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A minha birra com Fusão Nuclear é basicamente se refere à forma como as coisas são retratadas e

as promessas. Fusão nuclear é apresentada como sendo superior em muitas linhas. Uma fonte de
energia ilimitada, que não produz lixo radioativo. Ou radiação (muito comum em sci-fi). Que ela é
inerentemente segura, porque reatores não podem perder o controle, explodir ou derreter ou vazar.
Que não tem problemas com proliferação com armas nucleares e que seria uma geração barata de
energia e limpa. Eu sempre vejo as pessoas falando, que a energia do futuro é fusão nuclear. A
própria ficção científica espalha essas ideias. Mas a pior parte em minha opinião é como fusão é
apresentada como sendo uma alternativa melhor a fissão nuclear.

Mas a realidade é diferente. Produz-se muito lixo radioativo, mas de baixa atividade e curta vida,
mas que em si, mesmo com essas vantagens, apresentam uma séria de complicações devido ao seu
enorme volume, natureza e destino. O que aparente ser um desafio potencialmente bem maior e
mais caro e mais caro do que com os reatores de fissão. Muitas são as esperanças de métodos para
manipular os resíduos de forma autônoma e remota. E a reciclagem de materiais radioativos de
volta em componentes para os reatores.

Muitas soluções que nem existem ainda por causa dos níveis insanos de radiação de certos
componentes. Isso também ignora que daquela figura que eu te passei, existem métodos para
reciclar cerca 95% do lixo radioativo de alta atividade. Que no final em vez de durar 1 milhão de
anos, vai durar algo na ordem de 300-1000 anos. Logo os próprios desafios do lixo nuclear com a
fissão também ainda podem ser reduzidos bastante.

Fusão não é livre de radiação (a minha grande raiva com sci-fi são naves espaciais com reatores de
fusão que não levam em conta a radiação, efeitos da radiação ou escudos de radiação e sua massa, a
séria “The Expanse” em um resumo). E a radiação, é muito pior que em um reator de fissão, não só
em volume, mas também poder de causar danos nos materiais. E um dos maiores desafios na
engenharia de um reator de fusão. Que não tem uma “solução” além de simplesmente aceita-la e
lidar com a troca dos componentes danificados e insanamente radioativos em intervalos regulares,
que aumenta os custos e as complexidades tecnológicas (o trabalho tem que ser todo
remoto/autônomo).

A respeito de inerente segurança, sim, perder o controle da reação de fusão nuclear em si não é
possível. Qualquer distúrbio do plasma e a fusão para instantemente. Mas assim como também um
reator de fissão pode ter as suas reações de fissão interrompidas instantaneamente, seja por design
das propriedades termo-hidráulicas que interrompem a fissão se a temperatura exceder um limite,
ou por sistemas de controles.

Os verdadeiros problemas outras coisas. Chernobyl foi um acidente de criticidade, onde o reator foi
colocado em uma configuração que não deveria, mas que seu design permitia (falha dos projetistas
e eles sabiam disso), e isso fez com que o reator saísse do controle quando eles tentaram desliga-lo.
A potência subiu tanto que fez o reator sofrer uma explosão de vapor.

Mas essa capacidade de perder o controle não é algo que você vai achar em nenhum reator de fissão
funcionando no mundo hoje (mesmos os do mesmo design que Chernobyl, o RBMK, eles passaram
por upgrades depois do acidente para corrigir isso). Não é possível perder o controle de um reator
de fissão moderno. Logo esse tipo de risco é similar ao da fusão.
O outro problema, com um reator de fissão, as reações de fissão geram outro átomos menores que
são radioativos, e ao descaírem geram calor, independentemente da fissão nuclear. Imediatamente
após o desligamento do reator, isso corresponde a cerca de 7% da potência total do reator, e requer
um resfriamento ativo desse calor residual gerado pelo decaimento radioativo. A falha nesse sistema
de resfriamento foi o que aconteceu em Fukushima, o que eventualmente fez o reator derreter e
levou a emissão de elementos radioativos no ambiente.

