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Universidade Federal de Ouro Preto

Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas


Departamento de Engenharia Elétrica

Trabalho de Conclusão de Curso

Determinação do teor de gordura em amostras


de leite por ultrassom

Gabriel Lacerda Faria

João Monlevade, MG
2022
Gabriel Lacerda Faria

Determinação do teor de gordura em amostras


de leite por ultrassom

Trabalho de Conclusão de curso apresentado à


Universidade Federal de Ouro Preto como parte dos
requisitos para obtenção do Título de Bacharel em
Engenharia Elétrica pelo Instituto de Ciências Exatas
e Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto.
Orientador: Prof. Marcelo Moreira Tiago

Universidade Federal de Ouro Preto


João Monlevade
2022
SISBIN - SISTEMA DE BIBLIOTECAS E INFORMAÇÃO

F224d Faria, Gabriel Lacerda.


FarDeterminação do teor de gordura em amostras de leite por ultrassom.
[manuscrito] / Gabriel Lacerda Faria. - 2022.
Far48 f.: il.: color., gráf..

FarOrientador: Prof. Dr. Marcelo Moreira Tiago.


FarMonografia (Bacharelado). Universidade Federal de Ouro Preto.
Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas. Graduação em Engenharia
Elétrica .

Far1. Instrumentos de medição. 2. Leite. 3. Processamento de sinais -


Técnicas digitais. 4. Som - Velocidade. 5. Ultrassom. I. Tiago, Marcelo
Moreira. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Título.

CDU 681.2

Bibliotecário(a) Responsável: Flavia Reis - CRB6-2431


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
REITORIA
INSTITUTO DE CIENCIAS EXATAS E APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELETRICA

FOLHA DE APROVAÇÃO

Gabriel Lacerda Faria

Determinação do teor de gordura em amostras de leite por ultrassom

Monografia apresentada ao Curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal


de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Engenharia Elétrica

Aprovada em 30 de setembro de 2022

Membros da banca

Dr. Marcelo Moreira Tiago - Orientador - Universidade Federal de Ouro Preto


Dra. Sarah Negreiros de Carvalho Leite - Universidade Federal de Ouro Preto
Dra. Wendy Yadira Eras Herrera - Universidade Federal de Ouro Preto

Marcelo Moreira Tiago, orientador do trabalho, aprovou a versão final e autorizou seu depósito na Biblioteca Digital
de Trabalhos de Conclusão de Curso da UFOP em 18/10/2022

Documento assinado eletronicamente por Marcelo Moreira Tiago, PROFESSOR DE MAGISTERIO


SUPERIOR, em 18/10/2022, às 15:21, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art.
6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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Telefone: (31)3808-0818 - www.ufop.br
Agradecimentos

Agradeço primeiramente a mim, por não ter desistido nos momentos difíceis e
por ter encontrado forças para perseverar por todos os obstáculos, agradeço a meus pais,
minha irmã, meu amor e familiares, que me apoiaram e me incentivaram nos momentos
difíceis e compreenderam minha ausência enquanto me dedicava a este projeto, aos meus
amigos que me ajudaram nessa caminhada e compartilharam muitos momentos de alegria
e dificuldades.
Aos professores, pelos ensinamentos e orientações que me trouxeram conhecimento,
ao meu supervisor que me deu a oportunidade de aprender na prática e ainda me ensina
sobre como ser um engenheiro.
A todos aqueles que contribuíram, de alguma forma, para a realização deste tra-
balho.
"Good, is not a thing you are. It is a thing you do."
– Kamala Khan
Resumo
Neste trabalho, métodos de medição de propriedades de líquidos por ultrassom foram uti-
lizados para analisar amostras de leite UHT com teores de gordura variando entre 0,5% e
3%. Para isso, amostras de leite foram preparadas 24 horas antes de serem medidas e, du-
rante o tempo de repouso, foram mantidas num refrigerador com temperatura controlada.
Após o período de repouso, a temperatura das amostras foi ajustada em 23ºC e a densi-
dade das mesmas foi determinada a partir de um densímetro portátil. Em seguida, uma
célula de medição ultrassônica equipada com transdutores de alta frequência (75 MHz)
e sistema de controle térmico com erro de regime permanente menor do que 0,01ºC foi
usada para se determinar os valores de velocidade de propagação e coeficiente de atenua-
ção em função da frequência, para uma temperatura de 25ºC. Os resultados obtidos para
este conjunto de amostras, e considerando uma frequência de 50 MHz, mostram que a
velocidade de propagação do som diminui a medida que o teor de gordura das amostras de
leite aumenta, numa relação de, aproximadamente, -1,64 ((m/s)/%). Em contrapartida,
os valores obtidos para os coeficientes de atenuação, considerando a mesma frequência,
aumentam em função do aumento do teor de gordura, numa relação de, aproximadamente,
51,3 ((Np/m)/%).

Palavras-chave: Ultrassom, velocidade de propagação, coeficiente de atenuação, células


de medição, leite.
Abstract
In this work, liquid properties measurement methods through ultrasound were used to
analyze UHT milk samples with fat percentages varying from 0.5% to 3%, these samples
were prepared 24 hours before the tests and, during the resting period, were kept in a re-
frigerator under control temperatures. After the resting period, the sample temperatures
were adjusted to 23ºC and their density were determined through the use of a portable
hydrometer. Following the procedure, the ultrasonic measurement cell equipped with the
high frequency transducers(75 MHz) and the thermal controlled system with an error
below 0,01ºC was used to determine the values of propagation velocity and attenuation
coefficient in terms of frequency, to a 25ºC sample. The results obtained for this set of
samples, considering a central frequency of 50MHz, show us that the sound propagation
velocity decreases as the fat percentage of the milk samples rises, in a ratio of approx.
-1,64((m/s)%). In contrast to the values obtained for the attenuation coefficient, consid-
ering the same frequency, those rises with the increase of fat percentages, in a ratio of
approx. 51,3((Np/m)/%).

Keywords: Ultrasound, Milk, Propagation Velocity, Atenuation, Measurement Cell.


Lista de ilustrações

Figura 1 – Desenho esquemático da célula de medição para líquidos estacionários. 5


Figura 2 – Desenho esquemático da célula de medição de múltiplas reflexões. . . . 6
Figura 3 – Vista explodida da célula de medição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Figura 4 – Célula de medição proposta por Dukhin e Goetz (2002). . . . . . . . . 7
Figura 5 – Ondas longitudinais e transversais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Figura 6 – Corte longitudinal de um transdutor ultrassônico. . . . . . . . . . . . . 10
Figura 7 – Coeficientes de reflexão e transmissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Figura 8 – Sinais de excitação gaussianos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Figura 9 – Método de medição por pulso-eco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Figura 10 – Método de inspeção por transmissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Figura 11 – Célula de medição com a cubeta preenchida com ar. . . . . . . . . . . . 15
Figura 12 – Célula de medição com a cubeta preenchida com o líquido de interesse. 16
Figura 13 – Método das múltiplas reflexões. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Figura 14 – Representação do campo acústico gerado por um transdutor. . . . . . . 18
Figura 15 – Tela principal do aplicativo desenvolvido. . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Figura 16 – Vista em corte da célula de medição utilizada neste trabalho. . . . . . . 25
Figura 17 – Sinais de água deionizada e leite desnatado. . . . . . . . . . . . . . . . 28
Figura 18 – Sinais de água deionizada e leite integral. . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Figura 19 – Densidade das amostras de leite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Figura 20 – Velocidade de propagação em amostras de leite . . . . . . . . . . . . . 33
Figura 21 – Velocidade de propagação em amostras de leite para f = 50 MHz . . . 34
Figura 22 – Dispersão das curvas de velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Figura 23 – Coeficiente de atenuação das amostras de leite. . . . . . . . . . . . . . 36
Figura 24 – Coeficiente de atenuação em amostras de leite para f = 50 MHz . . . . 37
Figura 25 – Valores de 𝛼0 obtidos a partir das curvas de atenuação. . . . . . . . . . 38
Figura 26 – Interface inicial do aplicativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Figura 27 – Interface da aba osciloscópio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 28 – Interface da aba temperatura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 29 – Interface da aba transmissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 30 – Interface da aba carregamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Figura 31 – Interface da aba frequência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1 Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 Revisão bibliográfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Estrutura do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 REVISÃO TEÓRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1 Transdutores ultrassônicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 Sistemas de medição acústicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2.1 Método pulso-eco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2.2 Método transmissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.3 Métodos de medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.3.1 Método de reflexões relativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.3.2 Método de múltiplas reflexões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4 Efeitos causados pela difração, paralelismo e temperatura . . . . . . 18
2.5 Cálculo da velocidade de propagação do som . . . . . . . . . . . . . 19
2.6 Cálculo dos coeficiente de atenuação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.7 Considerações parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 METODOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.1 Sistema de medição ultrassônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.2 Calibração do sistema e medição das amostras . . . . . . . . . . . . 24
3.2.1 Calibração do sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.2.2 Procedimento de medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.3 Preparação das amostras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.4 Definição do método de medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.5 Considerações parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.1 Densidade das amostras de leite analisadas . . . . . . . . . . . . . . 31
4.2 Velocidade de propagação do som em amostras de leite . . . . . . . 32
4.3 Coeficiente de atenuação acústico em amostras de leite . . . . . . . 35
4.4 Considerações parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
5.1 Propostas para desenvolvimento de próximos trabalhos . . . . . . . . 40

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
APÊNDICE A – APLICATIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
A.1 Instrumentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
A.2 Configuração do sistema de medição . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

ANEXO A – FICHAS DE CALIBRAÇÃO DOS TRANSDUTORES 47


1

1 Introdução

O leite bovino é um produto que faz parte da alimentação da população e é utili-


zado como matéria prima para produção de diversos outros tipos de alimentos, tais como
queijos, iogurtes, doces, entre outros. Em sua forma natural (cru), o leite bovino pode
apresentar micro-organismos que, quando consumidos, podem causar mal a saúde do con-
sumidor. Para eliminar a presença desses micro-organismos, o leite cru deve ser submetido
a um processo de tratamento antes de ser consumido. Atualmente, dois tipos de trata-
mento são utilizados pela indústria, a pasteurização e a esterilização, e os dois processos
possuem regulamentação definida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento a partir das Instruções Normativas MAPA Nº 59/2019 e MAPA Nº 55/2020 e
(MAPA, 2019; MAPA, 2020).
Em geral, o processo de pasteurização utilizado por empresas do setor lácteo é o
chamado processo rápido, onde o leite deve ser aquecido a temperaturas entre 72 ºC e 75
ºC por um período de tempo de 15 s a 20 s e, na sequência, resfriado a uma temperatura
entre 2 º e 4 ºC num intervalo de tempo máximo de 10 s.
O processo de esterilização mais usado em aplicações industriais é baseado no
método de temperatura ultra rápido (UHT, do inglês Ultra High Temperature). Convém
ressaltar que o leite deve ter sido submetido a uma primeira etapa de tratamento (in-
cluindo filtragem e pasteurização) antes de ser submetido ao processo de esterilização.
Nesse processo, inicialmente o leite recebe a adição de estabilizantes, que visam evitar a
sedimentação de caseínas, passa por um processo de pré-aquecimento a uma temperatura
de 80ºC por dois minutos. Em seguida, o leite é aquecido a altas temperaturas (entre 130
ºC e 150 ºC) por um período de tempo de 3s a 5s e. Finalmente, o leite é depositado
numa câmara de vácuo, onde passa por um processo de resfriamento rápido até atingir
uma temperatura de 32 ºC. Nesse instante são removidos os vapores de água gerados e o
leite é envasado.
O leite disponível para consumo comercializado em supermercados costuma ser
dividido em três categorias: A, B e C. Essas distinção, regulamentada pela Instrução
Normativa MAPA Nº59/2019, foi definida em função do modo de produção adotado pelos
produtores, sendo considerados os processos de ordenha, transporte e tratamento do leite.
É importante ressaltar que as diferenças no processo de produção podem influenciar a
carga bacteriana do leite.
O leite de vaca é um produto consumido diariamente no país e, portanto, deve ser
submetido a um intenso controle de qualidade. A Instrução Normativa MAPA Nº55/2020
define os métodos oficiais para análise da qualidade do leite e seus derivados. Todos os
processos indicados por esta resolução envolvem métodos físico-químicos, que requerem
alterações nas propriedades do leite. Em geral, essas análises são feitas a partir de equipa-
Capítulo 1. Introdução 2

