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PREFÁCIO

aber o exato momento de parar o processo de


S criação é o termômetro ideal para quem reflete o
mundo a sua volta em palavras. Esse, pois, é o
dilema que aflige o escritor (e o artista). E, como de praxe,
a palavra sempre intenta dicotomizar as eventualidades: se
por um lado a realidade é arquitetada pelo homem através
da experiência, por outro não se pode desconsiderar que
esse objeto linguístico busca reorganizá-la. Talvez para
torná-la mais compreensível ou (quem sabe?) suportável.
A capacidade do dizer é, indiscutivelmente, humana
e, portanto, (quase) controlada por ele. Embora capaz de
dominar a matéria, os procedimentos, as técnicas, o homem
é, notavelmente, incompetente quando a tangência dos
seus dedos se reserva ao monitoramento do que é
produzido, sobremaneira quando se pensa o potencial do
dizer traduzido pela escrita. Essa tecnologia revela traços de
uma intenção, mas foge da expertise humana.
Esta obra reúne, com elegância, seis núcleos.
Ousadas e avassaladoras, as porções que constituem “O
Despertar da Alvorada” é, de pronto, um caminho antes não
imaginado. Por aqui, você encontrará a integração de dois
formatos de escrita: poética e prosaica.
A modalidade primeira se faz aparente por meio de
uma técnica japonesa, o haicai, de modo a dosar, ao senso
criativo, um pitada de ternura e o salpicar de absurdos
(propositalmente aplicados para incomodar ou,
minimente, causar desconforto, mas não somente; serve,
também, para deslocar o receptor de pensamento cômodo,
isto é, panfletário, para uma meditação mais densa). A
depender do modo como você estiver, os poemas poderão
atingir seu imaginário e levá-lo, caro leitor, a reflexões
existencialistas (de si, do mundo e de tudo o que nele há).

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Por outro lado, a prosa explorada em três
(intercalados) contos, descortinam recortes dos quais
torna-se viável identificar as fontes de onde o autor bebe
para (re) produzir seu fazer literário. O conto primeiro
conduz o leitor a uma trajetória nebulosa e, por isso,
curiosa, uma vez que reúne teorias de outras áreas do
conhecimento, em especial, a filosofia, para apontar
dúvidas acerca do conhecimento e suas fronteiras. O
segundo conto, por sua vez, toca nos vícios humanos por
meio de uma história que rememora a chegada dos
portugueses nas colônias de exploração. Aqui, o maior
desafio é reconhecer que o senso de pertencimento, do qual
todos os seres humanos padecem e procuram durante a
passagem da vida, manifesta-se como solução e um óbice.
Não menos importante, o terceiro e último conto, à
primeira instância, recupera memórias afetivas acerca dos
contos fantásticos que acompanham a infância natural de
qualquer assíduo leitor. Entretanto, não confie no óbvio,
afinal, “Não existem heróis, ou vilões. Nós somos os dois”.
E por saber parar - para não temperar
demasiadamente o que se pretendeu e não agonizar os
degustadores de um simbolismo literário sem o sabor
devido das partes que integram as texturas, ou melhor, a
tessitura expectativada – este livro se torna um divisor de
águas para a teoria literária, mas, em especial, para os que
se deleitam e depositam sua fé na cristalização da palavra
como uma fuga do caos que envolve o ser humano desde a
sua criação.

Marcus Antonio de Sousa FH

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A Alvorada
Os dias são assim,
Verdes como as folhas primaveris,
Lilás como o céu de anil.

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Futuro em Utopia
Pelas manhãs de janeiro,
em meio à vislumbres de um porvir,
ares novos são reais.

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Sinestesia
O dia está como nunca,
livre, reluzente e sucinto -
sabor de novos verões.

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Libertinagem
Passarinhos revoam sobre as árvores,
cantam, causos contam, encantam.
Que pecado aquele cometido pelos mudos.

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Sociedade Poetisa
O mundo está vivo,
tudo nele habita em um vil vivaz.
Aos olhos da poesia, vive. E revive.

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Vendeta
Em represália ao céu,
oceanos vestem-se azulados.
A vingança foi servida quente.

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Adivinhações
Abaixo do céu de anil,
Nuvens brancas pulam e formam -
eterno sonho surrealista.

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Matinês
Crianças correm pela praça,
entre sorrisos e cantorias,
uma (a)típica manhã de domingo.

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Lembranças
Cães passeiam sob o céu azul
despertando afetiva paisagem -
leal primeiro amigo.

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Blasé
As horas passam devagar.
O céu, marítimo, fecha, e reabre.
Relógio diurno com defeito.

17
Passatempo
Entre o som do vento
e o vagar sutil da luz diurna,
o tempo, descortês, não espera.

18
Peregrino
Em busca de dizeres menos agridoces
O poeta anda, manda e desmanda.
Que a tinta nunca se esvaia.

19
Idolatria
Distante do fim,
A sinuosa manhã parece eterna -
Admiração juvenil permanente.

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Sonho Vil
Através da aurora,
A vida revela-se um belo sonho.
Aproveite antes do amanhecer.

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Ciclo Eterno
A natureza graciosa,
Ao tecer sobre o mundo a real magia,
Cria-se. E recria-se.

22
Velhos hábitos
Sob o ar da tradição,
Sobre o desalento do costume,
O (re)começo.

23
Alma Viva
Em meio ao viver,
O paraíso parece esperar -
Espírito livre contínuo.

24
Eterna Transição
A essência precede.
A existência encerra.
E a ordem pouco importa.

25
Desapego
Material como a luz,
Tangível como o ar das manhãs,
A vida é um (e)terno desapego.

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Ideologia
Despir-se do preconceito,
Safar-se da alienação -
Construção permanente do ser.

27
Simplório
Exageros são vis acessórios.
Precedendo o fim.
Impedindo o início.

28
Justa medida
Em busca da boa vida,
Em busca da justa libertação,
O copo, cheio, derrama-se.

29
Agridoce
A vida transcendente,
Demasiadamente agridoce se mostra -
Reles realidade inesperada.

30
Sinergia
Em um mútuo esforço,
Sonhos de primavera surgem -
Vida em rosa.

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Presságio
Ares de esperança
Em meio à realidade inexplorada -
divina inspiração.

