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Belo Horizonte
2002
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AGRADECIMENTOS
Partilhar a alegria com quem viveu nossos sentimentos de angústia, com quem
compartilhou conosco o sofrimento – aquele que, em determinado momento, é
impossível disfarçar – é o mínimo que posso oferecer ao agradecer a todas as pessoas
que contribuíram para este trabalho. Em especial...
Aos professores Drª Ada Avila Assunção e Msc. Carlos Alberto Diniz Silva,
pelo incentivo no início da caminhada e à nobreza de participar deste momento final.
Enfim, a todos os que passaram comigo de alguma forma por esses momentos,
pois as marcas do respeito e admiração não se reproduzem nas linhas deste trabalho,
mas na minha história única e pessoal.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
1.2.3 – Os instrumentos............................................................................................... 18
5.2.2 – A argumentação............................................................................................... 87
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8 - Argumentação do OP 90
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LISTA DE SIGLAS
OC – Operador de Campo
OP – Operador de Painel
MP – Matéria-prima
RX – Raio X
SE – Sistema Especialista
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ABSTRACT
The study of the convincing procedures within collective work involving panel
and field operators was conducted in a cement industry situated in the Belo Horizonte
metropolitan region. This industry is undergoing structural, behavioral and
technological modifications, despite the usual reactions against changes in companies
that commercialize commodities. One of the basic aspects considered along the analysis
is that the existing computerized operation procedures are very dependent on a
specialized system performance. Within that environment, the success of any
intervention depends on negotiation between the parts involved, a process in which the
convincing procedures are very important for the results of operation/production. In
that case, the operator’s role is the key factor in the articulation and coordination of the
intervention. In order to understand the personnel behavior during his/her actual
activity, and to obtain useful information about continuous processing industries, the
data were collected through interviews and tape-recordings of operators’
communication, involving all operators and production managers, as well as through
observation during the employees’ work-time. The conclusion is that operators’
autonomy results from negotiation among workers, and that the key factor for
convincing the co-workers are the demonstration of experience, truthfulness, and
sincerity within the collective work if any kind of intervention during the
operation/production process is needed.
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RESUMO
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1 INTRODUÇÃO
“ seria mais fácil pra gente se pudesse resolver o problema sem ficar passando, né? Por que tem coisa que
tudo bem, tem coisa que você resolve, mas tem coisa que tem que convencer, convencer que realmente tá
com algum problema. [...] tem que convencer à pessoa do lado (o outro) [...] se dessem prioridade pra
mim eu ia lá resolver o problema, eu ficava mais tranqüilo, entendeu?”1 (operador da sala de controle)
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Nesse, e nos demais depoimentos, não nos preocupou a existência de incorreções estruturais ou
lingüísticas.
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Entende-se por limite aquilo que de alguma forma foge a qualquer controle,
mesmo por parte do operador, como o saber e o conhecimento ao lidar com as decisões
cotidianas e aquelas ligadas a eventos na produção, mas que, no entanto, podem ser
mais ou menos potencializadas pelas relações sociais, pela organização, pela gestão ou
pelas inter-relações subjetivas. O conceito de evento é significativo se entendido “como
o que ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada, vindo perturbar o
desenrolar normal do sistema de produção, superando a capacidade da máquina de
assegurar sua auto-regulagem” (ZARIFIAN, 2001 p.40).
Toda essa discussão sobre a autonomia nas empresas passa pelas exigências de
uma nova gestão da produção, denominada, em Zarifian (1990), novas abordagens da
produtividade. A implementação de novas tecnologias acelera-se, mas as formas de
controle têm insistido em se repetir. Percebe-se nas indústrias modernas um anseio
incessante em reproduzir o saber operário, através das regras e padrões organizacionais,
bem como a tentativa da substituição do homem por automatismos, na medida em que
cada vez mais as máquinas “tentam” se parecer com os homens. No entanto, quando
elas e os sistemas inteligentes passam a fazer parte da vida operária, percebe-se que a
necessidade de autonomia não se extinguiu, apenas as decisões a cargo do homem
sofisticaram-se.
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A opção pela função de operador se explica por sua importância para o processo
de produção, reconhecida pelo pessoal da fábrica: “O painel de controle (sala de
operação) é o coração da fábrica” no dizer de um operador de campo - OC. O papel do
operador da sala de controle envolve a articulação e coordenação dos demais
operadores, e foi essa a forma que encontramos para o acesso a todos os outros
operadores e até engenheiros, já que a sala de controle é também um centro de
informações sobre a performance da produção.
Enfim, a opção pelo tema e pela empresa também diz respeito ao pesquisador.
Trabalhando nela por mais de dez anos, cinco como gerente, sempre fomos
considerados como um crítico, em relação às condições de trabalho oferecidas aos
trabalhadores da fábrica, apesar de termos que representar a empresa junto aos
empregados. Como professor, o papel de crítico se acentuou, e o sentido de uma
confusão que dá certo para classificar a produção da fábrica, levou-nos a querermos
entender um pouco mais, agora como pesquisador, por que, diante de condições de
trabalho tão desfavoráveis, não se ouviu dizer que a fábrica tivesse parado por uma
falha do operador. Ao contrário, por falhas no sistema, por descargas elétricas e por
combustível ruim, dentre outros motivos, muito já se soube de paradas forçadas nos
equipamentos. Assim, uniu-se o interesse particular do pesquisador, com uma proposta
de tema com algo de novo – o Trabalho de Convencimento – para pretensiosamente
apresentarmos este trabalho.
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A população em estudo foi todo o universo dos operadores e não uma amostra.
Os agentes de nosso trabalho foram, além dos operadores de painel, os operadores de
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1.2.1 – As etapas
1.2.1.1 – A demanda
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1.2.2 – Os procedimentos
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1.2.3 – Os instrumentos
a) da sala de controle
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1.2.3.2 – As entrevistas
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No final dos anos oitenta, portanto, a empresa contava com duas fábricas, uma
em Pedro Leopoldo e outra em Ipatinga, sendo responsável por 5% do mercado nacional
de cimento. Sua estruturação administrativa/organizacional obedeceu aos critérios de
operação de uma grande empresa. Nessa época, iniciaram-se os estudos para a mudança
da tecnologia de monitoramento das fábricas, que incluíam sistema de controle
inteligente, modificação dos sistemas administrativos informatizados, revisão total dos
métodos de composição de custos e preços e início da redução gradual do efetivo de
mão-de-obra. As duas fábricas saíram de um total de 1.000 funcionários para algo em
torno de 500, no ano de 1995, sem prejuízo para a produção. A razão da redução
drástica no número de funcionários advém da implantação de um novo modelo de
operação e gestão que associa a mudança nos procedimentos organizacionais, incluindo-
se aí o incremento da automatização da empresa e a necessidade de redução dos custos
para enfrentar a incipiente, mas irreversível, concorrência de mercado. Os serviços
considerados como apoio são terceirizados. Além dos normalmente tratados nessa
forma como alimentação, transporte e segurança são terceirizados inclusive os serviços
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A alteração do modo de produção buscou o aprimoramento da tecnologia, pois a produção por
via úmida era mais dispendiosa. A utilização da via seca permite que o aquecimento do forno seja feito,
aproveitando-se os gases resultantes da exaustão do próprio forno, preaquecendo a farinha ( mistura de
elementos minerais que irão compor o cimento), diminuindo, assim, o gasto de energia.
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Clínquer é matéria-prima para moagem do cimento. É composta de. calcário e sílica.
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Não comungamos com a expressão modernas, embora alguns autores ligados à Qualidade Total
e alguns empresários ainda utilizem tal terminologia. A técnica da qualidade total, tanto em termos
históricos, quanto de aplicação gerencial, é constituída de um somatório de questões já discutidas e
abordadas ao longo do desenvolvimento das organizações, principalmente as industriais.