mentos específicos que utilizam as amostras de leite e reagentes químicos para identificação
de diferentes características do material.
Para avaliar a qualidade do leite, devem ser analisados parâmetros físico-químicos
distintos, tais como densidade relativa ou índice crioscópico, parâmetros higiênico-sanitários,
como a contagem total bacteriana e a detecção de resíduos de antibióticos, e parâmetros
de composição, como gordura e extrato seco desengordurado.
A Instrução Normativa MAPA Nº55/2020 também classifica o leite em função de
seu teor de gordura. De acordo com esta definição, considera-se leite desnatado aquele que
apresenta um teor de gordura máximo de 0,5%, leite semidesnatado aquele que apresenta
teores de gordura entre 0,6% e 2,9%, e leite integral aquele que apresenta um teor de
gordura de 3%. A Instrução Normativa também prevê que estas e outras informações
relevantes sejam divulgadas nos rótulos das embalagens de leite comercializadas.
Os métodos regulamentados para análise do leite brasileiro dependem de um con-
junto de vários processos físico-químicos utilizados para determinar as diferentes caracte-
rísticas mencionadas anteriormente. Dentre os métodos mais utilizados para se determinar
o teor de gordura, pode-se destacar o método de Gerber e o método Rose-Gotlieb.
O método de Gerber (ou butirométrico) é realizado a partir de um processo quí-
mico utilizando ácido sulfúrico. O ácido ataca a matéria orgânica com exceção da gor-
dura, que é separada posteriormente através de um processo de centrifugação. Trata-se
de um processo que causa severa alteração na amostra para a medição do teor de gordura
(Alves D.; Goldschmidt A., 2014).
O método Rose-Gottlieb é frequentemente utilizado como referência pela indústria
nacional por ser mais simples e barato (Alves D.; Goldschmidt A., 2014). Nesse método,
a gordura do leite é extraída através de um processo químico, que pode ser conduzido
de formas diferentes dependendo dos reagentes e equipamentos utilizados. Em seguida, a
gordura extraída é pesada, e o teor de gordura é calculado relacionando à massa inicial
da amostra de leite com a massa de gordura medida.
Métodos físico-químicos também podem ser usados para determinar a quantidade
de extrato seco total (EST), usado para determinar a concentração total de componen-
tes sólidos presentes no leite. Relacionando-se os valores de extrato seco total e teor de
gordura, pode-se determinar a quantidade de extrato seco desengordurante (ESD), que
representa a parcela de sólidos não gordurosos presentes no líquido.
Vários métodos podem ser empregados para se determinar o EST, mas uma das
opções mais utilizadas devido a sua simplicidade é o método gravimétrico. Nesse método,
a água presente no leite é separada da mistura, e a diferença de massa entre a amostra
resultante e a amostra original indica a quantidade de extrato seco total. Esse é um dos
métodos analíticos mais precisos para medição do EST, mas como desvantagem, requer
um tempo elevado para que o processo de separação seja finalizado devido aos diversos
processos laboratoriais que devem ser realizados (Alves D.; Goldschmidt A., 2014).
Capítulo 1. Introdução 3

Um segundo método muito utilizado em aplicações industriais para a determinação


do EST baseia-se na aplicação de uma expressão matemática que relaciona EST, densidade
e teor de gordura da amostra. Essa expressão, conhecida como fórmula de Fleishmann
(Alves D.; Goldschmidt A., 2014), é definida como:

EST = 1, 2𝐺 + 2, 665(100𝐷 − 100)/𝐷, (1.1)

onde, D representa a densidade do leite em relação à água a uma temperatura de 15ºC,


e G é o teor de gordura da amostra, sendo ambos os parâmetros representados de forma
percentual.
Observa-se que para que seja possível aplicar essa equação, é necessário medir a
densidade e o teor de gordura do leite usando métodos físico-químicos. Métodos alter-
nativos, preferencialmente não-destrutivos e não-invasivos, tem sido estudados por vários
autores ao longo dos anos. Essas pesquisas resultaram no desenvolvimento de novos equi-
pamentos, muitos deles utilizados atualmente por indústrias do setor lácteo.
Um dos métodos propostos na literatura baseia-se na análise via infravermelho,
e consiste na absorção de energia infravermelha pelas partículas do leite. Um exemplo
desse tipo de sistema é apresentado por Barbano e Clark (1989), que descreve uma célula
de medição por infravermelho (IRMA) capaz de emitir dois feixes ópticos distintos de
forma simultânea. Esses feixes se propagam por dois líquidos distintos, sendo um deles
de referência e o outro a amostra de leite. A partir da diferença de absorção medida
entre a amostra e o material de referência, obtém-se um parâmetro óptico que pode ser
relacionado a um dos métodos tradicionais de análise. Nesse processo, considera-se uma
amostra de leite homogênea e a temperatura constante.
Por se tratar de uma abordagem simples e não destrutiva, essa metodologia vem
sendo utilizada para a fabricação de alguns equipamentos disponíveis no mercado. Como
exemplo, pode-se citar o MilkoScan-FT1 fabricado pela empresa FOSS, que é capaz de
analisar um total de 15 parâmetros do leite, além de analisar também alguns derivados
(FOSS, 2018). Entretanto, ressalta-se que são métodos secundários e requerem a calibração
à partir de resultados das análises químicas.
Nas últimas décadas, essas análises também passaram a ser realizadas a partir de
sistemas de medição ultrassônicos. Assim como no caso dos sistemas de medição ópticos,
os sistemas ultrassônicos podem ser utilizados de forma não-invasiva e não-destrutiva.
Essa caracterização pode ser realizada através de parâmetros obtidos de forma direta
como, por exemplo, a velocidade de propagação e o coeficiente de atenuação acústicos,
ou de forma indireta, a partir de parâmetros como impedância acústica, a densidade e
a compressibilidade adiabática. A partir desses parâmetros, pode-se determinar o teor
(ADAMOWISKI et al., 2002; NAZÁRIO et al., 2009) e o tamanho das moléculas de gor-
dura (DUKHIN; GOETZ, 2002; DORABIATO, 2007) presentes no leite.
Capítulo 1. Introdução 4

A medição desses parâmetros de forma não-destrutiva e sem a necessidade de


utilização de reagentes químicos ou soluções de alto risco motivou o desenvolvimento
deste trabalho, cujo objetivo é relacionar as propriedades acústicas do leite ao seu teor de
gordura. Para isso, utilizando o sistema de medição acústico proposto por Tiago (2018),
foram realizadas medições de amostras de leite UHT com diferentes valores de teor de
gordura a uma temperatura constante. Os resultados obtidos após os cálculos realizados
usando os sinais adquiridos serão apresentados nos próximos capítulos deste trabalho.

1.1 Objetivo
O objetivo principal deste trabalho é determinar o teor de gordura de amostras de
leite pasteurizado através de ensaios não destrutivos por ultrassom, usando transdutores
de alta frequência (75 MHz). Os objetivos específicos são:

• Desenvolver um software para controle do sistema de excitação e medição acústico;

• Preparar amostras de leite com diferentes teores de gordura;

• Analisar diferentes técnicas para cálculo de velocidade de propagação e atenuação


do som em líquidos;

• Analisar o desempenho do sistema de medição acústico operando com apenas um


transdutor (modo pulso-eco) em relação ao desempenho usando dois transdutores
(transmissão);

• Avaliar os efeitos do teor de gordura das amostras nos valores de velocidade e coe-
ficiente de atenuação acústicos em função da frequência;

1.2 Revisão bibliográfica


Sinais ultrassônicos são compostos por ondas mecânicas com diferentes caracte-
rísticas, que operam numa faixa de frequências superior aos limites da audição humana,
ou seja, acima de 20 kHz. Essas ondas podem se propagar através de materiais sólidos,
líquidos e gasosos com diferentes níveis de viscosidade, densidade, opacidade e impedân-
cia acústica. Essas características possibilitam a utilização de sistemas ultrassônicos para
caracterização de materiais em aplicações industriais (POVEY, 1997a).
O objetivo deste trabalho é caracterizar amostras de líquidos com diferentes carac-
terísticas por ultrassom. Para isso, é necessário compreender o funcionamento dos sistemas
de medição acústicos usados para esse tipo de aplicação. Para o projeto de uma célula de
medição, deve-se levar em consideração vários parâmetros, tais como o tipo de líquido que
será analisado e suas propriedades físicas, o tipo de onda que será usado para caracterizar
Capítulo 1. Introdução 5

o material, o tipo de transdutor, a faixa de frequências a ser considerada, o método de


medição (usando onda contínua, onda pulsada, com transdutores operando em transmis-
são ou pulso-eco), as propriedades físicas dos materiais usados para fabricar a célula de
medição, o método de acoplamento acústico entre transdutor e amostra, as características
do sistema de controle térmico, entre outros.
O modelo de célula proposto por Adamowski et al. (1995) (Figura 1) faz uso de
um transdutor de elemento duplo, que pode funcionar tanto como transmissor quanto
como receptor. Nesse sistema, a medição da velocidade do som na amostra é feita utili-
zando as reflexões que ocorrem quando a onda emitida atinge a parede oposta da célula e
retorna para o transdutor. A célula foi desenvolvida para medir a densidade em líquidos
estacionários e em movimento, a partir das relações entre o coeficiente de reflexão e a
velocidade de propagação.

Figura 1 – Desenho esquemático da célula de medição para líquidos estacionários.

Fonte: Retirado de Adamowski et al. (1995).

Adamowiski et al. (2002) também propôs uma variação da primeira célula de me-
dição apresentada (Figura 2). O novo modelo também faz uso das reflexões das ondas
para obter medições de densidade e viscosidade a partir das informações de velocidade
de propagação e coeficiente de atenuação dos sinais, mas diferentemente do modelo an-
terior, essa célula foi projetada com camadas de materiais com propriedades conhecidas,
que podem ser utilizadas para se estimar os coeficientes de reflexão e transmissão entre
camadas e amostra de interesse. A medida que o sinal se propaga pelos meios, o ângulo
de abertura do feixe acústico aumenta devido aos efeitos da difração acústica. Devido a
essa característica, a célula proposta foi projetada com um receptor de PVDF (do inglês
Polyvinylidene fluoride) de larga abertura, que aumenta a área do elemento receptor,
minimizando os efeitos da difração. Além disso, o sistema permite a realização de um
ajuste angular do transdutor emissor, que pode ser usado para melhorar o alinhamento
do elemento transmissor em relação ao receptor.
A célula de medição proposta por Tiago (2018) (Figura 3) utiliza dois transdutores
para realizar as medições, aplicando conceitos de múltiplas reflexões e medições relativas
à água para obtenção das características dos fluídos. O modelo apresentado pelos autores
possui um sistema de controle de temperatura a seco, composto por células de efeito Pel-
Capítulo 1. Introdução 6

Figura 2 – Desenho esquemático da célula de medição de múltiplas reflexões.

Fonte: Retirado de Adamowiski et al. (2002).

tier acionadas eletronicamente e um medidor de temperatura de precisão, com resolução


de 1 mK. O sistema de controle apresentado pode ser usado para ajustar a temperatura
da amostra dentro de uma faixa valores entre 15ºC e 50ºC, com um erro em regime per-
manente menor do que 0,01ºC. Os resultados obtidos mostram que o sistema de medição
é capaz de medir velocidade de propagação e coeficiente de atenuação acústicos, com
incertezas da ordem de 1 cm/s e 1 Np/m, respectivamente.

Figura 3 – Vista explodida da célula de medição.

Fonte: Retirado de Tiago (2018)

Dukhin e Goetz (2002) apresenta uma proposta de análise do coeficiente de ate-


nuação e do tamanho de moléculas de gordura para amostras de leite e seus derivados. As
medições reportadas pelo autor foram realizadas usando a célula de medição apresentada
na Figura 4, onde dois transdutores com as mesmas características, separados por um
Capítulo 1. Introdução 7

vão ajustável controlado por um motor de passo, foram utilizados. No sistema, um dos
transdutores foi mantido fixo, e o segundo foi ajustado de forma a manter o paralelismo
entre os dois transdutores. Este modelo de célula foi projetado para caracterizar sistemas
homogêneos particulados e emulsões, como leite, por exemplo.

Figura 4 – Célula de medição proposta por Dukhin e Goetz (2002).