32
Amnésia
O viver revive-se,
A admiração cai por tédio.
Eterna busca de sentir.

33
Colateral
Pelos dias azuis,
E as noites silenciosas de anil,
Efeitos antes postulados.

34
Estória
Pela reles realidade alterada,
A busca inocente por prazer -
Invenção humana.

35
Elegia
Em torno da silenciosa noite
E da doce manhã de setembro,
Úteis esforços de ver.

36
Pressa
Na contramão geral,
A vivência calma e singela -
Amiga da perfeição.

37
Metafísico
O paraíso, inerte, aguarda
Nos confins d’alma singela -
Estado metafísico de espírito.

38
Revelação
Como em revelações,
O destino desfaz-se pôr sobre a mão -
Olhos de avelã fechados.

39
Obscuro
Protagonismo defasado
Tornando dias há muito vividos
Em segredos de Estado.

40
Psiquê
Promessas em vão
Desfazem-se no clarão diurno.
Certezas n’alma, então.

41
Destino
Se a eternidade fosse
Em vil mentira declarada,
Viver seria a justa cura?

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Yin Yang
O mal não domina,
Assim como o bem desatina.
Estado real da matéria.

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Afazeres
Evitando a monotonia
em torno da ideia que é a vida
Dias lotados de sonhos.

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Burlesco
Para escapar do marasmo,
Vivências de peças falseadas.
Melhor vida é aquela vivida.

45
Aliança
Pela junção do querer,
Com os motivos dos porquês,
A vida em belo azul.

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Novo Mundo
Colonizando o lirismo
Da paz vindoura dentro de si -
estrangeirismo desmedido.

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Libertação
Liberdade sem igual
Só a do vagalume noturno -
Iluminador da lua sem receio.

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Carpe Diem
Como única certeza
A vida em trânsito -
o hoje não espera.

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Ilusão
Caso tudo vivido
De ilusão não passasse
Seria válida a realidade?

50
A Arcádia
Sem certezas
O caos circundante reina.
Seja o paraíso.

51
No fim do Arco-íris
Na manhã azul,
Ventos frios sopram o dia.
A vida é tesouro inexplorado.

52
Doce Melodia
Como em concerto,
Sinfonias naturais alegram ouvidos -
Pássaros desconcertantes.

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Primaveril
Tal qual ipês rosas
Em outonos primaveris,
Falsas verdades folheadas caem.

54
Guardião
Como ser transcendental,
A natureza une tudo em si -
Palpável conceito divino.

55
Distopia
Imerso no agora,
O mundo como sonho inconsciente -
Fuga emancipada da realidade

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Avant-garde
Em meio aos ares
E aos sons do ciclo diurno
A sincera libertação d'alma.

57
Anestesia
Sublime busca de sentir
Torna o real em mundano plano -
Sensacional experiência.

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Terra do Nunca
Localizado pós-aurora,
Nos confins d'alma,
paraíso mundano interior.

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Pintura Noturna
Olhares lançados à lua
No céu estrelado noturno -
Encontro singelo d’alma.

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Paraíso Diário
No despertar diurno,
O prazer em cada mínimo detalhe.
Vive-se o paraíso todos os dias.

61
Estrelas do Amanhã
Na resplandecente noite,
A pintura estelar surge aos céus -
O futuro, ansioso, não espera.

62
Sem Amarras
Repleto de sonhos,
O cotidiano encontra-se liberto.
O viver não deve ter amarras.

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Sombras e Luz
No existir desmedido,
Sombras e luz compõem o caminho.
Sempre temos escolha.

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Paz Prometida
A busca pela felicidade,
Em meio ao caos aparente -
Paz vindoura dentro de si.

65
Maresia
Oceanos azuis,
Incorporam o íntimo desejo -
Recriar-se.

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Sommelier
Através do viver,
A prova das experiências mundanas -
Somos sommeliers de sensações.

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Fantasia Inerte
No campo verde,
Ventos frios sopram a copa das árvores -
Experiência árcade vívida.

68
Paz Interior
A princípio,
Precisa-se ser o paraíso
Para ver o paraíso.

69
Desmedida
Ao evitar a desmedida,
Vive-se a vida receosa.
A justa medida é o viver.

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Passarinho
Como outrora escrito,
Os afoitos passarão,
Os justos, passarinho.

71
Terra Nostra
Tal qual na escritura,
A fértil terra foi para todos feita,
Mas nem todos a ela o foram.

72
Em Vão
Em meio aos dias,
E as noites de azul anil,
Nada é em vão.

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Flores do Arvoredo
Resiliência em meio
Aos impasses do dia a dia.
Florescer do instinto.

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Prelúdio
Em prelúdio da consciência,
A sabedoria do existir momentâneo.
Cada segundo é eterno.

75
Fora do Paraíso
Ao viver,
A (in)certeza do paraíso.
Ele está no ar que se respira.

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Florescer Primaveril
Tal qual natureza,
A vida mostra-se ciclo existente
De um eterno recriar-se.

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À Sua Maneira
Nem tudo pode
Sucumbir ao desejo individual -
A abdicação faz-se necessária.

78
Cidade dos Anjos
Inspiração divina
Torna o arquétipo de paraíso real.
A cidade dos anjos é aqui.

79
Teatro Mundano
A vida, tal qual peça,
Foi, por atos planejados, composta.
A ordem deve ser obedecida.

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Senescência
Em busca da vida eterna,
Mundanos desejos morrem em vão.
A graça do ciclo é que ele termina.

81
Tickets
Não precisam comprar
Tickets de viagem para a vida plena.
Ela sempre esteve ao alcance.

82
Sem Pretextos
Nesse vai e vem,
De viver e reviver diariamente,
A existência sem pretextos.

83
Sob as Rosas Manhãs
Atmosfera rica,
Rica e fértil de novos sonhos.
Sonhar faz o ser, humano.

84
Gratidão
Ar puro e límpido, gratidão.
Chuvas noturnas, gratidão.
Gratidão por ser grato.

85
Estrelas do Amanhecer
Resilientes em seu berço,
Pontos brilhantes somem ao clarão diurno.
Conjuntura estelar do mundo.