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Os resultados preponderantes estão ligados à economia de energia na fábrica e à melhora da
performance de produção. Nessa época, a empresa conseguiu obter o melhor índice entre as cimenteiras
para a chamada quebra de sacaria, ou seja, o número de sacos que são perdidos quando da embalagem do
produto.
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De 1997 até os dias atuais, a empresa tem passado por uma grande injeção de
capital, que vem sendo investido prioritariamente na modernização das instalações. Os
sistemas de informação e a modernização do parque industrial são o foco. Somada à
modernização, uma austera política de adequação e redução de custos, fez com que o
quadro de pessoal passasse de cerca de 500 funcionários para um número de
aproximadamente 250 pessoas, sendo 100 funcionários próprios e 150 de terceiros, em
1999.
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Os OPs deveriam ser os líderes durante o seu turno: “o que a gente quer dos
operadores é que eles sejam os chefes de turno”, comenta um dos gerentes. Os gerentes
constataram, porém, que a grande maioria dos OPs não vêm assumindo essa função.
Apenas um (do total de seis) a assumiu ou quer ser “um bom operador de painel” que
“corre atrás, estuda a coisa”, alguns outros “correm atrás para não perderem o emprego
e outros estão inteiramente desmotivados mesmo” diz um gerente. Ainda, segundo os
gerentes, a maioria continua atuando como antes, ou seja, continua obedecendo ordens,
quando deveria ser o inverso. “Eles, os OPs, é quem deveriam estar dando ordens aos
outros trabalhadores” afirma um gerente. Existem duas questões básicas no contexto
acima: 1. os contatos do gerente com os OPs são em sua maioria para passar instruções
e obter informações; 2. é impossível exercer a função de operador apenas obedecendo
ordens quando algum evento se apresenta: se, em cada situação de dúvida, o OP
aguardar a ordem do gerente para continuar o trabalho, simplesmente inviabiliza-se a
produção. Se observarmos detidamente, a eliminação do nível de supervisor trouxe
conseqüências maiores que simplesmente se mudar a chefia. As articulações sociais do
trabalho, por exemplo, antes exercidas pelo supervisor, passam agora ao OP, o que será
discutido mais adiante. Exemplo de uma articulação é a capacidade de mobilização do
grupo, sua sensibilização para um trabalho extra quando da ocorrência de um evento. O
supervisor, por sua convivência com todas as áreas da produção, pelo seu conhecimento
do grupo, antecipava situações de mobilização, sem a necessidade da convocação
expressa pela hierarquia, como declara um OP:
“Tinha um supervisor aqui, que todo mundo trabalhava fora de hora e ninguém brigava. A
gente resolvia os problemas e eu nunca vi ninguém discutir ou reclamar dele”. (OP)
Tal poder de mobilização pode ser considerado como “um trabalho invisível de
organização de uma atividade coletiva” (LIMA, 2000, p.88).
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“Chega uma pessoa lá (na sala do painel de controle) e a gente (os gerentes) fala: Fulano
faça isso. E tem que ser o contrário. Ele tem que ter o domínio dele na mão dele, a máquina.
A pessoa chegar e: ‘eu quero fazer isso’, ‘Não agora não pode, só vou poder fazer isso, isso,
isso’ [...] não é uma questão técnica do processo, é a atitude mesmo [...] a gente quer que
eles tomem a frente e que eles imponham até moralmente comigo que sou o gerente...”
(gerente)
A separação entre técnica e atitude sugerida pelo gerente não faz sentido na
realidade do trabalho. O OP só assumirá uma atitude diante de uma causa que seja
razoável no contexto da atividade (como por exemplo “desobedecer ao roteiro de uma
intervenção a fim de agilizar o tempo de reposta”). Não basta, portanto, que o gerente
deseje que o OP se imponha. A atitude no trabalho não é uma posição mística, mágica,
descontextualizada. Ela está intimamente relacionada ao domínio da técnica, ao
conhecimento sobre a atividade. Necessita ser reconhecida e legitimada pelo grupo
através da demonstração do saber do OP. Descolada dessa realidade (LIMA, 1996) a
atitude cai no campo do psicologismo, torna-se apenas um apelo ao envolvimento.
Desvinculada de uma ação, cai no vazio (diversas exaltações ao envolvimento, à atitude,
à motivação para o trabalho, tornam-se ridículas quando ouvimos os operários no chão
de fábrica). Promessas ufanistas de prêmio por produção foram ridicularizadas pelos
operários da fábrica. Segundo um OP
“as metas estipuladas não foram discutidas com o pessoal. Se alguém sabia se tinha
condição ou não de cumprir aquilo eram os operadores. Uma meta planejada lá em cima,
só serve para fazer a gente trabalhar mais. E como alguns sabem que não vão alcançar o
prêmio, a produção continua a mesma”...
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Uma atitude só pode ser julgada diante das condições concretas que a empresa
oferece ao operador para o exercício de sua atividade e tais condições serão estudadas
mais à frente.
“O que a gente quer é que eles mandem. [...] os outros têm que saber que o espaço é deles.
Eles dominam o sistema e têm que mandar no espaço, ser dono, comandar” (gerente).
“O comandante de um vôo, mesmo que no avião exista um dono da empresa aérea, tem que
tomar as decisões de forma independente, baseado na sua competência, nos instrumentos e
na sua segurança como profissional.” (grifos do autor da dissertação)
“Então ele tem que estar ali e tem que ser assim: quem está ali no painel é fulano de tal. Ele
tem que se mostrar, ele tem que ter o nome dele ali também. E o nome dele é feito com as
ações que ele faz.” (gerente)
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tempo em que ele reconhece que são as ações que fazem o nome do operador, separa os
atos das atitudes, assim como as representamos no senso comum. Vejamos:
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Não há racionalidade comunicativa (...), em uma situação onde, desde o início, um dos
interlocutores se encontra em situação de subordinação social, ou seja, submetido ao poder
de outrem, sendo esta também uma das principais causas do sofrimento psíquico dos
operadores dos processos contínuos. (LEAL 2001, p.102)
O não enfrentamento pode ainda originar-se de causas mais sutis que a questão
da inferioridade funcional. A gerência não saberia por exemplo como lidar com o erro.
Aliás, como veremos adiante, o erro tem dupla interpretação na empresa: para, o gerente
seria uma forma de aprendizagem, enquanto, para o OP, seria uma ameaça, um motivo
até de demissão6.
Como a tarefa prescrita jamais pode ser atendida em sua totalidade, o rearranjo
dos objetivos da atividade é sempre necessário e coaduna perfeitamente com este
exemplo: Após uma parada de forno, o OP teve que reativar o equipamento. O padrão
operacional discrimina passo a passo como retomar o sistema. Ao tempo ótimo para a
retomada, no entanto, o sistema não entrou no ar. Após algumas tentativas, o OP
decidiu, para não atrasar mais a parada, utilizar-se do novo sistema em implantação. Na
primeira tentativa, houve um erro de seqüência, o que atrasou a retomada em 20
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Encontramos aqui duas formas de enxergar o erro: aprender com o erro – abordagem do
recurso humano -; erro como punição – abordagem do fator humano. Estas definições fazem parte da
forma como as organizações têm lidado com o trabalho humano. Para maiores detalhes, Dejours (1997).
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minutos. O gerente foi informado pelo OP, via telefone, que se desculpou pelo atraso e
justificou sua ação. Este OP coincidentemente está sendo o primeiro a operar o sistema
novo.