Um problema similar, mas em menor escala também é possível em um reator de fusão, as paredes
internas do reator são tão radioativas, que elas produzem calor suficiente, mesmo com o reator
desligado, que se não for removido, pode causar danos severos no interior do reator e até mesmo o
derretimento de alguns componentes. Que novamente, por serem muito radioativos, vão requerer
um trabalho complexo todo remoto em condições infernais.

Esse seria o verdadeiro ponto a favor de fusão, mas ele é muito menor do que parece. A energia de
fissão nuclear é segura, a gente teve poucos acidentes séries nos últimos 50 anos. E os novos
reatores sendo construídos são mais seguros, e levam em conta lições que tornam extremamente
provável que outra Fukushima aconteça, e definitivamente tornam outro Chernobyl impossível. A
fissão nuclear é segura o suficiente, e alguns novos reatores, inclusive dois novos construídos na
China (+dois planejados), 2 reatores na Rússia, possuem sistemas de refrigeração passiva que não
exigem a intervenção dos operadores ou energia elétrica ou mecânica para funcionarem, que tornam
acidentes com o derretimento do núcleo do núcleo do reator quase impossível. O que torna a fissão
nuclear essencialmente tão segura como qualquer reator de fusão.

Agora, isso não quer dizer que reatores de fusão não tenham acidentes também. E isso é importante
frisar, são acidentes “menores” com menos impactos em longo prazo. Mas que também tem o
potencial para causar muito pânico no público e retaliações políticas severas e que podem fazer o
público se virar contra a tecnologia (isso já é um problema em alguns lugares). Um problema mais
sério que qualquer contaminação, em minha opinião.

Reatores com confinamento magnético podem literalmente explodir, com forças de potencialmente
várias toneladas de TNT no caso de falhas nas bobinas supercondutoras. Se as bobinas, por
exemplo, carregando milhões de amperes aquecem além da temperatura crítica, os supercondutores
se tornam normais condutores e a geração de calor acontece instantaneamente e de forma explosiva,
isso é chamado de uma “quench”. Isso já aconteceu algumas vezes, um caso recente foi uma quench
num eletroímã supercondutor no LHC, que explodiu e causou danos em mais 57 outros eletroímãs
em 2008 e os reparos levaram mais de um ano para serem feitos. E isso foi em um eletroímã
“pequeno”.

Você também pode ter vazamentos de materiais radioativos, durante acidentes, ou mesmo durante a
operação normal do reator. Isso inclui um dos próprios combustíveis, o trítio, que é MUITO
radioativo. Esse tipo de vazamento, não teria consequências ambientais duradouras, mas
provavelmente levaria a uma evacuação temporária da área em torno do reator, e todos os
problemas associados, incluindo o pânico.

Em termos de combustível, frequentemente se diz que as reservas terrestres de combustível de fusão


nuclear podem durar bilhões de anos a níveis de consumo atuais. O que faz muitas pessoas dizerem
que a fusão é uma fonte de energia ilimitada. Mas com tecnologias que já existem, as reservas de
combustível de fissão nuclear também podem durar bilhões de anos. A terra debaixo dos seus pés
contem algumas gramas de urânio e tório, que podem ser usadas para gerar energia. Um quilo de
terra (terra ou pedra normais, nada de especial), tem o potencial para gerar tanta energia quanto 16
kg de gasolina. Os potenciais de reservas de combustível da fissão são algumas vezes menores que
os da fusão, mas também são reservas extremamente vastas. A fissão nuclear também mereceria
esse título de ilimitada.