86
Ventos Frios
Na manhã escura,
O soprar da brisa instiga a imaginação -
Chegada da chuva de infância.

87
Matinês Sagradas
Com o início da aurora,
E o silêncio aparente do mundo,
Pensamentos futuros.

88
Torrencial
Tal qual as chuvas,
Pensamentos encerram o dia.
Tempestuosa atmosfera.

89
Gota por gota
Chuvas de ideias
Lavam a alma
Gota a gota.

90
Mistério sem Fim
Explorando a escuridão,
A atmosfera noturna mostra leveza,
Mistério sem fim da vida.

91
Quietude
Em rebeldia ao dia,
A noite, longa, vive em silêncio.
Quietude libertadora do ser.

92
Brisa Marítima
E nesse vaivém,
Dos acontecimentos cotidianos,
A brisa marítima continua a mesma.

93
Paraíso de Estrelas
Ao cair do dia,
O céu estrelado aparece.
Pintura real aos olhos.

94
Sutileza
Sutil como a natureza,
Que tece sob o mundo a real magia.
Carpe diem diário.

95
Pairar das Aves
Quem dera a liberdade,
Fosse tal qual as aves no céu -
Livremente tangível.

96
Sem Pressa
No viver cotidiano,
A natureza, estagnada, perpetua.
O segredo é não ter pressa.

97
Perfeição Natural
Em cada detalhe,
A convicção da perfeição das coisas.
Naturalmente belo.

98
As Pequenas Coisas
A verdadeira vida,
Em contrapartida geral,
É o viver nas pequenas coisas.

99
O Agora
Sem concessões futuras,
Ou arrependimentos passados.
O martírio degrada o ser.

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Os Porquês
Observam os porquês e
Percebem que deles não precisam.
A vida é feita para ser vivida.

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Azul da cor do Mar
Desejo verdadeiro d’alma:
Levar a vida como uma maresia,
Ser azul da cor do mar.

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Oásis
Não é oásis,
Nem éden,
O comum é belo.

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Subjetivo
O mundo opera sábio,
Mediante os olhos mágicos de cada um.
Objetivamente subjetivo em essência.

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Florescer Juvenil
A descoberta esperada,
Desde o princípio da existência -
A vida é um eterno florescer.

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Empirismo
Nem tudo sobre o ser
Resume-se ao empírico -
O sentir é uma escolha.

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natureza do mundo é experimentar. A suposição
A pragmática era feita por um filósofo sábio, aquele
que mais detinha conhecimentos no arquipélago
grego antigo. Ele afirmava que o saber, como o conhecemos,
só existe porque o experimentamos. O racional era
originado pelas experiências e não o contrário, e para
comprovar sua teoria questionadora, ele exemplificava-a
com uma estória, não tão displicente quanto àquelas antes
impostas pelos grandes pensadores do mundo.
Maria, conforme o contador de histórias dizia, era
uma mulher que possuía um conhecimento quase que
universal. Contudo, ela havia passado toda vida em um
quarto preto e branco. Tudo que ela sabia tinha sido visto e
aprendido em um livro com imagens em preto e branco. Ela
nunca havia visto o mundo exterior, com suas mágicas
cores e sensações quentes e frias dos verões e invernos
majestosos, ou melodias sonoras dos pássaros eufóricos
cantantes do amanhecer.
Maria sabia tudo, ela tinha conhecimentos em todas
as áreas possíveis e imagináveis do mundo e de suas
culturas. Conhecia por completo a fauna e a flora, com seus
animais belos e únicos, com plantas que florescem ao
alvorecer e adormecem ao cair da noite. Conhecia suas
relações, harmônicas e desarmônicas, e sabia que tudo era
interligado. Maria sabia sobre o clima. Sabia do apogeu do
frio durante os brancos invernos, e o calor típico dos verões
tropicais. Sabia do cair das folhas durante a primavera, e o
reviver das árvores com a chegada do outono.
Ela sabia sobre as cores, cada propriedade
responsável pela captação daquela essência pela visão
humana. Sabia o nome de cada uma, e o lugar onde poderia
encontrá-las. O verde dos arvoredos e o azul dos vastos
oceanos. O escarlate dos céus do entardecer e o anil dos
céus do alvorecer.

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Ela sabia sobre os sons, desde melodias de músicas
clássicas, até o imponente rugido de leões da savana.
Maria, portanto, nunca havia saído do quarto preto e
branco, que era trancado, mas tinha conhecimentos de tudo
que teria contato caso saísse de seu mundo fechado e
adentrasse o rico exterior do mundo afora ao seu redor.
Um belo dia, a porta do quarto de Maria, que sempre
esteve fechada, abriu-se, e Maria saiu, curiosa, para
conhecer o mundo a sua volta, o mundo escondido.
Ela logo sentiu uma ardência. Era o calor da luz solar
tocando sua branca pele, branca como a neve. Ela respirava
o ar puro e límpido, o cheiro premeditado de chuva porvir,
o odor de natureza, e sentia-se viva. Pela primeira vez.
Ela ouvia o cantar dos pássaros, e o som do vento
batendo nas folhas da copa das árvores. Ela sentia com o
tato os densos arvoredos, as flores e a grama do chão, as
águas cristalinas, e sentia-se viva. Pela primeira vez.
Ela enxergou as cores, o azul vivo dos céus acima de
si, e o verde da flora ao seu redor. Ela via as mais diversas
tonalidades de vermelho e amarelo, em animais chamativos
e únicos. Ela sentia como se nada que tinha aprendido em
seu quarto preto e branco era capaz de explicar as sensações
oníricas daquela experiência sensorial que vivia. E Maria
sentia-se viva, e vivia infinitas novas vidas a cada novo
instante de contato com o mundo. Pela primeira vez. Ela
vivia um Despertar. Um Despertar para um novo universo
de cores vivas e sensações. Um novo Despertar Escarlate.
Maria, explicava o filósofo, representa o homem, a
raça humana. Quando não vivemos a vida aflorada, a vida
de admiração ao poente sol escarlate, ao ar límpido e puro
do amanhecer e às cores que brincam com o própria
conceito de imaginação, somos como Maria, no quarto
preto e branco.
Quando nos libertamos da vida monótona, rumo ao
alvorecer repleto de experiências novas, somos como a

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Maria, quando esta sai do quarto preto e branco. Nós
Vivemos uma nova vida, todos os dias.

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Aniquilação
Em seu máximo esplendor,
O universo prolonga-se no vazio.
Intrigante causador do incerto.

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O Despertar da Alvorada
Disfarçados de tempestade,
Os mares revelam divino desejo -
O caos como típico estado.

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Singularidade
Precedendo o infinito,
Sucedendo o eterno -
O Alfa.

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A Causa
Como em uma revalida,
O causador do mundo -
O ômega.