Fonte: Retirado de Dukhin e Goetz (2002)

A caracterização de amostras de leite por ultrassom foi tema do trabalho desen-


volvido por Nazário et al. (2009), onde uma célula de medição foi usada para medir de
forma direta a velocidade de propagação e o coeficiente de atenuação de amostras de leite
com diferentes teores de gordura. Usando transdutores com frequência central de 5 MHz e
um sistema composto por camadas fabricadas com materiais com propriedades acústicas
conhecidas, os autores usaram o método de reflexões relativas para calcular a densidade
das amostras. As análises foram realizadas usando amostras de leite UHT, com teores de
gordura variando entre 0,5 e 3,0 %, e temperaturas entre 24ºC e 30ºC. Como resultado, os
autores encontraram variações de velocidade de propagação em função da temperatura e
teor de gordura das amostras, mas não encontraram variação considerável ao analisarem
o coeficiente de atenuação das amostras para esta faixa de frequências.
De acordo com Dorabiato (2007), a quantidade de sólidos totais, a quantidade de
água e o teor de gordura de amostras provocam alterações na compressibilidade, viscosi-
dade e densidade do leite. Essas características estão diretamente relacionadas as medidas
de velocidade de propagação e coeficiente de atenuação dessas amostras. O autor também
relata que para temperaturas abaixo de 16,5ºC, a velocidade de propagação som aumenta
em função do aumento do teor de gordura e da concentração de ESD da amostra de leite
analisada.
(DUKHIN; GOETZ, 2002) apresenta um estudo relacionado o teor de gordura de
amostras de leite e seus derivados líquidos com a variação do coeficiente de atenuação
em função da frequência. O autor utiliza um sistema de medição com transdutores de
alta frequência (100 MHz), onde a temperatura das amostras foi controlada a partir da
utilização de um banho termostático. A variação do coeficiente de atenuação foi utilizada
pelo autor para calcular o tamanho das moléculas de gordura presentes nas amostras.
Além disso, o autor também analisou os efeitos de um conjunto de reações químicas que
resultam na deterioração do leite em função do tempo de armazenamento. O autor relata
Capítulo 1. Introdução 8

que as alterações nos valores dos coeficientes de atenuação se devem principalmente à


absorção que os glóbulos de gordura proporcionam. O espalhamento das ondas acústicas
devido aos glóbulos de proteína também foi considerado mas, de acordo com o autor, os
efeitos desse fenômeno apresentam impacto menos significativo.
Algumas empresas fornecem equipamentos para medição das propriedades do leite
para laticínio. A CheeseLab fornece instrumentos de medição ultrassônicos voltados para
esse tipo de análise. Esses equipamentos são capazes de medir teor de gordura, extrato
seco, densidade, proteínas, lactose, água adicionada, ponto de congelamento, sólidos, sais
e condutividade. Apesar de mencionar o princípio de funcionamento acústico em sua
descrição, a empresa não informa se há alguma outra característica sendo determinadas
por outro método de medição.
Outra empresa que fornece equipamentos para esse segmento é a Ekomilk, que
fornece um produto com características semelhantes as do equipamento descrito anterior-
mente. O fabricante informa que o equipamento utiliza medições ultrassônicas para obter
parte das medições do leite, mas usa um viscosímetro para complementar a análise.
Com base nos pontos levantados ao longo desta seção, nos próximos capítulos serão
descritos métodos para se determinar o teor de gordura em amostras de leite a partir de
métodos acústicos. Os detalhes da análise realizada serão descritos nos próximos capítulos.

1.3 Estrutura do trabalho


Este trabalho foi dividido em cinco capítulos. O Capítulo 1 apresenta uma intro-
dução aos critérios definidos na legislação para caracterizar amostras de leite UHT. São
apresentadas as motivações e justificativas para o desenvolvimento deste trabalho, os ob-
jetivos propostos e uma revisão bibliográfica, que contém referências utilizadas como base
ao longo deste projeto.
No Capítulo 2, apresenta-se uma revisão teórica a respeito das técnicas de medição
de propriedades de líquidos por ultrassom usadas ao longo deste trabalho. Neste capítulo
são apresentados diferentes métodos de medição, os efeitos físicos que podem afetar as
medições e os tipos de sistema usados para excitar os transdutores e adquirir os sinais
recebidos após a propagação das ondas pelo meio.
No Capítulo 3, apresenta-se a metodologia utilizada para preparação das amos-
tras, calibração do sistema de medição acústico e medição dos valores de velocidade de
propagação e coeficiente de atenuação acústicos das amostras de interesse.
No Capítulo 4, são apresentados os principais resultados obtidos, apresentando
as limitações dos métodos propostos e condições de contorno assumidas ao longo deste
trabalho.
No Capítulo 5, são apresentadas as considerações finais e algumas propostas de
continuação para o trabalho desenvolvido.
9

2 Revisão teórica

Neste capítulo são apresentadas as técnicas utilizadas ao longo do trabalho para


caracterizar o teor de gordura de amostras de leite por ultrassom. Inicialmente, uma breve
revisão envolvendo tipos de onda, transdutores e métodos de medição é apresentada.
Na sequência, são apresentadas as expressões matemáticas e técnicas de processamento
de sinais usadas para calcular os valores de velocidade de propagação e coeficiente de
atenuação acústicos em função da frequência.

2.1 Transdutores ultrassônicos


Nos sistemas de medição ultrassônicos, transdutores são usados para emitir e re-
ceber ondas mecânicas através de um material cujas características se deseja determinar.
Essas ondas se propagam através de meios materiais (tais como sólidos, líquidos ou gases),
e podem ser classificadas em função da forma como se propagam pelo meio. Como exem-
plo, pode-se citar as ondas longitudinais, que se propagam na mesma direção do sinal de
vibração gerado pelos transdutores, e as ondas transversais, que se propagam em direção
perpendicular ao sinal de vibração aplicado. A representação gráfica desses dois tipos de
onda pode ser visualizada na Figura 5. Neste trabalho, a caracterização das amostras de
leite será realizada utilizando ondas longitudinais.

Figura 5 – Representação de ondas longitudinais e transversais se propagando por um


meio.

Fonte: Retirado de RESNICK, Robert; HALLIDAY (1981).

Transdutor é o equipamento responsável por converter sinais elétricos em uma


outra forma de energia, e vice-versa. Transdutores ultrassônicos convertem energia elétrica
Capítulo 2. Revisão teórica 10

em mecânica, recebendo na entrada sinais de tensão contínuo ou pulsado, e fornecendo


em sua saída ondas mecânicas contínuas ou pulsadas.
Um transdutor ultrassônico é composto, basicamente, por uma camada de reta-
guarda (do inglês, backing), uma camada frontal (do inglês, wear plate), e o elemento
ativo, como pode ser visto na Figura 6 (DORABIATO, 2007).

Figura 6 – Corte longitudinal de um transdutor ultrassônico.

Fonte: Retirado de Dorabiato (2007).

O elemento ativo, normalmente fabricado usando materiais piezelétricos, é o com-


ponente responsável pela conversão dos sinais elétricos em ondas de pressão, e vice-versa.
Esses materiais podem ser do tipo PVDF (do inglês, Polyvinylidene Fluoride), PZT (do
inglês, Lead zirconate titanate), cristais de quartzo, óxido de zinco, entre outros.
A camada de retaguarda é responsável por prover suporte mecânico ao elemento
ativo e reduzir a reverberação, aumentando a parcela de energia que efetivamente é trans-
mitida para o meio em análise. A camada frontal é responsável por proteger o elemento
ativo do meio externo, além de melhorar o acoplamento entre elemento ativo e meio em
análise. Para isso, a impedância acústica dessa camada deve ser ajustada de modo a
maximizar a parcela de energia transmitida para a amostra.
Alguns transdutores possuem ainda uma linha de retardo, normalmente fabricadas
em quartzo ou vidro, que serve como uma camada intermediária. Essas linhas são bastante
utilizadas em transdutores de alta-frequência para separar sinais pulsados e melhorar o
casamento de impedância acústica.
O acoplamento direto entre transdutor e meio em análise pode provocar desgastes
na camada frontal ou linha de retardo, dependendo do modelo de transdutor utilizado.
Esse tipo de problema pode ocorrer, por exemplo, em sistemas de inspeção de tubula-
ções por ultrassom. Nesses casos, seria necessário realizar uma calibração eletrônica do
transdutor antes de iniciar o processo de medição (POVEY, 1997b).
Como mencionado, uma das características que deve ser observada durante o pro-
cesso de fabricação dos transdutores é a impedância acústica. A impedância elétrica (𝑍 )
é referida como a razão entre tensão e corrente, sendo normalmente representada a partir
Capítulo 2. Revisão teórica 11

de um resultado complexo, com sua parte real sendo o que conhecemos como resistência
(ℜ(𝑍)) e sua parte imaginária conhecida como reatância (ℑ(𝑍)). Analogamente, a im-
pedância acústica pode ser definida pelo a relação entre a densidade 𝜌 e a velocidade de
propagação do som no meio 𝑐

𝑍 = 𝜌𝑐, (2.1)

sendo 𝜌 a densidade(𝑘𝑔/𝑚 3 ), 𝑐 a velocidade(m/s) e 𝑍 a impedância acústica (Rayls).


Ao projetar um sistema de medição ultrassônico, as impedâncias dos materiais
a serem utilizados nas camadas de acoplamento, linha de retardo e célula de medição
devem ser ajustadas de forma a maximizar a parcela de energia transmitida através do
material. Caso não ocorra um casamento entre as impedâncias, uma parcela significativa
de energia poderá ser refletida, podendo causar mudanças na fase dos sinais e dificultando
(ou inviabilizando) a realização das medições. Na Figura 7, podem ser observadas as
relações entre a amplitude incidente e refletida, levando-se em consideração os coeficientes
de reflexão, transmissão e as impedâncias acústicas dos meios.

Figura 7 – Relação entre coeficientes de transmissão, reflexão e impedâncias acústicas dos


meios.

Meio 1
Meio 2
Amplitude Incidente(ξi)

Amplitude Transmitida(ξt)
Amplitude Refletida(ξr)

Material de Impedância Z1 Material de Impedância Z2

Fonte: Adaptado de Povey (1997b).

As parcelas de energia transmitida e refletida podem ser calculadas a partir dos


coeficientes de transmissão e reflexão, que estão diretamente relacionados com os valores
de impedância acústica dos meios pelos quais as ondas se propagam. Considerando ângulos
de incidência e reflexão perpendiculares ao meio em análise, pode-se definir as parcelas
de energia transmitida e refletida como

𝜉𝑟 𝑍 2 − 𝑍 1
𝑅= = , (2.2)
𝜉𝑖 𝑍2 + 𝑍1
Capítulo 2. Revisão teórica 12

𝜉𝑡 2𝑍1
𝑇= = , (2.3)
𝜉𝑖 𝑍 1 + 𝑍 2
sendo 𝜉𝑖 é amplitude do sinal incidente, 𝜉𝑡 a amplitude do sinal transmitido, 𝜉𝑟 a amplitude
do sinal refletido, 𝑍1 e 𝑍2 as impedâncias acústicas dos meios 1 e 2, respectivamente.

2.2 Sistemas de medição acústicos


Como já mencionado, transdutores ultrassônicos podem ser excitados usando sinais
elétricos de onda contínua ou sinais pulsados. Neste trabalho, um sistema pulsado será
utilizado para excitar transdutores de alta frequência (75 MHz).
As medições por métodos pulsados podem ser feitas usando apenas um transdutor,
num método conhecido como pulso-eco, ou com um par de transdutores, com um elemento
transmitindo e outro recebendo os sinais. As frequências utilizadas nesses casos podem
variar entre alguns kHz até centenas de MHz (ADAMOWISKI et al., 2002).
A excitação dos transdutores pode ser realizada usando diferentes tipos de sinais,
tais como sinais de pulso estreito, sinais gaussianos, sinais chirp, entre outros. A Figura
8 apresenta um exemplo com sinais gaussianos simulados. Essa simulação considerou
um meio sem perdas, e dois transdutores operando em modo transmissão e recepção.
O sinal gaussiano foi aplicado no transdutor emissor, responsável por converter o sinal
elétrico numa onda de pressão. Essa onda se propaga pelo meio simulado com velocidade
constante, até atingir o transdutor receptor, que converte novamente a onda mecânica
num sinal elétrico. Na Figura, também foram representadas as envoltórias dos sinais
transmitido e recebido.

Figura 8 – Sinais gaussianos usados para excitar transdutores ultrassônicos operando em


modo transmissão. Também são representadas as envoltórias dos dois sinais.

Fonte: Do autor.
Capítulo 2. Revisão teórica 13

A vantagem de se utilizar sinais de excitação gaussianos é que eles apresentam o


mesmo formato tanto no domínio do tempo quanto no domínio da frequência, o que torna
possível ajustar o número de ciclos e o período do sinal no domínio do tempo para que,
no domínio da frequência, o transdutor responda nas frequências desejadas.
Os sinais da Figura 8 possuem uma defasagem proporcional ao tempo de propa-
gação do sinal pelo meio. Esse tempo de atraso entre um sinal e outro é chamado tempo
de voo, e pode ser calculado de diversas maneiras. Como exemplo de técnicas para cál-
culo do tempo de voo, pode-se citar o método de detecção de pico das envoltórias dos
sinais, correlação cruzada e fase espectral. Dessa forma, conhecendo-se o tempo de voo, e
a distância de propagação, pode-se calcular o valor de velocidade de propagação do som
a partir da relação

𝑑
𝑐= , (2.4)
Δ𝑡
sendo c a velocidade de propagação do som no meio (m/s), d a distância de propagação
(m) e Δ𝑡 o tempo de voo (s).

2.2.1 Método pulso-eco


No modo pulso-eco, um único transdutor opera como transmissor e receptor. Um
exemplo deste arranjo de transdutores pode ser visto na Figura 9;

Figura 9 – Método de medição por pulso-eco.

Fonte: Do Autor.

