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SOBRE IR PARA O CÉU

Pensar no céu parece coisa para gente idosa. “Jovem tem outros itens em sua lista de
prioridades sobre o que pensar: estudos e relacionamentos amorosos são apenas dois
exemplos de questões que precisam ser definidas de forma mais imediata”, disse alguém.
Assim, quando encontramos alguém, na fase jovial da vida, pensando seriamente sobre o céu,
esse deve ser alvo de nossas mais afetuosas atenções.

O perfil de alguém que pensava sobre o céu

A Palavra de Deus relata um episódio envolvendo alguém com esse perfil. Vamos
conhecê-lo?

Marcos 10:17 afirma que ele era homem. Mateus 19:22 nos revela que ele era jovem.
Lucas 18:18 acrescenta a informação sobre sua condição social: ocupava uma alta posição,
sendo provavelmente um administrador de seus negócios e, quem sabe, de seus familiares.
Voltando a Marcos 10, no versículo 22, observamos que era rico, sendo essa condição, para a
cultura judaica, uma evidência da bênção de Deus. No versículo 20 do mesmo capítulo fica
evidenciado que era um judeu tradicional, mergulhado nas muitas regras criadas naquela
sociedade, à parte da lei de Deus.

Muitas, muitas regras

Mas, por que os judeus viviam envoltos em tantas “regras complementares” em


relação à lei, a ponto de tornar a vida religiosa legalista, que tem como base as boas obras
como caminho para a salvação?

Na verdade, tudo começou com outro objetivo, bastante salutar, diga-se de passagem.
Para compreendermos esse ponto, precisamos fazer uma viagem no tempo, inicialmente, para
encontrar Josué entrando na terra de Canaã. Deus havia cumprido a promessa feita a Abraão
430 anos antes. O território foi dividido em tribos, clãs e famílias.

Como Deus havia feito a concessão da terra que mana leite e mal, foi considerada
santa pelos israelitas. Se havia algo que eles não admitiam perder era isso. Porém, a
manutenção da vida naquele lugar dependia da obediência do povo. Caso se esquecessem
disso, conheceriam, na prática, a maldição da aliança de Deus:

“Eu farei com que haja guerra, e vocês serão espalhados pelas outras nações;
na terra de vocês não haverá moradores, e as cidades ficarão em ruínas.”
(Levítico 26:33)

Quando lemos o quinto mandamento, que diz “respeite o seu pai e a sua mãe, para
que você viva muito tempo na terra que estou lhe dando”, Deus não está prometendo vida
mais longa. Antes, firma compromisso de permanência na terra de Canaã. O povo tinha
consciência de que a obediência era fator preponderante para que recebessem as bênçãos da
aliança de Deus.

Sabendo disso, avancemos um pouco mais na história. Após o reinado de Davi e


Salomão, o povo de Israel sofreu um racha político. Surgiram dois reinos: o do norte, composto
por 10 tribos, chamado Israel, e o do sul, composto por duas, chamado Judá. Em 722 a.C., pela
desobediência, o reino de Israel foi esfacelado pelos Assírios.

Anos depois, Jeremias estava alertando o povo do reino do Sul sobre as mesmas falhas
cometidas pelo reino do norte. Isso mostra que nem sempre aprendemos lições com as
experiências dos outros:

“O SENHOR Deus disse ao seu povo: ‘’Fiquem nas encruzilhadas e vejam quais
são as melhores estradas, procurem saber qual é o melhor caminho. Andem
nesse caminho e vocês terão paz’. Mas eles responderam: ‘Nós não vamos
andar nesse caminho!’” (Jeremias 6:16)

Como a resposta foi negativa, Deus enviou os Seus juízos, não para destruir o povo,
mas para recolocá-lo no foco, na rota, pois é sempre assim que Ele age:

“Agora, eu entregarei todas estas terras ao poder de Nabucodonosor, rei da


Babilônia, meu servo; e também lhe dei os animais do campo para que o
sirvam.” (Jeremias 7:6)

“Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; (...) servirão ao rei da
Babilônia setenta anos.” (Jeremias 25:11)

Após os setenta anos de cativeiro babilônico, muitos judeus, em 538 a.C., voltaram
para Jerusalém. Encontraram a cidade destruída, bem como o templo de Deus. Diante desse
cenário e do compromisso de reconstrução da nação, tomaram firme decisão de nunca mais
perder o usufruto de sua terra. Eram reformadores que se comprometeram com a obediência.

Infelizmente, no segundo século antes de Cristo, surge um grupo que deu origem às
sinagogas e decidiu ser “separado” (daí a origem da palavra “fariseu”), perdeu-se quanto à
função da obediência, como uma atitude de gratidão pela salvação provida por Deus. Essa
agora passa a ser a razão pela qual a salvação era obtida. O temor pela possibilidade pecar fez
com que normas e mais normas fossem anexadas à Lei de Deus, tornando a obediência um
fardo praticamente insuportável.