115
Cintilação
No apogeu do universo,
A conjuntura real do ser -
Pó estelar.

116
O Firmamento
Além do consciente,
A singela morada d’alma -
Firmamento do espírito.

117
Apocalipse
Em premeditação,
O início do grande fim.
Libertação esperada.

118
Grande Revelação
Em vozes tempestuosas,
A descoberta do derradeiro.
Revelação fugaz do real.

119
Sapiens
Uma ponta de esperança
àquilo que nos torna animais.
Fé.

120
Paraíso Inexplorado
Por que assistir ao chão,
Quando o intrínseco desejo d'alma
Está nas estrelas do alvorecer?

121
Olhos do Sol
Como em dias claros,
O olhar absoluto do universo -
Visão infinita.

122
Imensidão Estelar
Firmamento infinito
De ideias arrojadas -
Transcendente realidade aflorada.

123
Pó Estelar
No cotidiano,
A incerteza da existência infinita.
A convicção mora n'Ele.

124
Profético
Como em presságios,
Sonhos reverberam o desejo -
sabor divino inato.

125
Velha Aliança
Em prol do amor,
A concessão do viver.
Divino direito elementar.

126
Nova Aliança
Em nome do perdão,
O ignorar do mal arbítrio.
Segundas chances são necessárias.

127
Gênese
Um exercício mental
Aos existencialistas mundanos -
A criação como divino querer.

128
Primordial
Em meio à razão,
Emoções desbotam a alma.
O que faz do humano, ser, é o sentimento.

129
O Reino
Antes de reinar sobre o externo,
O reino interno da consciência opera.
Auto controle do ser.

130
Babel
Como uma terra prometida,
Repleta de prazeres mundanos,
A ganância do ser.

131
Remanescente
Através do tempo das eras,
E do espaço sob os nossos pés,
A palpável certeza do paraíso.

132
Sagradamente Profano
Em busca da vida eterna,
O caminho pelo mundo incerto.
O sagrado está sempre ao alcance.

133
Terra Prometida
Sem menosprezo,
Nem utopia fantasiosa,
A terra prometida está sob os pés.

134
Falso Arbítrio
Mesmo que indesejada,
A predestinação transfigura-se.
Fazemos nosso próprio destino.

135
Em Sonho
Surrealisticamente,
A realidade é moldada -
Experiência onírica do viver.

136
Estava Escrito
Aos céus,
Palavras divinas ecoam -
O futuro está escrito.

137
A Marca
Embotadas de marcas mundanas,
Multidões transpassam o viver.
A fé é o verdadeiro sinal.

138
Supremacia
Quando o assunto é
Os desejos intrínsecos d'alma,
O espírito torna-se supremo.

139
Onipotência
Sem limites,
O universo multiplica-se no vazio.
Onipotência do caos circundante.

140
Onipresença
Atemporal,
O existir permeia o eterno.
Penso, logo vivo.

141
Onisciência
Conectada,
A consciência toma conta
do apogeu do espírito.

142
Transcendental
Independente de porquês,
O início de tudo que existe.
Derivação de um querer.

143
Moral
Como constituinte universal,
A moral consciente do ser -
A prova do divino porquê.

144
Aquele que Veio
Andou sobre as adversidades,
Em remissão aos blasfemadores,
O cordeiro pródigo.

145
Aquele que Virá
Com olhos de sol,
E vozes torrenciais -
O leão de Judá.

146
Maktub
Como uma narrativa,
A vida (des)enrola-se em memórias -
Estória já escrita.

147
Deja Vú
Sinestesia,
Aflorada em finos momentos.
Premeditação d’alma.

148
Filosofal
Inspiração vã,
Em raros momentos de consciência -
O poeta como filósofo primordial.

149
Filhos do Pecado
Contraditoriamente,
A perfeição existente nas imperfeições -
Pecado original do mundo.

150
A Grande Questão
Em meio às perguntas,
Aquela mais intrínseca d’ alma -
O acaso como motor do mundo.

151
Existir Desmedido
Livre de imposições,
A liberdade permeia o ínfimo desejo.
As palavras nela vivem, e revivem.

152
Porvir
Em meio aos encontros
E desencontros da vida cotidiana,
A certeza do viver além d’alma.

153
Auspicioso
Nem que as luzes se apaguem,
E o ínfimo desejo se mostre inútil,
A auspiciosa esperança morrerá.

154
Bom Agouro
Desde os confins do dia,
A boa premeditação do viver -
Espírito livre contínuo.

155
Cartas do Céu
Escritas sagradas
De cotidianos desmedidos.
A Fé em todas as coisas.

156
(Des)encarne
Com receio do profano,
Almas repletas de martírio.
O viver também é sagrado.

157
Primórdios
Quem dera retornar
Aos anos douradas da infância -
O céu estrelado era mais que noite.

158
Natureza Humana
E se perguntarem, por quê?
Da existência repleta de viver,
é a natureza humana.

159
Entardecer Vil
Ao final do dia,
Como a luz diurna que se apaga,
O adormecer do pensamento.

160
Olhos Fitados
Admirados sob a luz do luar,
Olhos saltam como crianças admiradas -
Imaginação mundana.

161
Calendário Vital
Caso distribuída em 12 meses,
A vida, repleta de pressa,
Passaria em 11.

162
Sete Selos
Sinais premeditados
Do princípio do fim -
A criação como destruição.

163
Sem Retorno
Caso a vida,
Como uma antiga fita, rebobinasse,
Encontraria-se o fio da meada?

164
Expiatório
Tal qual animal,
O tempo vital torna-se expiatório.
Martírio inerente do ser.

165
Remissão
Em remissão eterna,
A auto culpa dos ínfimos desejos -
Martírio inerente humano.

166
Sonho de Paz
Se a razão, paixão fosse,
em meio às loucuras das ações,
O desejo de paz calaria.

167
A Tribulação
Na mais justa natureza,
O caos democrático a todos.
Mal necessário.

168
Vívido Sinal
Estrelas cadentes
Repletas de desejos cortam os céus -
Paisagem viva do alvorecer.

169
Terceiro Olho
Sinais antes premeditados,
De revelações transcendentes do ser.
Há mais entre os céus e a Terra.

170
Índigo
Cores vibrantes,
De sonhos do amanhã.
O futuro é índigo.