“a pessoa tem que ter conhecimento, e ela começa a tomar suas decisões, ou seja, ela começa a
ter autonomia sobre o processo. A forma que esta autonomia vai crescendo, que esta autonomia
vai surgindo naturalmente é através das informações, ou seja, vão levando informações que a
pessoa vai conhecendo um todo, tendo uma visão e tomando decisões. Então hoje: ‘Ah! eu não
tenho autonomia, eu não posso’... O que é que é essa autonomia? O que é que eu posso fazer
para que eu decida tudo. Nada mais nada menos que informação.” (gerente)
A informação para o gerente é tratada de forma genérica. Diz ele que “quanto
mais informação eu tenho, melhor eu desenvolvo meu trabalho”. Mas qualquer
informação? Isso não é muito amplo? Responde o gerente: “informação sobre o
processo, sobre seu trabalho, sobre o sistema... Ele tem que conhecer aquilo que diz
respeito ao seu trabalho...”.
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“ a forma como a gente tá trabalhando não tá ajudando a gente pra isso. Por exemplo: às
vezes, a gente tem observado um número grande de pessoas no painel, dificultando para
que deixe a pessoa sentir mais o equipamento, que ele opere. Tinha 13 pessoas outro dia no
painel, treze inclusive comigo. Eu cheguei lá prá contar, tinham 13 pessoas. Como que uma
pessoa pode operar desse jeito?” (gerente)
“Durante o dia quem trabalha recebe muita informação e começa a ter uma visão melhor da
fábrica. Quem tá no turno (revezamento noturno) tem o problema da comunicação pra ele.”
(OP)
A partir das questões levantadas até agora, a demanda deste trabalho passa a ser a
tentativa de demonstrar o porquê de as dificuldades dos OPs atenderem às expectativas
colocadas pelos gerentes durante as entrevistas. Tentar-se-á responder a algumas
perguntas tais como: o que é autonomia para a empresa? O que é autonomia para os
operadores? As decisões do OP são individuais ou coletivas? Como o OP se relaciona
com decisões cotidianas ou estratégicas? Quais são os fatores determinantes que
influenciam a autonomia dos OPs? É possível que os OPs incorporem a função dos
antigos chefes de turno? Por que é preciso argumentar, negociar e convencer para
efetuar uma intervenção? Todas essas questões serão discutidas ao longo do trabalho.
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3.1 - As tarefas do OP
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QUADRO 1
O QUADRO 1 apresenta uma equipe em que quatro dos seis operadores têm
uma larga experiência na função, variando entre seis e onze anos. Também é
representativo o tempo na empresa: no mínimo, oito e, no máximo, treze anos de
trabalho, indicando um baixo turn over. Tais operadores foram formados em casa, tendo
passado por outras funções na fábrica, todas elas ligadas ao processo de produção.
Portanto, ao assumir a função de OP, o trabalhador já exibia uma bagagem de
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O projeto da empresa envolve o treinamento de todos os operadores no entendimento do
processo de produção em todas as suas vertentes – treinamento on the job -, desde a química básica a
noções de manutenções elétrica, eletrônica e mecânica.
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“ Ele chegou para mim e disse: ‘eu gastei dez minutos a mais para rodar o forno, mas eu fiz
pelo sistema novo’. Da próxima vez, se gastar vinte, você gasta e eu assino embaixo [...]
Mas demorou pra rodar. Por que demorou para rodar? Mas é isso mesmo. Pode fazer eu tô
junto. Na terceira ou quarta vez, você vai estar rápido, eu conheço”. (gerente)
Conhecer a equipe e estar junto dando apoio será suficiente para fazer com que
o OP execute sua atividade com autonomia? Quais são as limitações materiais e
organizacionais para uma atuação autônoma dos operadores? Como os limites de saber,
conhecimento e experiência dos operadores influenciam na questão da autonomia?
Quais os problemas de comunicação que impedem a articulação do grupo e sua atuação
frente a um evento? É possível conseguir que os operadores tenham iniciativa,
autonomia, possam liderar e comandar, na realidade atual da produção na empresa?
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“a gente tem trabalhado muito para que as pessoas possam tomar as decisões ... bem mais
próximas ao fato, ... então, você acaba por delegar responsabilidades deixando que estas
pessoas entendam ... Olha, eles têm uma autonomia enorme porque se a empresa custa hoje
250 milhões, eles estão com 250 milhões na mão deles. Da mesma forma que nesta hora da
entrevista tem um operador lá, ele tem 250 milhões na mão dele”. (gerente)
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“Um instalador de telefones que programa seu próprio trabalho para o dia,
faz visitas sem supervisão e decide as técnicas mais eficazes para uma
instalação em especial”
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“Uma telefonista que deve lidar com chamadas à medida que elas
chegam, de acordo com uma rotina de procedimento altamente
especificada” (ROBBINS, 1999, p.326).
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“Tem coisa que tem que ser do nosso jeito, porque senão não funciona. A gente tem mais
detalhes da produção. Daí fazemos da melhor forma, esquecendo a norma na hora. Depois
vamos conversar com o grupo sobre o assunto para não dar nenhum problema. Se não
seguimos as normas, podemos ter problemas depois com as chefias, mas, às vezes, temos
que usar nosso conhecimento e assumir o que fizemos” (depoimento de um operador).
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“A gente tem que raciocinar: quem tá no turno? Para cada pessoa você deve pedir de um
jeito. Se é urgente, a gente procura até achar. Se pode esperar, pede pra alguém localizar
pra gente. [...] Dependendo de quem tá eu sei se vai andar mais depressa ou devagar uma
parada. Aí eu tenho que agir de uma forma para cada um”. (OP)
QUADRO 2
Limite para a . não existe limite para a . não podem decidir quando se
Autonomia intervenção. trata de problema grave.
Dentro desse entendimento, o que já pudemos constatar é que a questão dos OP’s
exercerem sua atividade de forma autônoma esbarra em determinadas situações que
condicionarão a sua existência. Assim, procuraremos entender, agora, porque as
indústrias de processamento contínuo buscam um operador autônomo, mesmo diante de
um quadro de alta automatização e informatização, característico da maioria dessas
empresas.
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“Nós aqui, conversamos uns com os outros, e obedecemos aos gerentes. Por enquanto é
assim... A gente espera que mude”. (OP)
evitando-se assim o que se ouve dos operadores: “Tudo aqui é definido por eles
(Diretoria e Gerência). Chega tudo pronto e a gente, às vezes, não sabe porque tem que
produzir mais, ou menos, no mês”.
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Uma segunda razão para a mudança foi dificultar o acesso à sala, a fim de
diminuir a conturbação reclamada pelos gerentes, já que, na situação anterior, a sala
estaria se transformando em ponto de encontro (gerente) atrapalhando a concentração
do OP.
A sala de operação foi concebida de forma que o OP não tenha nenhum contato
com a área externa. De sua sala a visão sobre os equipamentos se restringe à
interpretação das informações a partir do sistema, que é uma característica das empresas
de processamento contínuo, levando o OP a criar representações mentais do processo,
para acompanhar a produção (ASSIS, 2000).
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QUADRO 3
E: Como assim?!...
OP: É assim, por exemplo, se a gente vê o forno e vê muita poeira saindo, a gente sabe
que tem um vazamento. O vazamento vai alterar a quantidade na produção do pó. Se eu
vejo, de duas uma, ou aumento a entrada de material ou regulo a queima para uma
quantidade menor de material. Eu sei que o sistema, quando sentir a diminuição da
produção, vai corrigir, mas até lá a gente já perdeu produção. E se eu vejo, eu posso
antecipar, né?
E: E se não...
OP: É como eu já disse: se eu não posso ver o equipamento, eu tenho que ver através do
sistema. É mais complicado, exige mais conhecimento para imaginar que pode estar
tendo um vazamento, por exemplo. Mas eu acho que à medida que você vai vivendo a
fábrica, vai aprendendo a imaginar o que pode estar acontecendo, e geralmente se o OP
já conhece bem a fábrica ele acerta. Mas se fosse diferente e a gente pudesse ver, era
melhor..
E: Melhor?!...
