um OP

“as metas estipuladas não foram discutidas com o pessoal. Se alguém sabia se tinha
condição ou não de cumprir aquilo eram os operadores. Uma meta planejada lá em cima,
só serve para fazer a gente trabalhar mais. E como alguns sabem que não vão alcançar o
prêmio, a produção continua a mesma”...

29
30

Uma atitude só pode ser julgada diante das condições concretas que a empresa
oferece ao operador para o exercício de sua atividade e tais condições serão estudadas
mais à frente.

Na concepção do gerente, a empresa oferece as condições essenciais como


moderna tecnologia, salário compatível com o mercado, treinamento, espaço para
manifestação dos operadores, para que os OPs se posicionem como donos do espaço e
da tarefa. Ser um OP para o gerente significa tomar conta do leme, de forma objetiva,
pois, se eles já têm o conhecimento do trabalho, devem transmitir aos outros que têm o
comando.

“O que a gente quer é que eles mandem. [...] os outros têm que saber que o espaço é deles.
Eles dominam o sistema e têm que mandar no espaço, ser dono, comandar” (gerente).

No entanto, o grupo de trabalho só aceitará um possível comando se enxergar


no OP o domínio da atividade, e a atividade é, de forma objetiva, colocar a técnica a
serviço do coletivo. Assim, a atitude de comando se dará vinculada ao conhecimento
sobre o trabalho. Atitude e técnica, portanto, não podem ser coisas distintas.

Segundo os gerentes entrevistados, reforçando o que já foi dito com a extinção


do cargo de chefe de turno, o OP deve comandar a sala de operação, ser firme nas
informações, conservar seu ponto de vista e ainda ter todo o processo nas mãos para não
ser questionado nem pelo gerente. O gerente diz o que se quer:

“O comandante de um vôo, mesmo que no avião exista um dono da empresa aérea, tem que
tomar as decisões de forma independente, baseado na sua competência, nos instrumentos e
na sua segurança como profissional.” (grifos do autor da dissertação)

“Então ele tem que estar ali e tem que ser assim: quem está ali no painel é fulano de tal. Ele
tem que se mostrar, ele tem que ter o nome dele ali também. E o nome dele é feito com as
ações que ele faz.” (gerente)

Alguns pressupostos se colocam na fala do gerente: 1. o OP detém todas as


informações e conhecimento (o saber não é distribuído na organização); 2. seu ponto de
vista é que deve prevalecer; 3. o grupo de trabalho deve estar mobilizado sob sua
responsabilidade. Destacamos aqui uma ambigüidade na fala do gerente: ao mesmo

30
31

tempo em que ele reconhece que são as ações que fazem o nome do operador, separa os
atos das atitudes, assim como as representamos no senso comum. Vejamos:

1. sobre as informações e conhecimentos: para o gerente, a função do OP se


resume em lidar com informações. As informações estariam disponibilizadas
através do S.E. que, “cada vez mais integra todo o sistema, dando condições
ao OP de conhecer a produção do princípio ao fim” (fala do gerente). Nesse
sentido, o Sistema Especialista – SE - funciona como um depositário, um
estoque de conhecimentos do qual o OP pode se servir em suas decisões.
Para nós, é o OP quem conhece a produção e, numa relação direta, detém o
saber necessário para lidar com as situações de decisão;

2. prevalência do ponto de vista do OP: o trabalho na operação é coletivo. Sua


essência está na negociação. As soluções dos problemas não se estabelecem
a priori. Elas são circunstanciais. Para cada problema, os operadores são
convocados a se manifestar de uma forma mais ou menos intensa. A
melhoria dos resultados de uma intervenção depende da exposição de vários
pontos de vista, relatos de situações vividas, olhares do campo (o OC) e a
intermediação das leituras dos resultados do processo, a princípio, a cargo do
OP. Pode-se deduzir isso, pois, muitas vezes, a interpretação de um resultado
também é uma experiência coletiva. Zarifian (2001) considera que, mesmo
em uma organização de hierarquia e controle rígidos, uma comunicação pode
ser bem-sucedida. Isto acontecendo, notam-se “progressos sociais e
econômicos consideráveis”(ZARIFIAN, 2001, p.46). Dejours (1997)
também valoriza a comunicação, considerando a existência de um espaço de
discussão imperativo aos ajustes entre a organização prescrita do trabalho e a
organização do trabalho real. Os OPs, em seus relatos, (em determinado
ponto de nossa pesquisa, confessaram sua ansiedade em ter a presença de
outras pessoas com quem dividir seu espaço e suas dúvidas) consideram a
discussão como enriquecedora do trabalho. A posição dos operadores pode
ser corroborada, conforme a referência de que

esse espaço de discussão é, pois, essencialmente voltado à deliberação coletiva, tempo


essencial a toda gestão prudente e racional do processo de trabalho, da segurança das
pessoas e das instalações e da vida comunitária (DEJOURS, 1997, p.:58).

31
32

O trabalho na produção constitui-se como o resultado de trocas de


experiências entre o coletivo, em que o resultado da deliberação determina a
mobilização do grupo;

3. À mobilização do grupo de trabalho: ocorre em situações específicas,


desde a localização de um colega na fábrica para realizar um reparo, até a
realização de horas extras devido a um evento. O OP é o responsável pela
coordenação e explicitação das razões para o grupo se mobilizar, a partir das
demandas surgidas na produção. As variáveis que determinam ou não a
mobilização de um grupo em torno de um objetivo dependem de um
contexto em que se incluem, dentre outras: a) as condições materiais para a
mobilização, considerando-se os recursos que permitem a localização dos
agentes envolvidos, tais como: mobilidade nos transportes, conhecimento do
quadro de operadores naquele momento, meios físicos de localização como
telefone e rádio; b) a satisfação e a motivação do grupo envolvendo fatores
como nível de satisfação em relação às condições físicas de trabalho, índice
de satisfação com salários e benefícios e acordos e compromissos entre o
grupo e os superiores hierárquicos, podem influenciar diretamente na
mobilização do grupo; c) as exigências da intervenção que demonstram a
capacidade técnica exigida dos envolvidos e a urgência da intervenção; d) a
capacidade da produção de suportar as conseqüências da mobilização em que
se destacam aspectos como: existência de estoques, operários para ocupar o
espaço daqueles mobilizados temporariamente e reprogramação da
atividades pós-intervenção. O OP, portanto, deve ser o artífice da
mobilização do grupo, conseguida de uma forma negociada. O OP deve se
servir de fatos concretos, possibilidades reais como o risco da parada de um
equipamento pelo aumento excessivo da temperatura, para argumentar e
convencer o outro da importância de uma intervenção.

A pretensão do gerente de que o OP vá se impor, inclusive, a seu superior


hierárquico merece uma reflexão. Ora, como poderá ocorrer uma situação de imposição,
que presume dar ordens, comandar, quando se tem uma relação de subordinação
hierárquica? Onde as ordens são infundadas, onde a competência técnica faz o OP
enxergar que obedecer pode comprometer o processo, ele assume o comando se
negando a cumprir uma determinação. Nesse caso, porém, esses operadores “são
32
33

taxados de indisciplinados e os primeiros a serem demitidos quando há redução de


efetivos” (LIMA, 1999, cd). Isso faz com que as iniciativas de autonomia se retraiam,
trazendo os operadores de volta ao comportamento de dependência.

A condição do operário é de subordinação social, o que limita suas


possibilidades de comando. Não são incomuns na indústria expressões como doutor,
senhor, para se referir a um engenheiro. Num primeiro momento, tal atitude representa
um sentimento de inferioridade funcional fazendo com que o OP se esquive do
enfrentamento com o chefe.

Não há racionalidade comunicativa (...), em uma situação onde, desde o início, um dos
interlocutores se encontra em situação de subordinação social, ou seja, submetido ao poder
de outrem, sendo esta também uma das principais causas do sofrimento psíquico dos
operadores dos processos contínuos. (LEAL 2001, p.102)

O não enfrentamento pode ainda originar-se de causas mais sutis que a questão
da inferioridade funcional. A gerência não saberia por exemplo como lidar com o erro.
Aliás, como veremos adiante, o erro tem dupla interpretação na empresa: para, o gerente
seria uma forma de aprendizagem, enquanto, para o OP, seria uma ameaça, um motivo
até de demissão6.

Ora, sabemos hoje que as condições de trabalho como diminuição do quadro de


trabalhadores e intensificação do ritmo de trabalho dentre outras podem proporcionar a
ocorrência de erros na operação, gerando falhas que podem comprometer o processo de
produção.

Como a tarefa prescrita jamais pode ser atendida em sua totalidade, o rearranjo
dos objetivos da atividade é sempre necessário e coaduna perfeitamente com este
exemplo: Após uma parada de forno, o OP teve que reativar o equipamento. O padrão
operacional discrimina passo a passo como retomar o sistema. Ao tempo ótimo para a
retomada, no entanto, o sistema não entrou no ar. Após algumas tentativas, o OP
decidiu, para não atrasar mais a parada, utilizar-se do novo sistema em implantação. Na
primeira tentativa, houve um erro de seqüência, o que atrasou a retomada em 20

6
Encontramos aqui duas formas de enxergar o erro: aprender com o erro – abordagem do
recurso humano -; erro como punição – abordagem do fator humano. Estas definições fazem parte da
forma como as organizações têm lidado com o trabalho humano. Para maiores detalhes, Dejours (1997).

33
34

minutos. O gerente foi informado pelo OP, via telefone, que se desculpou pelo atraso e
justificou sua ação. Este OP coincidentemente está sendo o primeiro a operar o sistema
novo.

Conforme relato do que pretende a gerência, a adoção dessa postura de liderança


deveria acontecer de forma natural, à medida que os OPs fossem adquirindo
informações referentes ao processo e à empresa como um todo. O OP não pode deixar
parar o seu trabalho em função da falta de qualquer informação, seja ela sobre estoque,
manutenção, problemas ligados ao processo como, por exemplo, a qualidade da matéria-
prima, ou dúvidas em relação à operação do sistema informatizado, bem como outras
informações ligadas aos cargos e funções da empresa, tais como as especificações de
quem tem autoridade para quê. Para os gerentes os OPs devem sempre questionar,
buscar informação. O que não pode acontecer é o seu trabalho não ter prosseguimento
em função de uma dúvida. Se a empresa demonstra permitir ou não que tal condição
seja observada, aceitando o acesso do OP a todo o fluxo de informações da produção,
será objeto de análise posteriormente .

Os gerentes consideram que a imposição da autoridade do OP depende das


informações recebidas, princípio básico para conseguir autonomia:

“a pessoa tem que ter conhecimento, e ela começa a tomar suas decisões, ou seja, ela começa a
ter autonomia sobre o processo. A forma que esta autonomia vai crescendo, que esta autonomia
vai surgindo naturalmente é através das informações, ou seja, vão levando informações que a
pessoa vai conhecendo um todo, tendo uma visão e tomando decisões. Então hoje: ‘Ah! eu não
tenho autonomia, eu não posso’... O que é que é essa autonomia? O que é que eu posso fazer
para que eu decida tudo. Nada mais nada menos que informação.” (gerente)

A informação para o gerente é tratada de forma genérica. Diz ele que “quanto
mais informação eu tenho, melhor eu desenvolvo meu trabalho”. Mas qualquer
informação? Isso não é muito amplo? Responde o gerente: “informação sobre o
processo, sobre seu trabalho, sobre o sistema... Ele tem que conhecer aquilo que diz
respeito ao seu trabalho...”.

Como este processo não está acontecendo naturalmente como se esperava, os


gerentes consideram que alguns fatores não estão colaborando. Uma das razões,
segundo os gerentes, é o ambiente conturbado do posto de trabalho dos OPs devido às
mudanças no sistema entre as quais destacam-se: novo modelo de tela, mudança de

34
35

códigos dos equipamentos, implementação do sistema especialista etc. Observa-se,


então, que não são oferecidas condições aos operadores de se familiarizarem com as
novas funções. Diz um gerente:“... a gente não tá ainda com o processo estabilizado
para deixar sobre eles (os OPs)”. O gerente ilustra o que ele chama de conturbação:

“ a forma como a gente tá trabalhando não tá ajudando a gente pra isso. Por exemplo: às
vezes, a gente tem observado um número grande de pessoas no painel, dificultando para
que deixe a pessoa sentir mais o equipamento, que ele opere. Tinha 13 pessoas outro dia no
painel, treze inclusive comigo. Eu cheguei lá prá contar, tinham 13 pessoas. Como que uma
pessoa pode operar desse jeito?” (gerente)

O gerente enxerga o problema como causado apenas por circunstâncias


passageiras, cujas soluções pontuais podem trazer resultados imediatos, melhorando a
qualidade do trabalho. Nessa acepção, os gerentes acham que deveriam ser tomadas
algumas medidas no sentido de aumentar o contato dos OPs com o novo sistema como,
por exemplo, deixar o OP trabalhando de dia durante alguns meses, para que ele possa
absorver mais informações sobre o funcionamento da fábrica. Segundo eles,

“Durante o dia quem trabalha recebe muita informação e começa a ter uma visão melhor da
fábrica. Quem tá no turno (revezamento noturno) tem o problema da comunicação pra ele.”
(OP)

A partir das questões levantadas até agora, a demanda deste trabalho passa a ser a
tentativa de demonstrar o porquê de as dificuldades dos OPs atenderem às expectativas
colocadas pelos gerentes durante as entrevistas. Tentar-se-á responder a algumas
perguntas tais como: o que é autonomia para a empresa? O que é autonomia para os
operadores? As decisões do OP são individuais ou coletivas? Como o OP se relaciona
com decisões cotidianas ou estratégicas? Quais são os fatores determinantes que
influenciam a autonomia dos OPs? É possível que os OPs incorporem a função dos
antigos chefes de turno? Por que é preciso argumentar, negociar e convencer para
efetuar uma intervenção? Todas essas questões serão discutidas ao longo do trabalho.

35
36

3.1 - As tarefas do OP

O operador de painel, além de controlar o processo produtivo através do sistema


informatizado, executa outras tarefas. A condição da empresa (número reduzido de
operários, proposta de ampliar a formação do operador) faz com que funções de outras
áreas sejam incorporadas à função do OP. Através de entrevistas com os OPs, apurou-se
o seguinte conjunto de tarefas:

• . acompanhar o sistema de produção da fábrica;

• . atender solicitações diversas de informação sobre a produção;

• . acionar os operadores de campo quando necessário para correção de


problemas na produção;

• . fazer, a cada hora de trabalho, leitura através de RX da amostra do produto


e corrigir parâmetros no sistema;

• . alimentar, através da digitação de dados, a cada uma hora de trabalho, o


SAP ;

• . preencher relatório de imprevistos ocorridos durante o turno;

• . preencher relatório de produção para informação à gerência;

• . controlar visualmente, através de monitores de TV, alguns setores da


produção, a fim de detectar possíveis problemas nos equipamentos ou nos
setores da fábrica;

• . acionar as pessoas competentes no caso de necessidade de intervenção ou


solução de problemas mais complexos;

• . transmitir informações claras ao próximo OP na mudança de turno.

36
37

3.2 – O perfil da população em estudo

QUADRO 1

Características da população estudada

Cargo/função Formação Tempo na Tempo Experiência anterior


empresa de função

Gerente de Produção Eng. Química 6 anos 2 anos Estagiário na área do


forno

Gerente de Produção Eng. 8 anos 4 anos Estagiário na área de


Mecânica mecânica

Operador de Painel Técnico em 12 anos 10 anos Operador de campo –


Química moinho de cimento

Operador de Painel Técnico em 14 anos 10 anos Laboratorista


Química

Operador de Painel 20 grau 4 meses 4 meses Operador de Painel


completo em outra cimenteira

Operador de Painel 20 grau 4 meses 4 meses Operador de Painel


completo em outra cimenteira

Operador de Painel Técnico em 8 anos 6 anos Operador de Campo –


Metalurgia pedreira

Operador de Painel 20 grau 13 anos 11 anos Operador de Campo


incompleto

FONTE – Dados da pesquisa

O QUADRO 1 apresenta uma equipe em que quatro dos seis operadores têm
uma larga experiência na função, variando entre seis e onze anos. Também é
representativo o tempo na empresa: no mínimo, oito e, no máximo, treze anos de
trabalho, indicando um baixo turn over. Tais operadores foram formados em casa, tendo
passado por outras funções na fábrica, todas elas ligadas ao processo de produção.
Portanto, ao assumir a função de OP, o trabalhador já exibia uma bagagem de

37
38

conhecimento sobre o processo, em virtude de ter convivido em outras áreas da fábrica.


Tal situação favorece o alcance da pretensão da empresa de transformar os operadores
em técnicos em cimento7, já que o entendimento do processo de fabricação faz parte do
currículo de formação desse profissional.

Já em relação aos novos operadores – ambos com quatro meses de trabalho -,


nota-se que a empresa busca uma formação intelectual mais geral, sem, no entanto,
abandonar a opção pela experiência profissional. Dois novos operadores já trazem para
a função uma experiência semelhante de empresas concorrentes. A nosso ver, algumas
situações encontradas na empresa podem explicar tal fato: 1. a diminuição do quadro de
operadores, fazendo-se necessária a incorporação de empregados já com experiência
anterior na função; 2. a extinção do cargo de supervisor, não existindo uma forma de
assistência direta ao OP, como aquela que era realizada pelos antigos supervisores; 3. a
implantação de um sistema de informações mais moderno, exigindo um perfil de
operário com uma formação geral mais ampla; 4. o ganho direto com a diminuição das
despesas de treinamento; 5. a necessidade de uma resposta mais rápida do novo operário
em virtude de um mercado altamente concorrencial/competitivo.

Os dois gerentes foram formados dentro da própria empresa. Não só na área de


produção, mas até na administração superior, eles têm uma carreira ligada à empresa.
Ao assumirem seus postos, os gerentes trazem consigo um conhecimento dos valores e
da evolução histórica da tecnologia na fábrica e, talvez, o mais importante, um
conhecimento sobre os operários, mesmo que isso, às vezes, se resuma ao nome, setor e
experiência).

“Quando eu assumi, eu conhecia a equipe toda”, diz um gerente, eles já me conheciam e


tinham confiança no meu trabalho”. (gerente)

Diante desse quadro, o gerente entende como legítimas suas intenções em


relação ao trabalho do OP. Ele dá apoio, está do lado dos operários:

7
O projeto da empresa envolve o treinamento de todos os operadores no entendimento do
processo de produção em todas as suas vertentes – treinamento on the job -, desde a química básica a
noções de manutenções elétrica, eletrônica e mecânica.

38
39

“ Ele chegou para mim e disse: ‘eu gastei dez minutos a mais para rodar o forno, mas eu fiz
pelo sistema novo’. Da próxima vez, se gastar vinte, você gasta e eu assino embaixo [...]
Mas demorou pra rodar. Por que demorou para rodar? Mas é isso mesmo. Pode fazer eu tô
junto. Na terceira ou quarta vez, você vai estar rápido, eu conheço”. (gerente)

Conhecer a equipe e estar junto dando apoio será suficiente para fazer com que
o OP execute sua atividade com autonomia? Quais são as limitações materiais e
organizacionais para uma atuação autônoma dos operadores? Como os limites de saber,
conhecimento e experiência dos operadores influenciam na questão da autonomia?
Quais os problemas de comunicação que impedem a articulação do grupo e sua atuação
frente a um evento? É possível conseguir que os operadores tenham iniciativa,
autonomia, possam liderar e comandar, na realidade atual da produção na empresa?

Discutir a questão da busca da autonomia na gestão da produção, tentando


responder essas e outras indagações, será o nosso próximo passo.

39
40

4 UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A AUTONOMIA DOS


OPERADORES

A empresa busca a máxima autonomia dos operadores de painel. Segundo um


gerente, ...

“a gente tem trabalhado muito para que as pessoas possam tomar as decisões ... bem mais
próximas ao fato, ... então, você acaba por delegar responsabilidades deixando que estas
pessoas entendam ... Olha, eles têm uma autonomia enorme porque se a empresa custa hoje
250 milhões, eles estão com 250 milhões na mão deles. Da mesma forma que nesta hora da
entrevista tem um operador lá, ele tem 250 milhões na mão dele”. (gerente)

Uma empresa altamente automatizada e informatizada incorpora novas


exigências ao trabalho impactando diretamente na maneira de tratar com o processo de
decisão. Os OP’s lidam tanto com as microdecisões cotidianas como inverter a
prioridade de trabalho de um OC, desviar momentaneamente um certo fluxo, despachar
um fornecedor externo etc. até decisões de envergadura como parar um equipamento
essencial para manutenção, parar uma planta. O horizonte de autonomia do OP deveria
alcançar plenamente esse tipo de decisões, assim como alocar os recursos necessários a
todo tipo de intervenção. Os determinantes da autonomia dos OP’s a serem discutidos
neste capítulo foram selecionados a partir das manifestações dos operadores e gerentes e
pela observação da atividade. Os operadores têm seu trabalho mediado pelas relações
com a tecnologia de operação e produção pela convivência com os demais operários
pela regulação dos padrões operacionais e a hierarquia e por situações externas
(condições climáticas, por exemplo) que, de alguma forma, impactam suas decisões. O
OP, ao decidir-se, não pode ignorar essa contextualização, na qual tais fatores poderão
se manifestar mais ou menos intensamente, isolados ou associados, dependendo da
situação que envolva a decisão. Lidar com esses determinantes exigirá do OP uma
capacidade para negociar, conhecimento e saber para convencer o outro e habilidade
para rearranjar atividades do grupo, quando necessário. Nesse contexto, este capítulo
propõe uma breve discussão sobre a autonomia dos operadores, buscando entender a
fala dos operários e dos gerentes da empresa sobre a questão e de forma geral, entender

40
41

o conceito de autonomia sob diferentes visões. Discutem-se ainda as limitações


materiais e organizacionais da atividade e os limites próprios ao operador, quando de
suas intervenções.