171
Oceano Negro
No transpassar do universo,
A explosão de novos ideais divinos.
finita (in)sensatez humana.

172
Cartomante
Como cartas de um jogo,
O futuro aparenta estar escrito -
A incerteza do amanhã.

173
Desejo Intrínseco
Íntimo ideal,
Almejado n'alma -
Vida infinita.

174
Sabor Agridoce
Apesar do amargor
Típico do viver,
A certeza do paraíso.

175
Cosmos
Amplo conceito
Do existir infinito -
Cada ser é universo.

176
Ciclo sem Fim
Mesmo com a certeza
Do eterno ciclo repetido,
O viver é justo.

177
Infinitamente Distantes
Do que adiantam abraços,
Se aqueles que o fazem,
Estão a anos luz em pensamento.

178
Destinados
Em meio às certezas
Do cotidiano planejado,
A premeditação do ser.

179
Amanhecer na Escuridão
O pensar é ponto de luz
Que, apesar do breu aparente,
Ilumina os céus.

180
Tempestuosa Manhã
Dentro da tempestade,
A íntima paz vindoura -
Resiliência do ser.

181
Criação Divina
Em meio às incertezas,
A beleza natural do existir -
Estado livre de espírito.

182
Céus de Anil
Mais singelo que
O sonho onírico do amanhecer -
O céu noturno estrelado.

183
Ao Horizonte
Como águia,
O alcance do olhar permite admirar
O caos típico do horizonte.

184
Adormecer da Primavera
Quando as folhas caem,
O ciclo parece encerrar-se.
Incerteza do contínuo.

185
Inverno Secular
Frias manhãs,
Cercadas de estranha euforia.
Secular utopia de espírito.

186
Monumental
Sob a visão das estrelas,
Os céus revelam infinita lucidez.
Escultura astral.

187
Dissonantes
Ainda que não concordem,
A ganância do eterno flerta com o
Final esperado de outrora.

188
Luar
Abençoado quadro reluzente
De ideias arrojadas de divina beleza.
pintura elementar universal.

189
Sonhos de Aurora
Cores ímpares tecem,
Durante o alvorecer do céu diurno,
Beleza onírica digna de sonho.

190
A Origem
Em meio a tantas perguntas,
A mais antiga questão filosófica -
O acaso como origem de tudo.

191
Vida Inerte
Em confluência com os céus
Repletos de estrelas luminosas,
A vida estagna no presente.

192
Armageddon
Caso o premeditado fim
Fosse em verdade declarado,
(Sobre)Viver seria válido?

193
Profundezas
No tocante às
Profundezas d’alma
Os olhos são as janelas do espírito.

194
Utopia
Em fantasia,
A falsa ilusão de felicidade -
Utopia falseada.

195
Distopia
Ao cair da noite,
O sonho de um amanhã justo -
Distopia inerente.

196
Real Ficção
Na linha tênue,
Entre real e fantasia,
A existência.

197
Instintos
Com livre arbítrio,
A existência depende da escolha -
Sempre podemos viver.

198
Relógio Universal
Os anos passam,
Em meio ao viver falseado -
O tempo cobra seu preço.

199
Realidade Cadente
Como astro,
A vivência salta aos olhos.
Aproveite antes que ela passe.

200
Fim do Mundo
Como já escrito,
A vida é um eterno recriar-se.
(Re)Inícios são necessários.

201
Tesouro Escondido
Em terras distantes,
O tesouro mais cobiçado -
Infinita existência.

202
Dança dos Astros
Ao transcorrer da noite,
Brilhantes pontos atuam em conjunto -
Universal peça estelar.

203
Desastre Natural
E no encadeamento de acasos,
A existência humana fez-se -
Desastre natural desmedido.

204
Pintura Surrealista
Nem a mais bela pintura,
Capta a beleza onírica do mundo -
Planeta em tinta.

205
Evolução
E com o passar das eras,
O individualismo desprezível.
Decadência d’alma.

206
Segredo Obscuro
Guardado a sete chaves,
O maior segredo da existência -
Medo fugaz do fim.

207
Nanosegundo
Em meio ao viver,
A certeza da eternidade de cada momento.
O tempo é ínfimo.

208
Viva O Rei
Enquanto saúdam novos reis,
Os ventos sopram indiferentes -
A (in)significância humana.

209
Sabedoria
A verdadeira filosofia
Está na aceitação da pequenez -
A (in)significância humana.

210
211
m um quente verão, daqueles repletos de ventania e
E céu azul, em um porto de Portugal no auge do
descobrimento do Novo Mundo, no qual
desbravadores corajosos navegavam na imensidão anil dos
oceanos em busca de tesouros há muito sonhados, um
despretensioso velejador partiu em pura euforia rumo ao
paraíso tropical, feito de ouro e riquezas únicas.
Ele zarpou sem deixar nada para trás. Não tinha
família, nem mulher e filhos. Não tinha riquezas a esbanjar,
nem exércitos a comandar, não era um Rei. A única coisa
que possuía era o que importava: um sonho. Sonhava sob
os céus noturnos, ao final do dia, com um futuro dourado,
mulheres ao seus pés e pessoas para governar. A sua
ambição o levava longe, e o levaria ainda mais. Com o pouco
que tinha, embarcou em uma caravela, apelidada de
Peregrina do Amanhã, e foi em direção ao seu paraíso.
Durante a viagem, sob o céu azul noturno com seus
pontos estrelados, e sobre o mar espelhado que refletia a
pintura divina do universo, ele imaginava o que encontraria
no novo mundo. Carregando consigo uma cruz dourada,
que estava em sua família por gerações, ele pedia bênçãos
ao seu Deus. Acreditava que ele o guiava, que tinha um
plano para ele, um plano cheio de riquezas banhadas a ouro.
Ele passou meses em alto mar, até ser noticiado de terra à
vista.
Parou o trabalho que fazia no veleiro, e subiu ao
convés. Lá, em meio à neblina da alvorada, pôs a palma da
mão na altura das sobrancelhas, em uma tentativa de
enxergar melhor. Enquanto o barco atravessava as infindas
águas do mar, o horizonte ia tomando forma, revelando o
Novo Mundo que tanto sonhava, o paraíso escondido em
meio à imensidão azul do mar. Viu os arvoredos de um
verde vívido e voraz. A quantidade de pessoas também
saltavam os olhos.

