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PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL

Gustavo Teixeira de Faria Pereira


Limites éticos na
produção audiovisual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever o papel social da grande reportagem telejornalística.


 Avaliar o uso da câmera escondida e do off na reportagem investigativa.
 Identificar a legislação e os limites da produção audiovisual.

Introdução
Frente às demais formas de produção de conteúdos, a produção audio-
visual apresenta um claro protagonismo, já que é capaz de proporcionar
aos mais diversos públicos uma experiência eminentemente completa e
acessível. O potencial de encantamento inerente à junção do áudio com
a imagem em movimento traz consigo também uma maior responsabi-
lidade do ponto de vista ético, já que seu potencial também é maior em
termos de exposição indesejada de pessoas e instituições.
Neste capítulo, você estudará aspectos éticos e seus limites na pro-
dução audiovisual, examinando o uso de subterfúgios jornalísticos para
a obtenção de informações e os marcos legais aplicados no Brasil.

1 O papel social da grande reportagem


telejornalística
A produção audiovisual ocupa um papel central no Brasil, já que, por se
basear na oralidade, permite amplo acesso em um país que contém uma ele-
vada taxa de analfabetismo (6,8%) e analfabetismo funcional (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018). Nesse cenário, a
produção audiovisual possibilita uma experiência do público em várias esferas,
que vão do entretenimento, como filmes e telenovelas, até a informação, como
telejornalismo e documentários.
2 Limites éticos na produção audiovisual

Com isso, estabelece-se alguns limites éticos nessa produção audiovisual.


Se por um lado a união dos elementos de áudio e vídeo representam uma
inovação em relação aos outros meios de comunicação e possibilitam uma
experiência sensorial mais completa, por outro há uma maior exposição de
pessoas, fontes, lugares, instituições e outros tantos fatores que estão im-
plicados em uma produção audiovisual, seja ela fictícia ou não fictícia, de
entretenimento ou informativa.
Devido a essa maior complexidade do audiovisual, os limites éticos são
ainda mais prementes, e é necessário que as produções de caráter audiovisual
tomem alguns cuidados extras em relação aos demais meios de comunicação,
para assim resguardar tanto os profissionais quanto as outras partes envol-
vidas nesses conteúdos. Em uma tentativa de estabelecer alguns limites para
a produção e preservação audiovisual no Brasil, a Associação Brasileira de
Preservação Audiovisual (ABPA) estabelece em seu Código de Ética (AS-
SOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESERVAÇÃO AUDIOVISUAL, 2016)
alguns objetivos, como:

 respeito ao valor das imagens, sons e materiais documentais a partir


de sua significação cultural, histórica e artística;
 busca por documentação e menor intervenção possível durante todo o
processo produtivo;
 ampliação da difusão e acesso aos conteúdos;
 compromissos profissionais para com os conteúdos produzidos.

Além disso, existem outros limites éticos que envolvem regras específicas
para cada área de atuação, devido a demandas específicas dos diferentes
campos da produção audiovisual brasileira. Entretanto, neste capítulo, va-
mos nos concentrar em alguns objetivos da produção audiovisual de caráter
jornalístico, com destaque para o papel social das grandes reportagens no
telejornalismo, que demandam uma produção e linguagem específicas, o
uso da câmera escondida e do off na reportagem investigativa e a legislação
e os limites éticos da produção audiovisual no Brasil, nesse caso, não nos
restringindo ao jornalismo.
A reportagem pode ser definida como um gênero textual jornalístico de
caráter predominantemente informativo e que possui uma maior liberdade
em relação à estrutura de produção que outros gêneros como a notícia, a nota
e a entrevista (MELO; ASSIS, 2016). Nessa modalidade, o jornalista dispõe
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de um tempo maior para apuração e produção e não se encontra vinculado