OP: É. Dá mais segurança. Eu posso ver, assim, por exemplo, quanto de pó já vazou,
quanto tá vazando, e até pela cor do pó se é mais claro ou mais escuro. Com a minha
experiência, eu já posso prever um problema.
OP: Por isso a gente pede, quando pressente alguma coisa, para o OC ir lá pra gente. Ele
vai ver pra gente....
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A convivência do OP com as limitações impostas por uma sala cega exige que
ele encontre alternativas para enxergar, ouvir e sentir o campo. Muitas vezes, a dúvida
sobre a intervenção no sistema, sob a forma de antecipação a um possível problema,
leva o OP a transferir seus sentidos para o OC. Diz o OP:
“quando a gente vê e sente o problema, por exemplo, eu posso ver o pó vazando, mas se eu
estou próximo do forno e sinto uma temperatura mais alta que o normal, mesmo com
vazamento, indica que a coisa pode complicar. Se eu não tô lá para ver (o pó) e sentir (a
temperatura), alguém tem que fazer isso pra mim. E a gente faz assim sempre que tem
dúvida, pede ao operador de campo” (OP).
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Toda a atividade dos operadores está vinculada ao trato com informações. Como
os gerentes esperam que um operador gerencie toda a fábrica, dentro de seu turno de
trabalho, ter acesso a todo o fluxo de informações é imperativo. No entanto, não é o que
acontece, como demonstra o exemplo abaixo:
“eu não tenho como falar: pode ficar parado oito horas, porque eu não tenho previsão de
saída de cimento, quer dizer eu não tenho esse tipo de informação, eu não posso falar
assim: - Pode deixar parado até amanhã às 7:00 h, amanhã a gente resolve, né? Então, aí eu
tenho que ligar e falar assim, ó: - Tá parado aqui e o pessoal vai ter um tempo maior, a
parada vai ser longa, né? Que isso é um problema mais sério, vai depender de pessoas
externas, aí eu tenho que passar o problema”. (OP)
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“o que diferencia cada nível aqui, são as informações. Eu recebo muito mais informações,
eu tenho uma informação muito mais ampla da fábrica. Então, na hora de tomar decisões,
eu tomo até onde eu conheço”.
Da mesma forma, os operadores também tomam as suas decisões até onde eles
conhecem, melhor dizendo, até onde lhes é dado conhecer. Podem, no entanto, em
situações de eventos, tomar decisões surgidas de sua própria iniciativa. O OP acaba,
diante da necessidade de uma intervenção, exercendo uma liderança, acionando os
operadores de área e os gerentes quando necessário, administrando as informações e
tomando as decisões cabíveis. No entanto, uma reclamação recorrente dos operadores é
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“Tem turno, no final por exemplo, que a gente não acha um mecânico para atender a gente.
Isso ocorre por que o quadro foi reduzido e alguns trabalham em horário diferente do turno,
deixando a gente algumas horas sem apoio...”
4.2.2.2 - Hierarquia
“O sistema é todo automatizado. Ele dá conta de todo o trabalho. (...) o que a gente
quer é que o OP ponha pra rodar e deixe. Não precisar da interferência do operador. (...)
tem muitos deles que não exploram o que o sistema pode fazer. O que a gente procura é
uma utilização máxima do sistema, com tudo o que ele tem. O OP tem que fazer isso”,
(gerente)
“Se tem manual é pra usar... Mesmo que tenha hora que você não ache o que precisa. Aí a
gente descobre sozinho ou pede ajuda” (OP)
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demonstrar que ele cumpre as regras do jogo. Por exemplo: a empresa foi recentemente
certificada pela ISO. Houve um grande investimento na preparação dos padrões da
fábrica, inclusive com a contratação de uma consultoria externa. O gerente, como porta
voz da empresa, solicitou aos OP’s que utilizassem os padrões de operação, pois os
mesmos permitiam uma operação que garantiria qualidade ao trabalho. O que faz um
OP diante dessa solicitação?
“Os homens aqui querem que a gente siga os padrões. Eles cobram porque a gente não usa
os manuais. Assim eu ‘uso’ sempre que um gerente está próximo do nosso trabalho. Sabe
como é, se tá escrito, tem que usar...” (OP)
“Eu? Quantas vezes? Acho que uma vez... Acho que foi por causa de um ícone, um
desenhozinho novo na tela” (OP).
Os OP’s não consultam o manual, pois os manuais “são muito chatos” diz um
OP. Existe uma diferença entre o modelo adotado para planejar e conceber os manuais,
o saber analítico, e o saber operatório dos OP’s. Para Lima (1999), o ideal seria que
esses conhecimentos se complementassem para manter a planta em funcionamento.
Entretanto, essa compatibilização não ocorre sem deixar marcas no trabalho do
operador. Assim, ao simular uma consulta, o OP se defende a um só tempo da pressão
hierárquica, como, e parafraseando sua fala, da “chatice do manual”.
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Essa relação com a gerência é explicada por Lima (1999) como uma forma de
defesa dos trabalhadores quanto à constatação de erro por uma chefia. Numa relação de
poder, hierarquizada, como na empresa em estudo, existe o risco de que eventuais erros
sejam usados para selecionar trabalhadores. Os erros são debitados aos operários, e
eventuais sucessos, creditados ao superior. Ele entende que não usar o manual é um
erro. E consciente dos riscos de ser mandado embora, ele o usa.
Ora, aqui se estabelece uma grande contradição. O gerente quer que o OP seja
autônomo, independente, “que se imponha até comigo que sou o gerente” diz um
gerente. Ao mesmo tempo, solicita ao OP que utilize o padrão, que siga as regras para
garantir a qualidade da produção. O gerente a um só tempo exige do OP que seja
independente em suas decisões, mas o mantém preso às regras. Metaforicamente, é
como se déssemos a alguém uma possante lancha para uma pescaria em alto mar, mas
mantivéssemos as suas amarras presas ao cais. Os gerentes desejam um operador
autônomo que não solicite a intervenção do supervisor ou do próprio gerente, que tenha
iniciativa, que aprenda e aprimore os processos. No entanto, o operador exerce seu
trabalho sem todas as informações de que necessita (o acesso ao fluxo de produção é
incompleto, como vimos), convivendo com padrões detalhados da operação, que
exigem dele cada vez mais um conhecimento integral de todo o processo. No caso da
empresa, os operadores reclamam maior participação na elaboração dos padrões. Os
padrões operatórios e administrativos da empresa seguem a lógica da ISO, em um
padrão mundial que visa garantir uniformidade na qualidade dos produtos e serviços de
caráter internacional. Assim, um gerente deseja um OP completamente autônomo, mas
exige que o mesmo siga as regras “de um padrão internacional de qualidade” em que
cada intervenção é parametrizada segundo a concepção lógica da prescrição.
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Llory (1999) diz que OP’s e gerentes têm pontos de vista diferentes sobre o
desenvolvimento da atividade. Os engenheiros se pautam pelas regras normativas,
enquanto os OP’s, pelas regras práticas.
“eles (os antigos supervisores) falam com a gente, entendem a gente, e também
falam com o sistema e entendem o sistema” (OP).