A Figura 9 mostra uma cubeta sendo usada para armazenar a amostra de inte-
resse. A cubeta foi posicionada dentro de uma célula de medição, paralelamente a face do
transdutor emissor/receptor. O acoplamento acústico entre transdutor e cubeta/amostra
pode ser feito usando um líquido com propriedades conhecidas, como água destilada, por
exemplo. Na imagem, A𝑖 representa o sinal correspondente à onda de pressão incidente,
A0 o sinal refletido na parede da cubeta e A1 o sinal refletido após a propagação da onda
pelo meio de interesse.
Capítulo 2. Revisão teórica 14

Como pode ser observado, para casos onde se utiliza somente um transdutor (modo
pulso-eco), o primeiro sinal recebido será aquele que se propaga pelo meio até ser refletido
por um material com impedância acústica diferente. Na prática, esse sinal irá se propagar
no mínimo duas vezes pela amostra de interesse, ou seja,

2𝑑
𝑐= . (2.5)
Δ𝑡
Sempre que um meio com impedância acústica diferente é encontrado, parte da
energia do sinal emitido é transmitida e parte é refletida. Esse método de inspeção possui
a vantagem de utilizar apenas um transdutor, mas como desvantagem, exige que o sinal
se propague por, no mínimo, duas vezes pelo meio analisado (Meio 2). Para casos onde o
líquido de interesse apresenta alta viscosidade, isso representa um aumento do coeficiente
de atenuação, resultando em valor de amplitude menores para os sinais recebidos.

2.2.2 Método transmissão


No modo transmissão, são utilizados dois transdutores, como mostrado na Figura
10. A onda de pressão que se propaga através das camadas de água, paredes da cubeta e
amostra de interesse é representada pelo sinal A𝑖 .

Figura 10 – Método de inspeção por transmissão.

Fonte: Do Autor.

Com este método, assim como no método pulso-eco, pode-se calcular a variação da
velocidade e o coeficiente de atenuação com base nas diferenças entre o sinal enviado e o
sinal recebido. As desvantagens deste método é que para a realização de medições precisas,
é necessário garantir um alinhamento adequado entre os dois transdutores. O custo do
sistema também é um ponto que deve ser considerado, uma vez que dois transdutores são
necessários.
Como vantagem, pode-se citar a redução dos efeitos do coeficiente de atenuação em
líquidos viscosos, uma vez que o primeiro sinal recebido terá se propagado somente uma
vez pelo meio de interesse. Esse fator permite que sejam utilizados métodos de medição
Capítulo 2. Revisão teórica 15

relativos, onde o primeiro sinal recebido após a propagação da onda por um líquido de
referência (água destilada, por exemplo) é comparado ao primeiro sinal recebido após
a onda se propagar pelo líquido de interesse. Nesses casos, é fundamental garantir um
controle preciso de temperatura, uma vez que a velocidade de propagação e o coeficiente
de atenuação no meio variam em função da temperatura.

2.3 Métodos de medição


As propriedades dos líquidos de interesse podem ser determinadas usando siste-
mas de medição distintos, como citado anteriormente e, para isso, métodos de medição
diferentes podem ser utilizados. Neste trabalho, serão descritos os métodos de reflexões
relativas e de múltiplas reflexões. Esses métodos permitem que parâmetros como impe-
dância acústica e densidade possam ser obtidos de forma indireta, a partir dos valores de
velocidade de propagação e coeficiente de atenuação acústicos medidos.

2.3.1 Método de reflexões relativas


A Figura 11 apresenta um sistema em pulso-eco, com as mesmas características
descritas anteriormente, usado para caracterizar amostras de líquido por ultrassom.

Figura 11 – Célula de medição com a cubeta preenchida com ar.

Fonte: Do autor.

O método de reflexões relativas é utilizado em situações onde deseja-se determinar


a impedância acústica do meio em análise. Para isso, uma estratégia que costuma ser
utilizada é realizar uma medição inicial de referência usando ar no lugar do líquido de
interesse. Essa escolha é motivada pelo fato do ar apresentar valores de densidade e
velocidade de propagação do som baixos (0,0012 kg/m3 e 330 m/s a 25ºC), resultando
num valor baixo de impedância acústica (0,0004 MRayls). Dessa forma, sabendo-se que

𝑍2 − 𝑍1
𝑅= , (2.6)
𝑍2 + 𝑍1
Capítulo 2. Revisão teórica 16

e que 𝑍1 >> 𝑍2 , tem-se

𝑅 ≃ −1. (2.7)

A opção pela utilização do ar deve-se ao fato de que sua impedância acústica apre-
senta valores muito diferentes dos apresentados por líquidos e, devido a isso, praticamente
toda a energia do sinal emitido será refletida ao encontrar a interface entre líquido e ar.
Considerando o material referente ao meio 2 como ar, pode-se estimar os valores
do coeficiente de reflexão na parede da cubeta a partir da relação

𝐴0ar
𝑅𝑎𝑟 = (2.8)
𝐴𝑖
sendo 𝑅𝑎𝑟 o coeficiente de reflexão entre ar e parede da cubeta, 𝐴𝑖 a amplitude incidente
e 𝐴0 a amplitude do sinal refletido na interface entre os meios 1 e 2. Assumindo que
𝑅𝑎𝑟 ≃ −1, tem-se que 𝐴0ar ≃ −𝐴𝑖 .
Após adquirir o sinal de referência usando ar, deve-se preencher a cubeta com o
líquido de interesse e repetir o processo de medição. Os sinais utilizados nesta análise
estão representados na Figura 12.

Figura 12 – Célula de medição com a cubeta preenchida com o líquido de interesse.

Fonte: Do autor.

Na Figura, o sinal 𝐴0 representa a parcela de energia da onda refletida na interface


entre líquido de interesse e parede da cubeta, e o sinal 𝐴1 representa o sinal que se propaga
pela amostra, é refletido ao encontrar a segunda parede da cubeta e retorna ao transdutor.
É importante ressaltar que a título de simplificação, as reflexões de sinal que ocorrem nas
paredes da cubeta não estão sendo representadas nas imagens.
Substituindo-se esses termos na expressão anterior, tem-se

𝐴0liq 𝐴0liq
𝑅𝑙𝑖𝑞 = ≃− (2.9)
𝐴𝑖 𝐴0ar
onde 𝐴0liq representa a amplitude do sinal refletido na interface entre parede da cubeta e
líquido de interesse.
Capítulo 2. Revisão teórica 17

Dessa forma, assumindo que as propriedades acústicas do material usado para


fabricar a cubeta são conhecidas, pode-se calcular o valor da impedância acústica do
líquido de interesse. Essa informação poderia ser utilizada, por exemplo, para determinar
a densidade da amostra.

2.3.2 Método de múltiplas reflexões


Este método é semelhante ao descrito na seção anterior, uma vez que relaciona as
amplitudes dos sinais refletidos com a amplitude do sinal emitido. A diferença nesse caso
é que não é necessário realizar uma medição prévia em ar como no caso anterior.
Nessa configuração, o transdutor envia um pulso de amplitude 𝐴𝑖 que se propaga
através das camadas. Uma parcela desse sinal é refletida na interface formada pela parede
da cubeta e líquido de interesse (sinal 𝐴0 ), enquanto a outra parcela se propaga pela
amostra até atingir a interface formada entre líquido e parede da cubeta. O sinal refletido
se propaga novamente através do líquido até atingir a interface formada por líquido e
parede da cubeta. Nesse instante, parte do sinal é transmitida até o transdutor (sinal
𝐴1 ) e parte é novamente refletida. Esse processo se repete até que a amplitude do sinal
emitido seja totalmente atenuada (ADAMOWISKI et al., 2002). Para a análise proposta
neste trabalho, serão utilizados os sinais 𝐴1 e 𝐴2 , representados na Figura 13.

Figura 13 – Método das múltiplas reflexões.

Fonte: Do Autor.

A análise da Figura mostra que o sinal 𝐴0 pode ser obtido a partir da expressão

𝐴0 = 𝐴𝑖 𝑅12 𝑒 −2𝛼1 𝐿1 , (2.10)

sendo 𝐴0 o sinal refletido na primeira interface, 𝐴𝑖 o sinal emitido do transdutor, 𝑅12 o


coeficiente de reflexão da interface, 𝛼1 o coeficiente de atenuação do meio em que o sinal
se propaga e 𝐿1 a distância de propagação.
De maneira análoga, a amplitude do sinal 𝐴1 pode ser obtida a partir da expressão
Capítulo 2. Revisão teórica 18

𝐴1 = 𝐴𝑖 𝑇12 𝑅23𝑇21 𝑒 −2𝛼1 𝐿1 𝑒 −2𝛼2 𝐿2 , (2.11)

sendo 𝐴1 o sinal refletido na segunda interface, 𝑇12 e 𝑇21 os coeficiente de transmissão, 𝛼1


e 𝛼2 os coeficientes de atenuação dos meios.
Finalmente, pode-se repetir este procedimento considerando o sinal 𝐴2 , de modo
que

𝐴2 = 𝐴𝑖 𝑅21𝑇12 𝑅23 𝑅23𝑇21 𝑒 −2𝛼1 𝐿1 𝑒 −4𝛼2 𝐿2 . (2.12)

Relacionando-se essas expressões, pode-se determinar o valor da impedância acús-


tica do meio de interesse sem a necessidade de se realizar uma medição prévia em ar.
Nesse caso, tem-se como vantagem o fato de se extrair essa informação usando uma única
medição, mas em contrapartida, a desvantagem é que deve-se conhecer os valores dos co-
eficientes de atenuação dos meios que se deseja caracterizar. Esse pode ser um problema
para sistemas que trabalham com transdutores de baixa frequência (0,5 MHz a 5 MHz) e
líquidos com baixa atenuação, onde a tarefa de realizar medidas precisas dos coeficientes
de atenuação se tornaria uma tarefa mais complexa.

2.4 Efeitos causados pela difração, paralelismo e temperatura


A difração está diretamente relacionada à abertura do feixe acústico produzido
por um transdutor, que conforme apresentado na Figura 14, pode interferir na potência
do sinal recebido caso o receptor apresente uma área reduzida ou esteja muito distante
do transdutor emissor. Nessas condições, uma parcela do sinal emitido não chegaria ao
transdutor receptor.

Figura 14 – Representação do campo acústico gerado por um transdutor.

Fonte: Adaptado de Dorabiato (2007).

Esses efeitos estão relacionados a geometria dos transdutores e dos meios pelos
quais as ondas mecânicas se propagam. Técnicas matemáticas podem ser utilizadas para
Capítulo 2. Revisão teórica 19

compensar esses efeitos, como as descritas por Adamowski et al. (1995), por exemplo.
Como opção, pode-se utilizar um transdutor receptor de grande abertura, que por apre-
sentar seção transversal maior do que a do transdutor emissor não sofrerá com os efeitos
da abertura do feixe acústico.
A ausência de paralelismo entre transdutor e amostra, ou entre transdutores e
amostra para o caso de medições em transmissão, pode causar erros significativos nas me-
dições de velocidade e coeficiente de atenuação acústicos. A falta de alinhamento contribui
para uma variação no caminho de propagação acústico dos sinais e, além disso, modificará
os ângulos de incidência e reflexão das ondas emitidas e recebidas pelos transdutores.
A temperatura é outro parâmetro que afeta diretamente os valores de velocidade
de propagação e coeficiente de atenuação do som. De acordo com a expressão apresen-
tada por (Del Grosso; MADER, 1972), uma variação de temperatura de 24±1ºC resul-
taria numa variação de velocidade de propagação de 3,02 m/s. De forma semelhante,
Holmes, Parker e Povey (2011) apresentam uma expressão que relaciona o coeficiente de
atenuação do som na água com a temperatura. Dessa forma, para que seja possível efe-
tuar medições de velocidade de forma precisa, é essencial utilizar um sistema de controle
térmico de alta precisão.

2.5 Cálculo da velocidade de propagação do som


Vários métodos diferentes podem ser utilizados para se determinar os valores de
velocidade de propagação do som em líquidos, mas neste trabalho, optou-se por usar o
método da fase espectral. Para iniciar a análise, deve-se considerar inicialmente dois sinais,
𝐴0 (𝑡) e 𝐴1 (𝑡) defasados no tempo, de modo que

𝐴1 (𝑡) = 𝐴0 (𝑡 − Δ𝑡) (2.13)

sendo Δ𝑡 a diferença de tempo entre 𝐴0 (𝑡) e 𝐴1 (𝑡), chamada neste trabalho de tempo de
voo.
Calculando a Transformada de Fourier dos sinais apresentados, obtém-se

𝐴1 ( 𝑓 ) = 𝐴0 ( 𝑓 ).𝑒 − 𝑗 .2.𝜋. 𝑓 .Δ𝑡 . (2.14)

sendo 𝐴0 ( 𝑓 ) e 𝐴1 ( 𝑓 ) a representação dos sinais 𝐴0 (𝑡) e 𝐴1 (𝑡) no domínio da frequência.