A idolatria deu lugar ao legalismo. A adoração a ídolos feitos por mãos humanas deu
lugar à adoração do próprio eu, no sentido de que o obediente estrito se sentia melhor que os
outros. O interessante é que a intenção era boa – separar-se da cultura helenista (mistura da
cultura grega com a romana) que insistia em penetrar no território judeu. Isso mostra que,
muitas vezes, podemos fazer tudo errado, pensando fazer o certo. Basta olhar somente para si
mesmo para que isso ocorra.

O vazio do coração

Imagine como deveria ser a postura desse jovem rico e influente, tendo como base o
funcionamento da religião de seus dias! Devia ser obediente aos pais e à lei oral, criada pelos
fariseus, bem como à Lei de Deus. Provavelmente frequentava a sinagoga todas as semanas.
Como devia ser gentil e generoso – um bom partido, sonhado por qualquer senhora para ser
seu genro.
Porém, havia um vazio dentro de seu coração! Ele era seguidor meticuloso de cada
norma estabelecida por aquilo que entendia ser a lei. Deveria sentir-se salvo, Mas, não.
Quanto mais o tempo passava, mais a sensação de vazio aumentava.

Mas, como? O que faltava para ele? A sequência do relato deixará exposta a razão.
Talvez você, nesse momento, também olhe para sua vida e sinta a mesma coisa: parece que
tem tudo, mas sente que há um espaço oco dentro do peito. Talvez a história desse jovem seja
uma amostra de nossa própria história.

Antes, porém, de buscarmos os motivos de sua angústia, vamos focar sua ida ao
encontro de Jesus.

O ato de correr: uma quebra de protocolo

Saber que Jesus estava passando próximo de sua casa fez com que uma centelha de
esperança brotasse no fundo daquele desesperado coração. Não era aquele o Mestre que
curava os cegos, que fazia pularem os coxos, que tornava limpos os leprosos? Talvez o seu
vazio também pudesse ser curado. Mas, como ir ao encontro dEle? Afinal, Jesus era o Mestre
dos maltrapilhos. Sua imagem poderia ser afetada caso fosse “fotografado” por algum
paparazzi. Imagine a manchete nos jornais: “Jovem da alta sociedade busca socorro junto ao
Mestre dos marginalizados de Judá”.

Mas o seu vazio era tão grande, que decidiu quebrar todos os protocolos de sua
cultura, abrir a porta de sua casa e correr ao encontro de Jesus (Mc 10:17).

Correr, em nossos dias, é algo bastante corriqueiro. Muita gente corre, especialmente
os jovens. Por que a Bíblia destaca o fato de que ele foi até Jesus correndo? Para entendermos
essa informação intencionalmente registrada, precisamos conhecer os usos e costumes
daquela época, naquele lugar.

Figuras respeitadas não corriam em público naqueles dias. Era inadequado. Desonroso.
Isso me faz recordar do momento em que o pai do filho pródigo sai correndo para encontrar
seu garoto que estava voltando para casa, após uma sequência de insucessos (Lc 15:20). Ele
não deveria ter corrido. A comunidade não esperava isso. O lugar onde ele vivia era mais ou
menos assim: atrás de sua casa estava a propriedade rural, no meio sua casa, à frente as casas
dos empregados. Para encontrar seu filho, ele correu por entre as casas dos servidores, sendo
envergonhado a cada passada que dava.

Por que aquele homem fez isso? Não era somente porque estava com saudades e
queria abraçar seu filho. Havia uma lei, registrada em Deuteronômio 21:18-24, que descrevia o
castigo do apedrejamento para pessoas que houvessem envergonhado a comunidade. Aquele
era um caso típico. O pai corre, envergonhado, mas o faz para proteger seu filho antes da
primeira pedrada. Zaqueu também corre para subir em uma árvore para ter um encontro
transformador com Jesus.

Aquele jovem rico também correu. Foi atípico seu comportamento, mas ele não podia
esperar mais um segundo sequer. Não importava mais o que os outros iriam pensar ou dizer.
Então, ajoelha-se diante de Jesus, outra atitude pouco convencional procedente de um
homem importante, e O chama de “bom Mestre” (Mc 10:17).
“Bom” como referência à divindade

Naquela época nenhum rabi (mestre da lei) aceitava ser chamado de “bom”. Esse
adjetivo era reservado apenas para Deus.

Jesus, antes de dar sequência ao diálogo, pergunta-lhe:

“Por que você me chama de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém.” (Mc
10:18)

Estaria Jesus abrindo mão de ser reconhecido por sua divindade? Claro que não. Jesus
reafirmou alguma vezes que era Deus (Jo 8:58; 10:30) e esse não era um momento para Ele
negar sê-lo. Na verdade, Jesus fez uma pergunta indireta, que talvez pudesse ser apresentada
assim, diretamente: “Você está, com sua forma de se referir a Mim, chamando-Me de Deus.
Você está disposto, na sequência dessa conversa, a considerar-Me Deus em sua vida?”