Para os OP’s, existem duas categorias de pessoas no seu trabalho: 1 aqueles que
conhecem o sistema de operação; e 2 os que não conhecem. Os ex-supervisores estão na
primeira categoria, os gerentes na segunda. Sobre essa questão temos o seguinte
comentário de um OP:
“gente do escritório, eles não sabem não. O gerente nunca foi operador. Já o P. e o E. estes
sim, não precisa nem da gente falar. Eles chegam, olham para a tela e já dizem: é isto, por
causa disto. Eles conhecem tudo...” (OP)
“ele vem aqui só quando precisa, pra perguntar alguma coisa, pra gente explicar pra ele. Ao
passo que o supervisor passa a noite com a gente; [...] só de olhar entende a nossa
dificuldade”.(OP)
Esse novo modelo de gestão, cada vez mais voltado à produtividade via
incremento da automatização, vai deixando resquícios à medida que avança. Com a
eliminação do cargo de supervisor, o OP deveria assumir “as atividades de coordenação,
planejamento e preparação, implícitas na função eliminada” (LIMA 2000 p.88). O poder
de comando, antes do supervisor, foi transferido para a gerência, e o saber prático (de
supervisores e operadores) pretende ser transferido para o S.E. No entanto, como no dia-
a-dia o OPs continuam tendo dificuldades para assumir a coordenação das atividades,
eles continuam recorrendo aos antigos supervisores, pois:
3. o OP ainda tem muito medo de errar e ser punido. Um dos gerentes reconhece que
ainda existe uma cultura na empresa de dar ferro para quem errar. O gerente, porém,
apresenta uma outra visão sobre o erro:
“Olha, eu particularmente, o que eu tenho feito, é seguir a própria missão nossa. Os acertos
são reconhecidos. Nossos erros utilizados para aprendizado... Eu procuro chamar as pessoas
e dizer para elas: - olha, vamos errar, estamos preparados para errar” (gerente).
“Errou, não tem que chegar e meter os ferros não. Tem que ver o erro: ó fulano, é assim,
assado, tentar transparecer, só isso. Só que tem gente que chega, e eu já vi: ‘Não pode fazer
isso não!’ É a cultura do erro, dar ferro. E tem muito disso ainda” (gerente).
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“Tem gerente que não assume os problemas. Quando um equipamento pára e a produção
também, a primeira coisa que ele faz é encontrar um culpado. Daí faz reunião, paga sermão,
ameaça e avisa ao gerente geral que já tomou providências. Acho que é bom para outros
ficarem sabendo que ele atuou. Mas o problema fundamental mesmo, a qualidade do
equipamento, fica para depois” (gerente).
Para o gerente, “Os OP’s não se mostram motivados para o aprendizado, não
apresentam iniciativa, não são pró-ativos”. Diante do que determina o gerente, os
limites da autonomia dos OP’s se expressam nos seguintes fatos: eles não participam da
elaboração das metas de produção; as escalas de trabalho são elaboradas pelo setor
administrativo; os OP’s cuidam do S.E, da entrada de dados do próprio SAP, do
controle de produção da fábrica velha8, do manuseio do RX para verificação da
resistência do cimento e de atendimentos diversos no painel. Além disso, os OP’s estão
8
A chamada fábrica velha é aquela que deu origem à planta da fábrica atual. Ela se encontrava
desativada desde o início dos anos oitenta. Com a mudança do capital acionário, e após investimentos em
modernização tecnológica, essa parte da planta voltou a produzir no ano 2000.
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Entende-se por limite tudo o que foge ao controle do operador, mas que pode ser
potencializado pelas relações sociais, pela organização, pela gestão ou pelas relações
intersubjetivas. Vimos que a produção não pode prescindir da intervenção do operário,
pois o S.E. não é o bastante para que os problemas sejam resolvidos. A vivência no
trabalho, o conhecimento acumulado e o saber situado do trabalhador passam a ser
exigidos quando os problemas se tornam situações em que o simples ajuste de um
parâmetro pode significar envolver outro trabalhador: um trabalho coletivo. Quando se
trata da dependência da intervenção humana, a atividade do OP encontra limites
manifestos no dia-a-dia e limites mais complexos derivados de intervenções de maior
magnitude.
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“Eu, como conheço de outra fábrica todo o processo de produção, já fui OP de outra
fábrica, eu sei que este alarme aqui pode esperar, pois hoje a M.P. tá menos britada, mas
não vai danificar o equipamento...” (OP)
“Aí então, eu tive de olhar outros parâmetros, como por exemplo, a amperagem do forno,
tá? A temperatura, a qualidade do que tava vindo (matéria-prima)... Então tinha algum
problema. Então tive que mandar fazer a limpeza dele (do medidor), entendeu? Então você
não pode confiar 100% mesmo. Você confia nele desconfiando”. (OP)
62
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QUADRO 4
E: Dúvida?...
E: E então...
OP: Ele olhou. Disse que essa temperatura não vai passar disso não. Ela vai ficar
assim porque as pedras que entraram têm uma resistência maior, são assim mais duras, né?
O atrito com o casco é um pouco maior. A temperatura sobe, mas esse lado da pedreira não
tem muita pedra não, é só uma ponta. O material que tá vindo já tá diferente.
E: O que fazer?
OP: Eu vou só continuar observando, mas agora sem ficar muito preocupado. Ele
entende muito de forno e agora eu sei mais um pouquinho, né?
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“É comum a gente olhar as pedras e dizer de onde veio e se é mais dura ou mais mole.[...]
São muitos anos vendo pedra na esteira (transportadora) ou no caminhão”... (OP)
Um OP relata que foi um OC antes de passar para a sala de operação. Com isso
conheceu todo o processo produtivo. Foram mais de dez anos vendo o produto sendo
feito. Hoje, quando ele olha para a tela do sistema, consegue fazer uma seleção dos
dados mais importantes. Quando dois alarmes soam ao mesmo tempo, ele prioriza sua
ação, baseado na sua experiência.
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9
As telas do S.E são constituídas por dados numéricos, ícones representativos do fluxo de
produção, alarmes que utilizam cores que se alteram à medida que uma situação se torna preocupante, e
siglas alfanuméricas que representam os diversos equipamentos.
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se, por exemplo, “... o tipo de M.P. que estiver chegando não forçar demais o
equipamento ... Se está chovendo ou não ... de que parte da pedreira foi extraída a M.P.
... qual o histórico de quebra desse equipamento”, segundo o OP, são informações que
“ele já possui na cabeça” e que “ficam com ele na memória o tempo todo”, ajudando na
definição sobre a mudança no parâmetro. Por isto, nessa hora, ele não precisa de
ninguém para dizer se deve ou não alterar.
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4.3.3 - Eventos
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Lembrando uma ocorrência desse tipo (quando o forno parou por um defeito no
mancal), o OP relata que a pressão do tempo nesse caso foi muito forte. Todo um
mecanismo de pressão se estabeleceu. O importante nessa hora foi colocar para rodar.
A atuação do OP ficou centrada na condução da solução. “Já rodou? Qual a estimativa?
E a nossa programação?” eram perguntas dirigidas ao OP. Diz o OP: “... eu fiquei
preocupado. Tantas horas que está parado e está abaixo do nível”. E ainda: “eu me
lembro que naquele dia fiquei muito ansioso”.
“Então nessa hora aí eu chamei o pessoal e falei: ó pessoal, nós temos que resolver no
nosso horário hoje... o estoque não agüenta mais. Então nos empenhamos, com três horas
de horário a gente já rodou e ficou tranqüilo”. (OP)
“Mas no caso que acontece quando tá trabalhando junto com o pessoal, a gente faz de tudo
um pouquinho. Nessa hora, não tem um problema de cada um não. Todo mundo tá lá se
precisar. Nessa hora, você não tem um problema seu”. (OP)
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“Quando a gente pede pra olhar um equipamento, é claro que a gente quer que o cara
trabalhe rápido e bem. Por exemplo, não dá para ficar esperando muito tempo uma
regulagem que a gente sabe que é rápida...” (OP)
70
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QUADRO 5
OP: A umidade tá muito alta. Não tem jeito de rodar assim. Tem que aumentar a
escória.
OC: Tem não. Choveu, mas não tem tanta água... Eu tô de olho... Quando tiver de
mudar eu te falo.
OP: Tá bom. Eu não altero, mas qualquer mudança aqui eu chamo, eu te informo.