As fases dos sinais 𝐴0 ( 𝑓 ) e 𝐴1 ( 𝑓 ) podem ser representadas por

𝜙0 ( 𝑓 ) = ∠ 𝐴0 ( 𝑓 ), (2.15)

𝜙1 ( 𝑓 ) = ∠ 𝐴1 ( 𝑓 ), (2.16)
Capítulo 2. Revisão teórica 20

sendo 𝜙0 ( 𝑓 ) e 𝜙1 ( 𝑓 ) a representação das fases, em radianos, dos sinais 𝐴0 ( 𝑓 ) e 𝐴1 ( 𝑓 ), em


função da frequência.
Relacionando-se as fases dos dois sinais, pode-se calcular o tempo de voo entre os
mesmos a partir da expressão

(𝜙0 ( 𝑓 ) − 𝜙1 ( 𝑓 ))
Δ𝑡 ( 𝑓 ) = . (2.17)
2.𝜋. 𝑓
Como observado, o valor de Δ𝑡 encontrado varia em função da frequência. Conhecendo-
se o valor da distância de propagação do som na amostra, pode-se calcular a velocidade
de propagação em função da frequência relacionando os valores de L e Δ𝑡.
Para calcular a velocidade de propagação em um líquido muito atenuante, pode-se
utilizar um material de propriedades conhecidas como referência como, por exemplo, a
água destilada. Dessa forma, os cálculos podem ser feitos considerando apenas o primeiro
sinal recebido em água e na amostra, reduzindo os efeitos do coeficiente de atenuação, das
múltiplas reflexões e do alinhamento dos transdutores.
Pode-se calcular o tempo de voo usando um líquido de referência a partir da
expressão

𝐿
𝑡ref ( 𝑓 ) = (2.18)
𝑐 ref ( 𝑓 )
sendo 𝑐 ref ( 𝑓 ) a velocidade de propagação do som no líquido de referência em função da
frequência (m/s), L o caminho de propagação (m) e 𝑡ref ( 𝑓 ) o tempo de voo de referência
(s).
Substituindo o líquido de referência por um líquido de interesse, e calculando-se
o tempo de voo relativo entre o primeiro sinal recebido para o líquido de referência e o
líquido de interesse, tem-se

𝐿
𝑡voo ( 𝑓 ) = 𝑡ref ( 𝑓 ) + Δ𝑡 ( 𝑓 ) = + Δ𝑡 ( 𝑓 ) (2.19)
𝑐 ref ( 𝑓 )
sendo 𝑡voo ( 𝑓 ) o tempo de propagação do som na amostra de líquido de interesse em função
da frequência (s).
A partir do valor calculado para 𝑡voo ( 𝑓 ) e sabendo que o valor de L é conhecido,
pode-se calcular o valor da velocidade de propagação do som na amostra através da
expressão

𝑐 ref ( 𝑓 )
𝑐( 𝑓 ) = , (2.20)
𝑐 ref ( 𝑓 )
1+ Δ𝑡 ( 𝑓 )
𝐿
onde 𝑐( 𝑓 ) representa a velocidade de propagação do som no líquido de interesse em função
da frequência (m/s).
Este método será utilizado neste trabalho para calcular a velocidade de propagação
do som nas amostras de leite com diferentes teores de gordura.
Capítulo 2. Revisão teórica 21

2.6 Cálculo dos coeficiente de atenuação


Como apresentado anteriormente, ondas mecânicas sofrem atenuação durante a
propagação através de um meio, seja por divergência do sinal em relação ao eixo de
propagação, absorção pelo meio ou por espalhamento do sinal. Esse parâmetro foi utilizada
por (DUKHIN; GOETZ, 2002) para caracterizar as amostras de leite e seus derivados.
Matematicamente, pode-se representar os efeitos do coeficiente de atenuação acústica a
partir da expressão

𝐴( 𝑓 ) = 𝐴0 ( 𝑓 ).𝑒 −𝛼𝐷 , (2.21)

sendo 𝐴(0)( 𝑓 ) a amplitude do sinal emitido em função da frequência, 𝐴( 𝑓 ) a amplitude


do sinal atenuado em função da frequência, 𝛼 o coeficiente de atenuação (Np/m) e 𝐷 a
distância de propagação do som (m).
O coeficiente de atenuação pode ser reescrito em função de um coeficiente auxiliar
𝛼0 , a partir da expressão

𝛼 = 𝛼0 . 𝑓 𝑛 , (2.22)

onde f representa a frequência e n um índice que, para líquidos, varia entre 1 e 2.


A determinação dos coeficientes de atenuação pode ser feita usando um método
de medição relativo, assim como o descrito anteriormente. Para isso, considerando um
sistema contendo um por par de transdutores operando em transmissão, deve-se coletar
o primeiro sinal recebido após a propagação da onda por um líquido de referência e o
primeiro sinal recebido após a propagação da onda pelo líquido de interesse.
Considerando o sistema de medição apresentado na Figura 10, onde utiliza-se
água como líquido acoplante entre as paredes da cubeta e transdutores, e assumindo que
inicialmente a cubeta seja preenchida com um líquido de referência, pode-se expressar a
relação entre as amplitudes dos sinais emitido e recebido pelos transdutores como

𝐴ref = 𝐴𝑖 .𝑇12 .𝑇2ref .𝑇ref2 .𝑇21 .𝑒 −2𝛼1 𝐿 1 .𝑒 −2𝛼2 𝐿 2 .𝑒 −𝛼ref 𝐿 , (2.23)

sendo 𝐴ref a amplitude do sinal recebido considerando o líquido de referência, 𝐴𝑖 a ampli-


tude do sinal emitido, 𝑇12 e 𝑇21 os coeficientes de transmissão entre a camada de água de
acoplamento e parede da cubeta (e vice-versa), 𝑇2ref e 𝑇ref2 os coeficientes de transmissão
entre a parede da cubeta e líquido de referência (e vice-versa), 𝛼1 , 𝛼2 e 𝛼𝑟𝑒 𝑓 os coeficientes
de atenuação da água, material da parede da cubeta e líquido de referência, respectiva-
mente, e 𝐿 1 e 𝐿 2 as distâncias de propagação do som na camada de água de acoplamento
e parede da cubeta, respectivamente.
É importante ressaltar que os valores de amplitude e os coeficientes de transmissão
variam em função da frequência, e não foram representados nas expressões para simplificar
a notação. O mesmo critério será adotado nos passos descritos na sequência.
Capítulo 2. Revisão teórica 22

Ao substituir o líquido de referência pelo líquido de interesse, tem-se

𝐴liq = 𝐴𝑖 .𝑇12 .𝑇2liq .𝑇liq2 .𝑇21 .𝑒 −2𝛼1 𝐿 1 .𝑒 −2𝛼2 𝐿 2 .𝑒 −𝛼liq 𝐿 , (2.24)

onde os sub-índices ref fora substituídos pelos sub-índices liq.


Assumindo que os líquidos de interesse e de referência apresentem valores de impe-
dância acústica semelhantes, pode-se relacionar as duas expressões de forma simplificada,
de modo que

𝐴liq
𝐴
𝛼liq = 𝛼ref − ref . (2.25)
𝐿
Caso a água seja adotada como líquido de referência, pode-se calcular os valores de
𝛼agua em função da temperatura a partir da expressão apresentada por Holmes, Parker e Povey
(2011), simplificando o processo de medição.

2.7 Considerações parciais


Este Capítulo apresentou uma revisão teórica abordando os principais conceitos
necessários para compreender as análises realizadas ao longo deste trabalho. Inicialmente,
foram descritos sistemas de medição acústicos compostos por transdutores operando em
transmissão e pulso-eco, com sinais de excitação de onda pulsada. Na sequência, foram
descritos os métodos de medição de reflexões relativas e múltiplas reflexões, que podem ser
aplicados em situações onde se deseja determinar os coeficientes de reflexão e transmissão
amostras de interesse.
Foram descritos os efeitos causados pelo descasamento de impedâncias, abertura
do feixe acústico e problemas de alinhamento entre transdutor e amostras. Ao final, foram
apresentados métodos para cálculo da velocidade de propagação e coeficiente de atenuação
em função da frequência, e discutidos os efeitos da variação de temperatura nas medições
destes parâmetros.
23

3 Metodologia

Neste capítulo, apresenta-se uma descrição da metodologia utilizada ao longo deste


trabalho. Inicialmente, apresenta-se a célula de medição de alta-frequência utilizada para
caracterizar as amostras de leite em função do teor de gordura. São descritas as principais
características do sistema, bem como o procedimento que deve ser seguido para realizar
os processos de calibração e, posteriormente, medição das amostras de interesse.
Na sequência, descreve-se o processo adotado para preparação das amostras ana-
lisadas e os critérios adotados para se definir o método de medição utilizado. Finalmente,
apresenta-se um aplicativo desenvolvido ao longo do trabalho para simplificar a utilização
do sistema.

3.1 Sistema de medição ultrassônico


A célula de medição utilizada neste trabalho foi desenvolvida por Tiago (2018).
Essa célula foi projetada para trabalhar com amostras de pequeno volume(3 ml), ma-
nipuladas através da utilização de cubetas para espectrofotômetros. O corpo da célula
foi construído em alumínio, e foram utilizados dois transdutores de 75 MHz( Olympus,
modelo V3320) com linhas de retardo de quartzo de 19,5 𝜇𝑠, operando em modo trans-
missão. Neste trabalho, foram utilizadas cubetas de quartzo, e o acoplamento acústico
entre cubeta e transdutores foi feito usando uma pequena camada de água deionizada,
com espessura de, aproximadamente, 0,5 mm.
Para o controle térmico do sistema, foram utilizadas duas pastilhas de efeito Peltier
(Danvic, modelo TEC-12706), posicionadas nas laterais do bloco de alumínio e acionadas
eletronicamente por um circuito do tipo ponte H (Infineon, modelo BTS7960). Um mi-
crocontrolador (Espressif, modelo ESP32) foi utilizado para ajustar o módulo e sentido
da corrente aplicada as células Peltier. A temperatura da amostra foi monitorada por
um termômetro de precisão (Isotech, modelo Milik) com resolução de 1 mK, calibrado
conforme o padrão ITS-90. Esse sistema de medição e controle de temperatura garante
um erro em regime permanente menor que 0,01 ºC.
Os transdutores foram excitados utilizando um pulsador programável (JSR, mo-
delo DPR500) operando juntamente à um módulo pulsador/amplificador remoto (JSR,
modelo RP-H2). Aplicou-se como sinal de excitação um pulso estreito, com amplitude de
-300V e duração de 120 ns. Para adquirir os sinais, foi utilizada uma placa de aquisição
(Signatec, modelo PX14400) com 14 bits de resolução e frequência de amostragem de
400 MHz.
Para controlar os equipamentos ao longo do processo de excitação e aquisição e,
posteriormente, processar os sinais, desenvolveu-se um aplicativo em ambiente Matlab
Capítulo 3. Metodologia 24

capaz de gerenciar todas as informações relacionadas ao processo. Esse aplicativo permite


que o usuário defina os parâmetros de configuração dos instrumentos, tais como valores de
temperatura de medição, ganho do amplificador de recepção, tensão do pulso de excitação
e ajuste das janelas de tempo usadas ao longo do processo de aquisição, entre outros. A
Figura 15 apresenta a interface inicial do aplicativo desenvolvido.

Figura 15 – Tela principal do aplicativo desenvolvido.

Fonte: Do Autor.

Numa aba secundária, o aplicativo oferece funções que podem ser utilizadas para
realizar os cálculos de velocidade de propagação e coeficiente de atenuação das amostras
analisadas, usando como referência as expressões matemáticas apresentadas no Capítulo
anterior. Mais detalhes a respeito do software desenvolvido podem ser encontrados no
apêndice.

3.2 Calibração do sistema e medição das amostras


As medições realizadas ao longo deste trabalho foram baseadas no método de me-
dição relativo, onde os valores de velocidade e coeficiente de atenuação são calculados
em relação a um líquido de referência com propriedades conhecidas. Água deionizada foi
utilizada como líquido de referência, por apresentar propriedades físicas conhecidas e esta-
belecidas na literatura. Todas as medições foram realizadas com temperatura controlada
a 25ºC. A Figura 16 apresenta uma vista em corte da célula de medição, indicando os
sinais utilizados ao longo do processo.
Por se tratar de um método de medição relativo, antes de iniciar de fato o processo
de medição, é necessário calibrar o sistema usando o líquido de referência. As etapas de
calibração e medição serão descritas na sequência.
Capítulo 3. Metodologia 25

Figura 16 – Vista em corte da célula de medição utilizada neste trabalho.

Fonte: Do Autor.