Assim, compõe-se esse capítulo o exame da necessidade de autonomia na IPC –


porque são necessários trabalhadores autônomos nas indústrias de processamento
contínuo e o entendimento da autonomia na empresa; as limitações à autonomia dos
operadores – materiais e organizacionais e, os limites à autonomia dos operadores - das
decisões cotidianas aos eventos que podem parar a planta. Interessa-nos discutir como a
autonomia dos operadores é influenciada por tais fatores.

4.1 – A necessidade de autonomia na IPC

Por que as empresas de processamento contínuo necessitam de trabalhadores


autônomos, mesmo investindo maciçamente na automatização? Por que o gerente da
empresa pesquisada diz que “a fábrica roda quase sozinha” e ainda assim continua
exigindo que os operadores sejam donos do processo? Tentaremos, neste item, propiciar
elementos para que essa discussão possa ser, pelo menos, iniciada.

4.1.1 – A discussão da autonomia e o entendimento pela empresa

Num primeiro nível sobre a discussão de autonomia no trabalho, consideraremos


a definição de Robbins (1999 p. 326) Para ele, o nível de autonomia está intimamente
ligado ao cargo, existindo cargos que, por definição, apresentam uma autonomia alta:

“Um instalador de telefones que programa seu próprio trabalho para o dia,
faz visitas sem supervisão e decide as técnicas mais eficazes para uma
instalação em especial”

E outros uma autonomia baixa:

41
42

“Uma telefonista que deve lidar com chamadas à medida que elas
chegam, de acordo com uma rotina de procedimento altamente
especificada” (ROBBINS, 1999, p.326).

A autonomia para esse autor estaria ligada ao cargo e secundariamente ao


contexto no qual a atividade se desenvolve.

Num segundo nível de análise, podemos considerar a autonomia como atributo


do subjetivo, do cognitivo, em que o saber operário é o centro. Um exemplo, no caso
das IPC’s, está relacionado ao sistema especialista (S.E.), em que maior autonomia
depende do saber dos operadores, seja porque o S.E. é muito limitado, ou seja, porque
falha excessivamente. Aqui, o saber operário é potencialmente um fator de poder, sendo
mais relevante em situações eventuais, mas não menos importante nas intervenções do
dia-a-dia.

No entanto, essa relativa autonomia dependerá do cerco hierárquico,


manifestado em cobranças de produção, de prazos e de qualidade, em agendas
predefinidas e, até, na presença intimidatória dos gerentes que buscam transferir o saber
para os sistemas administrativos e de controle. O operário, assim, está diante de
exigências e controles determinados pela empresa, com os quais deverá conviver. Nesse
sentido, temos uma autonomia claramente dependente da organização formal do
trabalho. Segundo Roberto Marx, (apud, Salerno, 1999, p.124)

“...[autonomia] é a capacidade de um indivíduo/grupo projetar, decidir e


implementar alterações de ritmo, métodos, alocação interna e controle das
atividades de produção, dado um determinado aparato técnico
organizacional onde este grupo/indivíduo atua”

Zarifian (2001 p.104) compartilha tal afirmativa dizendo que “a idéia de


autonomia individual está, muitas vezes, associada a idéia de autonomia coletiva ...”
Talvez os estudos devam se concentrar no terreno das restrições ao invés de no leque de
possibilidades em geral e em abstrato. Nesse sentido, os alertas de Zarifian, (2001 p.
104), onde:

“parece contraditório decretar a autonomia de um indivíduo ou uma


equipe e continuar, segundo a tradição taylorista, a prescrever, a impor, a
controlar rigorosamente os modos de execução do trabalho...” (p.104),

42
43

A contradição entre impor um padrão de trabalho ao operador e exigir dele


iniciativa é citado em Assis (2000) como um movimento característico das empresas de
processamento contínuo. Ao operador resta reorganizar seu modo de execução do
trabalho:

“Tem coisa que tem que ser do nosso jeito, porque senão não funciona. A gente tem mais
detalhes da produção. Daí fazemos da melhor forma, esquecendo a norma na hora. Depois
vamos conversar com o grupo sobre o assunto para não dar nenhum problema. Se não
seguimos as normas, podemos ter problemas depois com as chefias, mas, às vezes, temos
que usar nosso conhecimento e assumir o que fizemos” (depoimento de um operador).

Diante desse contexto, cabe a observação de Zarifian (2001 p. 105) de que é


necessária “ uma mudança profunda no modo de controle do trabalho[...] e a garantia de
meios para que a autonomia possa realmente se resolver ”.

A partir dessa reflexão, pode-se ampliar a discussão sobre outro espaço de


autonomia relacionado às interações sociais no trabalho, durante o exercício de uma
atividade, o que mais de perto nos interessa. Concordamos com Silva e Lima, (1999 p.
48), ao afirmarem que

“uma das contradições fundamentais manifesta-se quando se pretende definir o espaço da


autonomia dos operadores. Formalmente, o espírito de iniciativa e a responsabilidade
pessoal são valorizados e expressamente incentivados; na prática, verifica-se pouco espaço
para que estas boas intenções se realizem”

O reconhecimento das boas intenções se sustenta na constatação de um


fenômeno objetivo e contraditório: a empresa precisa da autonomia dos operadores para
viabilizar a IPC, ao mesmo tempo em que precisa de lhes impor condições e
instrumentos que impedem essa autonomia. A autonomia dos operadores não pode ser
desmembrada do restante das especificidades organizacionais no capitalismo, a saber:
hierarquia, subordinação, diminuição da dependência do trabalho humano etc. Para
Lima, (2000 p. 77),

“no trabalho, aprofundar a análise de uma situação significa ampliar a


compreensão das complexas interações entre o comportamento aqui e agora
e os determinantes organizacionais, econômicos e sociais.”

A atividade do OP é circundada por uma série de condições cujas possibilidades


de autonomia poderão ser verificadas. Para o nosso trabalho, a autonomia poderá ser

43
44

influenciada, dentre outras, pelas limitações do SE, pela imprescindibilidade da


intervenção fora e em paralelo ao SE nas intervenções do dia-a-dia e na solução de
problemas eventuais e pela dependência inquestionável do saber operário, como
poderemos constatar no desenvolvimento deste capítulo e no próximo de nosso
trabalho.

Determinar o grau de influência desses fatores dependerá de pesquisadores


encontrarem evidências empíricas que confirmem a possibilidade ou não da existência
real de autonomia e dos seus limites.

Em nossa pesquisa, constatamos uma contradição entre aquilo que quer o


gerente “ que os OP’s sejam chefes de seu turno” e o aumento das restrições impostas
pelas condições de trabalho e pela hierarquia. Para que os OP’s ajam de maneira
autônoma, decidindo de forma ágil e com qualidade, depende-se de um conjunto de
condições técnicas e substantivas, que se apresentam necessárias, como:

1. em primeiro lugar, uma capacidade e uma habilidade expressiva para negociar. As


condições de trabalho do OP exigem que ele articule, junto ao grupo, as diversas
possibilidades de intervenção, de forma a permitir a solução de um problema. Essa é
uma característica geral da atividade coletiva, mas que, no entanto, adquire
importância substancial no caso da cimenteira. Diz um OP:

“A gente tem que raciocinar: quem tá no turno? Para cada pessoa você deve pedir de um
jeito. Se é urgente, a gente procura até achar. Se pode esperar, pede pra alguém localizar
pra gente. [...] Dependendo de quem tá eu sei se vai andar mais depressa ou devagar uma
parada. Aí eu tenho que agir de uma forma para cada um”. (OP)

2. a capacidade do OP em lidar com situações que exijam intervenção, sejam aquelas


ligadas a decisões rotineiras ou a eventos que possam até parar a fábrica;

3. o comando hierárquico, a gestão da organização do trabalho, as condições materiais


para o exercício de seu trabalho;

4. a motivação e participação individual de cada OP. Ainda de uma distribuição social


do saber, fazendo com que o grupo dê condições de decisão ao indivíduo.

Em relação à existência de autonomia na fábrica, várias discordâncias entre a


proposta da empresa (representada pelos gerentes), e o trabalho real dos operadores,
44
45

foram verificadas. O QUADRO 2 apresenta um resumo sobre o entendimento da


questão da autonomia na fábrica:

QUADRO 2

Gerentes e operadores e o entendimento da autonomia na fábrica

ASSUNTO/TEMA GERÊNCIA OPERADOR

Entendimento sobre . delegar responsabilidades para . intervenção baseada no limite


autonomia tomar decisões em cima de do conhecimento.
informações e conhecimento do
todo; . autonomia limitada;

. autonomia ampla, total.

Limite para a . não existe limite para a . não podem decidir quando se
Autonomia intervenção. trata de problema grave.

Sobre o conhecimento . os operadores devem buscar o . depende do interesse, da


conhecimento por meio dos motivação;
treinamentos e do conhecimento
do processo. . depende da troca de
experiências e da interação entre
os operadores.

FONTE – Repostas de operadores e gerentes a partir de entrevistas na operação

O exercício de autonomia pelo OP prevê, portanto, uma conjugação de fatores,


dependentes na essência das possibilidades de interação do grupo, de sua organização
para lidar com as condições limitativas da atividade. Só podemos avaliar se uma ação é
autônoma no momento de sua prática, analisando as circunstâncias que envolvem a
decisão.

Dentro desse entendimento, o que já pudemos constatar é que a questão dos OP’s
exercerem sua atividade de forma autônoma esbarra em determinadas situações que
condicionarão a sua existência. Assim, procuraremos entender, agora, porque as
indústrias de processamento contínuo buscam um operador autônomo, mesmo diante de
um quadro de alta automatização e informatização, característico da maioria dessas
empresas.

45
46

4.1.2 – A emergência da busca da autonomia

Do ponto de vista das práticas de organização do trabalho e da produção em


processos automatizados, a busca de autonomia do trabalhador representa uma
perspectiva e uma necessidade de reinserção do saber coletivo na formatação das regras
ou formas de operação no cotidiano.

O projeto da Gerência Científica, na sua origem, reforçava a separação e a


fragmentação do saber operário como estratégia de controle, ou, como afirma Zarifian
(1990), buscava-se incrementar a ação da gerência como trabalho indireto para
promover a sistematização do saber ao mesmo tempo em que se garantia um padrão de
produtividade elevado através dos estudos sobre o encurtamento do tempo e o gestual
operário.

Com a automatização e, mais recentemente, a automação por meio dos recursos


programáveis e dos S.E, a gestão do saber cotidiano, do saber tácito, da habilidade do
operador para intervir nos procedimentos e monitoramento dos sistemas passou a exigir
caminhos também mais sofisticados. Dentre as possibilidades de controle do trabalho,
identificam-se, como alternativas comuns em diferentes sistemas produtivos, as práticas
neotayloristas, bastante desenvolvidas especialmente a partir dos anos setenta. Tais
práticas de reorganização do trabalho e da produção, entre outras vantagens para a
gerência e seu objetivo de aumentar a produtividade, permitiam a consolidação de
novos saberes no chão da fábrica, pois a própria gerência já não garantia a rapidez
necessária para sistematizar, padronizar, enfim, prescrever o conjunto das atividades a
serem desempenhadas. A percepção e o domínio de informações produzidas on-line, em
tempo real, e a necessidade de intervenção imediata para o controle do fluxo da
produção recolocava, ainda que parcialmente, a exigência da incorporação do saber
coletivo, que então passaria a ser produzido pelos operadores e para a gerência do
processo, que promoveria sua incorporação em sistemas automatizados. A estratégia
organizativa dos grupos, equipes, células, ilhas etc. de trabalho cumpriria o papel de
recolocar a questão da participação do trabalhador no processo de administração do
trabalho cotidiano. É esse discurso da participação que ecoa como a representação e o
sentido da autonomia do operador, estimulada e aceita como fonte inesgotável de
recurso para ampliação do saber capaz de continuar promovendo ganhos de
produtividade.

46
47

Para que algo de novo se apresente, é necessário questionar-se a “organização


do trabalho, quer na definição de efetivos, quer na forma de organização do tempo de
trabalho e da divisão de tarefas” (DANIELLOU e BOEL, 1983, apud LIMA, 1998 p.
5). No entanto, novas formas de organização do trabalho esbarram em concepções de
empresas submetidas às formas capitalistas de controle, fortemente hierarquizadas, em
que a racionalidade comunicativa (pelo menos no que diz respeito à troca de experiência
e conhecimento no trabalho) inexiste (LIMA, 1998). Diz um operador:

“Nós aqui, conversamos uns com os outros, e obedecemos aos gerentes. Por enquanto é
assim... A gente espera que mude”. (OP)

Mudar significa questionar a organização do trabalho, e isto não é fácil para os


gerentes, nem tampouco para os operadores.

É necessário, em primeiro lugar, uma mudança no comportamento social dos


operadores, fazendo-os correrem riscos em sua atividade, assumirem responsabilidades,
e nem sempre os operadores estão dispostos a isso (ZARIFIAN 2001). Os operadores
assumirão mais responsabilidades, na medida em que a empresa lhes proporcione
condições para que suas atividades sejam desempenhadas a contento, e isto não está
ocorrendo, pois, conforme o gerente, “condições para que isso aconteça (exercício da
atividade com qualidade) a gente não tá dando não”.

Em segundo lugar, faz-se necessária uma mudança nos métodos de controle do


trabalho, a fim de propiciar a autonomia e a tomada de responsabilidade pelos
operadores. Não é possível mais um controle de desempenho das atividades
simplesmente através de índices fornecidos em telas ou relatórios. Os objetivos devem
ser discutidos, o horizonte dos operadores ampliado,

“pois envolver-se com objetivos é poder discuti-los, é recolocar os desempenhos que se


deve obter em contexto significativo, muito mais amplo que a oficina ou a própria função
do operador. Numa palavra, é envolver-se com conhecimento de causa” (ZARIFIAN, 2001,
p.84),

evitando-se assim o que se ouve dos operadores: “Tudo aqui é definido por eles
(Diretoria e Gerência). Chega tudo pronto e a gente, às vezes, não sabe porque tem que
produzir mais, ou menos, no mês”.

47
48

Embora os gerentes anseiem por um novo e mudado operador, e os operadores


aguardem mudanças na organização da produção para que suas possibilidades de
intervenção e decisão sejam ampliadas, a realidade do trabalho dá-se num contexto de
determinantes diversos que influenciarão diretamente qualquer ação em busca de
mudança. Esses determinantes obrigarão os operadores à utilização de diversas
estratégias para executar com sucesso sua atividade. Por isso, é tão difícil uma mudança,
apesar de necessária.

4.2 – As limitações à autonomia dos operadores

Trataremos como limitações as restrições de ordem material e organizacional,


com as quais lidam os operadores em sua atividade. O termo limitação se explica,
porque os aspectos analisados aqui fazem parte dos fatores que determinarão ou não
uma ação autônoma dos operadores. Os operadores, ao se depararem com as
possibilidades de restrição à sua atuação, terão que encontrar alternativas que
possibilitem o desenvolvimento normal de sua atividade. Eventualmente, durante a
elaboração de estratégias para enfrentar essas restrições, algumas regras poderão ser
transformadas, dando origem a um novo modelo de organização social da produção e do
trabalho. Interessa, nesse momento, discutir os impactos dessa relação no trabalho
autônomo do operador.

4.2.1 – A limitação material - o layout da sala de operação

Por limitação material entendem-se as dificuldades na relação do operador com


o ambiente físico no qual a atividade é exercida e o layout da sala de operação.

A implantação de uma nova Tecnologia de Informação – T.I - tornou necessária


uma mudança no layout da sala de operação. A primeira medida foi a transferência do
2° para o 1° andar e os operários foram apenas informados sobre a mudança, não tendo
opinado. A intenção principal da mudança de local foi, segundo um gerente, “a

48
49

necessidade de racionalizar o fluxo de trabalho”. Por exemplo, com a sala de controle ao


lado do laboratório, a comunicação ficaria mais ágil.

Uma segunda razão para a mudança foi dificultar o acesso à sala, a fim de
diminuir a conturbação reclamada pelos gerentes, já que, na situação anterior, a sala
estaria se transformando em ponto de encontro (gerente) atrapalhando a concentração
do OP.

A terceira razão para a mudança foi “a necessidade de que o OP incorporasse


novas atividades” diz um gerente. Por exemplo, a atividade de RX (teste de resistência à
compressão) já citada em nosso trabalho. Sobre isso, comenta um gerente: “outro dia
mesmo me fizeram a pergunta se a operação de RX ia ter aumento de salário. [...] se
não tiver radiação, é zero. Se não tem documento do perito, não vai ter não”.

A sala de operação foi concebida de forma que o OP não tenha nenhum contato
com a área externa. De sua sala a visão sobre os equipamentos se restringe à
interpretação das informações a partir do sistema, que é uma característica das empresas
de processamento contínuo, levando o OP a criar representações mentais do processo,
para acompanhar a produção (ASSIS, 2000).

O processo de produção para o OP se resume quase totalmente ao que ele vê na


tela. Não poder estar em contato com o forno ou o moinho causa no OP sensações
diversas que vão da “expectativa em saber o que está acontecendo dentro do
equipamento”, até “a incerteza sobre a intervenção a ser executada”, conforme relata um
operador:

49
50

QUADRO 3

Extrato de entrevista com OP – representação e antecipação

OP: Quando a gente não tá vendo o equipamento, e só a indicação de problema na tela,


a gente fica imaginando o que tá acontecendo para poder entender o que deve ser feito
para corrigir. Se a gente não vê, como no caso aqui dessa sala, longe e fechada, às
vezes, a gente fica em dúvida sobre o que deve ser feito para corrigir o problema.

E: Como assim?!...

OP: É assim, por exemplo, se a gente vê o forno e vê muita poeira saindo, a gente sabe
que tem um vazamento. O vazamento vai alterar a quantidade na produção do pó. Se eu
vejo, de duas uma, ou aumento a entrada de material ou regulo a queima para uma
quantidade menor de material. Eu sei que o sistema, quando sentir a diminuição da
produção, vai corrigir, mas até lá a gente já perdeu produção. E se eu vejo, eu posso
antecipar, né?

E: E se não...

OP: É como eu já disse: se eu não posso ver o equipamento, eu tenho que ver através do
sistema. É mais complicado, exige mais conhecimento para imaginar que pode estar
tendo um vazamento, por exemplo. Mas eu acho que à medida que você vai vivendo a
fábrica, vai aprendendo a imaginar o que pode estar acontecendo, e geralmente se o OP
já conhece bem a fábrica ele acerta. Mas se fosse diferente e a gente pudesse ver, era
melhor..

E: Melhor?!...

OP: É. Dá mais segurança. Eu posso ver, assim, por exemplo, quanto de pó já vazou,
quanto tá vazando, e até pela cor do pó se é mais claro ou mais escuro. Com a minha
experiência, eu já posso prever um problema.

E: Mas você não pode ver...

OP: Por isso a gente pede, quando pressente alguma coisa, para o OC ir lá pra gente. Ele
vai ver pra gente....

FONTE - Entrevista na sala de operação

A preocupação do OP em ver o equipamento no campo e insistir que “se a gente


pudesse ver era melhor” (OP), sugere que a utilização da representação mental do
processo é uma forma que ele encontra de driblar as limitações do layout, o que o
impede de um contato visual direto com o campo. Diríamos que, em condições
específicas (a limitação imposta pelo layout é uma delas), a representação do problema

50
51

é um fator determinante na escolha das ações apropriadas no processo de tomada de


decisão (KARSENTY, 2000).

A convivência do OP com as limitações impostas por uma sala cega exige que
ele encontre alternativas para enxergar, ouvir e sentir o campo. Muitas vezes, a dúvida
sobre a intervenção no sistema, sob a forma de antecipação a um possível problema,
leva o OP a transferir seus sentidos para o OC. Diz o OP:

“quando a gente vê e sente o problema, por exemplo, eu posso ver o pó vazando, mas se eu
estou próximo do forno e sinto uma temperatura mais alta que o normal, mesmo com
vazamento, indica que a coisa pode complicar. Se eu não tô lá para ver (o pó) e sentir (a
temperatura), alguém tem que fazer isso pra mim. E a gente faz assim sempre que tem
dúvida, pede ao operador de campo” (OP).

Portanto, uma limitação material enfrentada pelo OP obriga-o à utilização de


formas alternativas para executar sua atividade, buscando preservar a qualidade do
processo, embora não seja apenas esse tipo de limitação que vá influenciar diretamente
seu trabalho.

4.2.2 – As limitações organizacionais

Como limitações organizacionais, entendemos as dificuldades dos operadores


em lidar com uma organização do trabalho onde ser líder, chefiar , dar conta do recado,
como querem os gerentes, nos parece incompatível. Essas limitações referem-se àquelas
das quais o operador não detém domínio e são definidas, determinadas e impostas,
através da prescrição e organização do trabalho pela empresa, afetando a atividade.
Tomar decisões ágeis, corretas, substanciadas requer dos operadores condições ao
exercício da atividade, que nem sempre são possíveis. Veremos, em três aspectos de
interesse ao nosso caso, que tais condições influenciam o trabalho autônomo do
operador.