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“surgem conflitos de comunicação, quer porque podem surgir dúvidas quanto à maneira de
interpretar a realidade (de interpretar as causas de uma pane, de interpretar a insatisfação de um cliente,
de fazer o diagnóstico de um doente, de conhecer as expectativas de alunos, etc.), quer porque as normas
de ação divergem (tal indivíduo privilegia a qualidade do serviço e outro o fluxo dos pedidos), quer
porque as intenções e os projetos pessoais dos envolvidos nas atividades são muito diferentes”.
(ZARIFIAN, 2001 p.47)
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Começamos por concordar com Zarifian (2001), pois para nós o trabalho dos
operadores é essencialmente comunicar-se. Toda a sua atividade gira em torno dos
contatos com outros operadores, com gerentes, com assessores de produção e,
eventualmente, com outras áreas como a administração da fábrica. Diz um operador:
“A gente aqui pergunta e responde coisas o tempo todo. Tem sempre que confirmar alguma
coisa, informar algo, discutir com alguém, pedir para olhar um problema. [...] Ou a gente
fala com alguém ou deixa escrito. [...] A gente comunica o tempo todo. Tem hora que tem
que atender o telefone, o rádio e ainda falar com outro na sala, ao mesmo tempo” (OP).
“A gente já se acostumou com isso. Faz parte do dia-a-dia. De vez em quando alguém fica
bravo, quebra o pau, porque a gente demora a atender. Mas a gente resolve e fica ok”.(OP)
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74
“pelo qual dois ou mais sujeitos se põem de acordo sobre questões relacionadas com a
verdade, a justiça e autenticidade. Tanto no diálogo cotidiano como no discurso, todas as
verdades anteriormente consideradas válidas e inabaláveis podem ser questionadas; todas as
normas e valores vigentes têm de ser justificados; todas as relações sociais são consideradas
resultado de uma organização na qual se busca o consenso e se respeita a reciprocidade,
fundados no melhor argumento” (grifos do autor da dissertação).
10
“o nome <<Escola de Frankfurt>> refere-se simultaneamente a um grupo de intelectuais e uma
teoria social. Em verdade, esse termo surgiu posteriormente aos trabalhos de Horkheimer, Adorno,
Marcuse, Benjamin e Habermas, sugerindo uma unidade geográfica que já então, no período do pós-
guerra, não existia mais, referindo-se inclusive a uma produção desenvolvida, em sua maior parte, fora de
Frankfurt.
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A comunicação entre operadores muitas vezes não está isenta de conflitos, como
também a comunicação entre outras categorias de trabalhadores. Não falamos aqui do
uso de poder, da coerção pela força da hierarquia, do conhecimento ou do nível social,
mas de uma comunicação autêntica entre operadores, que pode, no entanto, sofrer a
influência de fatos inerentes ao trabalho, tornando um dos dois sujeitos mais suscetível
ao convencimento. Uma comunicação num mesmo nível de conhecimento e interesse,
mas que, entretanto, pode tornar-se momentaneamente instável. Circunstâncias ligadas
às características do problema, tais como a necessidade de urgência, face a um evento,
podem tornar uma comunicação conflituosa (ZARIFIAN, 2001). Devemos considerar
também que eventuais variações de demanda do produto, no mercado, por influência de
mudanças na economia, podem refletir, em última instância, no trabalho dos operadores,
tornando a comunicação orientada em todos os seus aspectos para atendimento de
demandas externas à realidade da operação. Sobre essa influência, é interessante ouvir-
se um OP:
“teve um dia desses que a programação teve que mudar. A gente desacelerou a produção
porque teve uma ordem da gerência. A gente teve que fazer reuniões entre a gente (OP’s e
OC’s) para acertar as coisas. [...] Mudar as prioridades foi difícil, mas tinha hora que a
gente virava pro outro e falava assim: - Olha aqui ô cara. Tem que mudar. Ficar
perguntando demais porquê só vai atrasar as reprogramações. Tem que fazer, e tem que
começar já...” (OP)
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Dejours (1997 p.72) considera que, no trabalho, é na interseção dos três mundos
de Habermas que a comunicação se expressa, afirmando que
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“não tem outro pra fazer não, pois o quadro (de pessoal) é muito pequeno” (OP).
11
Um exemplo marcante disso é a chamada greve do zelo (reconhecida popularmente como
operação tartaruga, operação padrão, dentre outras).
78
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operadores nos declararam que o Relatório de Produção deve ser preenchido sempre que
houver uma alteração substantiva na produção, contudo, como as alterações ocorrem às
vezes com muita freqüência, convencionou-se preencher o relatório ao fim do
expediente. Ou ainda, como sublinha Coulon (1995 p.187),
“Cada vez que a gente recebe um chamado do painel, a gente pensa em tudo assim
rapidamente, desde o que eu to fazendo, pra que, e o que que o colega quer”... (OC).
pelo equipamento, por exemplo, quando já foi operador de forno e tem um problema no
forno, fica mais fácil de ser atendido”. No entanto, devemos considerar que o reverso
também pode ser verdadeiro, ou seja, porque o OC já foi operador de forno, ele pode
considerar uma solicitação como adiável ou desnecessária.
A dimensão cognitiva
12
É interessante, para um melhor entendimento da importância do estudo do trabalho humano
nas organizações, observar o debate entre Lima, Jackson e Salerno (2000), sobre a metodologia da
Análise Organizacional e a AET – Análise Ergonômica do Trabalho.
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“A gente às vezes ainda não sabe bem sobre um equipamento, ou sobre um problema
específico, como no meu caso, sobre um problema elétrico (esse OC originalmente
trabalhava solucionando problemas mecânicos), e, então, a gente tenta primeiro saber se
tem outra pessoa para aquele trabalho”... (OC)
Salerno (1999 p.73) reconhece na dimensão cognitiva que é necessário que cada
pessoa envolvida na resolução de um problema “reconheça nos outros a posse de um
saber fazer importante e necessário para a atuação naquela determinada situação, saber
este que ela mesma não domina”. Reconhece também que não basta existir um grupo de
trabalho, com especialidades diferentes, para que uma atuação seja eficaz. É necessário
que o saber e a competência sejam legitimados, “o que envolve iniciativa frente aos
eventos e responsabilização pela ação” (SALERNO, 1999, p.73).
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cliente não seja prejudicada. Este fato é crucial, pois, se o OP não tem a informação
oficial, ele tem de criar formas de representação do tipo
“quanto havia de estoque? Na última vez que eu ouvi falar do estoque, qual era mesmo a
situação? A gente tava bem ou tava mal”? (OP).
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“seria mais fácil pra gente se pudesse resolver o problema sem ficar passando, né? Porque tem
coisa que tudo bem, tem coisa que você resolve, mas tem coisa que tem que convencer,
convencer que realmente tá com algum problema. [...] tem que convencer a pessoa do lado (o
outro) [...] se dessem prioridade pra mim eu ia lá resolver o problema, eu ficava mais tranqüilo,
entendeu?” (OP).
“tem hora que é engraçado. Você bate o pé: tá errado, tá errado. É necessário ter
argumentos para mostrar para as pessoas que tá errado”. (OP)
Ou ainda:
“ a gente tem que pedir. Dá vontade, às vezes, de mandar fazer, mas a gente não pode.
Todos os operadores (OPs e OCs) estão num mesmo nível. A gente não é gerente. Aí tem
que pedir, né”? (OP)
Existem situações no trabalho dos operadores em que será preciso priorizar uma
ação em detrimento de outra. Em uma área de produção em que é comum lidar com a
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“Não tem como você traçar diversas prioridades, elas vão acontecendo à medida do trabalho. Ela
acontece, é claro, a prioridade é clara em relação às coisas que tem que fazer”. (OP)
4. chegar mais cedo ao posto de trabalho e sair mais tarde em função da reunião
de troca de turno.