3.2.1 Calibração do sistema


O sistema desenvolvido neste trabalho pode ser utilizado tanto para medições di-
retas utilizando o primeiro sinal recebido e o primeiro eco, quanto para medições relativas
à um líquido de referência. Em ambos os casos, ao longo do processo de calibração, devem
ser adquiridos tanto o primeiro sinal recebido (At ) quanto o primeiro eco (Aeco ). A partir
desses dois sinais, e assumindo que a velocidade de propagação do som no líquido de re-
ferência é conhecida, pode-se determinar o tamanho do caminho de propagação acústico
a partir da expressão

L(T,f) = tref (T,f). cref (T,f), (3.1)

onde tref representa o tempo de voo entre os sinais At e Aeco (s), e cref a velocidade de
propagação do som na água, T representa a temperatura (ºC) e f a frequência (Hz).
Como já mencionado, a velocidade de propagação do som em líquidos depende
da temperatura e varia em função da frequência. Para a água, os valores de dispersão
(variação da velocidade em função da frequência) apresentados considerando a largura de
banda utilizada neste trabalho (20 MHz a 80 MHz) são desprezíveis.
O alinhamento é um ponto importante que deve ser considerado durante o pro-
cesso de calibração. Caso os transdutores estejam desalinhados, ou se a cubeta não estiver
alinhada de forma paralela a face dos transdutores, os valores de L podem mudar e os
ângulos de incidência do feixe acústicos podem ser diferentes dos previstos inicialmente.
Neste trabalho, foram utilizados calibres de folga, posicionados nas laterais da cubeta,
para alinhá-la em relação aos transdutores, e o mesmo processo foi repetido na etapa de
Capítulo 3. Metodologia 26

medição. Essa metodologia não garante um alinhamento ideal, mas garante um alinha-
mento repetitivo.
Após o término do processo de calibração, são armazenados num arquivo os si-
nais At e Aeco , os valores de L, cref e T, além dos valores do coeficiente de atenuação
da água em função da temperatura calculados a partir da expressão apresentada por
(HOLMES; PARKER; POVEY, 2011).

3.2.2 Procedimento de medição


Após o processo de calibração, o líquido de referência deve ser substituído pelo
líquido de interesse. Feito isso, o processo de excitação dos transdutores e aquisição dos
sinais deve ser repedido, e o operador deve decidir se irá realizar uma medida direta ou
relativa. Nos dois casos, o tamanho do caminho de propagação utilizado (L) será o mesmo
obtido na etapa de calibração, e a temperatura deverá ser ajustada com o mesmo valor
usado durante a determinação de L.
Para medições diretas, os sinais At med e Aeco med, adquiridos a partir da amostra
de interesse, serão aplicados nos cálculos de velocidade de propagação e coeficiente de
atenuação. Para medidas relativas, serão utilizados os sinais At ref e os sinais At med para
a realização dos cálculos.
É importante ressaltar que para minimizar os erros de medição e reduzir as in-
certezas experimentais, é necessário garantir que as condições de alinhamento e controle
térmico usadas na etapa de calibração possam ser repetidas na etapa de medição. Sem
essa reprodutibilidade, não seria possível relacionar os sinais obtidos a partir de medições
diferentes.
Também é importante reforçar que a condição de contorno adotada neste trabalho
leva em consideração que os líquidos utilizados para calibração e medição apresentam valor
de impedância acústica semelhantes. Essa consideração simplifica o cálculo do coeficiente
de atenuação, uma vez que pode-se desprezar as diferenças entre as perdas por transmissão
nos dois experimentos. Entretanto, caso essa condição não seja atendida, seria necessário
determinar os valores de impedância acústica dos líquidos de interesse antes de calcular
os coeficientes de atenuação.
As análises foram feitas assumindo que as medições estão sendo realizadas na região
do campo próximo dos transdutores. Dessa forma, foram considerados valores de difração
(abertura do feixe acústico em função da distância de propagação percorrida) muito pe-
quenos, que foram desprezados ao longo dos cálculos. Para medições envolvendo maiores
distâncias de propagação, seria necessário utilizar os métodos de correção matemáticos
para os cálculos de velocidade de propagação e coeficiente de atenuação apresentados por
Adamowski et al. (1995).
Capítulo 3. Metodologia 27

3.3 Preparação das amostras


Para preparar as amostras, foram selecionadas caixas de leite UHT de uma mesma
marca, nas variedades integral, semidesnatado e desnatado, compradas em um supermer-
cado local. A fim de avaliar a repetibilidade das amostras, foram adquiridas três caixas
de leite do mesmo lote para cada variedade proposta, totalizando nove caixas. Antes da
utilização, as caixas foram mantidas fechadas num refrigerador por um período de 24
horas.
Além das três amostras de leite UHT citadas, foram preparadas misturas de leite
integral e leite desnatado, para diferentes proporções. Para preparação das misturas,
utilizou-se uma balança analítica com 4 casas decimais para definir proporções em massa
de leite integral e desnatado.
As amostras foram preparadas utilizando as caixas de leite após o período de 24
horas no refrigerador. Após a abertura das caixas de leite, foram preparadas misturas
com 20% de leite integral e 80% de leite desnatado, 40% de leite integral e 60% de leite
desnatado, 60% de leite integral e 40% de leite desnatado e 80% de leite integral e 20%
de leite desnatado. Cada amostra foi misturada com o auxílio de um agitador magnético,
que permaneceu ligado por 5 minutos.
Para cada conjunto de caixas de leite integral e desnatado, preparou-se um novo
conjunto de misturas, totalizando um total de três conjuntos de misturas diferentes. Após
o processo de agitação, as amostras foram novamente depositadas num refrigerador, por
um período de 1 hora. Esse período de repouso foi adotado para que possíveis bolhas de
ar que poderiam ter sido formadas durante o processo de agitação das amostras fossem
dissipadas. Somente após todo esse processo é que as amostras foram caracterizadas por
ultrassom.
Antes de iniciar o processo de medição, as amostras foram retiradas do refrigerador
uma a uma, e mantidas a temperatura ambiente (24ºC) por um período de 5 minutos. Após
esse período, alíquotas de leite foram separadas para que fossem medidas as densidades
das amostras. Nessa etapa, um densímetro portátil (Anton Paar, modelo DMA35), com
resolução de 0,0015 g/cm3 foi utilizado.
O processo de medição usando a célula ultrassônica leva, aproximadamente, 5
minutos, de modo que as amostras de leite permaneceram fora do refrigerador por, no
máximo 10 minutos. O cuidado com esses tempos é necessário para minimizar os riscos de
contaminação das amostras. Foram realizadas três medições para cada amostra preparada,
a fim de se minimizar os erros experimentais. Todas as medições foram realizadas no
mesmo dia.
Capítulo 3. Metodologia 28

3.4 Definição do método de medição


A fim de se definir o método de medição mais adequado para a análise das amostras
de leite, foram realizados testes iniciais considerando amostras de leite desnatado e leite
integral retiradas diretamente das caixas de leite UHT. O resultado obtido a partir da
análise realizada com leite desnatado pode ser visto na Figura 17.

Figura 17 – Sinais adquiridos a partir de amostras de água deionizada e leite desnatado,


a uma temperatura de 25±0,01ºC.
400 1
Água Água

Magnitude (V/V)
Leite Leite
Amplitude (mV)

0.8
200
0.6

0 0.4

0.2
-200
0
10.2 10.3 10.4 10.5 10.6 10.7 10.8 0 20 40 60 80 100 120
Tempo (𝜇s) Frequência (MHz)

(a) Sinais At . (b) Espectros de magnitude dos sinais At (f).


1
50 Água Água
Magnitude (V/V)

Leite Leite
Amplitude (mV)

0.8

0.6
0
0.4

0.2

-50 0
23.4 23.6 23.8 24 24.2 0 20 40 60 80 100 120
Tempo (𝜇s) Frequência (MHz)

(c) Sinais Aeco . (d) Espectros de magnitude dos sinais Aeco (f).
Fonte: Do Autor.

Nas imagens, são apresentados os sinais At e Aeco no domínio do tempo con-


siderando as duas amostras analisadas. Pode-se observar que os sinais obtidos após a
propagação das ondas por água apresentam maiores valores de amplitude do que os que
se propagaram pelo leite desnatado. Essa variação de amplitude deve-se aos efeitos dos
coeficientes de atenuação, que são maiores no leite desnatado do que na água. Além disso,
observa-se que ao lado dos sinais de eco, há várias oscilações em torno do sinal de interesse.
Essas oscilações representam os sinais provenientes das múltiplas reflexões que ocorrem
nas camadas de água de acoplamento e nas paredes de quartzo da cubeta utilizada para
depositar as amostras.
Ao analisar os sinais no domínio da frequência, observa-se que a largura de banda
dos sinais referentes as ondas que se propagaram em água é maior do que a dos sinais
que se propagaram no leite. Esse comportamento era esperado, pois como mencionado
anteriormente, o coeficiente de atenuação aumenta em função da frequência.
Considerando somente a amostra de leite desnatado, já seria possível verificar que
a opção pelo método de medição relativo seria mais indicada para a análise do leite, uma
vez que a amplitude do sinal de eco em leite é muito menor e as reflexões presentes nesse
Capítulo 3. Metodologia 29

sinal geram grande distorção no espectro de magnitude dos sinais analisados no domínio
da frequência. Mesmo assim, optou-se por repetir a análise, considerando uma amostra
de leite integral, como pode ser observado na Figura 18.

Figura 18 – Sinais adquiridos a partir de amostras de água deionizada e leite integral, a


uma temperatura de 25±0,01ºC.
400 1
Água Água

Magnitude (V/V)
Leite Leite
Amplitude (mV)

0.8
200
0.6

0 0.4

0.2
-200
0
10.2 10.3 10.4 10.5 10.6 10.7 10.8 0 20 40 60 80 100 120
Tempo (𝜇s) Frequência (MHz)

(a) Sinais At . (b) Espectros de magnitude dos sinais At (f).


1
50 Água Água

Magnitude (V/V)
Leite Leite
Amplitude (mV)

0.8

0.6
0
0.4

0.2

-50 0
23.4 23.6 23.8 24 24.2 0 20 40 60 80 100 120
Tempo (𝜇s) Frequência (MHz)

(c) Sinais Aeco . (d) Espectros de magnitude dos sinais Aeco (f).
Fonte: Do Autor.

A análise dos sinais adquiridos a partir da análise de amostras de leite integral


no domínio do tempo mostra que o sinal de eco é praticamente atenuado por completo,
limitando a utilização do método de medição direto nesta situação.
O método de medição direto poderia ser uma alternativa para casos onde os siste-
mas de medição operam com transdutores de baixa frequência (entre 1 MHz e 10 MHz),
mas mostrou-se pouco viável para análises usando transdutores de alta frequência. Dessa
forma, todas as medições e resultados apresentados no próximo capítulo foram realiza-
dos usando o método de medição relativo, considerando água deionizada como líquido de
referência.

3.5 Considerações parciais


Neste Capítulo, foram descritas as principais características do sistema de medição
acústico utilizado no desenvolvimento deste trabalho, bem com as características dos
sistemas de excitação e aquisição necessários para excitar os transdutores e adquirir os
sinais. O controle dos instrumentos foi realizado de forma remota, a partir de um aplicativo
desenvolvido através do software Matlab.
Capítulo 3. Metodologia 30

Foram descritos os procedimentos de calibração e medição de amostras de líquidos


considerando o sistema de medição proposto, destacando-se o fato de a calibração seria
necessária independentemente do método de medição escolhido pelo usuário.
Também foram apresentados os procedimentos adotados ao longo da etapa de
preparação das amostras de leite, indicando os critérios adotados para preparação de
misturas com diferentes teores de gordura e destacando-se os cuidados tomados em relação
a refrigeração e período de repouso das amostras antes de sua utilização.
Finalmente, após um conjunto de análises preliminares, optou-se por utilizar o
método de medição relativo, considerando água como líquido de referência. Essa opção
deveu-se ao fato de as amostras de leite apresentarem valores elevados de coeficientes de
atenuação, limitando a utilização dos sinais de eco para as faixas de frequência analisadas
neste trabalho.
31

4 Resultados e discussões

Neste Capítulo são apresentados os principais resultados obtidos ao longo deste tra-
balho. Inicialmente, apresentam-se os resultados das medições de densidade das amostras
de leite analisadas, relacionando-se os valores alcançados a valores de referência encontra-
dos na literatura.
Na sequência, são apresentados os resultados dos valores das velocidades de propa-
gação e coeficientes de atenuação em função da frequência encontrados para cada amostra.
Ao final, apresenta-se uma análise relacionando os efeitos do teor de gordura aos valores
de dispersão e coeficiente 𝛼0 encontrados.

4.1 Densidade das amostras de leite analisadas


Como mencionado, antes de iniciar o processo de medição das propriedades acús-
ticas das amostras de leite, realizou-se a medição dos valores de densidade das mesmas. A
Figura 19 apresenta os valores de densidade medidos, onde os pontos em azul descrevem
a medição dos valores de densidade para os leites integral, semidesnatado, desnatado e
as misturas de leite integral com desnatado. O ponto em laranja indica uma discrepância
encontrada durante as medições, para a amostra de leite semidesnatado.

Figura 19 – Densidade das amostras de leite considerando diferentes teores de gordura.


As medições foram realizadas a uma temperatura de 23,8ºC.

Teor de gordura
1032 Desnatado - 0,5%
Semidesnatado - 1,0%
Integral - 3,0%
Densidade (kg/m3 )

1031 1,0%
1,5%
2,0%
2,5%
1030

1029

0.5 1 1.5 2 2.5 3


Teor de gordura (%)
Fonte: Do Autor.