51
52

4.2.2.1 - Falta de informações

Toda a atividade dos operadores está vinculada ao trato com informações. Como
os gerentes esperam que um operador gerencie toda a fábrica, dentro de seu turno de
trabalho, ter acesso a todo o fluxo de informações é imperativo. No entanto, não é o que
acontece, como demonstra o exemplo abaixo:

Durante o turno da noite, período de 23 às 7h., o operador <<x>> depara-se com


um indicador de perda de pressão de óleo do motor, responsável pelo resfriamento do
forno. Acionado o operador de campo, foi constatado tratar-se de um problema no
mancal, cuja única possibilidade de recuperação seria a substituição da peça danificada,
com parada total do forno. Parar o forno significa parar a produção, comprometendo a
fabricação e diminuindo o estoque do produto acabado, comprometendo a entrega, o
que poderia afetar negativamente a relação com o cliente. Além disso, parar o forno vai
interferir nas metas e no faturamento da empresa. Para tomar a decisão, seria necessário
conhecer a quantidade de estoque para o fornecimento do dia seguinte, e o OP não tinha
esses dados, não havendo quem lhe informasse, ou seja, o seu acesso às informações do
processo produtivo limitava-se à entrada do produto na ensacadeira. Mesmo assim o
operador decidiu-se pela parada.

Nas entrevistas realizadas, houve queixas em relação à falta de informações, o que


limita a capacidade de resolução de problemas por iniciativa própria. Segundo os
operadores, a falta de informações é um complicador para a tomada de decisão diante de
um evento ou pane, quando é preciso interromper a produção. Informações como
“posição de estoque do produto acabado”, ou “a programação de vendas para o dia
seguinte”, são exemplos de informações que faltam ao OP. Aí a supervisão tem de ser
acionada:

“eu não tenho como falar: pode ficar parado oito horas, porque eu não tenho previsão de
saída de cimento, quer dizer eu não tenho esse tipo de informação, eu não posso falar
assim: - Pode deixar parado até amanhã às 7:00 h, amanhã a gente resolve, né? Então, aí eu
tenho que ligar e falar assim, ó: - Tá parado aqui e o pessoal vai ter um tempo maior, a
parada vai ser longa, né? Que isso é um problema mais sério, vai depender de pessoas
externas, aí eu tenho que passar o problema”. (OP)

52
53

Mais recentemente entrou em operação o Sistema Integrado de Gestão e


Produção - SAP - que tem por finalidade agilizar o processo de informações, dar
qualidade e confiabilidade aos dados e segundo os responsáveis pela empresa,

“propiciar ao OP a chance de lidar com uma das mais modernas ferramentas


de gestão, o que profissionalmente o estará qualificando não só para a
empresa, mas também para um competitivo mercado de trabalho que se
apresenta.” (gerente)

As informações ainda não estão formatadas completamente ou disponibilizadas


para permitir o entendimento completo de todo o fluxo de produção pelo OP. As
informações mais estratégicas, até que todo o processo esteja disponibilizado, estão
disponíveis para o nível gerencial na área de produção que recebe relatórios e para as
áreas de controle financeiro e comercial.

Como vimos, um dos exemplos da limitação do acesso às informações pelos OPs


está no processo de vendas, sob a gerência da área comercial. Para os operadores, o
fluxo de informações é interrompido, o que impede a eles terem uma visão global do
processo restringindo a sua autonomia. Conforme relatado, o SAP poderá sanar tal
problema, no entanto, até o momento do nosso trabalho, não o pudemos comprovar.
Não basta ao operador o interesse pela busca da informação. Ele deve saber onde
encontrá-la, e que utilização dar a ela. Os operadores só podem tomar decisões baseadas
em informações e o seu acesso às mesmas é limitado, o que pode ser confirmado
também pela fala de um gerente:

“o que diferencia cada nível aqui, são as informações. Eu recebo muito mais informações,
eu tenho uma informação muito mais ampla da fábrica. Então, na hora de tomar decisões,
eu tomo até onde eu conheço”.

Da mesma forma, os operadores também tomam as suas decisões até onde eles
conhecem, melhor dizendo, até onde lhes é dado conhecer. Podem, no entanto, em
situações de eventos, tomar decisões surgidas de sua própria iniciativa. O OP acaba,
diante da necessidade de uma intervenção, exercendo uma liderança, acionando os
operadores de área e os gerentes quando necessário, administrando as informações e
tomando as decisões cabíveis. No entanto, uma reclamação recorrente dos operadores é

53
54

a falta de pessoal para atendimento de manutenções em alguns horários como no fim de


um turno, como nos relata um OP:

“Tem turno, no final por exemplo, que a gente não acha um mecânico para atender a gente.
Isso ocorre por que o quadro foi reduzido e alguns trabalham em horário diferente do turno,
deixando a gente algumas horas sem apoio...”

Se o OP encontra dificuldades de localizar um colega para atender um chamado, ele


terá dificuldades para convencer outro colega da necessidade da intervenção. Em
situações de dificuldade de atendimento, muitas vezes será necessário recorrer ao
superior hierárquico.

4.2.2.2 - Hierarquia

Centrando a análise ao nível da atividade do OP, a hierarquia está presente na


obrigação dos OP’s de utilizarem o S.E. tal qual ele é, buscando explorá-lo ao máximo,
mesmo que o OP consiga maior eficiência desligando certos automatismos, e operando
manualmente com a ajuda dos OC’s.

“O sistema é todo automatizado. Ele dá conta de todo o trabalho. (...) o que a gente
quer é que o OP ponha pra rodar e deixe. Não precisar da interferência do operador. (...)
tem muitos deles que não exploram o que o sistema pode fazer. O que a gente procura é
uma utilização máxima do sistema, com tudo o que ele tem. O OP tem que fazer isso”,
(gerente)

Da mesma forma, quando da obrigação pela utilização de normas e manuais,


obsoletos, redundantes ou equivocados.

“Se tem manual é pra usar... Mesmo que tenha hora que você não ache o que precisa. Aí a
gente descobre sozinho ou pede ajuda” (OP)

Na estrutura atual, com a eliminação do cargo de supervisor, os OP’s se


subordinam ao gerente. Os gerentes, ao contrário dos antigos supervisores, não têm
experiência como operador. Ou seja, nenhum deles viveu a operação do sistema de
produção de forma direta.

O gerente representa o comando. Sua desaprovação a um ato do OP pode


significar uma sanção. Ciente dessa possibilidade, o OP se arma de recursos que possam

54
55

demonstrar que ele cumpre as regras do jogo. Por exemplo: a empresa foi recentemente
certificada pela ISO. Houve um grande investimento na preparação dos padrões da
fábrica, inclusive com a contratação de uma consultoria externa. O gerente, como porta
voz da empresa, solicitou aos OP’s que utilizassem os padrões de operação, pois os
mesmos permitiam uma operação que garantiria qualidade ao trabalho. O que faz um
OP diante dessa solicitação?

Durante uma visita à fábrica, observou-se que um OP, ao verificar a


aproximação de um gerente da sala de controle, rapidamente apanha um manual e
simula uma consulta. Quando o gerente se afasta, o OP guarda novamente o manual e
continua seu trabalho. Ao ser questionado sobre sua ação, responde:

“Os homens aqui querem que a gente siga os padrões. Eles cobram porque a gente não usa
os manuais. Assim eu ‘uso’ sempre que um gerente está próximo do nosso trabalho. Sabe
como é, se tá escrito, tem que usar...” (OP)

A divisão hierárquica entre gerente e operador é notadamente fonte de


sofrimento para o trabalhador (DEJOURS 1994 e 1996). Não raro, os trabalhadores são
obrigados a se submeterem ao poder hierárquico sem estarem intimamente convencidos
de que a ordem dada pela chefia tenha propriedade (LIMA, 1999). Isto foi o que ocorreu
com o OP, que se utilizou do manual, não por suas possibilidades de agregar qualidade
à atividade, mas como forma de justificar uma ordem superior:

“Sabe como é, se tá escrito tem que usar”... (OP)

Na seqüência desse trecho de entrevista o OP afirma, questionado sobre quantas


vezes fez uso do manual, após sua implantação, acerca de um ano, responde:

“Eu? Quantas vezes? Acho que uma vez... Acho que foi por causa de um ícone, um
desenhozinho novo na tela” (OP).

Os OP’s não consultam o manual, pois os manuais “são muito chatos” diz um
OP. Existe uma diferença entre o modelo adotado para planejar e conceber os manuais,
o saber analítico, e o saber operatório dos OP’s. Para Lima (1999), o ideal seria que
esses conhecimentos se complementassem para manter a planta em funcionamento.
Entretanto, essa compatibilização não ocorre sem deixar marcas no trabalho do
operador. Assim, ao simular uma consulta, o OP se defende a um só tempo da pressão
hierárquica, como, e parafraseando sua fala, da “chatice do manual”.

55
56

O exemplo demonstra ainda que se estabeleceu claramente um jogo: o OP deve


aparecer para o gerente como um cumpridor das regras. Enquanto ele parecer ao gerente
estar cumprindo as regras, terá menos possibilidade de ser advertido, pois, “se tiver que
ser mandado embora, vai quem errou mais”, diz um OP. Não utilizar um padrão
operacional é um erro, pois, “se a gente ajudou a fazer, tem que usar, né?” fala outro
OP.

Essa relação com a gerência é explicada por Lima (1999) como uma forma de
defesa dos trabalhadores quanto à constatação de erro por uma chefia. Numa relação de
poder, hierarquizada, como na empresa em estudo, existe o risco de que eventuais erros
sejam usados para selecionar trabalhadores. Os erros são debitados aos operários, e
eventuais sucessos, creditados ao superior. Ele entende que não usar o manual é um
erro. E consciente dos riscos de ser mandado embora, ele o usa.

Ora, aqui se estabelece uma grande contradição. O gerente quer que o OP seja
autônomo, independente, “que se imponha até comigo que sou o gerente” diz um
gerente. Ao mesmo tempo, solicita ao OP que utilize o padrão, que siga as regras para
garantir a qualidade da produção. O gerente a um só tempo exige do OP que seja
independente em suas decisões, mas o mantém preso às regras. Metaforicamente, é
como se déssemos a alguém uma possante lancha para uma pescaria em alto mar, mas
mantivéssemos as suas amarras presas ao cais. Os gerentes desejam um operador
autônomo que não solicite a intervenção do supervisor ou do próprio gerente, que tenha
iniciativa, que aprenda e aprimore os processos. No entanto, o operador exerce seu
trabalho sem todas as informações de que necessita (o acesso ao fluxo de produção é
incompleto, como vimos), convivendo com padrões detalhados da operação, que
exigem dele cada vez mais um conhecimento integral de todo o processo. No caso da
empresa, os operadores reclamam maior participação na elaboração dos padrões. Os
padrões operatórios e administrativos da empresa seguem a lógica da ISO, em um
padrão mundial que visa garantir uniformidade na qualidade dos produtos e serviços de
caráter internacional. Assim, um gerente deseja um OP completamente autônomo, mas
exige que o mesmo siga as regras “de um padrão internacional de qualidade” em que
cada intervenção é parametrizada segundo a concepção lógica da prescrição.

56
57

Llory (1999) diz que OP’s e gerentes têm pontos de vista diferentes sobre o
desenvolvimento da atividade. Os engenheiros se pautam pelas regras normativas,
enquanto os OP’s, pelas regras práticas.

E é a partir dessas regras práticas – em que se inclui legitimar o saber -, que de


alguma forma se levanta outra questão: os OP’s legitimam os antigos supervisores como
seus chefes funcionais. O saber é uma das formas de reconhecimento, que pode tornar
um trabalhador pertencente a um grupo. Aquele que conhece o trabalho e que demonstra
segurança em suas intervenções é reconhecido pelos demais operários:

“eles (os antigos supervisores) falam com a gente, entendem a gente, e também
falam com o sistema e entendem o sistema” (OP).

Para os OP’s, existem duas categorias de pessoas no seu trabalho: 1 aqueles que
conhecem o sistema de operação; e 2 os que não conhecem. Os ex-supervisores estão na
primeira categoria, os gerentes na segunda. Sobre essa questão temos o seguinte
comentário de um OP:

“gente do escritório, eles não sabem não. O gerente nunca foi operador. Já o P. e o E. estes
sim, não precisa nem da gente falar. Eles chegam, olham para a tela e já dizem: é isto, por
causa disto. Eles conhecem tudo...” (OP)

O saber prático é para o grupo um fator que legitima um comando. O gerente é


encarado como alguém fora do grupo, com denominações como: “aquele pessoal da
administração” ou “quem não é da gente” (as expressões são dos OP’s). A exterioridade
do gerente é ainda comprovada na manifestação do OP:

“ele vem aqui só quando precisa, pra perguntar alguma coisa, pra gente explicar pra ele. Ao
passo que o supervisor passa a noite com a gente; [...] só de olhar entende a nossa
dificuldade”.(OP)

O papel atribuído ao supervisor (atual assessor de produção), portanto,


transcende àquele prescrito por sua função: exercer um comando garantido pela
hierarquia. Isso se explica pela legitimação do saber tácito, pelo conhecimento que o
supervisor apresenta sobre o grupo e sua intimidade com a atividade do OP. A empresa,
como sabemos, optou pela eliminação do cargo de supervisor, adotando um novo
modelo de gestão, ligando o operador diretamente ao gerente.
57
58

Esse novo modelo de gestão, cada vez mais voltado à produtividade via
incremento da automatização, vai deixando resquícios à medida que avança. Com a
eliminação do cargo de supervisor, o OP deveria assumir “as atividades de coordenação,
planejamento e preparação, implícitas na função eliminada” (LIMA 2000 p.88). O poder
de comando, antes do supervisor, foi transferido para a gerência, e o saber prático (de
supervisores e operadores) pretende ser transferido para o S.E. No entanto, como no dia-
a-dia o OPs continuam tendo dificuldades para assumir a coordenação das atividades,
eles continuam recorrendo aos antigos supervisores, pois:

1. sentem-se inseguros em relação a alguns aspectos do sistema. Para isso, o OP


recorre ao antigo supervisor, pois ele “entende tudo da fábrica”. O sistema novo em
implantação modificou a forma de apresentação de alguns dados e, na dúvida, quem
sabe interpretar é o supervisor;

2. os próprios supervisores, hoje assessores, continuam passando pelo painel de


forma sistemática, observando o trabalho e decifrando alguns macetes sobre gráficos
e tendências, uma forma clássica de repasse de conhecimento;

3. o OP ainda tem muito medo de errar e ser punido. Um dos gerentes reconhece que
ainda existe uma cultura na empresa de dar ferro para quem errar. O gerente, porém,
apresenta uma outra visão sobre o erro:

“Olha, eu particularmente, o que eu tenho feito, é seguir a própria missão nossa. Os acertos
são reconhecidos. Nossos erros utilizados para aprendizado... Eu procuro chamar as pessoas
e dizer para elas: - olha, vamos errar, estamos preparados para errar” (gerente).

Os operadores insistem que essa não é uma verdade absoluta. Principalmente os


antigos supervisores e alguns gerentes tratam o erro como punição. Diz o gerente,
ainda:

“Errou, não tem que chegar e meter os ferros não. Tem que ver o erro: ó fulano, é assim,
assado, tentar transparecer, só isso. Só que tem gente que chega, e eu já vi: ‘Não pode fazer
isso não!’ É a cultura do erro, dar ferro. E tem muito disso ainda” (gerente).

É evidente que “toda falha técnica ou acidente de trabalho remete, em última


instância, necessariamente a uma ‘falha’ ou ‘erro’ humano” (LIMA e ASSUNÇÃO
2000, p.83). Todo o funcionamento da fábrica está sob monitoramento de um OP.
Em cada turno o OP é a referência para checagem da normalidade das operações.
Qualquer anomalia o OP é o ponto central de consultas e das preocupações. Via de

58
59

regra, as empresas não se preocupam em contextualizar o erro cometido, buscando


seus antecedentes e relativizando suas conseqüências. A cultura do dar ferro é uma
forma de encontrar culpados e dar resposta aos demais setores da empresa, sobre
eventuais prejuízos, por isso, a preocupação do operador tem fundamento. Continua
o gerente:

“Tem gerente que não assume os problemas. Quando um equipamento pára e a produção
também, a primeira coisa que ele faz é encontrar um culpado. Daí faz reunião, paga sermão,
ameaça e avisa ao gerente geral que já tomou providências. Acho que é bom para outros
ficarem sabendo que ele atuou. Mas o problema fundamental mesmo, a qualidade do
equipamento, fica para depois” (gerente).

4. a pressão sobre o OP durante uma parada é muito grande. A presença do antigo


supervisor é importante pois suas dicas para a solução do problema aliviam o OP.
“Eles sabem o caminho das pedras. Nessa hora duas cabeças agilizam mais para
chegar ao fim do problema”, diz o OP. Nesse caso, cabe ressaltar que, mais que
comprovar a ajuda do supervisor, a fala do OP diz respeito à utilização da
inteligência no trabalho de forma distribuída: “duas cabeças agilizam mais para
chegar ao fim do problema”. Essa prática do complemento de experiências e
conhecimentos também pode ser observada em outra fala do operador:

“Numa parada surgem muitas dúvidas. Quando o equipamento é mais complexo, a


gente discute o tempo todo com os outros. O que um não sabe, o outro pode saber, e a gente
dá conta do serviço” (OP).

Para o gerente, “Os OP’s não se mostram motivados para o aprendizado, não
apresentam iniciativa, não são pró-ativos”. Diante do que determina o gerente, os
limites da autonomia dos OP’s se expressam nos seguintes fatos: eles não participam da
elaboração das metas de produção; as escalas de trabalho são elaboradas pelo setor
administrativo; os OP’s cuidam do S.E, da entrada de dados do próprio SAP, do
controle de produção da fábrica velha8, do manuseio do RX para verificação da
resistência do cimento e de atendimentos diversos no painel. Além disso, os OP’s estão

8
A chamada fábrica velha é aquela que deu origem à planta da fábrica atual. Ela se encontrava
desativada desde o início dos anos oitenta. Com a mudança do capital acionário, e após investimentos em
modernização tecnológica, essa parte da planta voltou a produzir no ano 2000.

59
60

sendo treinados em horários fora de seu expediente, para se tornarem técnicos em


cimento.

Pelas restrições, prescrições e normas impostas, os operadores estão obrigados a


mover-se dentro dos limites estabelecidos pela gerência, a participar e colaborar, e a
padronizar o seu saber alimentando o S.E. com novas instruções. A hierarquia é a
amálgama da autonomia idealizada pela gerência: um sistema especialista autônomo,
inteligente e supervisor, que dispense à gerência de intervenções operacionais, que
coloque os operadores como parte integrante do sistema, que resolva através da
padronização (S.E. + ISO + manuais) os problemas do dia-a-dia e os problemas
eventuais, com uma dependência cada vez menor do saber operário. Diz um gerente: “O
que a gente quer é que eles (os OPs) resolvam. Resolver sem ficar chamando. [...] o
sistema diz para ele o que fazer. Cada dia mais a fábrica vai rodando sozinha”.
Gostaríamos de fazer uma observação à fala do gerente, sobre a automatização: por
mais que a fábrica rode sozinha, até o momento de nosso trabalho, ainda não se
encontrou S.E. que dê conta de todas as nuanças da operação de uma produção
contínua.

4.3 - Os limites à autonomia dos operadores ou das condições concretas de


exercício da autonomia

Entende-se por limite tudo o que foge ao controle do operador, mas que pode ser
potencializado pelas relações sociais, pela organização, pela gestão ou pelas relações
intersubjetivas. Vimos que a produção não pode prescindir da intervenção do operário,
pois o S.E. não é o bastante para que os problemas sejam resolvidos. A vivência no
trabalho, o conhecimento acumulado e o saber situado do trabalhador passam a ser
exigidos quando os problemas se tornam situações em que o simples ajuste de um
parâmetro pode significar envolver outro trabalhador: um trabalho coletivo. Quando se
trata da dependência da intervenção humana, a atividade do OP encontra limites
manifestos no dia-a-dia e limites mais complexos derivados de intervenções de maior
magnitude.

60
61

4.3.1 – Limites cognitivos: o saber e o conhecimento

Operadores e gerentes apresentam dois entendimentos para o conceito de saber.


Para o gerente, “nada mais, nada menos que informação”, e para o OP, “uma
intervenção baseada no limite do conhecimento” (o OP considera o saber como
resultado do conhecimento acumulado em sua vivência na fábrica), segundo
interpretação obtida nas entrevistas. Esses dois entendimentos não são excludentes, ao
contrário, têm uma relação de dependência. Uma intervenção no sistema de operação
necessita de informações consistentes para que apresente o resultado esperado; as
informações fazem parte do cotidiano do operador. Mas as decisões que o OP adota se
baseiam numa combinação de informações externas com os conhecimentos adquiridos
em toda a sua vida. O aprendizado formal através dos treinamentos, manuais e da
submissão aos dados fornecidos pelo S.E., como quer o gerente, não é capaz de dar ao
OP a objetividade, a racionalidade e a capacidade de antecipação requerida pelo
processo, o que só é adquirido pela vivência no trabalho.