“A gente tem que desdobrar para atender. Às vezes, se eu não estou perto quando o OP
chama, eu procuro um companheiro para fazer isso. É muito comum agora que o quadro é
pequeno, a gente comunicar com outro quando sabe que tem que olhar uma coisa e tá
longe. Dessa forma, a gente ganha tempo e atende sem ter que sair correndo. Mas, às vezes,
tem que ir, né. Depende do pedido...” (OC)
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equipamentos que podem dar eventuais problemas ou que estão próximos de uma
manutenção preventiva. Um OC comenta que “ a gente tá na fábrica todo dia. Conversa
com todo mundo. Vê a fábrica toda. Escuta os barulhos diferentes. Então se eu não
souber mais ou menos do problema, esses mais de dez anos não adiantaram nada”... ; 2.
à forma como o OP solicita a intervenção – o OC declara que a forma do pedido (a
tonalidade de voz, a ênfase e a repetição) pode levá-lo a agilizar ou não um
atendimento. O deslocamento do OC vai depender se ele está convencido da
necessidade de executar o trabalho naquela hora.
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QUADRO 6
OC: Ô A! Ô A!
OP: Fala.
OC: Olha aí a correia do (?). Tô achando que tá vazando muito. Mais cedo eu vi muito
material no chão, no pé. Pode tá correndo menos material.
OC: Ô cara peraí. Eu não sou mágico. Cê conhece o tamanho da fábrica? Tô sem
bicicleta e carregando um malão. Pode deixar que não pára não... Aqui embaixo tá uma
lua danada. [O OC se refere ao clima quente.]
“Eu não sei como está a fábrica lá fora (o depoimento foi dado na sala de controle). Quando
eu peço alguma coisa, eu, às vezes, fico ansioso porque eu não sei como o cara tá, se tá a
pé, de bicicleta, se tem obra no caminho, caminhão descarregando. Às vezes, eu nem sei
como é que tá o tempo. Se tem chuva, por exemplo, o cara demora mais” (OC)
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Por isso, muitas vezes, o OC evita deslocar-se e solicita a um colega que atenda
ao OP, pois o local em que ele está é distante do demandado, ou a situação da
manutenção não permite interrupção. Dessa forma, o deslocamento físico para o OC
pesa na decisão (ele tem ainda que carregar as ferramentas). Entre deixar um
equipamento desmontado e atender ao OP, às vezes, a solução é solicitar a um
companheiro que faça o atendimento. Diz um OC: “ às vezes tem um entupimento, você
tá preocupado com aquele caso do entupimento. Como é que você vai ver outra coisa lá,
se você já sabe que vai ter que mexer naquele entupimento naquela hora?”
5.2.2 – A argumentação
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QUADRO 7
OC: Painel?!...
OP: Oi!
OP: Peraí. Preciso que você confira a caixa de escória lá em cima prá
mim. Tô achando este número aqui muito estranho...
OC:?
OC: Tá. Tô voltando. Cê fala, avisa ao (?) prá mim que eu daqui a 15
minutos tô no 5.
OC: Ok!
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“Não adianta fazer só farinha e não fazer cimento. Tem que fazer tudo. Tem que fazer
farinha, fazer cimento, mandar o cimento para a ensacadeira. Você tem que agradar todo
mundo que tá ali. Todo mundo. [...] Agradar, deixar tudo certo. Rodar na hora certa,
produzir legal, não atrasar na hora do pique, não atrasar os equipamentos. Você tem que
satisfazer...” (OP)
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relatório”, o colocam sob a condição de ter que conviver com dois atendimentos a um só
tempo.
Portanto, em um diálogo, o argumento tem uma função primordial. Ele deve ser
para o ouvinte um motivo contundente para a tomada de decisão. Isso envolve
reconhecer que o outro é digno de credibilidade, que seu argumento representa uma
verdade contextualizada na realidade do trabalho dos operadores. Diz-nos um OP:
“Não adianta ficar levantando questões se não tiver argumentos. Tem que ter argumento
também. Isso tá ruim por causa disso, disso, e disso. Aí o rapaz (o OC) vai lá olhar”. (OP)
QUADRO 8
Argumentação do OP
OC: Oi!
OP: O gesso. O gesso não tá alimentando. Por isso que a balança tá parada. Tá aqui ó!
[referindo-se a um indicador na tela, com uma tonalidade de voz acima do normal] Tá
sem gesso! A balança só pode estar parada.
OP: Tudo.
OC: É. Aí então você tem razão. Agüenta cinco minutos que eu tô lá.
OP: Falou!
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QUADRO 9
OC: “Muitas vezes, a gente muda da seqüência do trabalho pra atender um chamado
do painel...
E: Por quê?
E: Importância?...
E: Como assim?!...
E: Aí muda a prioridade?
OC: Aí sim. A nossa prioridade é o nosso trabalho bem feito, a fábrica rodando...”
91
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QUADRO 10
OP: Quem?
OP: Dá uma olhada para nós na situação de escória do silo. Não tá saindo material
lá não. Não tá abrindo a válvula...
OP: Precisa ser agora. A escória tá muito baixa. Eu falei: a escória! Es-có-ria! [O
OP aumenta o tom de voz e diz de forma pausada a palavra escória salientando sua
importância.]
OP: É.
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QUADRO 11
OC: Não.
OP: Tô com um problema aqui. É na correia e eu preciso dele. Alô S.? Tem que
resolver agora.
OC: Oi!
OP: Onde você está? Tem uma urgência aqui. A correia tá parada, não tá
alimentando. Ouviu? Parou mesmo. Não alimenta. Vai lá pra mim correndo.
“Quando eu falo para outro operador, eu tenho que saber bem sobre o que estou falando. Eu
não posso ficar experimentando. Hoje o ritmo (do trabalho na fábrica) é muito violento. Eu
tenho que estar muito entendido”. (OP)
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“tem hora que eu (o OP) digo que é uma coisa e ele (o OC) diz que é outra” (OP)
QUADRO 12
(continua)
(...)
OC: Pode não, a correia tá ruim demais. Toda hora fica desalinhando.
OC: Roda aí pra ver.[O OC não tem certeza sobre a causa do desalinhamento, por isso
solicita ao OP que acione a correia. Sua intenção é verificar uma possível causa.]
OP: Oi?
OP: Não pode não. Tá dando alarme aqui. [Neste momento o OP é alertado por um
alarme – uma luz de cor amarela pisca no vídeo – chamando sua atenção]
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(conclusão)
(...)
OC:Ô M.!
OP: Oi.
OC: Ok.
Cada um dos operadores sustenta seu ponto de vista pela informação de que
dispõe. O S.E é a base de decisão do OP. Além do S.E., a desconfiança do OP também
se pauta no histórico do equipamento: Já deu problema antes. As constantes
solicitações feitas ao OC para verificar as reais condições de um equipamento buscam
dirimir tais dúvidas.
“O acordo não pode ser imposto à outra parte, não pode ser extorquido ao adversário por
meio de manipulações.[...] O ato de fala de um só terá êxito se o outro aceitar a oferta nele
contida”.(HABERMAS, 1989 p.93)
97
98
QUADRO 13
(continua)
(...) OP: Parece que o problema é mecânico. Tem jeito de ser... [comentário com o
entrevistador]
OP: Não, tá mantendo. Deve tá fechado aí. Não tá saindo escória não. (...)
OP: Tá Ok!
OC: ?
98
99
(continua)
OP: Oi.
OC: ? (...)
[(2) O retorno aos índices estipulados – a leitura agora vai até 15 – confirma que a
válvula está aberta. O diálogo mantido entre os operadores poderá aumentar a confiança nas
informações do S.E.]
(...)
OP: Ô A .
OC: ?
OP: Cortei.
OC: ?
OC: ?
(...)
OC: OK!
99
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(continua)
(...)
OP: Ô A .?
OC: Oi.
(...)
OP: Ô L.
OC: Oi.
OC: Oi?!
OP: Tá.
100
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(conclusão)
OC: Tá.
OC: Tá.
OP: Ela não tá aceitando passar pro automático. Cê passa e ela tá voltando pro
manual.