Os valores de teor de gordura adotados ao longo do trabalho foram calculados


considerando as informações nutricionais disponibilizadas no rótulo das caixas de leite
UHT utilizadas. Essas informações indicavam que o leite desnatado apresenta um teor
Capítulo 4. Resultados e discussões 32

de gordura de 0,5%, o leite semidesnatado 1,0% e o leite integral 3,0%. Considerando


as proporções descritas no Capítulo anterior, foram estimados os teores de gordura das
misturas preparadas usando leite desnatado e integral. Os resultados apresentados no
gráfico representam o valor médio referente as medições de densidade dos três conjuntos
de amostras analisados.
Ao analisar o gráfico, observa-se uma variação de densidade proporcional a varia-
ção do teor de gordura das amostras, exceto para o leite semidesnatado (ponto represen-
tado em laranja), que apresentou grande discrepância em relação aos demais pontos. Esse
mesmo comportamento se repetiu nas medições de velocidade de propagação e coefici-
ente de atenuação, como será observado posteriormente. Isso indica que, possivelmente, o
teor de gordura das amostras de leite semidesnatado utilizados não corresponde ao valor
informado pelas informações nutricionais fornecidas pelo fabricante.
Para confirmar as informações dispostas nos rótulos das caixas de leite, e caracte-
rizar as amostras preparadas em laboratório, seria necessário realizar uma análise química
usando um método de referência ou utilizar um instrumento de medição comercial apro-
vado por um órgão regulamentador. Esse procedimento não foi realizado neste trabalho
por falta de recursos econômicos.
A alternativa encontrada durante o desenvolvimento deste trabalho foi a de utilizar
como referência as expressões apresentadas por Ueda (1999), que relaciona os valores de
densidade e temperatura para amostras de leite integral e desnatado. O valor de densidade
calculado considerando o leite desnatado a uma temperatura de 23,8ºC foi de 1032,3
kg/m3 , e o valor de densidade medido nessa mesma temperatura foi de 1032,1 kg/m3 . Em
relação ao leite integral, o valor de densidade calculado considerando uma temperatura
de 23,8ºC foi de 1027,9 kg/m3 , enquanto o valor medido foi de 1028,5 kg/m3 .
É possível que a diferença entre os valores calculados e medidos tenha sido causada
por variações na temperatura da amostra, uma vez que o densímetro utilizado (DMA35)
possui um sensor para medir a temperatura, mas não possui um sistema de controle
térmico. Analisando novamente a Figura 19, nota-se que o valor da densidade medida para
leite integral apresenta um valor mais elevado do que o esperado seguindo a tendência dos
pontos anteriores. Isso indica que, possivelmente, o valor calculado para densidade do leite
integral esteja mais próximo do valor que deveria ter sido medido experimentalmente.

4.2 Velocidade de propagação do som em amostras de leite


Após o processo de medição de densidade, as amostras foram depositadas numa
cubeta de quartzo e posicionadas na célula de medição. A temperatura da célula foi ajus-
tada em 25ºC, e foram adquiridos os primeiros sinais recebidos. Estes sinais, juntamente
com os sinais de referência adquiridos em água a uma mesma temperatura, foram uti-
lizados para calcular os valores de velocidade de propagação do som nas amostras. Os
Capítulo 4. Resultados e discussões 33

resultados obtidos são apresentados na Figura 20, que representa a variação de velocidade
em função da frequência, considerando uma largura de banda entre 20 MHz e 80 MHz.

Figura 20 – Velocidade de propagação do som em função da frequência para amostras de


leite com diferentes teores de gordura. As medições foram realizadas a uma
temperatura de 25±0,01ºC.

1530
Teor de gordura
Desnatado - 0,5%
1529 Semidesnatado - 1,0%
Integral - 3,0%
Velocidade (m/s)

1528 1,0%
1,5%
1527 2,0%
2,5%

1526

1525

1524
20 30 40 50 60 70 80
Frequência (MHz)
Fonte: Do Autor.

As curvas apresentadas na Figura 20 representam a média de nove aquisições


realizadas, sendo 3 aquisições para cada amostra e três amostras para cada teor de gordura.
Os resultados mostram que os valores de velocidade diminuem a medida que o teor de
gordura das amostras aumenta, é possível notar também uma variação quase linear com
a variação da frequência o que ficará mais visível com a análise de um ponto central de
frequência.
Como comentado anteriormente, nota-se que os valores obtidos para a amostra de
leite semidesnatado apresentam um comportamento diferente do esperado, considerando
um teor de gordura de 1,0% como informado nas embalagens.
Tendo em vista essa aparente linearidade, analisamos um novo gráfico, considerando-
se somente o ponto médio corresponde a frequência de 50 MHz, pode ser observado na
Figura 21a. Na Figura 21b, pode-se observar também o resultado do cálculo das incertezas
do tipo A obtidas a partir das medições realizadas. As curvas referentes as amostras de
leite semidesnatado foram removidas deste gráfico, uma vez que não foi possível medir o
valor correto de teor de gordura das amostras.
Os resultados mostram que a variação de velocidade em função do teor de gor-
dura para a frequência de 50 MHz apresentam um comportamento que pode ser ajustado
usando uma função de primeira ordem. O coeficiente angular obtido, que relaciona velo-
cidade de propagação com % de teor de gordura, foi de -1,64 ((m/s)/%). As incertezas
experimentais obtidas estão de acordo com as características reportadas no trabalho de
Tiago (2018), que indica uma resolução de 1 cm/s para a célula de medição empregada.
Capítulo 4. Resultados e discussões 34

Figura 21 – Velocidade de propagação do som e incertezas padrão tipo A calculadas a


partir de amostras de leite com diferentes teores de gordura, para a frequência
central de 50 MHz.

1530

1529
Velocidade (m/s)

1528

1527

1526
Dispersão por amostra
1525 Ajuste linear
Intervalo de confiança de 95%
1524
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
(a) Velocidade de propagação em função do teor de gordura.

0.9
Incertezas (cm/s)

0.8

0.7

0.6

0.5

0.4

0.3
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
(b) Incertezas tipo A.
Fonte: Do Autor.

É importante ressaltar que esse valor de frequência foi escolhido por representar o centro
da banda de frequências em análise, mas a análise poderia ser repetida considerando um
valor de frequência diferente.
Finalmente, realizou-se uma análise da dispersão das curvas de velocidade apre-
sentadas na Figura 22. Essa análise relaciona a variação de velocidade em função da
frequência, considerando a faixa de frequências entre 20 MHz e 80 MHz. Para encon-
trar essa relação, realizou-se um ajuste linear para cada curva, e os coeficientes angulares
de cada reta ajustada foram associados ao teor de gordura da amostra analisada. Nova-
mente, as amostras referentes ao leite semidesnatado foram removidas desta avaliação. Os
resultados obtidos podem ser observado na Figura 22.
Capítulo 4. Resultados e discussões 35

Figura 22 – Dispersão das curvas de velocidade de propagação do som em função da


frequência, considerando uma largura de banda entre 20 MHz e 80 MHz.

Dispersão por amostra


1.8 Ajuste linear
Dispersão ((cm/s)/MHz)

Intervalo de confiança de 95%


1.6

1.4

1.2

0.8

0.6
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
Fonte: Do Autor.

Os resultados apresentados mostram que diferentemente do que ocorre com as


curvas de velocidade, onde os valores diminuem em função do aumento do teor de gordura,
a dispersão aumenta em função do aumento da quantidade de gordura das amostras.
Como pode ser observado, a variação dos valores de dispersão nas medidas de velocidade
em relação ao teor de gordura das amostras pode ser aproximado para uma função de
primeira ordem. Para as amostras analisadas neste trabalho, obteve-se uma variação de
0,43 (((cm/s)/MHz)/%).

4.3 Coeficiente de atenuação acústico em amostras de leite


Os mesmos sinais utilizados nos cálculos de velocidade foram usados para calcular
os coeficientes de atenuação das amostras. Assim como no caso anterior, definiu-se uma
largura de banda entre 20 MHz e 80 MHz, e foram calculadas as médias das curvas
referentes a cada conjunto de amostras com mesmo teor de gordura. Os resultados podem
ser observados na Figura 23
Como esperado, os resultados obtidos a partir da análise do leite semidesnatado
confirmam que o teor de gordura informado nas etiquetas das caixas adquiridas não está de
acordo com o valor efetivamente medido. Convém ressaltar que mesmo não apresentando
um teor de gordura de 1%, essas amostras ainda estariam de acordo com as normas vigen-
tes definidas pelo Ministério da Agricultura do Brasil, que definem um alcance grande de
variação para o leite semidesnatado, entre 0,6% e 2,9% . Os valores de coeficiente de atenu-
ação medidos considerando as amostras de leite desnatado e integral estão de acordo com
os apresentados por Dukhin e Goetz (2002). Para estas curvas de atenuação, nota-se que
Capítulo 4. Resultados e discussões 36

Figura 23 – Coeficiente de atenuação acústica em função da frequência para amostras de


leite com diferentes teores de gordura. As medições foram realizadas a uma
temperatura de 25±0,01ºC.

600
Teor de gordura
Desnatado - 0,5%
Coef. de atenuação (Np/m)

500 Semidesnatado - 1,0%


Integral - 3,0%
400 1,0%
1,5%
300 2,0%
2,5%

200

100

0
20 30 40 50 60 70 80
Frequência (MHz)
Fonte: Do Autor.

os valores aumentam conforme aumenta o teor de gordura e é possível verificar também


que há uma maior dispersão entre as curvas de acordo com a variação na frequência.
Assim como na abordagem para a velocidade, um novo gráfico foi elaborado consi-
derando apenas os pontos correspondentes a frequência de 50 MHz. Os resultados obtidos,
assim como os valores de incertezas tipo A calculados, podem ser observados na Figura
24a.
Os resultados obtidos mostram que os coeficientes de atenuação aumenta em fun-
ção do aumento do teor de gordura das amostras, como a dispersão é maior com o au-
mento da frequência essa análise poderia trazer informações mais visíveis para um valor de
frequência maior, no entanto optamos por seguir o mesmo padrão de abordagem. A partir
de uma aproximação linear, foi possível encontrar uma variação de, aproximadamente,
51,3 ((Np/m)/%). na Figura 24b as incertezas calculadas também estão de acordo com
as características do equipamento reportadas por Tiago (2018), que define uma resolução
de 1 Np/m para o instrumento utilizado neste trabalho.
Finalmente, as curvas apresentadas na Figura 25 foram utilizadas para que fosse
possível determinar os valores dos coeficientes 𝛼0 para as diferentes amostras analisadas.
Para isso, a partir da expressão

𝛼 = 𝛼0 .fn , (4.1)

foram fixados os valores de n = 2 e a representação dos valores de f foi definida em MHz.


A partir destas definições, e considerando uma largura de banda entre 20 MHz e
80 MHz, foram calculados os valores de 𝛼0 apresentados na Figura 25.
Capítulo 4. Resultados e discussões 37

Figura 24 – Coeficiente de atenuação do som e incertezas padrão tipo A calculadas a


partir de amostras de leite com diferentes teores de gordura, para a frequência
central de 50 MHz.

300
Dispersão por amostra
Ajuste linear
Coef. de atenuação (Np/m)

Intervalo de confiança de 95%

250

200

150
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
(a) Coeficiente de atenuação em função do teor de gordura.

0.25

0.2
Incertezas (Np/m)

0.15

0.1

0.05
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
(b) Incertezas tipo A.
Fonte: Do Autor.

A análise do gráfico mostra que, como esperado, os valores de 𝛼0 também aumen-


tam em função do aumento do teor de gordura, numa taxa de 0,01 (((Np/m)/MHz2 )/%).
Vale ressaltar que esse tipo de medição só foi possível pois o sistema de medição acústico
utilizado neste trabalho opera em banda larga, haja vista que as variações de 𝛼0 obtidas
foram muito baixas.

4.4 Considerações parciais


Neste capítulo, foram apresentados os principais resultados obtidos ao longo deste
trabalho. Os valores de densidade medidos para as amostras de leite desnatado e integral
Capítulo 4. Resultados e discussões 38

Figura 25 – Ajuste linear estimado a partir dos coeficientes 𝛼0 obtidos a partir das curvas
de atenuação acústica em função da frequência, considerando uma largura de
banda entre 20 MHz e 80 MHz.