As informações que influenciam o processo de decisão do OP resultam:

1. de dados fornecidos a partir do S.E (movimentação de materiais, condições


físicas como temperatura e pressão são exemplos de dados monitorados através
do sistema);

2. de saberes próprios do grupo de trabalho. A interação do grupo de


operadores cria uma rede de informações que auxiliam o OP na interpretação
das ocorrências da produção. Assis (2000 p.93), ao analisar o saber tácito numa
IPC, comenta que as trocas de saberes entre trabalhadores auxiliam quando da
resolução de um problema. Como eles dizem: “A gente tá sempre
conversando, trocando informações. O sistema precisa de todo mundo, e cada
um tem um conhecimento pra ajudar ao grupo”;

3. da experiência individual do operador. A vivência de cada operador torna


específica a forma de interpretar os dados que lhe chegam, assim como as
ações pelas quais se inclinará. Diz um OP da empresa:

61
62

“Eu, como conheço de outra fábrica todo o processo de produção, já fui OP de outra
fábrica, eu sei que este alarme aqui pode esperar, pois hoje a M.P. tá menos britada, mas
não vai danificar o equipamento...” (OP)

Se um OP desconfia da queda acentuada de uma temperatura, ele não vai


imediatamente acionando a equipe de campo para que se dirija ao forno (o sistema
automatizado desligaria tudo, ou adotaria qualquer mudança programada). O OP utiliza
seu saber, sua experiência, seu conhecimento sobre o sistema de produção. Sua ação é
buscar outras informações para criar parâmetros de decisão e depois agir.

“Aí então, eu tive de olhar outros parâmetros, como por exemplo, a amperagem do forno,
tá? A temperatura, a qualidade do que tava vindo (matéria-prima)... Então tinha algum
problema. Então tive que mandar fazer a limpeza dele (do medidor), entendeu? Então você
não pode confiar 100% mesmo. Você confia nele desconfiando”. (OP)

No exemplo acima (quando o operador tende a atribuir a mudança da


temperatura à falta de limpeza do medidor), ele utiliza o seu saber para contestar o
aparentemente óbvio. Utiliza a sua experiência e relaciona a aparente anomalia com as
características de normalidade do processo. O seu conhecimento – desde a extração da
matéria-prima até o ensacamento do produto -, e visão de conjunto – ele tem à sua
disposição todo o fluxo de produção nas telas do sistema -, o levam a desconfiar
imediatamente do instrumento. Aqui observamos uma decisão baseada no saber
individual. Mas o saber também se constrói na interação dos grupos. Dessa forma, o
compartilhamento das situações vividas vai ajudar ao OP a aumentar sua segurança na
solução do problema. Nesse momento, o saber sobre o processo de produção torna-se
substancial. As situações vividas proporcionam um exercício de discussão, em que são
colocados à disposição a experiência, o saber contextualizado e a interpretação do outro
acerca de um fato. Assim, o saber próprio de cada um dos envolvidos pode ser
socializado, fazendo com que, em situações semelhantes no futuro, ele possa ser
utilizado. Abaixo o extrato de entrevista com um OP que ressalta a importância da
convivência com outro operador mais experiente para a formulação de um diagnóstico:

62
63

QUADRO 4

Extrato de entrevista sobre saber situado

[Durante uma visita à fábrica observa-se a preocupação do OP que, de forma


insistente, confere a coloração avermelhada num ponto de controle da temperatura do casco
do forno. O OP faz uma chamada pelo rádio por um OC específico. Em poucos minutos
este operador entra na sala de controle. Os dois trocam idéia sobre a cor vermelha num
ponto da tela. O OP ouve, contra argumenta e depois agradece. Quando o OC sai da sala, o
OP volta ao trabalho normal. O que aconteceu?]

E: Eu estava observando... Você conferiu diversas vezes aquela tela. Depois


chamou por alguém. O que aconteceu?

OP: É que estava com uma dúvida alí, entendeu?

E: Dúvida?...

OP: É. Eu estava muito preocupado porque aquela temperatura, naquela posição do


casco estava muito alta. Isso nunca tinha acontecido, que eu me lembre. Aí eu pensei:
gente, isso é do forno. Não tem ninguém aqui que entenda mais de forno que o E.. Então eu
tentei achar ele. E pedi para ele vir aqui...

E: E então...

OP: Ele olhou. Disse que essa temperatura não vai passar disso não. Ela vai ficar
assim porque as pedras que entraram têm uma resistência maior, são assim mais duras, né?
O atrito com o casco é um pouco maior. A temperatura sobe, mas esse lado da pedreira não
tem muita pedra não, é só uma ponta. O material que tá vindo já tá diferente.

E: O que fazer?

OP: Eu vou só continuar observando, mas agora sem ficar muito preocupado. Ele
entende muito de forno e agora eu sei mais um pouquinho, né?

FONTE – Entrevista com OP

O exemplo acima apresenta situações em que o saber do operador, baseado na


experiência na atividade, é colocado à disposição do outro. Podem-se observar
características de um saber situado próprio de quem conhece o processo de trabalho, tais
como:

63
64

1) a antecipação: quando o OP afirma “essa temperatura não vai passar disso


não”, ele está utilizando seu conhecimento sobre o equipamento e sobre as
características da M.P. Tal conhecimento permite ao OP afirmar com
segurança que nessa situação a temperatura não irá aumentar. Ele está assim
antecipando a outro OP uma informação a cargo do sistema, contribuindo
para diminuir a preocupação com eventuais problemas a partir do aumento
da temperatura;

2) o saber global e o saber local: o OP demonstra um grande conhecimento do

processo de produção. Entender até que ponto a M.P. vai influenciar no


equipamento e nas indicações do painel significa que ele conhece muito bem
os componentes físicos do processo, desde seu início “esse lado da pedreira
não tem muita pedra não, é só uma ponta” – saber global -; e a fase de
extração em que se encontra a M.P. “O material que tá vindo tá diferente” –
saber local. Essa intimidade com os componentes do produto só pode ser
obtida pela vivência, pelo conhecimento do local, acumulados na experiência
dos sentidos do corpo e da cognição do OP:

“É comum a gente olhar as pedras e dizer de onde veio e se é mais dura ou mais mole.[...]
São muitos anos vendo pedra na esteira (transportadora) ou no caminhão”... (OP)

A experiência individual do OP é colocada à disposição do grupo. A experiência


situada, vivida, é que dá ao OP a condição de analisar os dados apresentados, torná-los
confiáveis ou não, e combiná-los com o seu saber e o dos outros.

Um OP relata que foi um OC antes de passar para a sala de operação. Com isso
conheceu todo o processo produtivo. Foram mais de dez anos vendo o produto sendo
feito. Hoje, quando ele olha para a tela do sistema, consegue fazer uma seleção dos
dados mais importantes. Quando dois alarmes soam ao mesmo tempo, ele prioriza sua
ação, baseado na sua experiência.

Para o gerente, “limitar-se a receber informações” significa decorar os recursos


do S.E., lembrar-se dos treinamentos, aconselhar-se com os gerentes e utilizar os
manuais. Para os operadores, tudo isso é insuficiente (e em muitos casos, equivocado),
quando o saber prático e a experiência são insubstituíveis. Para ambos, a autonomia
dependerá de limites distintos do conhecimento. Para a gerência, o conhecimento deve
estar padronizado nas normas, e a autonomia dos operadores acaba nos limites dessa

64
65

padronização ou se limita a tratar picuinhas; para os operadores, as normas não são


suficientes para gerenciar o processo produtivo, em que o saber operário é o limite.
Embora nossos exemplos tenham ilustrado a importância do saber operário, devemos
reconhecer que, freqüentemente, surgem situações novas, ainda não vivenciadas pelo
operador e que colocam esse saber em xeque.

4.3.2 – Microdecisões cotidianas

A atividade do OP diante do painel de controle se revela como um cotidiano, às


vezes, monótono, às vezes, cansativo. “Nossa atividade é essa: ficar observando os
dados do painel todo o turno”, diz um OP. Uma atividade de vigilância em que o
importante é a atenção ao fluxo de produção representado pela simbologia9 do S.E.. Um
OP se refere ao ato de “ajustar um parâmetro de fabricação no sistema” como um fato
cotidiano, “toda hora a gente faz isso”. Embora pareça uma intervenção simples (a
correção de um parâmetro significaria apenas ajustar uma faixa estatística), nesses atos
se estabelecem interações que irão variar segundo a singularidade de cada situação.

O trabalho do OP exige, muitas vezes, decidir entre, por exemplo, “manter a


produção na faixa determinada” ou “aumentar a produção acima dos parâmetros do
sistema”. Um OP diz “que a faixa de alimentação para o forno deve estar entre 40 e 80
toneladas”. No entanto, “ele (o sistema) não vai passar de 80 se eu não for lá e falar com
ele assim: agora você pode por mais 5. Você pode ir até 85, né”? Decidir-se por
aumentar a alimentação nesse momento é uma decisão individual do OP. Baseado em
que ele decide? “Baseado em... nas condições. Eu olho pras condições e vejo que tem
condições de produzir mais, por exemplo” diz um OP. As condições representam todas
as informações disponíveis desde a extração da M.P., até o ensacamento.

A monitoração do funcionamento do sistema no campo é feita pelos diversos


sensores ao longo da operação. No entanto, o OP mostra que, mesmo tendo diante de si
todo um quadro informativo, tecnologicamente adequado, ele só irá mudar o parâmetro

9
As telas do S.E são constituídas por dados numéricos, ícones representativos do fluxo de
produção, alarmes que utilizam cores que se alteram à medida que uma situação se torna preocupante, e
siglas alfanuméricas que representam os diversos equipamentos.

65
66

se, por exemplo, “... o tipo de M.P. que estiver chegando não forçar demais o
equipamento ... Se está chovendo ou não ... de que parte da pedreira foi extraída a M.P.
... qual o histórico de quebra desse equipamento”, segundo o OP, são informações que
“ele já possui na cabeça” e que “ficam com ele na memória o tempo todo”, ajudando na
definição sobre a mudança no parâmetro. Por isto, nessa hora, ele não precisa de
ninguém para dizer se deve ou não alterar.

A decisão cotidiana de ajustar um parâmetro exige interpretar o processo


produtivo representado por uma simbologia, em que cada ícone, número, conjunto de
palavras ou cor, apresenta um significado específico. É necessário ao OP o
conhecimento do processo de produção para a transformação de um estímulo cognitivo
numa intervenção concreta no sistema. Aumentar a produção em cinco toneladas é uma
prerrogativa do OP que deve ter a segurança necessária, através do conhecimento, do
saber, da experiência vivida para intervir medindo as conseqüências de seu ato (note-se
bem que o OP diz que pode ir até 85, embora o sistema se limite em 80). As
microdecisões, semelhantemente àquelas vinculadas a situações mais complexas,
presumem todo um conjunto de saberes próprios ao OP.

Outro exemplo de uma decisão cotidiana do OP diz respeito a situações em que


se deve envolver outro operário. A partir de uma informação extraída da vigilância
sobre o estado de funcionamento do sistema, o OP irá acionar o OC para uma
intervenção. O OP, ao monitorar o sistema, encontra um problema na temperatura,
“temperatura alta do material que está saindo”. O OP diz que tem que atuar para
corrigir: “Eu sei que é um problema mecânico. Então eu tenho que ligar para o operador
da área e falar com ele assim: coloca água na correia aí, entendeu?!...”

Dois aspectos nos interessam destacar no exemplo acima:

1. o OP sabe que é um problema mecânico. Por quê? “Pelas outras informações


do sistema, eu sei. Também porque o moinho 7 tem dado este problema com
a correia. Esquenta e tem que esfriar, isso já aconteceu. Mas parar o sistema,
não pára não, sabe? Um caso assim fica para uma parada maior...”. O OP
apresenta, além do conhecimento das informações expressas no exemplo
pela interpretação dos símbolos, uma intimidade com a condição dos
equipamentos própria daqueles que estão no dia-a-dia da produção;

66
67

2. o OP, ao solicitar a intervenção do OC , encontra uma situação em que a


argumentação, a negociação e o convencimento devem ser empregados.
Embora a prescrição da tarefa do OC preveja o atendimento às solicitações
do Painel de Controle, em algumas situações, esse atendimento não poderá
se dar de imediato, pois o OC poderá ter outros compromissos, outras
prioridades.

O OC tem suas prioridades estabelecidas formalmente a partir das reuniões de


troca de turno e que devem ser observadas para o andamento da produção. Mudar uma
programação dentro do turno se dará a partir de concessões, num diálogo que poderá
trazer como conseqüências: mudanças de prioridades, aceleração ou desaceleração do
ritmo de trabalho e mudança na maneira de lidar com um equipamento dentre outras.
Acontecimentos imprevisíveis sobre o processo requererão intervenções dos operadores,
pensando individual ou coletivamente. O grau de autonomia dos OPs dependerá de
circunstâncias que se apresentam diferenciadas, mesmo que elas sejam corriqueiras.
Finalmente, é o somatório dessas situações que mantém a planta funcionando.

4.3.3 - Eventos

Eventos são classificados “como algo que acontece de maneira parcialmente


imprevista, inesperada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de produção,
superando a capacidade da máquina de assegurar sua auto-regulagem” (ZARIFIAN,
2001 p.41). Sua ocorrência implicará ações que, em geral, resultarão em rearranjos nas
atividades, pois a normalidade cotidiana estará rompida. Evento, então, traduz-se como
a gestão do acaso.

Lidar com a existência de eventos na produção é outra característica da atividade


do OP. “O indivíduo deve confrontar o evento, deve resolver os problemas que revela
ou que gera” (ZARIFIAN, 2001, p.41). Uma situação prática, relatada por um OP, ajuda
a descrever o que pode ser tratado por evento na indústria cimenteira. Um dos
componentes da farinha é a argila. Em época recente, em um período em que chuva é

67
68

uma anormalidade, choveu forte. A matéria-prima ficou muito molhada, obrigando um


reajuste dos parâmetros de secagem. Mesmo com uma secagem reajustada, a matéria-
prima apresentou índices de umidade acima do previsto. A chuva – elemento externo ao
processo de fabricação – deixou a argila com um grau de umidade acima de qualquer
previsão. Isto causou um reflexo na farinha, tornando-a mais densa que o máximo
previsto.

A farinha é um componente essencial na composição do produto, portanto, “seu


estoque não pode baixar, se você baixar, você tem um problema sério mesmo” (como
fala um OP). O OP deve controlar o nível de estoque da farinha. Um entupimento no
moinho de farinha (algo raro) compromete a produção do forno. Existe uma relação de
mútua dependência entre o forno e o moinho: a farinha é a M.P. para o forno, e o calor
do forno aciona o moinho de farinha. Com um estoque baixo ou inexistente, “como
você vai rodar o forno para produzir calor se não tem farinha para produzir?” diz um
OP. Portanto, a existência de um estoque regular de farinha é fator determinante da
atividade do forno. Por conseguinte, se o estoque de farinha estiver baixo, toda a cadeia
será afetada, culminando no comprometimento do estoque do produto acabado.

O entupimento do moinho de farinha é algo que foge ao caráter normal da


operação e coloca o OP diante de uma exigência concreta: deve-se manter o estoque,
mesmo com o forno momentaneamente parado. Os operadores declaram que, numa
situação dessa, “é necessário se restabelecer o quanto antes a normalidade do fluxo,
mobilizar todo mundo para achar o problema, e garantir que não entope mais”. Embora
seja essa a preocupação dos operadores, não dá para “garantir” que não vá chover dessa
forma outra vez e que o problema volte a se repetir. Isto sim caracteriza um evento: sua
aleatoriedade, aqui sujeita às intempéries naturais, fugindo ao domínio dos operadores
(ZARIFIAN, 2001).

No entanto, não é só importante que o equipamento volte rapidamente a


funcionar. É necessário que se utilize o tempo da intervenção sob uma nova ótica:
compreender as razões da pane, tornar o tempo de parada uma oportunidade de pesquisa
sobre as causas da pane (SILVA e LIMA, 1999).

“O ganho maior não consiste em abreviar as reparações das panes, mas em


prevenir essas panes e as paralisações de máquinas”(ZARIFIAN, 1990 p.82).

68
69

Para uma nova lógica da produtividade, em que a velocidade das ações é


primordial, não somente é importante trabalhar rapidamente quando a máquina pára,
mas trabalhar para que os equipamentos se tornem mais confiáveis. Uma análise
acurada e conseqüente eliminação das causas de um incidente podem evitar, segundo
Freyssenet (1993, p.159), um trabalho de manutenção “oneroso, desmotivante e por fim
pouco eficiente”. No entanto, não parece que a empresa, como outras também, se dê
conta disso.

Lembrando uma ocorrência desse tipo (quando o forno parou por um defeito no
mancal), o OP relata que a pressão do tempo nesse caso foi muito forte. Todo um
mecanismo de pressão se estabeleceu. O importante nessa hora foi colocar para rodar.
A atuação do OP ficou centrada na condução da solução. “Já rodou? Qual a estimativa?
E a nossa programação?” eram perguntas dirigidas ao OP. Diz o OP: “... eu fiquei
preocupado. Tantas horas que está parado e está abaixo do nível”. E ainda: “eu me
lembro que naquele dia fiquei muito ansioso”.

Diante da pressão exercida, o OP decide convencer o grupo de que a solução do


problema não podia ser mais adiada.

“Então nessa hora aí eu chamei o pessoal e falei: ó pessoal, nós temos que resolver no
nosso horário hoje... o estoque não agüenta mais. Então nos empenhamos, com três horas
de horário a gente já rodou e ficou tranqüilo”. (OP)

Encontramos acima uma das características marcantes de um evento: a


mobilização. O OP consegue o empenho dos demais operários. A ação torna-se coletiva.
Isto só se torna possível por que a situação apresenta uma gravidade reconhecida: todo o
sistema de produção pode ficar comprometido pela falta de matéria prima. Ao se
mobilizar, o grupo estabelece estratégias internas de ação. O compartilhamento das
atividades, a ajuda mútua para a solução do problema, rompendo com o conceito da
especialização (é comum mecânicos e eletricistas se ajudando), tornam a situação
diferente das intervenções cotidianas. Quando do evento, é comum “todos fazerem um
pouquinho”, como nos relata um OP:

“Mas no caso que acontece quando tá trabalhando junto com o pessoal, a gente faz de tudo
um pouquinho. Nessa hora, não tem um problema de cada um não. Todo mundo tá lá se
precisar. Nessa hora, você não tem um problema seu”. (OP)

69
70

O evento estimula a integração e a cooperação em um coletivo de trabalho. O


sucesso ou insucesso da intervenção será debitado ao grupo. “Numa situação como essa
a gente erra e acerta junto”, diz um OP.

O evento apresenta-se como “um fórum privilegiado onde as experiências


profissionais são expostas e avaliadas” (ZARIFIAN 2001 p.43). O conhecimento
individual é socializado diante da necessidade coletiva de colocar o equipamento em
funcionamento. Para os operadores, é melhor tomar decisão trocando sugestões (ASSIS,
2000). Constrói-se um espaço de discussão, de ajustes do prescrito ao real. “A gente
conversa, troca opiniões” (como diz um OP).

A solução de um evento é um exemplo concreto de que obedecer à prescrição,


muitas vezes, pode comprometer um trabalho. Não há como seguir os procedimentos
descritos, de forma absoluta, diante da pressão do tempo (o equipamento não pode ficar
parado em função de comprometer a produção ou a qualidade de desempenho dele
próprio): “Vamos pôr o forno pra rodar, por que o forno não pode ficar parado, se ele
parar vai empenar, se ele empenar, parou a fábrica inteira!” (fala de um OP). Diante
da pressão dos superiores (as metas de produção devem ser cumpridas e os gerentes são
cobrados por isso): “Por exemplo, a avaliação de todo o trabalho é feita de modo geral,
pelo resultado da produção e da qualidade. Os gerentes acompanham tudo e cobram da
gente...” (diz um OP). E ainda do julgamento da própria competência dos OP’s (fatores
como habilidade, destreza e agilidade são objetos de avaliação do operário perante o
grupo):

“Quando a gente pede pra olhar um equipamento, é claro que a gente quer que o cara
trabalhe rápido e bem. Por exemplo, não dá para ficar esperando muito tempo uma
regulagem que a gente sabe que é rápida...” (OP)

O evento é uma oportunidade de se criar um espaço de discussão. Esse espaço,


não necessariamente ligado a um evento, mas reservado à exposição dos conhecimentos
e da vivência dos operadores, é citado por Dejours (1997, p.57), como um “espaço onde
podem ser formuladas livremente e sobretudo publicamente as opiniões eventualmente
contraditórias” influenciando diretamente na efetividade da ação. Vejamos um exemplo:

70
71

QUADRO 5

Influência de um evento na ação dos operadores

[Dois operadores trocam idéia sobre a qualidade da matéria prima, e a necessidade de


alteração dos parâmetros do sistema. Diálogo dentro da sala de operação.]

OP: A umidade tá muito alta. Não tem jeito de rodar assim. Tem que aumentar a
escória.

OC: Tem não. Choveu, mas não tem tanta água... Eu tô de olho... Quando tiver de
mudar eu te falo.

OP: Ainda acho que com esta tendência devia alterar.

OC: Não. Não tem não sô!

OP: Tá bom. Eu não altero, mas qualquer mudança aqui eu chamo, eu te informo.