OP: Parece que agora ficou. Vão ver se ela vai abrir.
OC: Falou! Parece que o problema é o pistom que tá travando?! Tem mecânico no
seu horário?!...
101
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“A gente vai verificando e vendo o que não pode ser. Nesse caso, a gente tem que ver
tensão, sobrecarga”...(OC)
Vimos que os operadores lidam com condições, em que, para atender a uma
solicitação de intervenção, necessitam negociar, argumentar, convencer. E que o
convencimento é um trabalho árduo para o operador, pois as condições que envolvem a
execução de sua atividade, muitas vezes, não são de seu domínio. No entanto, desde o
início de nosso trabalho, ressaltamos que os gerentes querem um operador autônomo,
com iniciativa, que resolva os problemas sem o auxílio direto da gerência, enfim, que
comande a sua área. Diante do quadro que encontramos na empresa, seria possível que o
operador exercesse esse papel de superior hierárquico? Os operadores conseguiriam ser
autônomos como os gerentes desejam? A atuação dos operadores poderia corresponder
ao que a empresa quer? É o que discutiremos em seguida.
102
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“Olha, eles têm que ter autonomia (os operadores), pois se a empresa custa hoje 250 milhões, eles estão
com 250 milhões nas mãos deles.[...] Agora a forma que a gente tá trabalhando não tá ajudando. [...]
Damos equipamento de grande tecnologia, mas condições para que eles operem nós não estamos dando
nada”.(Gerente)
103
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matéria-prima, como verificado por nós, em contato com outros operários, era uma
tarefa que o supervisor havia assumido para si.
104
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“ se, por exemplo, como no caso da válvula (exemplo acima), eu tenho que tirar um OC de
um lugar para o outro. Assim, vamos que ele esteja trocando uma peça, ele não vai até
terminar o trabalho. E atrasa uma manutenção. Pra ele ir até lá, a gente vai ter que negociar
com outro na fábrica um atraso no trabalho. E se ele não pode ir, às vezes, eu não tenho
outro. Já pensou ter que arranjar alguém de última hora, se até pra acompanhar a rotina o
grupo já é pequeno? Isso atrasa relatório, até reunião de turno. Eu sei porque já passei por
isso e tive que ficar no turno seguinte, mais de uma hora, do lado do outro operador, até
organizar mais ou menos as coisas” (OP)
“ aconteceu uma mudança de TAG, ou seja, nome de uma coisa que era chamada de, por
exemplo, K0912 passou a chamar W3A13. Quer dizer então que houve toda uma mudança
de codificação. Então esse aí é que está sendo o nosso maior problema: você está
acostumado a chamar Maria, Maria, Maria e aí de repente, Rita, aí complica, né!” (OP)
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QUADRO 14
. De onde? Do filtro?
. [desliga o telefone]
. [toca novamente]
Todos esses exemplos servem para demonstrar que a atividade do operador está
vinculada a condições concretas que ditam o ritmo de seu trabalho e determinam a
qualidade final do processo. O trabalho autônomo dos operadores esbarra em restrições
que o obrigam a estar constantemente negociando com o grupo, a fim de manter
equilibrado o ritmo da produção. Os gerentes, ao exigirem iniciativa, independência e
106
107
comando por parte dos operadores estariam considerando as suas reais condições de
trabalho? É possível o grau de autonomia desejado, diante dessas condições?
“Hoje, por exemplo, se passar lá (sábado pela manhã na fábrica), o OP tá parado, esperando
acontecer alguma coisa. Ele deveria ter a iniciativa de aprender alguma coisa, aproveitar o
tempo” (gerente).
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2. limitações no S.E.: o S.E. não consegue dar todas as respostas de que a operação
precisa. A necessidade de intervenção do OP é maior do que a que é reconhecida
pelo gerente ao afirmar que: “O S.E. é como se fosse um piloto automático”. A
variabilidade da produção não está representada apenas pelas necessidades de
ajustes nos parâmetros do sistema. Situações como alterações da matéria-prima
por condições climáticas e suas conseqüências para o processo de produção são
exemplos de limitações do S.E., obrigando o OP a antecipar-se ao sistema,
aumentando ou diminuindo a faixa de segurança para alguns parâmetros.
Portanto, o OP não pode entregar a produção nas mãos do sistema como pretende
o gerente.
108
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4. trata-se essencialmente de uma atividade coletiva: essa realidade não pode ser
ignorada. Como vimos, o OP é o responsável pela articulação de um grupo de
trabalhadores com diferentes perfis, mas que devem manter a produção dentro de
parâmetros técnicos aceitáveis. Este trabalho de coordenação que exige, muitas
vezes, realocar pessoas, alterar prioridade, é bastante complexo diante da
ocorrência de um evento e com a limitação do quadro funcional à disposição da
operação da produção. Como então o OP exerce seu papel? Encontramos em
nossa pesquisa uma resposta: o OP negocia, argumenta e convence. O exercício
do convencimento é para o OP um trabalho, ao que chamamos de Trabalho de
Convencimento. Portanto, a decisão do OP para uma intervenção é uma decisão
coletiva, em que antes que ela ocorra, conhecimentos e vivências são colocados
em evidência, conforme mostramos em nosso trabalho. Assim, a autonomia para
atuação em qualquer problema, por parte do operador, é o resultado da
negociação em uma situação específica, com todos os seus determinantes.
109
110
Ainda falta espaço para que as competências reais (e com ela as personalidades autênticas)
possam se desenvolver na IPC, ainda que, neste tipo de sistema produtivo, as condições
objetivas exijam um novo trabalhador.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão colocada como demanda para este trabalho é entender se o projeto dos
gerentes de um operador completamente autônomo em suas decisões pode se
concretizar, diante das condições no exercício da atividade de operação.
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pois têm a fábrica toda em suas mãos. Para os operadores, tal autonomia é restrita e
condicionada às possibilidades do exercício da atividade, que determinam sua atuação.
1. o OP exerce sua atividade restrito a um espaço (sala de operação) que não permite
contato visual com o campo. Essa situação obriga o operador a utilizar-se do OC,
sempre que sua representação do processo produtivo indicar alguma possibilidade
de um problema, a partir de seu conhecimento e das informações do S.E..
Apresenta-se nesse momento uma necessidade premente de negociação e
convencimento do outro.
“Eu não tenho, por exemplo acesso à posição de estoque. Como é que eu vou saber se a
produção pode ficar parada?” (OP)
Em quarto lugar, cabe ressaltar que a empresa prima pela padronização. Todas
as prescrições, em todas as áreas, estão atualizadas. A hierarquia incentiva e cobra a
utilização dos manuais. No entanto, sua utilização é relativizada. A um tempo, utilizá-la
significa obedecer à prescrição, ao comando hierárquico, defendendo-se de uma
possível sanção, a outro, não utilizar significa valorização do saber próprio do
trabalhador e a confirmação da diferença da linguagem de quem concebe (os
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engenheiros) e quem executa (os operadores): “os manuais são muito chatos” no dizer
de um OP.
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projetos e suas intenções (o treinamento em técnico de cimento foi adiado sine die até
que se termine a implantação do SAP, por exemplo).
Por fim, há de se considerar que este trabalho, ao buscar ir além do que existe na
formalização das análises organizacionais e caminhar um pouco mais no estudo da
subjetividade nas relações de trabalho, procurou apresentar exatamente o que se
reproduz no ambiente de trabalho dos operadores. Se não alcançamos tal intento, foi
porque a nossa formação em ergonomia ainda é uma opção recente de análise do
trabalho nas organizações e estamos aprendendo a lidar com seus mistérios. Por isso
talvez o nosso trabalho, em alguns aspectos, diga mais de organização do trabalho, já
que é matéria de maior domínio de investigações que envolvem também organizações e
pessoas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas,
2001.
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