Muito se diz a respeito do medo da proliferação de armas nucleares. As ideias que combustíveis
nucleares possam ser desviados para fazer armas. Mas reatores de fissão usados para geração de
energia não trabalham com materiais que possam ser usados para fazer armas. O reator nuclear
típico usa uranio enriquecido a 4%. Reatores especiais podem usar até 20%. Mas para armas
nucleares, e preciso mais de 90%. A diferença de esforço é enorme, e ao mesmo tempo isso é algo
que está sobre o controle de nações, e se as mesmas nações querem enriquecer o urânio para armas,
não existe nada que pare isso, independente de se ter reatores ou não (e o Brasil com sua tecnologia
de enriquecimento também está nesse grupo).

Também existe a ideia de que o plutônio possa ser extraído do combustível gasto de reatores de
fissão para fazer armas, isso não só ignoram as complexidades enormes de tal feito, inclusive os
riscos de se lidar com um material extremamente radioativo. Como também o fato desse plutônio
ser extremamente impróprio para esse fim, devido a uma diferente composição isotópica com altos
níveis de impurezas que são extremamente detrimentos para o funcionamento de uma arma nuclear
(em especial o plutônio 240). Países que querem produzir plutônio, simplesmente construíram os
seus reatores próprios para isso (Índia e Coreia do Norte). Em geral existe uma lista enorme de
porque a atividades indústria nuclear para energia, não são adequadas para fazer bombas.

E para adicionar insulto à injúria, reatores de fusão tem que ser colocados nesse mesmo grupo. O
fluxo intenso de nêutrons de um reator de fusão pode ser usado para converter urânio em plutônio.
E pode permitir até mesmo que isso seja feito de forma a burlar algumas sanções para coibir a
proliferação nuclear, abrindo assim novos caminhos para nações com intenções questionáveis
obtenham armas nucleares. E de fato, um reator de fusão adequadamente projetado seria uma
máquina perfeita para a produção em larga escala de plutônio. O argumento de proliferação nuclear
muito problemático...

Após esses pontos, o que eu poderia argumentar é que otimistamente, não existem vantagens reais
para a fusão nuclear em relação à fissão nuclear. Mesmos pontos aparentemente positivos como a
falta de certos acidentes ou resíduos nucleares duradouros são ou menos relevantes na prática, ou
compensadas por outros problemas específicos da fusão nuclear. Otimistamente não existem razões
práticas para preferir fusão nuclear sobre a fissão. Ela não traz nenhuma vantagem que nós já não
tenhamos. Coisas como energia abundante, sob demanda, muito limpa com seus resíduos contidos e
descartados de forma correta e sem poluição.

Mas sendo mais realista, existem muitos pontos de desvantagem, o esforço para conseguir usar
fusão nuclear é difícil de por em palavras. São 70 anos de pesquisa, e mais uns 30-50 anos até ter
um reator de fusão gerando eletricidade e colocando na rede. E...E...talvez depois, comercialização.
São 70 anos descobrindo mais e mais desafios, falhando em manter projeções de avanço e sempre a
mesma promessa, vai ter... nos próximos 20 anos.

O progresso feito foi enorme, mas ele também torna cada vez mais claro os desafios, fusão nuclear
requer condições extremas, máquinas enormes e caras para recriar condições que fazem o próprio
Sol ficar com vergonha. E que nós ainda estamos falhando em manter mesmo depois de tanto
esforço. Alcançar a ignição (algo que FOI feito recentemente pela NIF) é apenas passo nessa
trajetória.

Reatores de fusão para geração de energia vão requerer condições ainda mais extremas, o DEMO, a
usina protótipo depois do ITER, para cerca de 2040-2050, provavelmente vai ter o dobro do
tamanho e ter que gerar 10 vezes mais energia. E ainda assim, 20% disso têm que ser recirculado
para manter os eletroímãs, os sistemas de aquecimento do plasma, os sistemas de refrigeração
criogênicos para os eletroímãs, sistemas de controle e etc. Comparado com um reator de fissão,
onde você tem barras de combustível sólido envoltas em água. O reator liga às vezes até mesmo em
temperatura ambiente, através da retração de barras de controle que absorvem os nêutrons, e o
reator simplesmente aquece a água pressurizada que é circulada por uma bomba.