diretamente à cobertura de fatos ou acontecimentos cotidianos, e sim à con-
textualização de assuntos, sejam eles factuais ou não.
Nesse sentido, a grande reportagem é a modalidade jornalística que
possui maior papel social, já que, diferentemente da notícia, que busca
narrar os fatos da vida cotidiana de forma clara e objetiva, na reportagem
o repórter vai além dos fatos, empreendendo uma apuração mais ampla
e profunda que buscar contextualizar o tema e entender suas causas e
desdobramentos. Além disso, a reportagem possui uma maior liberdade de
estrutura e de formatos, não se limitando a uma abordagem exclusivamente
informativa. Assim, pode ter caráter expositivo, apresentando os fatos de
forma imparcial e objetiva, opinativo, apresentando os fatos juntamente
com o ponto de vista do jornalista, ou interpretativo, analisando os fatos
em conjunto com outros elementos e sugerindo uma conclusão ou moral
da história sobre o tema trabalhado.

Embora a reportagem não prescinda da atualidade, esta não terá o mesmo


caráter imediato que determina a notícia, na medida em que a função do texto
é diversa: a reportagem oferece detalhamento e contextualização àquilo que
já foi anunciado, mesmo que seu teor seja predominantemente informativo
(SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 18).

Cremilda Medina (1988, p. 72) aponta quatro características fundamentais


em uma grande reportagem ou reportagem em profundidade:

 ampliação das informações imediatas (notícia);


 o rumo da humanização, que seria a busca por individualização de um
fato social por meio de uma narrativa e personificação de um perfil
representativo, ou seja, uma ou mais pessoas que representem o con-
teúdo abordado;
 ampliação do fato imediato no seu contexto;
 o rumo da reconstituição histórica do fato.

Já Lobato (2016) destaca que a grande reportagem possui em sua essência


uma busca por contextualização e historicização, reforço da narratividade,
trabalho testemunhal, singularização do fato por meio de personagens e his-
tórias de vida e uso de técnicos e índices de ficcionalização.
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Ao trabalhar com o jornalismo televisivo, Coutinho (2012) propõe o conceito


de dramaturgia do telejornalismo, já que a todo momento há uma busca
por criar histórias com começo, meio e fim, além de moral da história e uso
de personagens, de modo a aproximar essas “histórias da vida real” dos cida-
dãos. Nesse sentido, a reportagem se destaca por ser um gênero jornalístico
em que essas histórias ganham mais tempo, personagens, contextualização
e recuperação dos fatos que antecedem a temática abordada, por possibilitar
maior intensidade na geração de sentimentos de pertencimento, identidade
e representação.

Na reportagem, a contextualização permite abordar melhor as questões con-


flituais. A recuperação da memória em torno dos antecedentes do fato, as
correlações e entrevistas para subsidiar o telespectador são outros procedimen-
tos que permitem fugir ao lugar comum, tecendo os nexos do acontecimento
(DEGL’IESPOSTI, 2009, p. 107).

A partir dessa aproximação com o cidadão por meio da narrativa de histórias


da vida real, a reportagem busca a produção de conteúdos de interesse público,
já que essa contextualização dos fatos permite uma melhor compreensão por
parte dos telespectadores.
Essa preocupação com o papel social da grande reportagem telejornalística
se dá pela própria construção desses conteúdos, que envolvem uma maior
aproximação e conhecimento de causa por parte do repórter em relação ao
cidadão. Assim, há mais oportunidade de dar voz aos personagens para que
eles apresentem suas realidades de forma humanizada e aprofundada, já que o
jornalista tem mais tempo para apuração e checagem dos fatos, permitindo que
apresente informações de interesse público que normalmente não costumam
ter grande repercussão na mídia, por não estarem ligadas a acontecimentos
cotidianos.
Ou seja, um dos principais papéis sociais da grande reportagem é abordar
temas que outros gêneros jornalísticos não costumam dar conta, por estarem
vinculados ao jornalismo hard news, que é aquele veiculado diariamente,
envolvendo temas como fome, saneamento básico, pessoas em situação de
rua, leis, meio-ambiente, etc.
Além disso, a questão da humanização se faz essencial na grande reporta-
gem como forma de representar personagens e suas demandas, demonstrando
um papel social muito importante na criação de um sentimento de identificação,
representatividade e aproximação da realidade desses personagens da vida real
com outros tantos cidadãos que convivem com as mesmas questões. Desse
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modo, essa modalidade jornalística dá cara ao sofrimento, à superação, à


dificuldade e a outras tantas temáticas presentes nesses conteúdos que buscam
ir além do que é comumente abordado pelo telejornalismo cotidiano.