FONTE – Dados da entrevista

Efetivamente, o evento dá oportunidade para que se verifiquem situações em que


o OP será o centro de uma articulação coordenada de ações que envolvem um coletivo.
“A gente é que passa informações, recebe, pede para alterar. Enfim, até o Ok final é a
gente que dá” (diz um OP). Se existe ou não uma ação autônoma do OP, ela só poderá
ser verificada à luz do entendimento do que seja a autonomia para OP’s e gerentes na
fábrica. A autonomia dos operadores se mostra também na capacidade para a resolução
de situações eventuais, exigindo, como atividade coletiva, a negociação e
convencimento dos envolvidos para a solução do problema. Tal negociação se
concretiza através da comunicação entre os agentes do trabalho, conforme discutiremos
a seguir.

71
72

5 A RACIONALIDADE COMUNICATIVA NO TRABALHO DOS


OPERADORES

“surgem conflitos de comunicação, quer porque podem surgir dúvidas quanto à maneira de
interpretar a realidade (de interpretar as causas de uma pane, de interpretar a insatisfação de um cliente,
de fazer o diagnóstico de um doente, de conhecer as expectativas de alunos, etc.), quer porque as normas
de ação divergem (tal indivíduo privilegia a qualidade do serviço e outro o fluxo dos pedidos), quer
porque as intenções e os projetos pessoais dos envolvidos nas atividades são muito diferentes”.
(ZARIFIAN, 2001 p.47)

Este capítulo propõe uma discussão sobre a racionalidade comunicativa na


fábrica, considerando uma breve abordagem teórica sobre o tema e avaliando situações
práticas, que envolvam o OP como ponto referencial. A aceitação do OP pelo grupo de
trabalhadores da sua equipe, como um legítimo articulador das atividades, dependerá da
sinceridade da comunicação, da veracidade da informação e da pertinência da
argumentação. A este exercício de diálogo entre pares, moldado pelas dificuldades
discutidas no capítulo anterior, limitações e limites ao trabalho autônomo do operador e
outras relatadas neste, daremos o nome de Trabalho de Convencimento. Ao cunhar esse
novo termo, estamos buscando demonstrar que mudanças na execução da atividade
requerem do operador um verdadeiro trabalho de coordenação e convencimento do
outro.

A racionalidade comunicativa será tratada dentro da questão referente ao


exercício do convencimento, tomando-se por inspiração a Teoria da Racionalidade
Comunicativa de Habermas (1989), inspiradora de várias discussões em obras a seguir
referenciadas em nosso trabalho. Em seguida, serão apresentados exemplos concretos
que visam comprovar que o operador, ao convencer um colega, está executando um
trabalho cercado de determinantes que poderão qualificar a sua ação. O nosso foco será
a argumentação e o convencimento – o como e o porquê de convencer o outro para uma
mudança de prioridade, por exemplo. A argumentação é base da negociação. O
convencimento depende do argumento utilizado pelo operador.

72
73

5.1 – A racionalidade comunicativa e o trabalho de convencimento

“Trabalhar é, em parte pelo menos, comunicar-se”. (ZARIFIAN, 2001 p.45)

Começamos por concordar com Zarifian (2001), pois para nós o trabalho dos
operadores é essencialmente comunicar-se. Toda a sua atividade gira em torno dos
contatos com outros operadores, com gerentes, com assessores de produção e,
eventualmente, com outras áreas como a administração da fábrica. Diz um operador:

“A gente aqui pergunta e responde coisas o tempo todo. Tem sempre que confirmar alguma
coisa, informar algo, discutir com alguém, pedir para olhar um problema. [...] Ou a gente
fala com alguém ou deixa escrito. [...] A gente comunica o tempo todo. Tem hora que tem
que atender o telefone, o rádio e ainda falar com outro na sala, ao mesmo tempo” (OP).

O OP declara saber lidar com essa pretensa confusão, ordenar a comunicação e


torná-la inteligível a todos os agentes.

“A gente já se acostumou com isso. Faz parte do dia-a-dia. De vez em quando alguém fica
bravo, quebra o pau, porque a gente demora a atender. Mas a gente resolve e fica ok”.(OP)

Esta consideração do OP de que “resolve e fica ok” não corresponde ao que de


fato acontece no resolver. A comunicação no trabalho implica conflitos. E no trabalho,
os conflitos têm uma função positiva, pois pode redundar em melhor entendimento
sobre as ações a serem executadas (ZARIFIAN, 2001).

No entanto, antes de tratar da comunicação entre operadores, buscaremos


entender a questão da racionalidade comunicativa de uma forma mais ampla.
Discutiremos a questão primeiramente de forma geral, demonstrando a racionalidade
comunicativa como um ideal de consenso dentro dos diálogos sociais, para, em seguida,
abordarmos a comunicação no trabalho e em que ela se difere modelo formal puro e,
focando mais especificamente, a comunicação entre os operadores e o Trabalho de
Convencimento, no transcorrer desse processo.

73
74

5.1.1 – A racionalidade comunicativa

O nosso interesse sobre a questão da racionalidade comunicativa refere-se ao


que concerne à sua contribuição para um contraponto ao estudo das situações
relacionadas ao trabalho dos operadores. Não é nossa pretensão uma discussão
filosófica sobre a comunicação, nem tampouco enveredar com mais profundidade pelos
caminhos da Escola de Frankfurt10. Basta-nos um breve comentário sobre a proposta da
Racionalidade Comunicativa (HABERMAS apud. FERREIRA, 2000 e WHITE, 1995)
e sua possível relação com a comunicação no trabalho.

A racionalidade (HABERMAS apud. FREITAG, 1990 p.60) é um procedimento


argumentativo,

“pelo qual dois ou mais sujeitos se põem de acordo sobre questões relacionadas com a
verdade, a justiça e autenticidade. Tanto no diálogo cotidiano como no discurso, todas as
verdades anteriormente consideradas válidas e inabaláveis podem ser questionadas; todas as
normas e valores vigentes têm de ser justificados; todas as relações sociais são consideradas
resultado de uma organização na qual se busca o consenso e se respeita a reciprocidade,
fundados no melhor argumento” (grifos do autor da dissertação).

Essa comunicação entre sujeitos é capaz de proporcionar uma integração social,


quando os atores envolvidos têm vivência e “experiências comuns que constituem uma
memória e história coletiva” (FREITAG, 1990 p.62). Até aqui, esse conceito poderia se
aplicar aos diálogos entre os operadores. No entanto, a proposta de Habermas (1989)
trata a comunicação isenta de relações de poder, num ambiente de igualdade e de
confiança, portanto, difícil de se aplicar às relações de trabalho (LIMA e ASSUNÇÃO,
2000).

10
“o nome <<Escola de Frankfurt>> refere-se simultaneamente a um grupo de intelectuais e uma
teoria social. Em verdade, esse termo surgiu posteriormente aos trabalhos de Horkheimer, Adorno,
Marcuse, Benjamin e Habermas, sugerindo uma unidade geográfica que já então, no período do pós-
guerra, não existia mais, referindo-se inclusive a uma produção desenvolvida, em sua maior parte, fora de
Frankfurt.

Com o termo <<Escola de Frankfurt>> procura-se designar a institucionalização dos trabalhos de


um grupo de intelectuais marxistas, não ortodoxos, que, na década dos anos 20, permaneceram à margem
de um marxismo-leninismo ‘clássico’, seja em sua versão teórico-ideológica, seja em sua linha militante e
partidária” (FREITAG, 1990 p.9).

74
75

A teoria da Racionalidade Comunicativa proposta por Habermas presume que “o


entendimento mútuo visado em toda a comunicação implica que pelo menos dois
sujeitos, comunicativamente competentes, entendem o significado de uma expressão
lingüística” (FERREIRA, 2000 p.77). Esse entendimento mútuo para Habermas não
poderá ser dissociado do que ele chama dos três mundos que integram uma ação
comunicativa (FREITAG, 1990; ARAGÃO, 1992; FERREIRA, 2000): o mundo
objetivo, o mundo das coisas; o mundo social comum, o mundo das normas e o mundo
subjetivo, o mundo dos afetos. Cada um desses mundos apresenta em si uma pretensão
à validade de seu propósito, associado ao triângulo verdade, correção e veracidade,
sobre os quais podemos afirmar que

1. o mundo objetivo das coisas é regulado pela expressão da verdade e, sobre


esta verdade, poderá ou não o falante ser contestado, ligada à dúvida sobre a
existência ou a certeza do conteúdo da asserção. Exemplificando, quando o
OP diz em uma comunicação que é preciso verificar o vazamento de ar no
sistema de compressão, OC deve estar convencido de que a possibilidade
daquele problema é real, utilizando-se de toda a sua vivência e
conhecimento sobre o processo produtivo;

2. o mundo das normas diz respeito à correção de uma proposição, segundo


normas pressupostas da interação entre os falantes. Significa dizer que o
falante só poderá considerar uma asserção como incorreta, se ela não estiver
contextualizada dentre as normas para a execução de uma atividade. Um
exemplo desse contexto se dá quando um OC é solicitado a intervir em um
equipamento no qual a dependência da produção é explícita. Um OC só se
mobilizará, interrompendo outra tarefa, se, por exemplo, considerar um
risco concreto de que uma regra seja descumprida, comprometendo a
produção: todas as vezes que o estoque de M.P. ou produto acabado está sob
risco, a intervenção é imediatamente priorizada;

3. o mundo subjetivo ou o mundo dos afetos serve ao falante para demonstrar


um domínio reservado a um status privilegiado de vivência, relacionado a
conhecimentos específicos sobre o conteúdo do assunto sobre a convivência
com o ouvinte. Um exemplo disso temos quando o OC não se dispõe a
atender de imediato uma solicitação, pelo motivo de não poder interromper,

75
76

sob nenhuma hipótese, seu trabalho (a regulagem de instrumentos


eletrônicos é um exemplo de uma interrupção que pode causar um
retrabalho).

A crítica que fazemos a Habermas é que, embora consigamos caracterizar na


comunicação entre operadores os conceitos da Racionalidade Comunicativa, tal
conceituação se torna utópica, se consideramos o estabelecimento de uma ação
comunicativa como:

“forma de mecanismo da coordenação das ações baseadas na intersubjetividade do


entendimento lingüístico que vai acarretar a total ausência de coerção, já que as proposições
assumidas deverão levar em conta a possibilidade que venham a ser contestadas pelos
demais, devendo provar-se por suas pretensões de validade, e não por qualquer influência
externa ou pelo uso da força” (ARAGÃO, 1992 p.68 ). (grifos do autor da dissertação)

A comunicação entre operadores muitas vezes não está isenta de conflitos, como
também a comunicação entre outras categorias de trabalhadores. Não falamos aqui do
uso de poder, da coerção pela força da hierarquia, do conhecimento ou do nível social,
mas de uma comunicação autêntica entre operadores, que pode, no entanto, sofrer a
influência de fatos inerentes ao trabalho, tornando um dos dois sujeitos mais suscetível
ao convencimento. Uma comunicação num mesmo nível de conhecimento e interesse,
mas que, entretanto, pode tornar-se momentaneamente instável. Circunstâncias ligadas
às características do problema, tais como a necessidade de urgência, face a um evento,
podem tornar uma comunicação conflituosa (ZARIFIAN, 2001). Devemos considerar
também que eventuais variações de demanda do produto, no mercado, por influência de
mudanças na economia, podem refletir, em última instância, no trabalho dos operadores,
tornando a comunicação orientada em todos os seus aspectos para atendimento de
demandas externas à realidade da operação. Sobre essa influência, é interessante ouvir-
se um OP:

“teve um dia desses que a programação teve que mudar. A gente desacelerou a produção
porque teve uma ordem da gerência. A gente teve que fazer reuniões entre a gente (OP’s e
OC’s) para acertar as coisas. [...] Mudar as prioridades foi difícil, mas tinha hora que a
gente virava pro outro e falava assim: - Olha aqui ô cara. Tem que mudar. Ficar
perguntando demais porquê só vai atrasar as reprogramações. Tem que fazer, e tem que
começar já...” (OP)

76
77

Dejours (1997 p.72) considera que, no trabalho, é na interseção dos três mundos
de Habermas que a comunicação se expressa, afirmando que

destacaremos, da crítica da racionalidade, que no trabalho, como em toda outra situação, a


racionalidade de uma ação, uma conduta ou um comportamento deve ser julgada em
relação àquilo que ela implica nos três mundos onde se efetua o trabalho. Como não existe
critério que englobe as três racionalidades, a racionalidade da ação só pode ser estabelecida
sobre a base de uma discussão contraditória, levando, no melhor dos casos, a um consenso.

Essa observação de Dejours (1997) é significativa quando afirma que a


comunicação no trabalho poderá levar ao máximo um consenso, ou seja, no melhor dos
casos, poder-se-ia chegar a um consenso, mas sua consecução é freqüentemente dada à
diversidade de experiências, de saberes, de conhecimentos, de motivações e de relações
de poder dentre outras, que influenciarão a comunicação. O dinamismo das situações
exigirá do operador um grande trabalho de convencimento do outro, pois são situações
muitas vezes surgidas do conflito de interesses dos próprios operários ou das
solicitações da empresa.

5.1.2 – A racionalidade comunicativa na atividade dos operadores: o Trabalho de


Convencimento

A comunicação no trabalho não corresponde a um diálogo consensual e isento


de influências, como referenciado por Habermas em sua teoria da racionalidade
comunicativa. Uma intervenção em um equipamento, por exemplo, é resultante de toda
uma estratégia de convencimento do outro, onde o resultado muitas vezes não é um
consenso, mas a vitória de um argumento técnico ou hierárquico. Como já citamos, para
Zarifian (2001) a comunicação implica conflitos e “isto é uma boa coisa”(p.46).

Zarifian, no entanto, não está incitando os trabalhadores ao conflito, mas apenas


reconhecendo que ele existe. Sabemos que os operadores das IPC’s necessitam
constante intercâmbio com os demais trabalhadores. Por exemplo, um evento não pode
ser solucionado sem uma intensa atividade de comunicação para a mobilização do
contingente de pessoal necessário à intervenção. “Muitas vezes é quando nos
mobilizamos em torno de um evento que as ocasiões e necessidades de comunicação
são mais acentuadas” (Zarifian, 2001:47).

77
78

Ao iniciar-se um diálogo, na ocasião de um evento, é que as dificuldades de


convencer o outro acabam aflorando. Se um evento representa uma força na
mobilização dos operadores, conforme já discutimos, porque é difícil convencer um
colega a alterar uma prioridade, ou adiar a troca de uma peça, para atender uma nova
demanda? Se a atividade é coletiva, porque o outro resiste em atender a um pedido,
mesmo que a verdade e a autenticidade estejam presentes no diálogo? Porque é
trabalhoso convencer?

Constatamos algumas situações que podem explicar por que tratamos as


dificuldades na busca pela mobilização dos operadores por meio de um Trabalho de
Convencimento. Em primeiro lugar, porque os operadores devem obedecer regras.
Compromissos com a tarefa prescrita podem impedi-los de atender a um chamado. Em
segundo lugar, e ainda relacionado à prescrição, a maneira como o operador encara a
possibilidade de erro, faz com que ele não se arrisque a acelerar uma intervenção, por
exemplo. Por último as representações e as experiências sobre o problema fazem com
que o operador divirja da necessidade do atendimento. Buscaremos agora explicitar um
pouco mais essas situações.

5.1.2.1 – Os riscos de interromper uma prescrição

Existem situações em que o operador não se dispõe a atender uma solicitação em


virtude de compromissos com a tarefa prescrita. O ritmo da produção, ou como bem nos
lembram Lima e Assunção (2000), a melhoria contínua, e a busca incessante por
recordes de produção é a realidade do trabalho hoje. O operador conhece as limitações
da fábrica e reconhece que, se deixar de cumprir uma manutenção programada, por
exemplo,

“não tem outro pra fazer não, pois o quadro (de pessoal) é muito pequeno” (OP).

Há de se ressaltar, porém, que, se o operador limitar-se ao cumprimento à risca


das prescrições, a organização do trabalho sofrerá as conseqüências11. Vários

11
Um exemplo marcante disso é a chamada greve do zelo (reconhecida popularmente como
operação tartaruga, operação padrão, dentre outras).

78
79

operadores nos declararam que o Relatório de Produção deve ser preenchido sempre que
houver uma alteração substantiva na produção, contudo, como as alterações ocorrem às
vezes com muita freqüência, convencionou-se preencher o relatório ao fim do
expediente. Ou ainda, como sublinha Coulon (1995 p.187),

na prática, a aplicação de uma regra abre sempre um imenso campo de


contingências. Não se trata de uma visão anarquista da regra porque essa propriedade não
impede, evidentemente, que haja uma ou várias aplicações corretas da regra e outras que
não o sejam.

Embora seja verdadeira a afirmativa de que o trabalho real jamais representa


com fidelidade a prescrição, existem situações em que o trabalho prescrito, na visão do
operador, deve ser cumprido no tempo e forma determinados por orientação superior.
Desde o trabalho executado na mesma empresa por Silva e Lima (1999), até nossa
pesquisa, existem registros sobre a rigidez com que os novos controladores, após a
mudança de capital acionário, tratam a hierarquia, os controles de produção e a
atividade do operador. Assim, faz sentido em algumas situações de pressão, por
exemplo, quando o estoque está em risco, que o operador considere como um erro não
cumprir estritamente o prazo e a qualidade estipulados pelo padrão operacional, pois,
para o operador, errar significa uma expectativa de punição conforme já vimos no
capítulo anterior: “se tiver alguém que ser mandado embora, vai quem errou mais”
repetindo as próprias palavras de um OP.

Por isso, quando ele é convocado ao atendimento de uma solicitação, o medo de


errar e ser punido é uma das formas de categorizar cognitivamente os riscos de atender
ao colega.

“Cada vez que a gente recebe um chamado do painel, a gente pensa em tudo assim
rapidamente, desde o que eu to fazendo, pra que, e o que que o colega quer”... (OC).

5.1.2.2 – As múltiplas representações para um problema

Um mesmo problema na operação ou na produção pode ter diferentes formas de


percepção pelo operário. Isto é conseqüência de existirem trabalhadores
interdependentes, com diferentes competências, experiências, interesses e opiniões
trabalhando juntos (KARSENTY, 2000). Um OP declara que “quando a pessoa passou
79
80

pelo equipamento, por exemplo, quando já foi operador de forno e tem um problema no
forno, fica mais fácil de ser atendido”. No entanto, devemos considerar que o reverso
também pode ser verdadeiro, ou seja, porque o OC já foi operador de forno, ele pode
considerar uma solicitação como adiável ou desnecessária.

Interessante observação nos fazem Gabarro (1997) e Karsenty (2000) quando


ligam o atendimento a uma solicitação de um colega, pela forma como cada trabalhador
recebe e compreende essa solicitação, tratada pelos autores como informação. Julgamos
que essa forma de compreensão, excetuando-se limites técnicos dos aparelhos de
intercomunicação, deva estar ligada a um dos quatro fatores listados por Karsenty
(2000): competência; experiência, inclui-se conhecimento e saber operário; interesse,
motivação para envolver-se com o problema e opiniões.

Pode-se associar essa constatação de Karsenty (2000) a uma proposta de estudo


da comunicação no trabalho feita por Salerno (1999), que categoriza a comunicação em
três dimensões: 1 dimensão cognitiva da comunicação: mobilização de competências; 2
dimensão normativa da comunicação: validação social das normas e objetivos da
produção; 3 dimensão expressiva da comunicação: a mobilização individual frente ao
cognitivo/normativo (Salerno (1999) aqui apenas repete as três dimensões de Habermas,
com outros nomes). Embora a análise de Salerno (1999) detenha-se no âmbito
organizacional (o autor reconhece a importância da Análise Ergonômica do Trabalho –
AET - no contexto do trabalho, mas não propõe a utilização de seus recursos12)
reconhecemos a importância dessa categorização para enriquecimento de nosso debate.

A dimensão cognitiva

diz respeito ao reconhecimento e validação mútuos das competências necessárias para o


tratamento de uma determinada situação produtiva, particularmente eventos (imprevistos,
variabilidades, etc.). No caso de uma pane, por exemplo, tratar-se-ia do juízo sobre o que
uma pessoa faz sobre o que é necessário para tratá-la, e o reconhecimento ou não de
determinadas competências que ela não domine, e que outra pessoa domine (SALERNO,
1999 p.72)

12
É interessante, para um melhor entendimento da importância do estudo do trabalho humano
nas organizações, observar o debate entre Lima, Jackson e Salerno (2000), sobre a metodologia da
Análise Organizacional e a AET – Análise Ergonômica do Trabalho.

80
81

Muitas vezes, o OC, ao receber um chamado, não se sente apto a intervir na


solução do problema por não se reconhecer com domínio suficiente para sua resolução.
Isto é particularmente verdadeiro na empresa quando constatamos tanto a fala de um
gerente, quanto de um operador:

“Com essa mudança de filosofia (a implantação dos técnicos em cimento, em lugar da


clássica divisão entre funções) tem hora que o OC ainda demonstra insegurança para
solucionar um problema. Por exemplo, ele que sempre foi um operador de moinho, agora
tem que entender de forno. Aí ele fica meio inseguro quando tem que dar um diagnóstico
sobre um equipamento ainda ‘novo’ para ele”. (gerente)

“A gente às vezes ainda não sabe bem sobre um equipamento, ou sobre um problema
específico, como no meu caso, sobre um problema elétrico (esse OC originalmente
trabalhava solucionando problemas mecânicos), e, então, a gente tenta primeiro saber se
tem outra pessoa para aquele trabalho”... (OC)

Lembramos que a proposta da empresa é o treinamento dos operadores em todas


as áreas de produção, objetivando torná-los aptos a intervir em qualquer fase do
processo. Se tal objetivo é presunçoso, de difícil implementação, outras investigações
deverão ser feitas para a constatação dessa asserção.