Reatores de fusão ainda têm desafios enormes, que provavelmente não tem soluções além de
projetar materiais e processos de manutenção para lidar com os dados severos causados pela
radiação e pelo plasma. O que se traduz em longos períodos de manutenção que são frequentes e
requerem equipamento especial, mais custos. Considerando que entre 60% e 75% do custo de uma
usina nuclear é feito por outras partes que não são o reator. Que reatores de fusão teriam que fazer
uso dos mesmos sistemas de conversão de energia térmica para elétrica que usinas convencionais
usam. Pela simples complexidade enorme que qualquer usina de fusão teria, eu simplesmente não
consigo ver como isso seria competitivo nas escalas se que discute.

E mais insultos à injúria, muitas pessoas até questionam se a própria fissão nuclear seria
competitiva com fontes de energia alternativas como energia eólica ou solar nesse futuro próximo.
Muitos países são ativamente hostis à energia de fissão nuclear e em muitos lugares isso também
abrange a fusão nuclear. Grandes barreiras políticas e regulatórias são eretas para limitar
tecnologias que lidam com processos e materiais nucleares. É extremamente provável que os
mesmos problemas afetem a fusão nuclear também. O futuro pode simplesmente não envolver
energia nuclear. Fissão ou Fusão.

Existe muita hype e euforia sobre a possibilidade de um futuro movido à energia nuclear. Existe
muita esperança, especialmente depois das promessas não cumpridas com a energia por fissão
nuclear. Promessas que agora são depositadas em cima da Fusão nuclear.

Nenhum outro meio espalhou essas ideias de forma mais intensa do que a própria ficção científica.
Eu tenho um livro de um relatório de um estudo dos anos 1970’s sobre propulsão espacial por fusão
nuclear, com uma introdução moderna pedindo desculpas por ter fomentado mitos, um pouco
danosos, a respeito de fusão nuclear. Especificamente a história a respeito da fusão do Hélio-3.

Mas como eu coloquei anteriormente, essas promessas simplesmente não se sustentam em


fundações sólidas. Nós não temos razões para argumentar a favor da fusão nuclear. E pessoalmente,
dos meus estudos de engenharia nuclear. Fusão nuclear é um beco sem saída. Eu sou otimista a
respeito do impacto positivo da tecnologia na vida das pessoas quando isso é aplicado de forma
adequada. Mas eu venho me tornando bastante cético de avanços futuros que tornariam fariam
problemas tão intratáveis de engenharia, terem soluções triviais.

Mesmo assim, eu não descarto totalmente o uso comercial da fusão nuclear. Mas entro o que eu
vejo, e as opiniões de um amigo meu, que é um pesquisador nessa área, e de fato ele entrou nessa
área especificamente por ver a fissão nuclear estagnada em uma posição difícil (algo que agora ele
se arrepende um pouco). O melhor cenário que nós temos mesmo, é que talvez, TALVEZ, com um
reator de fusão suficientemente grande, a geração de energia seja tão grande, que consiga
compensar os problemas, especialmente em algumas abordagens, mas mesmo assim com certas
suposições que em si, também tem problemas.

A nossa aposta, é que com um reator de 20 GW a fusão nuclear possa ser competitiva. Usabilidade
questionável, mas economicamente viável. Para fins de comparação, 20 GW é energia elétrica para
uma cidade do tamanho de São Paulo, em um reator só! 10-20 vezes a capacidade de um reator de
fissão e equivalente a potência instalada a hidrelétrica das Três Gargantas na China. A simples
criação de um ambiente econômico, político e social para uma obra dessa escala também é um
desafio maciço. Eu pessoalmente não espero que alguém tente fazer isso.

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