Como forma de sintetizar o que seria uma grande reportagem, suas principais carac-
terísticas são:
 predominância da narração — contação de histórias da vida real com início, meio,
fim e moral da história (COUTINHO, 2012);
 humanização dos fatos abordados —possibilita narrativas baseadas em persona-
gens e suas realidades como forma de gerar identificação com os telespectadores/
usuários que consomem esses conteúdos;
 contextualização — demanda um processo de checagem e apuração não apenas
da temática a ser trabalhada, mas também de seus antecedentes e implicações
para a construção da matéria;
 liberdade — é possível ter novos formatos e modos de se abordar um conteúdo,
principalmente por ser um gênero que permite mais tempo de apuração e de
produção.

2 Uso da câmera escondida e do off


na reportagem investigativa
A reportagem investigativa pode ser definida como uma modalidade jornalística
especial que exige uma pesquisa aprofundada, apuração e checagem muito bem
embasadas, além do uso de recursos específicos, já que, em geral, busca-se des-
cobrir um fato que até então está encoberto, quer por interesses escusos ou não.
Ao buscar definir o que seria jornalismo investigativo, Sequeira (2005)
aponta para a tradução literal do termo investigative journalism, utilizado por
jornalistas nos Estados Unidos. Entretanto, o autor afirma que no Brasil o
termo não costuma ser utilizado entre os jornalistas. “Nas redações brasileiras,
pelo menos no eixo Rio–São Paulo, esse tipo de jornalismo recebia o nome de
‘reportagem especial’, e nas conversas informais, entre jornalistas, ‘grande
reportagem’” (SEQUEIRA, 2005, p. 63).
No caso do Brasil, o jornalismo investigativo está diretamente associado a
ações ao estilo detetive, ou seja, de alguém que vai atrás de conteúdos ocultos
e precisa batalhar para conseguir encontrar fatos, juntar vários elementos como
se fossem peças de um quebra-cabeça e desenvolver seus próprios métodos e
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maneiras de descobrir informações que estão escondidas, normalmente ligadas


a crimes de várias naturezas e/ou delitos nas mais variadas esferas da sociedade.
Nessa empreitada do jornalista investigativo para obter informações que de-
mandam pesquisas e esforços para serem encontradas, dois recursos costumam
ser bastante empregados: o uso do off e de câmeras escondidas — afinal de contas
audiovisual é, sobretudo, a união de elementos de áudio com imagens em movimento.
O chamado off pode ser definido de duas maneiras: a primeira é como
uma abreviação de “off the record”, que é quando a fonte não quer ser
identificada e dá uma informação privilegiada para o repórter, podendo
essa informação ser divulgada, desde que se mantenha o sigilo de quem a
transmitiu; e a segunda diz respeito ao off em que nem a fonte é revelada
nem a informação completa pode ser transmitida ao público, o que costuma
ocorrer quando a revelação da fonte e/ou da informação de forma integral
pode prejudicar diretamente a pessoa que a passou para o repórter, cabendo
ao jornalista usar esse conteúdo somente como parte de sua investigação e
construção de uma reportagem.
O recurso da informação em off é muito comum no jornalismo investigativo,
pelo fato das pautas normalmente tratarem de assuntos em que as informa-
ções são difíceis de serem apuradas. Com isso, estabelece-se uma relação de
confiança entre o repórter, que recebe esse material de modo a continuar sua
apuração, e a fonte, que passou uma informação valiosa para o jornalista e
em contrapartida não deseja ser identificada.
Sendo assim, a informação normalmente é transmitida ao público de duas
formas diferentes: a primeira delas é a locução do próprio repórter, que passa
a informação obtida por sua fonte e utiliza imagens relacionadas ao assunto,
sejam elas reais ou recriadas, como na reconstituição de um caso ou crime
ocorrido; e a segunda consiste na fala da própria fonte em off, resguardando
sua identidade, seja por meio de representação anônima ou com a criação de
um personagem fictício.
O uso do off é admitido nessas duas situações devido ao elevado valor-no-
tícia que as informações possuem, principalmente no jornalismo investigativo,
em que as informações costumam ser difíceis de serem obtidas. Nesse caso, o
recurso do off funciona muito bem para a construção de narrativas capazes de
contextualizar a resolução das pautas e/ou problemas apresentados ao repórter.
Outro recurso muito utilizado pelo jornalismo investigativo é a câmera
escondida, que se insere principalmente em um contexto de denúncia, com
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destaque para casos de crimes e de corrupção. Segundo Finger (2007), esse