212
Quando desembarcou, junto ao pelotão de guardas
que iam ocupar a antiga região, afastou-se dos demais como
que em uma ardilosa fuga. O sonhador peregrino de terras
distantes tinha em mente coisas melhores que somente
averiguar a terra recém-encontrada e escrever cartas
endereçadas ao Rei. Melhor: depois de conseguir o ouro que
queria, ele próprio seria rei. O Grande e Majestoso Rei.
Escondido entre as sequoias anciãs, ouviu o
cochichar de exploradores que tinham adentrado mata a
dentro várias e várias vezes em busca de tesouros
fantasiosos. Falavam, com olhos brilhantes, sobre um
paraíso escondido naquele continente, uma cidade feita de
ouro, que brilhava tal qual sol amarelo do entardecer, com
belas mulheres e tesouros pelos quais se matariam para
obter. Os olhos do português saltavam, maravilhados. Ao
cair da noite, ele revirou, como animal sedento, as coisas
dos exploradores. Encontrou bússola, pólvora, espelhos e
um mapa, daqueles feito em papel velho e amarelado, que
indicava um local inexplorado.
"É aqui", ele apontava e pensava sozinho.
Naquele momento, uma nativa, dos cabelos longos e
pretos como graúna selvagem, espiava a situação e deixou,
em truque premeditado, ecoar o barulho de suas algemas.
Ela havia sido capturada pelos descobridores. Sem esforços,
entendia o que era dito, mais que isso, dizia saber onde
ficava a Cidade do Ouro, o Paraíso Perdido, lugar de
riquezas que tornariam quem as tivesse em poderoso Rei.
Mas, para tudo nesse nefasto mundo, há um preço a
se pagar. Ela queria liberdade, queria uma parte do que o
europeu conseguisse. E queria ser levada à terra de onde ele
veio. Queria ser mais que uma prisioneira de terras
distantes, capturada como animal perigoso. Ela prometera
ajudar o ambicioso Peregrino a conseguir o que queria, ela
conhecia aquele continente como a palma da mão.

213
Eles partiram juntos, como em um comum acordo
registrado. Ela, liberta como um espírito da floresta, corria
sobre o chão da verde mata como um ser em total harmonia
com o ambiente. Ele, perdido em um mundo estranho e
novo, tropeçava sobre as raízes dos volumosos arvoredos,
como um animal fora do seu hábitat. Ela respirava o ar
límpido e puro como que se este desse vida a ela. Ele sentia
a essência do ambiente atracando em seus pulmões, e
sentia-se diferente e vivo. Ao decorrer do caminho através
do coração da floresta, ele contava a ela histórias do antigo
mundo que pertencera há tempos, contava sobre as ruas
geometricamente espaçadas, da arquitetura clássica da
região portuguesa, contava sobre o ensino das
universidades e como o dinheiro e os bens transformavam
um reles comerciante em um rei burguês. Ela o contava
sobre o mundo que vivia, contava sobre os animais que
caçavam, e como não tiravam suas vidas atoa, contava sobre
as águas torrenciais das chuvas do alvorecer, e como estas
renovavam a flora viva da floresta, contava sobre a
comunidade nativa, e como ela era interligada, cada um
exercendo sua função para o bem comum. Ele aprendia com
ela. Ela aprendia com ele.
Passados alguns dias, sob o sol ameno e o clima
úmido da mata, e algumas noites, sob o céu estrelado
noturno e a lua cheia, os dois chegavam cada vez mais perto
do destino, da sonhada Cidade do Ouro, perdida entre a
imensidão dos arvoredos antigos e as copas das árvores.
Em gestos de ternura inocente, a moça o ajudava em
sua jornada, curando suas mazelas e alimentando suas
esperanças de um futuro dourado. Ele agradecia em tom
cortês, com palavras complicadas e olhares instigantes. Ele
aprendia com ela. Ela aprendia com ele.
Quando deram conta, tinham chegado ao lugar que
o peregrino tanto almejava. No coração da floresta,
escondido em meio ao abraço de dois rios e o caos aparente

214
da ocupação colonizadora, estava um vale. As pessoas,
nativas, eram simples, não falavam a língua do iniciante
explorador, não tinham escrita, e nem usavam vestimentas.
O último fato o surpreendeu, certamente. Viviam com
hábitos simples, homens, provedores da subsistência,
saíam para caça, além de proteger o vale com seus arcos e
flechas vigorosamente produzidos. Mulheres cuidavam das
crianças, ensinando-as aquilo que tinham aprendido. Era
possível ver, durante o dia, o aprendizado da fala, culinária,
e o mais importante e crucial entre os ensinamentos: a tribo
em primeiro lugar, o bem comum frente ao bem individual.
Conectados com a natureza, como um só ser,
pareciam estar em harmonia com tudo ao redor. Desde os
pássaros cantantes do amanhecer, até os frutos chamativos
das árvores frondosas e os orvalhos matinais nas folhas das
plantas rasteiras. Com a chegada do viajante de terras
distantes, este foi recebido como um Deus. Ele trazia
consigo a filha do chefe da tribo, e sua vinda era
premeditada pelo sábio ancião.
O português não encontrou ouro, ou pedras
preciosas. Ele encontrou uma segunda casa, onde ele era o
real tesouro perdido, pelo qual sonhavam. Um novo
mundo, em que ele havia encontrado seu pertencimento.
Tinha aprendido bem mais em dias com aquele povo, do
que anos com a civilização. Aprendera que não bastavam
palavras pomposas, ou roupas de tecidos caros, para
transformar um homem em rei. O que faria tal efeito está
dentro de cada um. E isso o ouro não pode comprar. Nunca
poderia comprar, e ele sabia disso.
Como em reviravolta inesperada, os passos do
peregrino e de sua selvagem guia haviam sido rastreados
pelos guardas reais da coroa, eles também queriam uma
parte da fatia das riquezas únicas prometidas pela nativa
dos cabelos pretos como noite. Eles os seguiram através das
noites tortuosas em silêncio, e em suas pegadas deixaram o

215
rastro da perseguição ardilosa. Observaram, como
predadores pacientes, em meio à densa vegetação do
coração da floresta, o peregrino adaptar-se àquela região.
Viram-no ao decorrer dos dias. E com o passar do
tempo, ele falava como um deles, caçava como um deles,
andava como um deles. Perceberam que não tinha volta. Ele
era, agora, um deles. Ele era inimigo da coroa.
Em uma noite estrelada, brilhante como nunca,
enquanto os nativos dormiam e o peregrino e sua guia
admiravam a pintura estelar dos céus noturnos, os guardas
invadiram como ataque premeditado de guerra. Prenderam
os não resistentes, esfacelaram o peregrino sonhador.
A nativa de cabelos pretos sobreviveu. Ela
sobreviveu o suficiente para enterrar o desbravador de
terras distantes e, junto com ele, o amor que sentia.
Em sua cova, deixou a cruz dourada.
Ele estava, finalmente, na Cidade do Ouro.