Salerno (1999 p.73) reconhece na dimensão cognitiva que é necessário que cada
pessoa envolvida na resolução de um problema “reconheça nos outros a posse de um
saber fazer importante e necessário para a atuação naquela determinada situação, saber
este que ela mesma não domina”. Reconhece também que não basta existir um grupo de
trabalho, com especialidades diferentes, para que uma atuação seja eficaz. É necessário
que o saber e a competência sejam legitimados, “o que envolve iniciativa frente aos
eventos e responsabilização pela ação” (SALERNO, 1999, p.73).

Para Salerno (1999) não basta apenas a validação de competências na resolução


de um evento. É necessário ao grupo ter conhecimento da extensão do problema e suas
conseqüências para a “lógica da eficiência e das questões estratégicas da produção
naquele momento” (SALERNO, 1999, p.73), ou seja, o desempenho da empresa poderá
ser afetado. Salerno denomina essa situação Dimensão Normativa da Comunicação.
Quais as conseqüências para a empresa quando um OP hesita em intervir, parar o forno,
por exemplo, diante da falta de acesso a informações cruciais à sua decisão? Já vimos
um depoimento de um OP sobre esse problema, cabendo aqui lembrar que, embora ele
não tenha acesso à informação, estratégias de ação são criadas para que a entrega ao

81
82

cliente não seja prejudicada. Este fato é crucial, pois, se o OP não tem a informação
oficial, ele tem de criar formas de representação do tipo

“quanto havia de estoque? Na última vez que eu ouvi falar do estoque, qual era mesmo a
situação? A gente tava bem ou tava mal”? (OP).

Essas formas de representação, embora o auxiliem na decisão, parar ou não o


sistema, vão ainda depender da autonomia de que dispõe o OP para isso.

A última dimensão considerada por Salerno (2001) é chamada Dimensão


expressiva da comunicação. A questão central é: por que as pessoas se envolvem
“cotidianamente em mediações norteadas pelas estratégias competitivas da empresa”?
(SALERNO 1999, p.75) Quais as condições que fazem as pessoas se envolverem?
Salerno não responde a essa questão. Apenas defende que são necessárias contrapartidas
ao trabalhador, além daquelas dos discursos de motivação à participação. Sugere ainda
que a dimensão expressiva da comunicação relaciona-se com a questão da gestão
democrática do trabalho – devem-se negociar direitos, obrigações e recompensas. Sem
essa condição, o operador não se engajaria nos propósitos da empresa. Ora, novamente a
análise de Salerno fica em suspenso. Como se dariam tais negociações? Estamos
falando de que tipo de gestão democrática? Seria aquela expressa nas negociações livres
capital/trabalho, cuja relação de subordinação social, entre os diversos níveis da
empresa, ainda é fato? Para nós, a desmotivação em se engajar na rotina da empresa
pode ter raízes mais profundas que o desequilíbrio entre direitos e obrigações. Envolve
componentes éticos, políticos e sociais, muito sutis e difíceis de serem percebidos, mas
que são inerentes à própria atividade de trabalho. No entanto, a complexidade desse
tema não nos permite discuti-lo sob pena de sermos muito superficiais, deixando mais
dúvidas que estímulos ao estudo.

Diante dessas diversas possibilidades de o operador não cumprir o necessário a


uma intervenção, mais todas as limitações e os limites discutidos anteriormente, o
trabalho da operação torna-se um constante Trabalho de Convencimento, a fim de
permitir a seqüência normal da produção, como veremos nos exemplos da prática da
racionalidade comunicativa na empresa.

82
83

5.2 – O Trabalho de Convencimento na prática dos operadores

“seria mais fácil pra gente se pudesse resolver o problema sem ficar passando, né? Porque tem
coisa que tudo bem, tem coisa que você resolve, mas tem coisa que tem que convencer,
convencer que realmente tá com algum problema. [...] tem que convencer a pessoa do lado (o
outro) [...] se dessem prioridade pra mim eu ia lá resolver o problema, eu ficava mais tranqüilo,
entendeu?” (OP).

Na atividade do OP, argumentar e convencer são partes integrantes. O OP está, a


todo momento, exposto a situações que o obrigam a demonstrar ao outro a necessidade
de uma intervenção. Um OP relata que muitas vezes em sua atividade é necessário
negociar e convencer seja explicando um diagnóstico alternativo, invertendo uma
prioridade, ou negociando um novo prazo. Um convencimento em que, às vezes, é
preciso bater o pé:

“tem hora que é engraçado. Você bate o pé: tá errado, tá errado. É necessário ter
argumentos para mostrar para as pessoas que tá errado”. (OP)

Ou ainda:

“ a gente tem que pedir. Dá vontade, às vezes, de mandar fazer, mas a gente não pode.
Todos os operadores (OPs e OCs) estão num mesmo nível. A gente não é gerente. Aí tem
que pedir, né”? (OP)

Uma solicitação só é considerada legítima, a partir do momento em que os


argumentos são validados pelo grupo. Uma validação a partir de uma ação coletiva, que
“por essência, não é solipsista” (DEJOURS, 1997 p.68), isto é, necessita da participação
do outro, da interação entre as pessoas para se sustentar.

5.2.1 – A importância do convencimento

Existem situações no trabalho dos operadores em que será preciso priorizar uma
ação em detrimento de outra. Em uma área de produção em que é comum lidar com a

83
84

variabilidade e a eventualidade, o ritmo de trabalho não é determinado pelo indivíduo,


mas pelas necessidades específicas do sistema de produção.

“Não tem como você traçar diversas prioridades, elas vão acontecendo à medida do trabalho. Ela
acontece, é claro, a prioridade é clara em relação às coisas que tem que fazer”. (OP)

Eventos surgidos na produção podem alterar prioridades do operador. O


operador, no entanto, precisa conciliá-las com prescrições que já fazem parte de seu
cotidiano e que devem ser obedecidas sob pena de comprometer a produção.
Considerando a rotina do OP, podemos citar algumas prescrições:

1. fazer, a cada intervalo de uma hora, a leitura da resistência do cimento à


compressão, a fim de corrigir eventuais parâmetros de produção;

2. atualizar, na medida dos acontecimentos e de forma pormenorizada, o


relatório de produção do turno;

3. atualizar durante o expediente os dados a serem informados ao SAP;

4. chegar mais cedo ao posto de trabalho e sair mais tarde em função da reunião
de troca de turno.

Os dados acima sugerem que, na ocorrência de um evento, o OP terá que


rearranjar suas atividades de modo a atender à prescrição e conseguir acionar a equipe
necessária à intervenção. Do mesmo modo, o OC deve atender ao OP prontamente
quando de uma solicitação emergencial, correndo o risco consciente de alterar uma
prioridade, ou negociando, às vezes, um adiamento de uma manutenção ou um rearranjo
de operários na atividade:

“A gente tem que desdobrar para atender. Às vezes, se eu não estou perto quando o OP
chama, eu procuro um companheiro para fazer isso. É muito comum agora que o quadro é
pequeno, a gente comunicar com outro quando sabe que tem que olhar uma coisa e tá
longe. Dessa forma, a gente ganha tempo e atende sem ter que sair correndo. Mas, às vezes,
tem que ir, né. Depende do pedido...” (OC)

Tal dependência, segundo o OC, está ligada a duas considerações: 1. ao tipo de


equipamento – o OC com seu conhecimento e experiência, sabe quais são os

84
85

equipamentos que podem dar eventuais problemas ou que estão próximos de uma
manutenção preventiva. Um OC comenta que “ a gente tá na fábrica todo dia. Conversa
com todo mundo. Vê a fábrica toda. Escuta os barulhos diferentes. Então se eu não
souber mais ou menos do problema, esses mais de dez anos não adiantaram nada”... ; 2.
à forma como o OP solicita a intervenção – o OC declara que a forma do pedido (a
tonalidade de voz, a ênfase e a repetição) pode levá-lo a agilizar ou não um
atendimento. O deslocamento do OC vai depender se ele está convencido da
necessidade de executar o trabalho naquela hora.

O OP considera que este tipo de atendimento exige “extrema colaboração”. Às


vezes precisa até pedir “faça o favor, olha isso pra mim” (fala do OP). Na visão do OP
“tem coisas que são muito rápidas” de resolver. Este pedido então parece simples. Não é
esta, porém, a realidade do ponto de vista do OC.

A função do OC exige um contato direto com o equipamento no campo disposto


em um espaço tridimensional. Suas intervenções não são apenas leitura de informações,
mas correções, às vezes, no interior do equipamento, que exigem desmobilização de
uma atividade e deslocamentos na fábrica. Os tempos de um e outro são diferentes. Uma
discussão entre operadores pode exemplificar esta questão como se vê no QUADRO 6:

85
86

QUADRO 6

A percepção do tempo para intervenção pelos operadores.

[O OC solicita ao OP que verifique um parâmetro sobre o peso de material transportado


numa correia, pois ele havia observado, no início do turno, um acúmulo muito grande
de material no pé da correia. Sua suspeita é de que estaria havendo um vazamento
substancial de material alterando a quantidade transportada.]

OC: Ô A! Ô A!

OP: Fala.

OC: Olha aí a correia do (?). Tô achando que tá vazando muito. Mais cedo eu vi muito
material no chão, no pé. Pode tá correndo menos material.

OP: É, tá baixo. Tá chegando pouco no silo. Tá abaixo do normal. É melhor ir lá


rapidinho.

OC: Eu já tô no caminho. Por isso pedi pra olhar.

[O OP aguarda durante uns dois minutos e aciona o OC.]

OP: Atenção M! O que é que deu aí?

OC: Tô chegando aqui em baixo ainda. Tô sem bicicleta. Tô a pé.

OP: É que tá caindo mais. Cê tá muito devagar. Daqui a pouco dá pau.

OC: Ô cara peraí. Eu não sou mágico. Cê conhece o tamanho da fábrica? Tô sem
bicicleta e carregando um malão. Pode deixar que não pára não... Aqui embaixo tá uma
lua danada. [O OC se refere ao clima quente.]

OP: Mas tá caindo, agiliza isso aí.

FONTE – Comunicação entre operadores

O OP afirma ter dificuldades em reconhecer a realidade do OC, quando diz:

“Eu não sei como está a fábrica lá fora (o depoimento foi dado na sala de controle). Quando
eu peço alguma coisa, eu, às vezes, fico ansioso porque eu não sei como o cara tá, se tá a
pé, de bicicleta, se tem obra no caminho, caminhão descarregando. Às vezes, eu nem sei
como é que tá o tempo. Se tem chuva, por exemplo, o cara demora mais” (OC)

As dificuldades práticas para se realizar uma manutenção só são vividas pelo


OC. A realidade de uma intervenção para o OP inicia-se quando da oscilação de um

86
87

parâmetro e finda quando de sua estabilização. Situações como dispor ou não de um


transporte adequado, carregar mais ou menos peso ou enfrentar um calor excessivo não
fazem parte da realidade do OP.

Por isso, muitas vezes, o OC evita deslocar-se e solicita a um colega que atenda
ao OP, pois o local em que ele está é distante do demandado, ou a situação da
manutenção não permite interrupção. Dessa forma, o deslocamento físico para o OC
pesa na decisão (ele tem ainda que carregar as ferramentas). Entre deixar um
equipamento desmontado e atender ao OP, às vezes, a solução é solicitar a um
companheiro que faça o atendimento. Diz um OC: “ às vezes tem um entupimento, você
tá preocupado com aquele caso do entupimento. Como é que você vai ver outra coisa lá,
se você já sabe que vai ter que mexer naquele entupimento naquela hora?”

Um OC declara que “a prioridade de todo mundo que tá no campo é o forno”.


Enquanto para o OP: “quando eu olho, eu tenho que olhar tudo. Nenhum equipamento é
mais importante que o outro”.

Assim sendo, cabe ao OP argumentar sobre a necessidade de uma intervenção.


Uma intervenção que necessite da mobilização de um operador dependerá da forma de
abordagem que o OP fará do problema.

5.2.2 – A argumentação

“Quebra essa Mané, pra mim!”(OP)

Típico exemplo da pertinência da argumentação se dá quando é necessário ao


OP interromper o fluxo de trabalho do OC para efetuar outro atendimento, como se
pode ver no QUADRO 7.

87
88

QUADRO 7

Negociação de prioridades entre operadores

OC: Painel?!...

OP: Oi!

OC: A caixa de escória lá em cima tá enchendo?

OP: Tá mantendo só 15 no elevador lá em cima, vai demorar pra encher.

OC: Tô indo pró silo 5.

OP: Peraí. Preciso que você confira a caixa de escória lá em cima prá
mim. Tô achando este número aqui muito estranho...

OC: Já tô no caminho do 5. Tô com um pedido prá olhar o resfriador

OP: Quebra essa, senão me arrebenta o estoque de escória...

OC:?

OP: Quebra essa Mané, prá mim...

OC: Tá. Tô voltando. Cê fala, avisa ao (?) prá mim que eu daqui a 15
minutos tô no 5.

OP: Valeu, senão eu perdia a escória...

OC: Ok!

FONTE – Comunicação entre operadores

No exemplo acima, o OP solicita uma inversão de prioridade ao OC. O


argumento utilizado pelo OP é o problema do estoque de escória. Ficar com um baixo
estoque significa comprometer a produção. No entanto, ele também se utiliza de uma
forma de sensibilização muito mais próxima da relação interpessoal que da justificativa
técnica: “Quebra essa Mané pra mim”. O OC escolheu atender ao OP em detrimento de
outra ação que deveria estar realizando. Segundo Habermas (1989), uma escolha pode
se estabelecer a partir de uma verdade que resulta de um diálogo entre pares, sugerindo

88
89

a lógica do melhor argumento. Utilizando a lógica da racionalidade comunicativa


(Habermas, apud Freitag, 1990) vemos que o convencimento nesse caso se estabeleceu
a partir da interseção dos três mundos: o mundo objetivo das coisas – o argumento
utilizado pelo OP é o problema do estoque de escória, se baixar compromete a produção
-; o mundo social das normas – “avisa que eu daqui a 15 minutos tô no 5”; e o mundo
objetivo dos afetos – “quebra essa Mané, pra mim”.

Ainda nesse exemplo, é importante notar que o conhecimento sobre o processo


pelos operadores foi substancial para o atendimento e para a mudança de prioridade. O
OP utiliza-se de seu conhecimento sobre a produção para argumentar que é necessário
verificar a escória. O OC, também baseado em seu conhecimento e vivência na
produção, pode acatar a solicitação do OP, pela possibilidade real do comprometimento
do processo, que pode, em última análise, significar um dano em um equipamento,
influência na qualidade e até atraso na entrega do produto gerando insatisfação no
cliente. Diz um OP: “Se eu não procurar atender aos outros, se os equipamentos não
rodarem redondinhos, no final não vai entrar dinheiro no caixa.”

Outra constatação é que a atitude do OC em inverter sua prioridade atende ao


grupo, pois a qualidade do processo é uma obrigação da equipe de cada turno. O OC
com sua atitude satisfaz o OP, pois hierarquiza a solicitação, privilegiando-a. O
chamado informal resgata “valores, normas e regras de natureza ética, um determinado
ethos, através do qual os trabalhadores regulam, individual e coletivamente, suas
atividades produtivas”. (LIMA, 1996: p.156) Trata-se aqui de valores caros ao grupo,
como a solidariedade por exemplo. Outro exemplo vem de um OP quando diz:

“Não adianta fazer só farinha e não fazer cimento. Tem que fazer tudo. Tem que fazer
farinha, fazer cimento, mandar o cimento para a ensacadeira. Você tem que agradar todo
mundo que tá ali. Todo mundo. [...] Agradar, deixar tudo certo. Rodar na hora certa,
produzir legal, não atrasar na hora do pique, não atrasar os equipamentos. Você tem que
satisfazer...” (OP)

Quando solicitado, cabe, no entanto, ao OC programar sua atividade. Atender à


solicitação pode levá-lo, por exemplo, a acelerar a manutenção à qual ele se dirigia (silo
5). Embora o OC reconheça que irá atrasar e solicite que se avise ao interessado, seu
tempo de turno não pode ser esticado naqueles minutos. Compromissos com a
prescrição como “visitar o silo 5 uma vez no seu turno e registrar o horário no

89
90

relatório”, o colocam sob a condição de ter que conviver com dois atendimentos a um só
tempo.

Portanto, em um diálogo, o argumento tem uma função primordial. Ele deve ser
para o ouvinte um motivo contundente para a tomada de decisão. Isso envolve
reconhecer que o outro é digno de credibilidade, que seu argumento representa uma
verdade contextualizada na realidade do trabalho dos operadores. Diz-nos um OP:

“Não adianta ficar levantando questões se não tiver argumentos. Tem que ter argumento
também. Isso tá ruim por causa disso, disso, e disso. Aí o rapaz (o OC) vai lá olhar”. (OP)

O QUADRO 8 exemplifica esse caso:

QUADRO 8

Argumentação do OP

[O OP detecta um problema na balança de calcário. Insiste com o OC para verificar a


situação. Utiliza-se de outro parâmetro como argumento para o convencimento do OC.]

OP: Atenção R.! Atenção R.!

OC: Oi!

OP: Dá uma olhada na balança de calcário. Vê se ela tá rodando pra mim.

OC: Tá sim. Eu já passei lá mais cedo.

OP: Pra mim ela tá parada...

OC: Tá não sô!

OP: O gesso. O gesso não tá alimentando. Por isso que a balança tá parada. Tá aqui ó!
[referindo-se a um indicador na tela, com uma tonalidade de voz acima do normal] Tá
sem gesso! A balança só pode estar parada.

OC: Parou o gesso?

OP: Tudo.

OC: É. Aí então você tem razão. Agüenta cinco minutos que eu tô lá.

OP: Falou!

FONTE – Comunicação entre operadores

90
91

Ao se referir à falta de gesso, o OP chama a atenção do OC. Sua argumentação


se baseia num dado objetivo, compreendido e reconhecido por um outro operador: a
lógica do fluxo de produção. O defeito numa balança dosadora compromete a adição de
outros componentes da fabricação. A argumentação, baseada num dado técnico do
processo, é uma verdade para a realidade dos operadores e, por isso, digna de
credibilidade. O argumento deve ser reconhecido como verdadeiro na ótica dos
operadores para ser validado numa comunicação.

5.2.3 – A veracidade e a validação do argumento

A análise sobre a validação do argumento perante o coletivo de trabalho, será


iniciada por um exemplo concreto em que o OC declara que, em certas situações,
modifica suas prioridades, o que pode ser exemplificado pelo QUADRO 9.

QUADRO 9

Extrato de entrevista com OC - Prioridades

OC: “Muitas vezes, a gente muda da seqüência do trabalho pra atender um chamado
do painel...

E: Por quê?

OP: Depende da importância do chamado.

E: Importância?...

OC: É se a gente percebe que a coisa é séria...

E: Como assim?!...

OC: Se tem possibilidade de parar um equipamento, por exemplo. De parar a


produção ou ...(?) Caso contrário, a gente vai dialogar, explicar ao OP o que tá fazendo. E
quando ele insiste e demonstra que mesmo que o problema não pare a fábrica, ele é
importante, a gente atende, né?

E: Aí muda a prioridade?

OC: Aí sim. A nossa prioridade é o nosso trabalho bem feito, a fábrica rodando...”

FONTE – Entrevista com os operadores

91
92

Consideradas as diversas situações da produção, a pertinência de uma solicitação


deve ser contextualizada, por exemplo, verificar a possibilidade de entupimento no
moinho após um grande volume de chuva, afetando a matéria-prima. Vimos acima que
a solicitação de um OP pode ser considerada pertinente. No entanto, para que isso
aconteça, é necessário que o OC valide de alguma forma o pedido. Dependendo do
equipamento, o OC irá rever a seqüência de prioridade pelo seu conhecimento da
fábrica. Tal conhecimento irá auxiliá-lo a perceber: 1. verdade; 2. correção; 3.
sinceridade (HABERMAS, 1989): na fala do OP. Entende-se:

• que o enunciado formulado é verdadeiro: quando o OC ouve a solicitação, irá


validá-la pelo conjunto de seus conhecimentos, buscando principalmente a ligação
entre o equipamento especificado e as possibilidades de aquele evento acontecer.
Por exemplo: O OP solicita ao OC que verifique o forno 6, alegando que a
temperatura está muito alta, prejudicando a queima. Sabendo que o forno foi
recentemente objeto de uma manutenção preventiva, o OC primeiro se certifica do
volume e da cor da fumaça que sai do forno, para se convencer de que poderá estar
existindo realmente um problema. Através da cor e da densidade da fumaça, o OC
pode identificar problemas na queima do forno, o que o convencerá, no mínimo, a
se locomover até o equipamento;

• que o sentido ético da fala é correto relativamente a um contexto existente: o OC


entende que o OP é o centro do processo, pois ele, o OP, está colocado como o elo
de ligação entre os operadores. Uma regra social nascida entre o grupo de
operadores consolidou a posição de que “toda vez que o OP solicita uma
intervenção, ele está diante de um evento, e ele, o OC, é o designado para intervir no
campo”. O QUADRO 10 mostra um exemplo disso

92
93

QUADRO 10

Os papéis do OC e do OP numa situação de intervenção.