é um aparato tecnológico usado como “muleta” pelo jornalismo como forma
de retratar subversões que ocorrem na sociedade.
Além disso, outra questão que torna a câmera escondida uma alternativa
é a dificuldade dos repórteres obterem informações privilegiadas sem serem
reconhecidos, dada a larga difusão da TV no Brasil, presente em 97,2% dos
lares brasileiros (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTA-
TÍSTICA, 2016).

Dificilmente um repórter que aparece todos os dias no vídeo deixaria de ser


reconhecido como tal. Neste caso, só resta “camuflar-se”, se fazer passar
por outro e esconder a microcâmera para gravar imagens impactantes e que
sempre vão parecer suspeitas (FINGER, 2007, p. 74).

Entretanto, esse uso normalmente é associado a um tom de denúncia de


casos que envolvem imagens de terceiros. A câmera escondida representa um
risco para os jornalistas que recorrem a ela, já que é comum que esses profis-
sionais se passem por outras pessoas, o que pode gerar questões que envolvem
o setor judicial. Nas palavras de Antônio Cláudio Brasil (2002, p. 31): “Câmeras
ocultas matam jornalistas e a ética profissional. Sempre fui contra. Considero
uma prática jornalística polêmica e perigosa, tanto para a segurança dos nossos
colegas quanto para a ética da profissão”.
Além disso, Antônio Brasil (2002) destaca que não há código de conduta
algum sobre a utilização da câmera escondida, o que desprotege o jornalista ao
decidir quando pode ou não utilizá-la. Ao mesmo tempo, sempre há o risco de
que os repórteres acabem fazendo um uso excessivo desse subterfúgio na busca
incessante pelo furo jornalístico e pela obtenção de informações exclusivas. Na
prática, o uso da câmera escondida na maior parte das vezes acaba fornecendo
furos jornalísticos de pequenos delitos, que levam às consequências e não às
causas de problemas maiores, que deveriam ser apurados e checados de modo
a ir além do furo, como aponta Finger (2007).
Seja como for, tanto o off quanto as câmeras escondidas são ferramentas
utilizadas pelo jornalismo brasileiro com o objetivo de obter informações
não conhecidas e de difícil acesso e, portanto, fazem parte do jornalismo
investigativo, ainda que com ressalvas e riscos.
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Um dos casos mais emblemáticos do jornalismo investigativo envolvendo microcâmera


foi o do jornalista Tim Lopes. Experiente repórter investigativo, no ano de 2002 o
jornalista foi avisado por moradores da Vila Cruzeiro, município do Rio de Janeiro, que
uma gangue que controlava o tráfico de drogas na região estaria organizando um
baile funk com promoção de prostituição infantil. Como os moradores da comunidade
não podiam ir até a polícia denunciar o caso, por medo de represálias, comunicaram
o que estava ocorrendo ao jornalista. No dia 2 de junho de 2002, Tim Lopes decidiu
filmar um ponto de venda de drogas em uma das ruas da comunidade utilizando
uma microcâmera escondida.
Porém, o jornalista já tinha produzido um relatório intitulado “Feirão das Drogas”,
que, além de levar várias pessoas à prisão, tornara sua imagem conhecida no cenário
nacional, já que ele e sua equipe tinham vencido o prêmio Esso. Dias depois, os
traficantes da Vila Cruzeiro descobriram que Tim Lopes havia gravado imagens do
tráfico. Em seguida, sequestraram o jornalista e o assassinaram brutalmente. Assim, o
repórter investigativo morreu pelo exercício de sua profissão e a partir da descoberta
do uso de uma microcâmera escondida junto ao seu corpo.