216
217
Natureza Humana
Sempre racionais,
Pessoas duvidam da própria natureza -
Emoções guardadas n’alma.

218
Eterna Disputa
Em eterna revalida,
Pensar e sentir disputam
A conjuntura d'alma.

219
Antropofagia
Através das vivências,
O acúmulo de saber -
Existir sincrético.

220
Racionalmente Emocional
Necessita-se mais
Pensar com o sentimento
Que sentir pelo pensar.

221
Paixões
Há, em todos,
Uma motivação de ser -
Paixões do espírito.

222
Dia a Dia
O ciclo se repete,
Viver e reviver constante
A vil realidade esperada.

223
Ciclo Vicioso
Repetidas vezes,
A vida onírica apresenta-se.
Ciclo sem fim.

224
Consciência Limpa
Em prol de si,
Os meios são justificados.
Ganância dos fins.

225
Animal Político
De que vale
Todo capital do mundo -
A beleza da vida não se compra.

226
Amor & Psiquê
Em meio ao céu escarlate,
O existir permeia o eterno -
Pelo amor a vida (re)cria-se.

227
Toxina
O martírio humano
é Como toxina injetada -
Sem antídoto.

228
O Príncipe
Em estórias,
O príncipe faz condenação de outrem
Receoso de sua própria.

229
Hierarquia
Facilitado,
A vida é mais que evoluir -
O existir é dádiva.

230
Por Mérito
Vãs promessas,
Dispersadas pelo amanhecer -
O mérito como ilusão falsa.

231
Maquiavélico
A dupla natureza de agir
Força a escolha egoísta -
Mal Benigno necessário.

232
Casta
Se as castas fossem
Em nefasto crime declaradas,
O sol nasceria para todos?

233
Excessos
Em excessos,
Vive-se a alma repleta de ausência,
E a presença escassa de viver.

234
Martírio
O pior julgamento
Foi feito pelo pior juiz.
O “eu”, réu confesso.

235
Conturbações
A vida cotidiana,
Em meio ao viver desbotado.
(Des)encontra-se.

236
Simbolismo
A natureza do mundo,
Em consonância com o homem,
Atua em realidade onírica.

237
Ambição
Desde os primórdios,
A força do querer intrínseca -
Corrupção d'alma.

238
Produção em Série
Em um mundo diverso,
A valorização da padronização -
Produção em série.

239
Autossuficiência
Na estória mundana,
A necessidade de autossuficiência.
Fazemos nosso próprio destino.

240
Sonho de Liberdade
Em sintonia com
Os pássaros do alvorecer,
O espírito liberto.

241
Filosofar
Em meio ao mundo
Burlesco e superficial,
O amor à sabedoria.

242
Mal Benigno
Entre as decisões
A emoção multifacetada.
Bem necessário.

243
Lobo
Em falsa comunhão,
A eterna corruptela do meio social.
O homem é o lobo do homem.

244
Incrédulos
Assistiram incrédulos
Os nativos à chegada do branco.
Final esperado de outrora.

245
Espetáculo Teatral
Relações sociais falseadas
Como peças burlescas de paródia -
Jogo mundano vil.

246
(In)significância
Em prol do futuro,
O esforço para pôr o nome na história -
Falso legado.

247
Mãos Divinas
Ao justificar-se.
A isenção da própria culpa.
O divino como causa.

248
Cidade Dourada
Como em miragem,
A supervalorização do material.
Ouro de tolo vil.

249
Eras Sociais
O tempo transfigura-se
Em repetições históricas -
O erro humano primordial.

250
Petulância
Unidos em conjunto,
Razão e emoção misturam-se.
Sentimentos petulantes n’alma.

251
Impetuoso
Em eterno julgamento,
A vivência plena embargada -
estado impetuoso de espírito.

252
Psicose
No dia a dia,
A conturbada consciência -
Mente sã.

253
Dádiva Concebida
Em meio ao viver,
O paraíso mundano diário -
Presente divino

254
Singela Harmonia
Nos confins d'alma,
A dança entre querer e poder -
estado harmônico do ser.

255
Paz em Caos
Engenhosamente,
O mundo move-se no incerto.
O caos como típico estado.

256
Defeito de Fábrica
O preço a se pagar
Pela diferença singular de existir -
Preconcepção humana desmedida.

257
Pecados Capitais
Justificando as imperfeições,
A culpa sobre o espírito -
Erro habitual.

258
Antídoto
Egoísmo individual
Implantado no mundo -
Doença sem cura.

259
A Caverna
Tal qual mito antigo,
O mundo real é burlesco -
A imaginação é o caminho.

260
Lusíadas
Em um dia ventoso,
O europeu vestiu o índio -
Erro de português.

261
Mito Enraizado
Para o escape constante
Da realidade voraz e intrínseca,
O mito do paraíso pós-aurora.

262
Maiêutica
Cheio de vis certezas,
O mundo enche-se de soberba -
O conhecer está na dúvida.

263
264
m um reino ao Norte das terras mais longínquas do
E mundo, na era dos grandes Reis e Rainhas que antes
habitavam e andavam pôr sobre o chão, e
respiravam o ar frio e gélido dos brancos invernos, havia um
príncipe justo e sábio que esperava, ansiosamente, por seu
momento de finalmente assumir o trono como o grande rei,
lugar que era ocupado pelo pai há décadas.
O príncipe fora criado em berço de ouro, tivera a
melhor educação, com os mais sábios educadores de todo
reino. Ele lutava bravamente, com a força de 10 homens e a
coragem de tal. Sabia ler em vários idiomas e escrever
cartas dos mais diversos tipos. Sem contar a predileção para
o governo, o qual era almejado por ele desde que tomara
consciência de si e de seu papel para com o povo da região.
Entretanto, por maior que fosse seu desejo por
tornar-se rei, e por maior que fosse sua ambição, o pai
sempre o alertara da responsabilidade que reinar sobre
pessoas exigia. Ele o alertara das decisões que tomaria, e
como um erro custaria a vida, não só de um camponês, mas
do vilarejo inteiro. O príncipe, com anseio de governar,
dava ouvido às falácias do pai, mas não as aceitava.
Com o passar dos anos o Príncipe cresceu, tornou-se
exemplo de bravura e honestidade, além de beleza juvenil
que possuía, lembrando o pai durante o apogeu de seu
reino. Com o passar das primaveras, o Rei envelheceu, e
junto com os cabelos brancos como neve, vieram a doença
e a peste. A Rainha, mãe do Príncipe, e adorada em todo o
reino por sua bondade e doçura, dormiu o sono eterno
decorridos exatos três dias de cama. O Reino entristeceu-
se, era como se os deuses tivessem, em movimento
arquitetado, tapado o sol e feito chover durante trinta dias
e trinta noites, em sinal de luto profundo pela perda.
O príncipe, arrasado pelo vil acontecimento, reagiu
indiferente, e em represália ao pai, o qual se envolvia
amorosamente poucos meses após a morte da Rainha,