Coef. 𝛼0 por amostra


0.07 Ajuste linear
Coef. 𝛼0 ((Np/m)/MHz2 )

Intervalo de confiança de 95%

0.06

0.05

0.04
0.5 1 1.5 2 2.5 3
Teor de gordura (%)
Fonte: Do Autor.

apresentaram uma variação em relação aos valores de referência, calculados a partir de


expressões encontradas na literatura e apresentados na seção 4.1. Essa divergência pode ter
sido resultado de variações térmicas entre o valor lido pelo sensor presente no densímetro
e o valor real da temperatura das amostras.
Todas as análises realizadas mostraram uma discrepância entre resultados espera-
dos e medidos para a amostra de leite semidesnatado. Isso indica que, possivelmente, o
teor de gordura do leite informado nas caixas não representa o teor de gordura das amos-
tras efetivamente analisadas. Ainda assim, é importante ressaltar que os valores medidos
estão de acordo com as exigências do Ministério da Agricultura do Brasil.
Os valores de velocidade medidos apresentaram uma redução em função do au-
mento do teor de gordura das amostras. Considerando apenas medições realizadas a uma
frequência de 50 MHz, essa redução foi de -1,64 ((m/s)/%). Em contrapartida, a disper-
são das medidas de velocidade aumentou em função do aumento do teor de gordura. Esse
aumento foi de, aproximadamente, 0,43 (((cm/s)/MHz)/%) considerando uma largura de
banda de 20 MHz a 80 MHz. Ressalta-se que esses valores poderiam ser diferentes caso a
análise fosse repetida considerando outros valores de temperatura.
Finalmente, a análise das informações obtidas a partir dos coeficientes de atenuação
mostra que, para uma frequência de 50 MHz, esses coeficientes aumentam numa relação
de 51,3 ((Np/m)/%). De forma semelhante, os valor obtidos para 𝛼0 , considerando-se f
em MHz, n = 2 e uma largura de banda entre 20 MHz e 80 MHz, apresentaram um
aumento proporcional ao aumento do teor de gordura das amostras, numa relação de 0,01
(((Np/m)/MHz2 )/%).
39

5 Considerações finais

Neste trabalho, foram apresentadas técnicas para caracterização de amostras de


leite UHT em função de seu teor de gordura a partir de um sistema de medição ultras-
sônico. Descreveu-se o sistema de medição utilizado, bem como os sistemas de excitação,
aquisição e controle térmico necessários para que o processo de medição seja realizado.
O software Matlab foi usado como plataforma de controle para acessar remotamente os
instrumentos e para processar os sinais adquiridos. Para simplificar essas tarefas, um apli-
cativo com interface gráfica foi desenvolvido, permitindo que o usuário pudesse selecionar
as opções desejadas de forma iterativa.
Foram descritas as etapas de preparação das amostras de leite utilizadas ao longo
do trabalho, destacando os cuidados que devem ser tomados a fim de se evitar proble-
mas relacionados a contaminação das amostras. Além disso, foram descritas as etapas de
calibração e medição dos líquidos de interesse a partir do sistema acústico apresentado.
Optou-se por utilizar o método de medição relativo, pois as amostras de leite analisa-
das apresentaram valores de coeficiente de atenuação elevados, atenuando quase que por
completo o sinal de eco que deveria ser empregado para realizar medições diretas.
Os valores de densidade das amostras de leite desnatado e integral apresentaram
valores diferentes dos calculados a partir de expressões de referência encontradas na li-
teratura. Essa diferença pode ter sido causada por erros na medição de temperatura das
amostras, uma vez que o densímetro portátil usado neste trabalho não apresentava um
sistema de controle térmico.
Observou-se uma discrepância nos resultados obtidos ao analisar as amostras de
leite semidesnatado, seja considerando densidade, velocidade de propagação ou coeficiente
de atenuação. Esse efeito pode ter sido causado por uma diferença entre os valores de teor
de gordura informados pelo fabricante nas embalagens e os valores de teor de gordura
efetivamente presentes nas amostras. Nesse caso, seria fundamental conferir esses valores
através de um método químico de referência, preferencialmente um dos listados nas normas
definidas pelo Ministério da Agricultura. Essas medições não foram realizadas ao longo
deste trabalho por falta de recursos técnicos e financeiros.
A análise realizada mostrou que a velocidade de propagação do som diminui em
função do aumento do teor de gordura das amostras, variando -1,64 ((m/s)/%) para uma
frequência de 50 MHz, ao passo que a dispersão das amostras aumenta a medida que o
teor de gordura cresce, variando 0,43 (((cm/s)/MHz)/%) considerando uma banda entre
20 MHz e 80 MHz.
Os valores obtidos ao calcular os coeficientes de atenuação também aumentaram
em função do aumento do teor de gordura das amostras, variando 51,3 ((Np/m)/%) para
uma frequência de 50 MHz. Além disso, os valores do coeficiente 𝛼0 , obtidos considerando-
Capítulo 5. Considerações finais 40

se f em MHz, n = 2 e uma largura de banda entre 20 MHz e 80 MHz, apresentaram


uma variação de 0,01 (((Np/m)/MHz2 )/%). Os resultados apresentados mostram que um
sistema de medição acústico pode ser utilizado de forma eficiente para determinar o teor
de gordura de amostras de leite.

5.1 Propostas para desenvolvimento de próximos trabalhos


Há uma série de parâmetros que não foram analisados, como o extrato seco e o ex-
trato seco desengordurado, por exemplo. Para os próximos trabalhos, uma das propostas
seria caracterizar amostras cujas propriedades físicas pudessem ser previamente determi-
nadas a partir de outros métodos, de forma que fosse possível correlacionar os parâmetros
acústicos com informações que não foram consideradas ao longo do desenvolvimento deste
trabalho.
Além disso, pode-se estudar métodos para cálculo da densidade dessas amostras
através de métodos de medição relativos. Essa solução poderia eliminar a necessidade de
se utilizar um densímetro para se caracterizar as amostras.
Finalmente, sugere-se o estudo de algoritmos para estimação de parâmetros e fusão
sensorial com o objetivo de combinar as informações dos parâmetros obtidos a fim de
extrair informações que não podem ser obtidas de forma direta a partir de medições
ultrassônicas.
41

Referências

ADAMOWISKI, J. C. et al. Caracterização de Líquidos por Ultrassom. São Paulo:


EPUSP, 2002. 1–51 p.

ADAMOWSKI, J. C. et al. Ultrasonic measurement of density of liquids. The Journal of


the Acoustical Society of America, v. 97, n. 1, p. 354–361, 1995.

Alves D., J.; Goldschmidt A., F. Qualidade físico-química, higiênico-sanitária e


composicional do leite cru. Embrapa, 2014.

BARBANO, D. M.; CLARK, J. L. Infrared Milk Analysis — Challenges for the Future.
Journal of Dairy Science, v. 72, n. 6, p. 1627–1636, 1989.

Del Grosso, V. A.; MADER, C. W. Speed of Sound in Pure Water. The Journal of the
Acoustical Society of America, v. 52, n. 5B, p. 1442–1446, 1972.

DORABIATO, L. F. SISTEMA DE ULTRA-SOM PARA CARACTERIZAÇÃO DE


LEITE BOVINO. Dissertação (Mestrado) — UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA
FEDERAL DO PARANÁ, 2007.

DUKHIN, A. S.; GOETZ, P. J. Characterization of Liquids, Nano- and Microparticulates,


and Porous Bodies Using Ultrasound. 2nd. ed. [S.l.]: Elsevier Science, 2002. 518 p.

FOSS. MilkoScan FT1 Milk- Milk standardisation with in-built abnormality screening.
Denmark, 2018.

HOLMES, J.; PARKER, G.; POVEY, W. Temperature dependence of bulk viscosity in


water using acoustic spectroscopy. Journal of Physics: Conference Series, v. 269, n. 1,
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MAPA. Instrução Normativa Nº 59/2019. Brasília - DF,


2019. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/
instrucao-normativa-n-59-de-6-de-novembro-de-2019-226514335>.

MAPA. Instrução Normativa Nº 55/2020. Brasília - DF,


2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/
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NAZÁRIO, S. et al. Characterization of bovine milk using ultrasound and artificial


neural networks. Controle y Automacao, v. 20, n. 4, 2009.

POVEY, M. J. W. Introduction. Cambridge,Massachusetts: Academic Press, 1997.


1–10 p.

POVEY, M. J. W. Water. Cambridge,Massachusetts: Academic Press, 1997. 33–42 p.

RESNICK, Robert; HALLIDAY, D. Fisica. 3. ed. Livros Tecnicos e Cientificos. 1981.


348 p.
Referências 42

TIAGO, M. M. Desenvolvimento de uma célula para medição de propriedades de líquidos


por ultrassom com manipulação de amostras através de cubetas. Tese (Doutorado)
— UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE ENGENHARIA CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA, 2018.

UEDA, A. Relationship milk temperature. Otawa, Canada, p. 17–18, 1999.


43

APÊNDICE A – Aplicativo

A seguir serão descritas de forma sucinta as funções disponíveis no aplicativo,


além das funções a serem implementadas em projetos futuros. A Figura 26 apresenta a
tela inicial do aplicativo desenvolvido.

Figura 26 – Interface inicial do aplicativo.

A.1 Instrumentos
As funções relacionadas ao controle dos instrumentos incluem o gerenciamento
remoto de um gerador de funções, aquisição de dados a partir de um osciloscópio digital,
além do controle e medição de temperatura da amostra. A parte gráfica do software foi
desenvolvida, mas para utilizá-la, é necessário adicionar os algoritmos de controle dos
instrumentos.
Na aba gerador de funções, será possível carregar um sinal de referência para ser
utilizado como sinal de excitação para os transdutores, além de permitir que o instrumento
seja ligado ou desligado remotamente. Esta função requer conexão entre gerador de funções
e computador, que pode ser feita usando uma porta de comunicação USB, por exemplo.
Na aba osciloscópio, o usuário pode controlar o período de amostragem, valor
inicial de tempo, ganho de tensão e níveis de trigger. Para aquisições de sinais no domínio
do tempo, muitas vezes é necessário que se faça o ajuste da janela de tempo do osciloscópio
para cada nova amostra, a fim de detectar os ecos de propagação do sinal. Para eliminar
a ação humana constante no experimento, o ajuste poderá ser feito através do aplicativo
utilizando os botões para que software armazene as posições iniciais de cada sinal, desde
que definidas previamente pelo usuário. A Figura 27 apresenta uma imagem desta aba.
APÊNDICE A. Aplicativo 44

Figura 27 – Interface da aba osciloscópio.

Finalmente, a partir da aba controle de temperatura, é possível monitora a tem-


peratura atual do sistema, além de definir valores de referência para o controlador. O
controle de temperatura deve ser realizado por um sistema embarcado, que envia e re-
cebe informações do aplicativo por meio de comunicação serial. A Figura 28 apresenta a
interface desenvolvida com esta finalidade.

Figura 28 – Interface da aba temperatura.

A.2 Configuração do sistema de medição


Nesta aba, pode-se definir o método de medição a ser utilizado (pulso-eco ou
transmissão), como mostrado na Figura 29. Nesta etapa, pode-se definir as características
do sinal de excitação que deverá ser utilizado em conjunto com os transdutores.

Figura 29 – Interface da aba transmissão.

Além disso, uma função adicional permite que dados prevenientes adquiridos após a
análise de amostras possam ser utilizados para os cálculos de velocidade e coeficiente de
atenuação, conforme apresentado na Figura 30.

Para utilizar essas funções, inicialmente deve-se carregar o sinal de referência ad-
quirido usando água deionizada. Em seguida, calcula-se o comprimento do caminho de
propagação L, que será utilizado para os próximos cálculos. Ao clicar no botão velocidade
APÊNDICE A. Aplicativo 45

Figura 30 – Interface da aba carregamento.

referência, serão exibidas as formas de onda no domínio do tempo correspondentes aos


sinais adquiridos, bem como os valores de velocidade e coeficiente de atenuação para a
frequência central utilizada durante a medição.
Em seguida, deve-se carregar o sinal da amostra que se deseja caracterizar e clicar
na opção calcular. Será necessário informar o método de cálculo que será utilizado (direto
ou relativo a água), além de informar o nome e número da amostra analisada.
A função de salvamento criará um arquivo com o nome inserido pelo usuário. Nesse
arquivo, haverá uma separação de acordo com os nomes de amostras preenchidos na etapa
anterior. Para cada novo arquivo, será necessário alterar o número da amostra (caso ainda
esteja dentro do grupo) ou o nome da amostra, caso o tipo de material analisado tenha
sido alterado. O arquivo salvo irá gerar uma estrutura, que contém as curvas com os
coeficientes de atenuação e velocidade de propagação em função da frequência, assim
como os vetores dos sinais amostrados.
A aba pulso-eco foi projetada com uma função extra, que deveria permitir o cálculo
da densidade relacionando parâmetros de impedância acústica para medição indireta. Esta
função não foi implementada e segue como objetivo para trabalhos futuros.
A aba frequência apresenta as curvas de velocidade e coeficiente de atenuação em
função da frequência. Essa aba permite ao usuário utilizar uma barra de rolagem para
selecionar frequências específicas, de modo a facilitar a relação entre valores medidos e
frequência, como pode ser visto na Figura 31. Vale ressaltar que a curva de densidade não
é demonstrada nessa versão do aplicativo devido a necessidade de novos métodos para
cálculo deste parâmetro.
APÊNDICE A. Aplicativo 46

Figura 31 – Interface da aba frequência.


47

ANEXO A – Fichas de Calibração dos


Transdutores
ANEXO A. Fichas de Calibração dos Transdutores 48

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