3 A legislação e os limites da produção


audiovisual
A produção audiovisual no Brasil possui uma série de limites éticos e le-
gislativos aos quais esses materiais devem obedecer para a boa prática da
informação e do entretenimento, dois dos pilares da produção audiovisual no
país. Um primeiro limite da produção audiovisual consiste na observância
da Constituição Federal de 1988, que aborda a comunicação de forma ampla,
mas que também enquadra a produção audiovisual em seu capítulo V — “Da
Comunicação Social”.
No artigo 221, que trata da produção e programação das emissoras de rádio
e televisão, são apontados os seguintes princípios:

I — preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;


II — promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção inde-
pendente que objetive sua divulgação;
III — regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
IV — respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (BRASIL,
1988).
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Apesar da Constituição Federal não se estender sobre a legislação da


comunicação, ela destaca o compromisso com o público e com a produção de
conteúdos que promovam a cidadania. Sobre essa preocupação para com os
limites legislativos da produção audiovisual, no ano de 1993 empresários da
radiodifusão brasileira em conjunto com a Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão (Abert) criaram um Código de Ética da Radiodifusão
Brasileira, que tinha como objetivo justamente estabelecer regras para a
produção audiovisual. Já no seu capítulo I, artigo 1º, é apontado que essa
produção: “Destina-se à radiodifusão, ao entretenimento e à informação do
público em geral, assim como à prestação de serviços culturais e educacionais”,
demarcando um primeiro limite da produção audiovisual, que é o compromisso
com o cidadão.
Além disso, ao tratar dos programas com teor noticioso, o código esta-
belece algumas diretrizes em seu artigo 19, que diz respeito à relação entre
a transmissão de conteúdos, busca por fontes que sejam fidedignas em suas
informações e relação com o público:

1) As emissoras manterão em sigilo, quando julgarem conveniente e for


pedido por lei, a fonte de suas notícias. 2) Toda ilustração que acompanhar
uma notícia e que não lhe seja contemporânea trará a indicação desta cir-
cunstância. 3) As emissoras deverão exercer o seu próprio critério para não
apresentar imagens que, ainda que reais, possam traumatizar a sensibilidade
do público do horário. 4) As notícias que puderem causar pânico serão
dadas de maneira a evitá-lo (CÓDIGO DE ÉTICA DA RADIODIFUSÃO
BRASILEIRA, 1993, p. 4).

Já em relação ao cinema, parte importante da produção audiovisual bra-


sileira, seu principal marco legislativo consiste no ano de 1993, em que foi
instituída a Lei do Audiovisual, oficialmente Lei Federal nº. 8.685/1993, que
visava o investimento na produção de obras audiovisuais, com destaque para as
de caráter cinematográfico e de infraestrutura de produção e exibição. Em 2001,
essa lei foi estendida por mais 20 anos, passando a valer até 2021. Juntamente
com ela, criou-se a Agência Nacional do Cinema (Ancine), com o objetivo de
fomentar, regular e fiscalizar a produção cinematográfica e videofonográfica
do país. Já em 2011, entrou em vigor a Lei Federal nº. 12.845/2011, apelidada
de Lei da TV Paga, que tinha como principal objetivo aumentar ainda mais a
produção e a circulação da produção audiovisual brasileira, gerando empregos
e fortalecimento da cultura nacional.
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Entretanto, nenhuma dessas leis trazem princípios éticos para a produção