[O silo de escória é o responsável pela alimentação do forno. Se o material não


passa regularmente, compromete o volume da produção. O acompanhamento da
movimentação é fornecido pelo S.E..O OP, o responsável pelo acompanhamento. O OC,
por uma possível intervenção]

OP: Operador de moinho de cimento! Atenção operador do moinho de cimento.


Quem tá falando?

OC: ? [o OC diz o nome mas não é entendido]

OP: Quem?

OC: ? [repete o nome]

OP: Dá uma olhada para nós na situação de escória do silo. Não tá saindo material
lá não. Não tá abrindo a válvula...

OC: Güenta aí. Não dá para sair daqui agora.

OP: Precisa ser agora. A escória tá muito baixa. Eu falei: a escória! Es-có-ria! [O
OP aumenta o tom de voz e diz de forma pausada a palavra escória salientando sua
importância.]

OC: Baixa demais?!... [O OC também aumenta seu tom de voz]

OP: É.

OC: Tá bom. Vou lá ver e te dou um retorno!

[O OC reconhece a importância do fato, pois para um nível muito baixo de escória,


toda a produção está comprometida. Com este argumento o OC altera sua prioridade. O OC
deve procurar verificar o problema e reportar ao OP para a seqüência da resolução]

FONTE – Comunicação entre operadores

• que a intenção manifesta do falante é visada do modo como é proferida: o OP deve


demonstrar por sua tonalidade de voz, por sua ênfase e seriedade, que o problema
existe, e que sua preocupação é sincera (QUADRO 10). Reproduzimos no
QUADRO 11, parte de uma comunicação entre operadores em que o fator urgência
é reconhecido.

93
94

QUADRO 11

Demonstrando a seriedade de um problema

[ O OP insiste para que se encontre um OC específico, diante da existência de um


problema aparentemente sério: o desalinhamento de uma correia transportadora.]

OP: Alô S.? Alô S.?

OC: [sem resposta]

OP: Atenção todo mundo na escuta: alguém viu o S.?

OC: Não.

OP: Tô com um problema aqui. É na correia e eu preciso dele. Alô S.? Tem que
resolver agora.

OC: Oi!

OP: Onde você está? Tem uma urgência aqui. A correia tá parada, não tá
alimentando. Ouviu? Parou mesmo. Não alimenta. Vai lá pra mim correndo.

[O OP insiste para encontrar o OC. Depois reforça de forma enfática com


expressões como: “ouviu”? (aqui a tonalidade da voz do OP reforça a importância da
atenção ao fato e desperta a prontidão do OC); “parou mesmo” e “vai lá correndo”
(reforçam a idéia de urgência); a fim de conscientizar o OC da importância do problema.]

FONTE – Comunicação entre operadores

A análise dos itens 1, 2, e 3 acima evidencia fatores postos em relevo por


Habermas (1989) quando aborda a racionalidade comunicativa. Concordamos que, para
o caso dos operadores, correção, verdade e sinceridade são fatores que influenciarão na
reestruturação de prioridades no trabalho. Serão também muito importantes quando da
necessidade de convencimento de uma das partes em um diálogo. Convencer o outro
exige uma posição firme baseada no conhecimento sobre o trabalho. O conhecimento é
uma das bases da argumentação. Só se pode convencer o outro estando-se seguro de
suas próprias convicções. Diz um OP:

“Quando eu falo para outro operador, eu tenho que saber bem sobre o que estou falando. Eu
não posso ficar experimentando. Hoje o ritmo (do trabalho na fábrica) é muito violento. Eu
tenho que estar muito entendido”. (OP)

94
95

Quando o OP solicita a um OC para verificar um problema fora de sua rotina,


ele está quebrando o ritmo de trabalho do OC. Por exemplo, toda vez que um problema
no forno é referenciado, toda a produção é mobilizada. “Se o forno parar, vai empenar.
Se empenar, parou a fábrica inteira”, diz um OP. A mobilização em torno do forno só
vai ocorrer se a argumentação do OP estiver fundamentada. Diz um OC: “O forno não
quebra assim igual um motor, por exemplo. O forno tem uma vida útil muito grande. A
gente sabe pela experiência, quando tá próxima a hora de parar, sem precisar do pessoal
da manutenção ficar alertando”. Diante disso, um OP nos diz “que uma grande
dificuldade, por exemplo, é provar que precisa mexer no forno (numa peça dele). Nessa
hora a gente tem que ter argumento para mostrar que tem sentido”. Esta dificuldade
acontece porque o OC conhece a durabilidade estimada de um equipamento. Tem noção
ainda das diferenças de cor, som, temperatura, enfim as mutações a que um
equipamento está sujeito e que podem indicar um problema. Em grande parte das vezes,
é um OC que, nas suas rondas pela fábrica, detecta uma anomalia. E como o forno “é o
coração da fábrica” no dizer de um OC, o OP considera difícil mostrar que existe um
problema principalmente fora da época considerada como de risco pelo OC – aquela
mais próxima de uma parada programada, por exemplo. Diz um OP: “Quanto mais
longe de uma parada, mais difícil de convencer que tem problema...”

Uma mobilização como esta, além de necessitar de boas condições de suporte –


hardware eficiente, rádios e telefones que permitam uma comunicação de qualidade,
dados confiáveis do S.E. – exige do OP uma capacidade de articulação e coordenação
da equipe, como forma de garantir a qualidade da intervenção, a partir do
convencimento sobre a possibilidade de um problema que possa afetar a produção.

Assim, a comunicação entre operadores na fábrica necessita expressar verdade,


correção e sinceridade, representada pela consistência na forma em que o OP recebe a
informação (a partir de um input do sistema ou pela narrativa de um OC) e a transfere
aos demais membros do coletivo. Informação derivada do real da produção e que deve
servir de base ao trabalho da equipe.

95
96

5.2.4 – O entendimento entre operadores

“tem hora que eu (o OP) digo que é uma coisa e ele (o OC) diz que é outra” (OP)

Os operadores precisam entender-se sobre os eventuais problemas na produção,


mesmo existindo situações em que expressam pontos de vista diferentes em relação a
um problema. O QUADRO 12 exemplifica tal feito.

QUADRO 12

Pontos de vista discordantes entre operadores

(continua)

[Os operadores discutem a situação de uma correia transportadora que apresentava


desalinhamento intermitente. A discordância aparece quando se tem de retomar a
produção com o equipamento]

(...)

OP: Posso alimentar?

OC: Pode não, a correia tá ruim demais. Toda hora fica desalinhando.

OP: Pode ou não?

OC: Roda aí pra ver.[O OC não tem certeza sobre a causa do desalinhamento, por isso
solicita ao OP que acione a correia. Sua intenção é verificar uma possível causa.]

OP: Oi?

OC: Roda a correia aí pra nós.

OP: Não pode não. Tá dando alarme aqui. [Neste momento o OP é alertado por um
alarme – uma luz de cor amarela pisca no vídeo – chamando sua atenção]

OC: Pode alimentar, tá M.

OP: Não. Vai lá e vê direito porque o alarme aqui continua.

[Comentário do OP: Tá rodando e ela desalinha. Tá intermitente. Não pode alimentar


não. Já deu problema recentemente]

96
97
(conclusão)

(...)

OC:Ô M.!

OP: Oi.

OC: Num roda ainda não. Tô desconfiando de uma coisa aqui.

OP: Tá bom. Não falei que tá intermitente?

OC: Ok.

OP: Não falei?! [comentado com o entrevistador]

FONTE – Comunicação entre operadores

Cada um dos operadores sustenta seu ponto de vista pela informação de que
dispõe. O S.E é a base de decisão do OP. Além do S.E., a desconfiança do OP também
se pauta no histórico do equipamento: Já deu problema antes. As constantes
solicitações feitas ao OC para verificar as reais condições de um equipamento buscam
dirimir tais dúvidas.

Segundo Habermas (1989), os processos de entendimento mútuo visam um


acordo que depende de um aceite racional dos agentes a partir de uma informação
proferida.

“O acordo não pode ser imposto à outra parte, não pode ser extorquido ao adversário por
meio de manipulações.[...] O ato de fala de um só terá êxito se o outro aceitar a oferta nele
contida”.(HABERMAS, 1989 p.93)

Os acordos no trabalho, no entanto, não são simples entendimentos de natureza


discursiva, isto é, apenas fundados na linguagem, pois dependem de pessoas diferentes,
com experiências diferentes sobre a atividade e expectativas distintas sobre o trabalho e
seus resultados. Por isso, necessitam ser mediados pela prática, motivados por situações
inerentes ao trabalho dos operadores. Aceitar o que outro propõe, a oferta (no nosso
caso, uma proposta de intervenção), só tem sentido se condicionado à existência de um
problema prático e à prática de sua solução.

97
98

Reproduzimos, no QUADRO 13, um trecho de diálogo onde ambos, OP e OC,


fazem propostas de investigação de um problema grave (a falta de escória no moinho).
Cada intervenção de um operador é considerada pelo outro, validada dentro do contexto
do problema. A solução final surge do debate. O acordo é construído à medida que se
verifica aquilo que de fato está ocorrendo (atividade real).

QUADRO 13

Reforçando a decisão coletiva – extrato de comunicação

(continua)

[Os operadores encontram-se diante de um problema grave: a possibilidade da falta


de escória no moinho. O OP detecta um possível problema através da informação do S.E..
Seu conhecimento sobre o processo e os equipamentos levam-no a desconfiar tratar-se de
um problema de origem mecânica.]

(...) OP: Parece que o problema é mecânico. Tem jeito de ser... [comentário com o
entrevistador]

OC: A corrente do elevador tá subindo?

OP: Não. Tá 14.8.

OC: Mas tá subindo ou não ?

OP: Não, tá mantendo. Deve tá fechado aí. Não tá saindo escória não. (...)

OC: Qual a exaustão do (?) local prá mim?

OP: Tá Ok!

OC: A bomba tá fechada, num tá?

OP: Tá, peraí... Tá fechada.

[ (1) A hipótese inicial do OP se confirma: é um problema mecânico. A bomba está


fechada. A informação obtida através do S.E. neste caso torna-se verdadeira.]

OC: É preciso abrir...

OP: Pode rodar.

OC: ?

98
99
(continua)

OP: Oi.

OC: Era só tentar?

OP: Aqui tá dando não, o posicionamento do dosador. (...)

OC2: Tô limpando aqui, que tá passando um trem agarrado aqui [o operador se


refere à limpeza no sensor do equipamento.]

OC: ? (...)

OP: Ô L. Tá mantendo 14.8 – 15 o elevador.

OC: A válvula tá aberta?


OP: Tá aberta.

[(2) O retorno aos índices estipulados – a leitura agora vai até 15 – confirma que a
válvula está aberta. O diálogo mantido entre os operadores poderá aumentar a confiança nas
informações do S.E.]

(...)

OP: Ô A .

OC: ?

OP: Cortei.

OC: ?

OP: Eu cortei a alimentação de vocês aí. O fluidor tá vazando.

OC: ?

(...)

OP: Ô A .?Ô A .? [OC não responde]

OC: Quanto tá a caixa de escória?

OP: Tá a mesma coisa. Tá dando 14.7 só no elevador.

OC: E o peso da caixa?

OP: Peraí, eu vou olhar o peso. Três toneladas, Ok?

OC: OK!

99
100
(continua)

(...)

OP: Ô A .?

OC: Oi.

OP: E o fluidor do 6 tá melhorando?

(...) [aguarda-se a reposta do OC]

OC: Melhorou. Dá pra rodar.

[(3) A ação do OP em cortar a alimentação do fluidor permitiu rodar o equipamento.


Novamente o OC, diante do equipamento, utiliza de seus conhecimentos para sentir a
melhora do fluidor. A descrição de uma passagem, em que o OC relata como encontra um
vazamento de ar num equipamento, pode nos auxiliar a entender o sentir do OC: “ retiro o
diafragma. Tampo a saída de ar. Se o cano estiver muito molhado, suado, é porque existe
vazamento”. ]

[Neste momento, termina o turno. A equipe seguinte retomará a questão, pois


foi alertada sobre o problema durante a reunião de passagem do turno]

(...)
OP: Ô L.

OC: Oi.

OP: Tá faltando escória aí no moinho direto.

OC: Oi?!

OP: Não tem escória moída no silo não?

OC: Não sei. Tentei perguntar e ele não me respondeu nada.

OP: Prá mim o silo tá zerado. Num tá entrando nada.

OC: Como é que tá a situação?

OP: Ué, a válvula tá fechada.

OC: A válvula tá no automático?

OP: Tá.

100
101
(conclusão)

OC: E a corrente do elevador?

OP: Tá baixinho, tá dando 14, ele tá vazio.

OC: Tá.

OP: Ele tava manual. Vou passar pro automático aqui.

OC: Tá.

OP: Ela não tá aceitando passar pro automático. Cê passa e ela tá voltando pro
manual.

OC: Então reabre ela antes de passar pro automático.

OP: Parece que agora ficou. Vão ver se ela vai abrir.

OC: Falou! Parece que o problema é o pistom que tá travando?! Tem mecânico no
seu horário?!...

[(4) Finalmente se estabelece o diagnóstico principal: trata-se de um problema


mecânico. Esta hipótese havia sido levantada pelo OP, quando do início do evento.
Comprova-se a verdade da informação, intermediada pela troca de experiências entre os
operadores, a respeito da atividade.]

FONTE – Comunicação entre os operadores

No exemplo acima, os operadores utilizam-se do diálogo para, a partir de uma


hipótese inicial, elaborar um diagnóstico sobre um problema prático. A confirmação de
um problema mecânico, o pistão travando, acontece após os operadores descartarem
outras possibilidades. Mesclam-se o conhecimento sobre o sistema pelo OP e as
intervenções no campo pelo OC. A experiência e o saber de cada um são colocados à
disposição. Através do diálogo, processa-se um fluxo de troca de informações próprias
da atividade dos operadores, válido para a resolução daquele tipo de problema.

As verificações vão sendo executadas a partir de uma hipótese: um problema


mecânico. Diante dessa possibilidade inicial, os operadores iniciam a verificação,
descartando outras possibilidades como queda de tensão e sobrecarga.

101
102

“A gente vai verificando e vendo o que não pode ser. Nesse caso, a gente tem que ver
tensão, sobrecarga”...(OC)

A atuação torna-se específica, embora a metodologia utilizada possa ser


empregada em diversos outros problemas. No entanto, os operadores optam pelo
caminho do problema mecânico, porque seu conhecimento do processo lhes dá
indicação de confirmação da hipótese. As peças, os equipamentos envolvidos e os
diálogos sobre a intervenção certamente seriam outros se a representação do problema
não os encaminhasse para o defeito mecânico. “A gente quando desconfia vai até o
fundo. Raramente a gente tá errado...”, diz um OP.

Vimos que os operadores lidam com condições, em que, para atender a uma
solicitação de intervenção, necessitam negociar, argumentar, convencer. E que o
convencimento é um trabalho árduo para o operador, pois as condições que envolvem a
execução de sua atividade, muitas vezes, não são de seu domínio. No entanto, desde o
início de nosso trabalho, ressaltamos que os gerentes querem um operador autônomo,
com iniciativa, que resolva os problemas sem o auxílio direto da gerência, enfim, que
comande a sua área. Diante do quadro que encontramos na empresa, seria possível que o
operador exercesse esse papel de superior hierárquico? Os operadores conseguiriam ser
autônomos como os gerentes desejam? A atuação dos operadores poderia corresponder
ao que a empresa quer? É o que discutiremos em seguida.

102
103

6. A PRETENSÃO E A REALIDADE NA AUTONOMIA DOS


OPERADORES

“Olha, eles têm que ter autonomia (os operadores), pois se a empresa custa hoje 250 milhões, eles estão
com 250 milhões nas mãos deles.[...] Agora a forma que a gente tá trabalhando não tá ajudando. [...]
Damos equipamento de grande tecnologia, mas condições para que eles operem nós não estamos dando
nada”.(Gerente)

Vimos, através da análise da comunicação entre operadores, que, em casos


específicos, é possível inverterem-se prioridades mediante o rearranjo de tarefas. Para
isso, o operador necessita de autonomia. No entanto, existem dificuldades que
restringem a atuação do operador e impactam diretamente a questão de um trabalho
autônomo. Ora a falta de informações, ora a hierarquia, ora as condições de exercício da
atividade funcionam como determinantes da autonomia do operador.

Casos concretos encontrados em nossa pesquisa, e que serão apresentados nos


itens seguintes, demonstram que existe um coletivo que busca negociar mudanças de
prioridades e até a forma de trabalhar, para conviver com a necessidade da autonomia
versus condições reais de trabalho, condicionando o operador a um trabalho difícil (mas
necessário) de convencimento do outro.

6.1 – Mudanças recentes na atividade de operação

As reclamações dos operadores são constantes. Reclamam que o volume de


trabalho que lhes compete, após a extinção do cargo de supervisor, não tem permitido
aprimorar a forma de exercer a atividade. Diz um OP: “Agora tudo é no painel. A gente
tem que saber de tudo e responder de tudo. Até ensinar a preencher vale (formulário)
para o cara que vai comprar pedra”. Interessante que preencher vale para a compra de

103
104

matéria-prima, como verificado por nós, em contato com outros operários, era uma
tarefa que o supervisor havia assumido para si.

Recentemente, a empresa mudou toda a sua tecnologia de informação. Montou o


layout da sala de operação com uma empresa especializada em design. Contratou uma
consultoria em treinamento para a implantação da proposta de técnicos em cimento. Ao
mesmo tempo, diminuiu o quadro de funcionários na operação e incorporou outra
atividade ao trabalho do OP – o controle da resistência do cimento -: “Outro dia mesmo
me fizeram a pergunta se a operação de RX ia ter aumento de salário. [...] se não tem
radiação, é zero. Se não tiver documento do perito, não vai ter não”, diz o gerente.
Nenhuma dessas mudanças teve a participação, a opinião dos operadores. “A gente só
fica sabendo das coisas na reunião, quando já vai implantar”, diz um OP.

Essas mudanças causam dificuldades à atuação do OP. Estão associadas àquelas


que demonstramos em nosso trabalho: lidar com as limitações do exercício da operação
em sala cega; não ter acesso ao fluxo completo de informações sobre a produção; ter
que obedecer ordens e a um só tempo ser autônomo. Conviver com os limites impostos
às decisões, sejam cotidianas ou àquelas ligadas a eventos obrigam-no a lidar com esses
determinantes como parte integrante de sua atividade.

6.2 – Dificuldades para a negociação e o convencimento

1. O Sistema Especialista: o cotidiano do OP é lidar diretamente com o S.E..


Existem situações em que o OP se depara com um problema em que o sistema
não está sendo eficiente. Mesmo diante de uma ação coordenada e negociada, o
sistema impede que exista uma intervenção como desejam os operadores.

“A gente acerta o ponto com o OC. Quando tudo tá acertado, o sistema já


não tá sendo eficiente. (...) Aí eu vou ter que tá atuando em válvula, ou seja,
pra fazer com que este fluxo trabalhe de forma mais lenta para ele ser mais
eficiente. O OC assim tem que refazer tudo por causa do sistema”.(OP)

104
105

A falha no sistema causa um retrabalho. Todas as vezes em que a atividade dos


operadores tem que ser reprogramada, as dificuldades de atendimento mesmo às
demandas cotidianas são relevantes, segundo o que nos relata um OP:

“ se, por exemplo, como no caso da válvula (exemplo acima), eu tenho que tirar um OC de
um lugar para o outro. Assim, vamos que ele esteja trocando uma peça, ele não vai até
terminar o trabalho. E atrasa uma manutenção. Pra ele ir até lá, a gente vai ter que negociar
com outro na fábrica um atraso no trabalho. E se ele não pode ir, às vezes, eu não tenho
outro. Já pensou ter que arranjar alguém de última hora, se até pra acompanhar a rotina o
grupo já é pequeno? Isso atrasa relatório, até reunião de turno. Eu sei porque já passei por
isso e tive que ficar no turno seguinte, mais de uma hora, do lado do outro operador, até
organizar mais ou menos as coisas” (OP)

Portanto, OP e OC terão que reprogramar sua atividade em função de um


problema sob o qual não têm domínio: “tem que refazer tudo por causa do
sistema” diz um OP. Este retrabalho implica negociação de prazos para
execução de prescrições como “preencher relatório no final do turno”; ou “atraso
na reunião de troca de turno” dentre outras conseqüências, lembrando que a
falha à prescrição pode significar uma sanção ao operador.

2. As mudanças no S.E: recentemente, as codificações das telas do sistema


sofreram uma mudança. O OP reclama e diz “que o pessoal mudou”. Novamente
uma queixa de não participação, que pode inclusive, durante o tempo de
adaptação, provocar erros na operação.