265
rebelou-se em silêncio, e guardou para si a angústia que
carregava no peito, e que o dilacerava, pouco a pouco.
Os ares mudavam na região, e o que era apenas um
caso tornou-se um casamento, e em pouco tempo o Rei
oficializou-a como a nova Rainha, que, àquela altura, não
possuía poderes efetivos. Ainda.
Como uma obra do acaso, o Príncipe conhecera uma
camponesa, a qual, apesar da origem humilde, cativara o
seu coração. Todos aqueles que os viam, percebiam que dali
ecoava o amor verdadeiro, o mais puro e singelo amor. A
jovem era como uma fuga da realidade cruel, eles andavam
a cavalo sob o luar efervescente das noites estreladas, e, em
meio às luzes noturnas, destilavam o seu amor poético
digno de canções vertiginosas de bardos eloquentes.
Foram-se duas primaveras quando o Rei, como em
desfecho trágico, desapareceu dos holofotes, ele havia sido
acometido por ínfima doença. Com o tempo, deixara de
frequentar os banquetes reais, as reuniões em mesa
redonda, os exercícios de guerra e as apresentações
musicais, restando apenas a imagem soberba e
contraditória de uma Rainha tristemente alegre.
Foi então que, em noite fria de véspera natalina, o
Rei fora achado morto em seus aposentos. Ninguém sabia
ao certo o que acontecera, a Rainha gritava histérica, os
guardas estavam confusos, os curandeiros, que haviam sido
em pressa chamados, declararam caminho sem volta para o
antigo grande Rei. O príncipe galopava ao Sul, quando
recebeu, de um cansado mensageiro, a notícia infeliz.
Naquela noite, em um alarde geral, levantou-se a
verdadeira identidade da nova Rainha: uma Feiticeira, há
muito escondida, e foragida de reinos distantes. O Príncipe,
por ser jovem, não poderia assumir o trono que lhe era de
direito, restando esse papel à única na linha de sucessão
direta, a Rainha. O Príncipe ardeu em ódio a alma, e o
coração palpitava sufocado. Ele desejava vingar a morte do

266
pai, desejava vingar-se da morte da mãe, mas nada poderia
fazer de cabeça quente, e, tomando o conselho de sua
amada, repousou com ela sob uma macieira ao cair da noite.
Acordou com um grito.
Ao pôr as mãos na camponesa, esta não respondia
aos chamados, não esboçava reação alguma. Nas mãos que
afagavam a amada, sangue manchava a pele, e as roupas.
Ela havia sido morta enquanto dormia.
O Príncipe, como em um despertar fugaz e feroz,
cavalgou com seu cavalo pelo alvorecer. Chegando ao
Reino, pairou sobre a praça pública central, bradou sua
espada, e gritou aos sete ventos o conto dissonante do qual
espreitava. O conto que havia presenciado.
“A nova Rainha não passa de impostora, assassina,
tirou-me o pai, seu Rei, e minha amada, meu único apreço
a esse mundo”. “Não passa de uma Feiticeira”. “Marchem
comigo rumo ao castelo, limparemos a alma em sangue”. A
plebe, em fúria coletiva, carregou-se de tochas, pás, arado,
e facas. Correram, então, rumo aos aposentos da Feiticeira.
Estava vazio.
Nunca entenderiam como ela havia escapado, tal
qual pó, sumiu aos ventos frios, para nunca mais aparecer.
O Príncipe tornou-se, então, Rei, e governou com a
sapiência esperada, regada de justiça e bondade para com
qualquer um que a ele viesse pedir ajuda. Ele casou-se com
uma antiga amiga, vinda de outro arquipélago, do ocidente.
Com ela teve 3 filhos, dois bravos cavaleiros, e uma princesa
meiga, que, curiosamente, lembrava a aparência da avó.
O antigo Rei fora velado, em um funeral nórdico
correspondente, lembrando a vida heroica que tivera. A
plebe apoiou as decisões do novo Rei, e a ele foi fiel até o
fim de seu governo. Nunca mais tocaram no nome da
Rainha Feiticeira que um dia havia pisado sobre aquele
chão, e corrompido, mesmo que por pouco tempo, a
soberania daquele lugar.

267
Alguns anos se passaram, e uma carta havia sido
encontrada, no mesmo quarto que pertencera ao antigo Rei.
O manuscrito, já empoeirado e com detalhes
rasgados com o tempo, estava guardado entre as frestas dos
pedregulhos com os quais construíram as paredes do
castelo, e nele estava uma declaração, feita em linhas tênues
e letras tremidas. As letras da Rainha Feiticeira.
Naquele momento, o Novo Rei estava liderando
exércitos nas terras do Norte, a carta foi entregue à Rainha.
Ela acenou ao criado, para que saísse do quarto.
Ela derramou a taça de vinho que segurava.
Na carta estava escrito a verdade.
O Rei não foi assassinado, ele havia morrido pela
peste, a mesma que matara a antiga Rainha. A Bruxa não
havia tirado a vida da amada camponesa do príncipe.
Naquela fria noite, sob a lua cheia e a macieira, ele
desembainhou sua adaga, e golpeou-a enquanto dormia.
Ele sabia que se não agisse, a feiticeira ficaria no poder. Ele
sabia que a única forma da plebe o seguir contra a Feiticeira,
seria com um motivo. A morte da sua amada seria o motivo.
E ao fim da carta, quase que ilegível, havia escrito:
“Não existem heróis, ou vilões. Nós somos os dois”.

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