audiovisual, que conta com um elevado volume de produções no cinema, na
TV e atualmente na Internet. Por isso, é preciso delimitarmos também alguns
limites éticos para essa produção audiovisual. Christofoletti (2008) afirma que
os limites éticos iniciais para a produção audiovisual estão balizados nos valores
morais da sociedade, como bondade, justiça, liberdade, igualdade, respeito à
vida, etc. Entretanto, devemos separar as dimensões éticas individual e social,
sendo a individual ligada aos seus valores apreendidos desde o nascimento,
enquanto a social encontra-se atrelada aos valores e regras estabelecidos por
uma sociedade.
Ao trabalhar com os limites éticos do jornalismo, mas que valem para
toda a produção audiovisual, Christofoletti (2008) destaca como um primeiro
aspecto a igualdade e a busca por não discriminar, prejudicar ou constranger
qualquer pessoa, tendo em vista que erros jornalísticos podem causar sofri-
mento, danos materiais e psicológicos e até mortes. Nesse sentido, podemos
apontar como um segundo limite para a produção audiovisual o respeito ao
espaço alheio e o limite entre o jornalismo e a justiça, que se evidencia de
forma mais latente no jornalismo investigativo e em filmes e documentários de
tom denuncista. Nesse âmbito, destaca-se o uso da câmera escondida, em que
se busca denunciar um crime ou delito por meio de imagens não autorizadas
pelas partes envolvidas. Da mesma forma, cria-se uma indisposição com a
justiça, por fornecer provas e explorá-las em rede, em vez de entregar esse
material para que o judiciário trate do caso.
Portanto, deve-se ter o cuidado de apurar os fatos e de chegar à verdade
acima de tudo. No entanto, o jornalista deve ter em mente que não é seu papel
cuidar da parte judicial, atendo-se a fiscalizar a tudo e a todos, incluindo os
três poderes, já que o jornalismo se coloca como o Quarto Poder, em que lhe
caberia ser os olhos e ouvidos da população e assim fiscalizar o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário (PEREIRA; COUTINHO, 2019).
A partir disso, outras fronteiras e barreiras para o jornalismo consistem
nas próprias rotinas produtivas e nas formas de se produzir os conteúdos
audiovisuais estabelecidos nos processos de apuração, checagem e pro-
dução de matérias, desde que não desrespeitem a Declaração Universal
dos Direitos Humanos e que tenham como objetivo a informação de in-
teresse público, bem como o respeito aos códigos e manuais dos próprios
veículos de comunicação. Em relação à produção audiovisual de caráter
cinematográfico, os mesmos limites do jornalismo se aplicam. Além disso,
destaca-se a questão do conteúdo em si, que deve obedecer à classificação
indicativa, que vai de livre até 18 anos.
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Criada em 1948 e traduzida em mais de 500 idiomas, a Declaração Universal dos


Direitos Humanos foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, buscando
fornecer os direitos básicos de convivência entre os seres humanos, divididos em 30
artigos. Eles são adotados como uma espécie de manual para a produção audiovisual
no Brasil e no mundo, por tratarem de questões relativas à ética e aos valores morais
de uma sociedade (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2020).

Apesar de não haver um órgão de regulação e regulamentação da produção


audiovisual no Brasil, seja de ficção ou não ficção, cabe aos próprios produ-
tores de conteúdo seguir alguns princípios e valores éticos e morais que vão
balizar o que deve ou não ser produzido, sempre levando-se em consideração
o destino final desses materiais, que é o cidadão.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESERVAÇÃO AUDIOVISUAL. Código de Ética. 2016. Disponível


em: http://www.abpreservacaoaudiovisual.org/site/abpa/codigo-de-etica.html. Acesso em:
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SEQUEIRA, C. M. Jornalismo investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo: Summus, 2005.
SODRÉ, M.; FERRARI, M. H. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São
Paulo: Summus, 1986.

Leitura recomendada
VIEIRA, G. Complexo de Clark Kent: são super-homens os jornalistas?. São Paulo: Summus,1991.
Limites éticos na produção audiovisual 13

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