“ aconteceu uma mudança de TAG, ou seja, nome de uma coisa que era chamada de, por
exemplo, K0912 passou a chamar W3A13. Quer dizer então que houve toda uma mudança
de codificação. Então esse aí é que está sendo o nosso maior problema: você está
acostumado a chamar Maria, Maria, Maria e aí de repente, Rita, aí complica, né!” (OP)

O operador tem sido excluído de opinar inclusive sobre situações diretamente


ligadas à sua atividade. No entanto, e paradoxalmente, a empresa exige que os
operadores tenham iniciativa, opinem, mudem a forma de trabalho. Como
provocar mudanças maiores, se até uma alteração no objeto de trabalho do OP –
o sistema – lhe é estranho?

3. Condições dos meios de comunicação: o OP tem muitas dificuldades de


coordenar as ações com o OC devido à insuficiência e/ou a baixa qualidade da

105
106

comunicação (QUADRO 14). A decisão a ser tomada nesse momento está


temporariamente adiada.

QUADRO 14

As condições físicas da comunicação na operação

.OP: [atende ao telefone]

. Ricardo, tudo jóia?

. Já sim. Tá tudo bem.

. De onde? Do filtro?

. Pelo que eu tô vendo na chaminé não tá saindo nada não.

. O quê? O telefone tá ruim, não entendi nada.

. [desliga o telefone]

. [toca novamente]

.OP: Hã! Não dá pra entender nada.

. [desliga novamente o telefone]

FONTE – Observação da atividade do OP

O OP procura contornar o problema da dificuldade da comunicação via telefone,


utilizando seu conhecimento sobre o processo de produção. Ao entender parte da
mensagem – a palavra filtro – ele observa, via monitoramento de vídeo, a cor da
fumaça que sai do forno. Para cada falha mecânica, o operador deverá estar
preparado para suprir a deficiência.

Todos esses exemplos servem para demonstrar que a atividade do operador está
vinculada a condições concretas que ditam o ritmo de seu trabalho e determinam a
qualidade final do processo. O trabalho autônomo dos operadores esbarra em restrições
que o obrigam a estar constantemente negociando com o grupo, a fim de manter
equilibrado o ritmo da produção. Os gerentes, ao exigirem iniciativa, independência e

106
107

comando por parte dos operadores estariam considerando as suas reais condições de
trabalho? É possível o grau de autonomia desejado, diante dessas condições?

6.3 – A impossibilidade da autonomia pretendida para os operadores

A autonomia que os gerentes pretendem para os operadores soa como um anseio,


uma pretensão de uma situação ideal cujas dificuldades podem ser vencidas pelo
comando: “o que a gente quer é que eles se imponham, até comigo que sou o gerente”(gerente).

Mas sabemos que os operadores, ao enfrentarem dificuldades inerentes à


execução de sua atividade, encontram situações em que seu saber, conhecimento,
vivência, interesse, motivação e compromisso com o grupo são confrontados com os
limites de sua atuação. A autonomia não pode ser fruto apenas da vontade. Momentos
de autonomia surgirão para os operadores em condições específicas, contextualizadas e
totalmente dependentes da ação do coletivo.

A impossibilidade de que os operadores cumpram o seu papel de forma


autônoma, como lhes é cobrado, se explica resumidamente por:

1. concepção equivocada sobre autonomia: os gerentes insistem que os operadores


não têm autonomia e ratificam suas convicções sob o argumento da falta de
iniciativa para resolver problemas, falta de vontade para aprender novas coisas
etc.. No entanto, o trabalho cotidiano da operação é repleto de situações de
decisão, desde a mudança de um parâmetro, até a parada de um equipamento,
exigindo autonomia decisória do operador. Se o operador não tivesse iniciativa,
como menciona o gerente, a produção estaria comprometida, pois, para várias
situações, o S.E é limitado.

Uma outra incoerência do gerente é considerar que o tempo em que o OP não


está operando o terminal não está trabalhando.

“Hoje, por exemplo, se passar lá (sábado pela manhã na fábrica), o OP tá parado, esperando
acontecer alguma coisa. Ele deveria ter a iniciativa de aprender alguma coisa, aproveitar o
tempo” (gerente).

107
108

Ora, a atividade do OP é justamente se colocar em vigilância (SILVA e LIMA,


1999; ZARIFIAN, 1990). Seu tempo em vigília é um trabalho durante o qual são
percebidas eventuais disfunções na produção, apontadas pelo sistema, exigindo
iniciativa na mobilização para correção, portanto, o tempo de vigília “[não é] um
tempo livre, útil, durante o qual o trabalhador poderia se dedicar a outras
atividades, particularmente aquelas que requerem reflexão (por exemplo, pensar
sobre as causas de um incidente recente ou como reagir a ele)” (LIMA, 1999
cd). Essa concepção de que a vigilância é um tempo perdido, parte do
pressuposto de que o S.E. é suficiente para o controle da fábrica: “cada vez mais
o sistema faz a fábrica rodar sozinha” diz o gerente.

2. limitações no S.E.: o S.E. não consegue dar todas as respostas de que a operação
precisa. A necessidade de intervenção do OP é maior do que a que é reconhecida
pelo gerente ao afirmar que: “O S.E. é como se fosse um piloto automático”. A
variabilidade da produção não está representada apenas pelas necessidades de
ajustes nos parâmetros do sistema. Situações como alterações da matéria-prima
por condições climáticas e suas conseqüências para o processo de produção são
exemplos de limitações do S.E., obrigando o OP a antecipar-se ao sistema,
aumentando ou diminuindo a faixa de segurança para alguns parâmetros.
Portanto, o OP não pode entregar a produção nas mãos do sistema como pretende
o gerente.

3. redução de efetivos: baseada na lógica dos automatismos como substitutos da


mão-de-obra, a empresa reduziu seu efetivo, afetando o quadro de operadores.
Hoje, não existe operador reserva. Os operadores reclamam que, na falta de um
deles, os outros têm que cumprir jornada extra. Lembramos também que a função
dos supervisores foi extinta, deixando o trabalho invisível que estes executavam,
a cargo dos operadores, como bem nos lembra Lima (2000 p. 88):

Assim, a redução de níveis hierárquicos deixa de ser apenas um problema organizacional,


quando percebemos que a eliminação de um chefe ou de um supervisor, juntamente com o
poder e o controle, por ele exercidos, deixou a equipe desprovida de recursos (tempo e
certas competências) para assumir a atividade de coordenação, planejamento e preparação,
implícitas na função eliminada. Quando as decisões são puramente administrativas,
percebe-se logo que o superior hierárquico não tinha apenas a função de manter o controle,
mas também um trabalho invisível de organização de uma atividade coletiva.

108
109

Percebemos, assim, que a diminuição de efetivos e a eliminação de um nível


hierárquico afetaram diretamente a atividade do OP.

4. trata-se essencialmente de uma atividade coletiva: essa realidade não pode ser
ignorada. Como vimos, o OP é o responsável pela articulação de um grupo de
trabalhadores com diferentes perfis, mas que devem manter a produção dentro de
parâmetros técnicos aceitáveis. Este trabalho de coordenação que exige, muitas
vezes, realocar pessoas, alterar prioridade, é bastante complexo diante da
ocorrência de um evento e com a limitação do quadro funcional à disposição da
operação da produção. Como então o OP exerce seu papel? Encontramos em
nossa pesquisa uma resposta: o OP negocia, argumenta e convence. O exercício
do convencimento é para o OP um trabalho, ao que chamamos de Trabalho de
Convencimento. Portanto, a decisão do OP para uma intervenção é uma decisão
coletiva, em que antes que ela ocorra, conhecimentos e vivências são colocados
em evidência, conforme mostramos em nosso trabalho. Assim, a autonomia para
atuação em qualquer problema, por parte do operador, é o resultado da
negociação em uma situação específica, com todos os seus determinantes.

Portanto, nossa resposta à demanda dos gerentes, é que os operadores não


podem atender às suas expectativas idealizadas. Nossa análise indica que a cobrança dos
gerentes (pelo menos no nível do discurso), para que os operadores assumam autonomia
na condução da atividades, esbarra em limites e entraves postos pelo exercício do
trabalho real. Além das especificidades da produção em fluxo contínuo, da marcante
ocorrência de eventos aleatórios e das escolhas administrativas referentes às condições e
à organização do trabalho, não se pode negligenciar que o operador está inserido em
uma atividade coletiva que se apresenta como uma teia intrincada de relações.

Uma atividade coletiva exigirá sempre articulação, negociação, convencimento


para que qualquer alteração seja processada, e, a característica da atividade, nas
empresas de processamento contínuo, deixa o OP como ponto referencial do processo
(ASSIS, 2000). Reconhecemos que as novas exigências da produção apontam para um
novo perfil de trabalhador. No entanto, qualquer mudança que envolva o papel do OP
deverá basear-se em um estudo profundo da atividade e não somente na vontade dos
gerentes, a partir de modificações organizacionais em uma empresa, ou como afirma
Lima (1999 cd):

109
110

Ainda falta espaço para que as competências reais (e com ela as personalidades autênticas)
possam se desenvolver na IPC, ainda que, neste tipo de sistema produtivo, as condições
objetivas exijam um novo trabalhador.

110
111

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão colocada como demanda para este trabalho é entender se o projeto dos
gerentes de um operador completamente autônomo em suas decisões pode se
concretizar, diante das condições no exercício da atividade de operação.

Encontramos uma empresa em uma fase de mudança comportamental, estrutural,


tecnológica e nas relações de trabalho, as quais muito têm influenciado na atividade de
controle e manutenção da produção. São exemplos de práticas que estão impactando de
forma concreta a atividade dos operadores: a busca de padronização de todas as
atividades, de forma irrestrita e compulsória (a empresa foi certificada pela ISO 9000);
terceirização, inclusive das áreas de manutenção; implantação do treinamento no
trabalho e a diminuição do quadro funcional, através da idéia da multifunção – os
técnicos em cimento. Portanto, ao final de nosso trabalho, diante desse quadro, faz
pleno sentido a fala insegura de um operário quando questionado sobre as mudanças na
empresa: “todo dia tem coisa nova. A gente nem aprendeu uma, já vem outra. Nem dá
tempo direito de assimilar”; ou a fala do gerente que diz tratar-se de “um ambiente
conturbado” para o exercício da atividade dos operadores.

Todas essas mudanças dão um caráter particular à nossa pesquisa, ao ouvirmos


gerentes e operadores, pois as expectativas sobre o sucesso se dividiam, entre uma fé
cega dos gerentes baseada nos resultados em outras fábricas do grupo e, de outro, um
misto de esperança e descrédito pelos operadores, pois, até o término de nossa pesquisa,
as promessas de valorização profissional (revisão de cargos e salários, pagamento de
bolsas de estudo, dentre outras) e de melhores condições de trabalho (melhoria da
alimentação e do plano de saúde), ainda não haviam sido vislumbradas.

Diante desse quadro, o que constatamos em nossa pesquisa, ao analisar a


atividade dos operadores, foi que, em primeiro lugar, existe uma discrepância entre o
que os gerentes enxergam como autonomia e como os operadores a percebem. Para os
gerentes, os operadores dispõem de condições de desenvolver uma ampla autonomia,

111
112

pois têm a fábrica toda em suas mãos. Para os operadores, tal autonomia é restrita e
condicionada às possibilidades do exercício da atividade, que determinam sua atuação.

Em segundo lugar, comprovamos que a atividade do operador realmente está


condicionada a determinantes de ordem material e organizacional, que denominamos
limitações. As conclusões mais relevantes são:

1. o OP exerce sua atividade restrito a um espaço (sala de operação) que não permite
contato visual com o campo. Essa situação obriga o operador a utilizar-se do OC,
sempre que sua representação do processo produtivo indicar alguma possibilidade
de um problema, a partir de seu conhecimento e das informações do S.E..
Apresenta-se nesse momento uma necessidade premente de negociação e
convencimento do outro.

2. Apesar da eliminação do cargo de supervisor, o OP continua dependente do superior


hierárquico, pois, por exemplo, não tem acesso a informações completas sobre o
fluxo da produção. A empresa tem corrido riscos do não cumprimento de prazos na
produção, como conseqüência da falta de informações do OP:

“Eu não tenho, por exemplo acesso à posição de estoque. Como é que eu vou saber se a
produção pode ficar parada?” (OP)

Em terceiro lugar, os limites próprios à atividade do OP, cognitivos e sociais. As


possibilidades de trocas de experiências e vivências entre os operadores foram
identificadas em dois momentos: primeiro, quando as reuniões de troca de turno
acontecem e nas interações durante uma intervenção no processo de produção. O espaço
de discussão, conforme proposto por Dejours (1997), se resume na empresa a estes dois
momentos, embora, às vezes, as reuniões de turno sejam preteridas em função de uma
urgência.

Em quarto lugar, cabe ressaltar que a empresa prima pela padronização. Todas
as prescrições, em todas as áreas, estão atualizadas. A hierarquia incentiva e cobra a
utilização dos manuais. No entanto, sua utilização é relativizada. A um tempo, utilizá-la
significa obedecer à prescrição, ao comando hierárquico, defendendo-se de uma
possível sanção, a outro, não utilizar significa valorização do saber próprio do
trabalhador e a confirmação da diferença da linguagem de quem concebe (os

112
113

engenheiros) e quem executa (os operadores): “os manuais são muito chatos” no dizer
de um OP.

Diante de todos esses determinantes, e outros identificados ao longo do trabalho,


ao operador restou um desafio: manter o ritmo e a qualidade da produção, apesar de
todas as dificuldades. O que observamos através, dos exemplos e dos depoimentos dos
operários, é que a mobilização diante de um problema exige que o operador negocie,
argumente, convença o outro da importância de uma intervenção. Convencer impõe ao
operador um verdadeiro trabalho, um Trabalho de Convencimento, em que seu
conhecimento, competência e saberes, são colocados à prova. Nas comunicações
registradas durante o trabalho, os conflitos foram mínimos. No entanto, os operadores
disseram haver discordâncias de ponto de vista, que embora pareceram menores, são
relevantes quando se necessita de mudança de prioridade, por exemplo. Para uma
atividade coletiva, conflitos são inevitáveis. Para Zarifian (2001), eles são uma boa
coisa, pois proporcionam chances de crescimento ao grupo.

Por fim, a autonomia. Os operadores, em sua atividade, já são autônomos, dentro


das condições de possibilidade atuais, pois seu cotidiano é decidir a todo tempo, desde
um simples ajuste de parâmetro à parada de um equipamento. Embora a autonomia
conclamada pelos gerentes, em que o OP comanda, tenha poder sobre os outros, não é
factível numa atividade coletiva, em que o essencial está na dependência do outro.
Trata-se de uma autonomia negociada e, não, uma ação impositiva de comando como
desejam os gerentes.

Consideramos que o propósito inicial de nossa pesquisa foi alcançado. Nossa


análise apontou que a autonomia, na empresa, na forma requerida pelos gerentes, é uma
exigência, não uma realidade. No entanto, como todo o processo da construção de uma
nova organização para o trabalho está ainda em andamento, não podemos dar como
definitiva nossa resposta. Podemos, sim, afirmar que as reais condições apresentadas
para o exercício da atividade não permitem esse operador autônomo, como desejam os
gerentes. O fato é que, e isso não é privilégio dessa empresa, a autonomia pretende ser
construída por meio daquilo que se percebe de objetivo: treinar as pessoas, melhorar a
tecnologia, exigir comportamento e atitude de comando (ministra-se treinamento sobre
liderança). Intencional ou não, o certo é que a roda viva da produção tem consumido os

113
114

projetos e suas intenções (o treinamento em técnico de cimento foi adiado sine die até
que se termine a implantação do SAP, por exemplo).

Por fim, há de se considerar que este trabalho, ao buscar ir além do que existe na
formalização das análises organizacionais e caminhar um pouco mais no estudo da
subjetividade nas relações de trabalho, procurou apresentar exatamente o que se
reproduz no ambiente de trabalho dos operadores. Se não alcançamos tal intento, foi
porque a nossa formação em ergonomia ainda é uma opção recente de análise do
trabalho nas organizações e estamos aprendendo a lidar com seus mistérios. Por isso
talvez o nosso trabalho, em alguns aspectos, diga mais de organização do trabalho, já
que é matéria de maior domínio de investigações que envolvem também organizações e
pessoas.

Julgamos que algumas questões ligadas ao tema, e que não foram


suficientemente discutidas em nosso trabalho, seja pela opção metodológica, seja por
limitações da pesquisa, mereçam maior reflexão em trabalhos futuros. Questões como o
impacto da eliminação do cargo de supervisor nas diversas articulações do coletivo, um
trabalho invisível (Lima 2000), ou ainda as estratégias de convencimento utilizadas
pelos operadores, merecem um estudo mais detalhado.

Resta-nos concluir que o nosso trabalho partiu de um discurso sobre autonomia,


com cobranças de iniciativa e atitudes dos operadores, a partir da intenção de fazê-los
chefes de toda a fábrica, durante o seu turno. Da intenção do discurso à realidade, que
autonomia encontramos? Uma autonomia limitada, circunscrita por determinantes
materiais, organizacionais, sociais e cognitivos, em que os operadores são cobrados por
resultados, mas não participam do estabelecimento das metas. Em condições como essas
o que resta aos operadores para exercerem a contento sua atividade? Subsiste uma
autonomia negociada, limitada pela ação do coletivo em que é essencial argumentar e
convencer. Consideramos o Trabalho de Convencimento, dentro de uma negociação,
como uma forma de definir espaços de uma autonomia possível aos operadores.

114
115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAGÃO, L. M. C. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen


Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.

ASSIS, R.W. Os impactos das novas tecnologias nas formas de sociabilidade e


no savoir-faire dos operadores: um estudo de caso no setor siderúrgico.2000,
set. Dissertação (Mestrado em Psicologia) Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFMG. Belo Horizonte.

COULON, A . Etnometodologia e educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

DEJOURS, C. O fator humano. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio


Vargas, 1995.

____________Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In:


CHANLAT, J. F. (coord.) Indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São
Paulo: Atlas, 1996.

____________et al. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola


Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas,
1994.

FERREIRA, R. M. Individuação e socialização em Jürgen Habermas: um


estudo sobre a formação discursiva da vontade. São Paulo: Annablume, 2000.

FREITAG, B. A teoria crítica ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1990.

FREYSSENET, M. Formas sociais de automatização e experiências japonesas


In: HIRATA, H. (org.) Sobre o Modelo Japonês – São Paulo: EDUSP, 1993.

GABARRO, J. J. The development of working relationships. Harvard University


Press, 1997.

115
116

HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo


brasileiro, 1989.

JACKSON, M. A participação dos ergonomistas nos projetos organizacionais


Revista Produção – Número especial – p. 61-70.- ago. 2000. UFMG.

KARSENTY, L. Cooperative work: the role of explanation in creating a shared


problem representation. Le Travail Humain, Paris, v. 63, n. 4 p.289-309, 2000.

LACOSTE, M. Fala, atividade, situação. In: DUARTE, Francisco e FEITOSA,


Vera (orgs) Linguagem e trabalho Rio de Janeiro: Lucena, 2000

LEAL, R. M. A . C. Novas tecnologias no setor automotivo: o saber relacional


em questão. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção.)2001, 117 f.
Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.

LIMA, F. P. A . Conflitos sóciocognitivos e ética no trabalho: um caso que “deu


certo” In Qualidade da Produção, Produção dos Homens. Aspectos sociais,
culturais e subjetivos da qualidade e da produtividade. Belo Horizonte: Editora
da UFMG, 1996.

____________Ergonomia e projeto organizacional: perspectiva do trabalho.


Revista Produção, Belo Horizonte, Número Especial, p 71 – 98, ago 2000.
UFMG.

____________Medida e desmedida: padronização do trabalho livre ou


organização do trabalho vivo? In Gestão do trabalho e formação do
trabalhador. Belo Horizonte: MCM – Movimento de Cultura Marxista, 1996.

____________Patologias das novas tecnologias - Anais do XVIII ENEGEP –


Niterói, Set. 1998. (cd)

LIMA, F. P. A . e ASSUNÇÃO, A . A . – Análise dos acidentes – Cia de Aços


Especiais Itabira – Inquérito Civil Público. Laboratório de ergonomia do DEP.
Belo Horizonte, UFMG, 2000. (xerografado)

LLORY, M. Acidentes industriais: o custo do silêncio. Rio de Janeiro:


MultiMais Editorial, 1999.

116
117

ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional – Rio de Janeiro: LTC, 1999.

SALERNO, M. S. Análise ergonômica do trabalho e projeto organizacional


Revista Produção, Belo Horizonte, número especial, p.45-60, ago.2000.

________________Essência e aparência na organização da produção e do


trabalho das fábricas Reestruturadas – Belo Horizonte, v.5, n.2, p.191-202, nov.
1995.

________________Projeto de organizações com trabalho menos prescritivo –


Tréplica aos textos de Jackson e Lima Revista Produção, Belo Horizonte,
número especial, p.99-116, ago.2000.

SALERNO, M. S. Projeto de organizações integradas e flexíveis – processos,


grupos e gestão democrática via espaços de comunicação – negociação. São
Paulo: Atlas, 1999.

SILVA, C. A. D. & LIMA F. P. A. Objetivação do saber prático em sistemas


especialistas de vigilância: um estudo de caso na indústria cimenteira. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 1999.

WHITE, S. K. Razão, justiça e modernidade – a obra recente de Jürgen


Habermas. São Paulo: Ícone, 1995.

ZARIFIAN, P. As novas abordagens da produtividade – in: Zarifian et al,


Gestão da empresa, automação e competitividade. Belo Horizonte IPEA, 1990.

ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas,
2001.

117
118

118

Você também pode gostar