Essa é uma pergunta de grande profundidade! Ao nos dirigirmos a Jesus e reconhecer


que Ele é Deus, estamos dispostos a considerá-Lo ainda dessa maneira, quando Ele fizer
apontamentos e dar direcionamentos para a sequência de nossa vida? Aquele jovem foi
alertado quanto a isso! Nós também o somos.

A pergunta crucial sinceramente errada

Eis que se apresenta a pergunta crucial daquele jovem:

“[...] o que devo fazer para herdar a vida eterna?” (Mc 10:17, grifo do autor)

Que pergunta profunda! Quantos de nós realmente já pensamos de maneira séria


sobre o céu? Não estaríamos nós priorizando outras coisas nesse momento? (entendamos que
tudo aquilo que rouba nosso desejo essencial de ir para o céu é um deus para nós, verdade
importante para a sequência de nossas considerações sobre essa história).

Embora fosse uma pergunta sincera, ela foi formulada de forma sinceramente errada.
Como? Vejamos. A pergunta em questão é estruturada com base em dois verbos: fazer e
herdar.

Primeiramente, é possível fazer algo para ser salvo? Obedecer? Não. A salvação não é
obtida por nossos méritos, mas pelos méritos de Cristo e Sua graça.

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus.” (Ef 2:8).

Esse dom de Deus foi disponibilizado a nós por meio de alto preço:

“Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que
todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:16)

Essa foi a primeira falha na composição da pergunta. Em segundo lugar, aquele jovem
ilustre queria realizar alguma obra com o intuito de herdar da vida eterna. Mas, como se
tornar um herdeiro de uma propriedade? Basta ser filho do dono. Não há aspectos meritórios
nisso. Se é filho, é herdeiro, Se não, não o é. Não havia nada que aquele moço pudesse realizar
para tornar-se herdeiro da vida eterna.
Se somos filhos de Deus, logo somos herdeiros dEle. Quantos são filhos de Deus?
Todos nós. Deixar de receber a herança é opção nossa, não escolha divina. Aquele jovem
imaginava que, por ter muitas posses e por viver uma religião baseada em obras, poderia fazer
algo para herdar a vida eterna. Sinceramente errado.

Jesus mergulha nas crenças do jovem rico

Jesus, então, mergulha no mundo cercado por normas e regulamentos daquele jovem,
a fim de prepará-lo para a resposta crucial.

“Você conhece os mandamentos: ‘Não mate, não cometa adultério, não roube,
não dê falso testemunho contra ninguém, não tire nada dos outros, respeite o
seu pai e a sua mãe’.” (Mc 10:19)

O Mestre faz uma abordagem da parcela da lei que o judeu utilizava como base para
seu comportamento diante dos aspectos culturais mais valorizados – os seis últimos
mandamentos. Esses mandamentos legislavam acerca de dois aspectos importantíssimos para
aquele povo: lealdade à família e lealdade à propriedade ancestral.

Os judeus viviam uma cultura patriarcal. Eram filhos de Abraão, Isaque e Jacó. A figura
paterna era revestida e absoluto respeito. Leiamos o trecho que inaugura a história de Abraão
no texto sagrado:

“Terá tomou seu filho Abrão, seu neto Ló, filho de Harã, e sua nora Sarai,
mulher de seu filho Abrão, e juntos partiram de Ur dos caldeus para Canaã.
Mas, ao chegarem a Harã, estabeleceram-se ali.” (Gn 11:31)

O texto aqui apresenta Terá, o pai de Abrão, como aquele que decidiu tirar sua família
de Ur dos Caldeus. Nós temos revelação suficiente para saber que quem atuou para a saída de
seus entes queridos daquela cidade vil foi Abrão. Por que a Bíblia se refere ao pai e não ao
filho como agente dessa decisão? Exatamente por causa do modelo patriarcal de comunidade.
Embora o filho tenha tomado à frente nessa empreitada, o pai é tido como o responsável pela
escolha.

Quanto à lealdade à propriedade ancestral, já descrevemos anteriormente o quanto a


“terra santa” era importante para o povo judeu. Não precisamos nos estender mais quanto a
isso.

Então, Jesus aborda esses dois temas ao apresentar seis dos dez mandamentos:

a) “Não mate”: ligado à lealdade à família;


b) “Não cometa adultério”: ligado à lealdade à família;
c) “Não roube”: ligado à propriedade ancestral;
d) “Não dê falso testemunho contra ninguém”: ligado à lealdade à família;
e) “Não tire nada dos outros”: ligado à propriedade ancestral;
f) “Respeite o seu pai e a sua mãe”: ligado à lealdade à família.

Quanto a esses temas aquele jovem era perito, como percebe-se em sua resposta
repleta de ansiedade, pois o que Jesus lhe apresentava não iria, certamente, preencher o vazio
de seu coração:
“Mestre, desde criança eu tenho obedecido a todos esses mandamentos!” (Mc
10:20)

Sabiamente, George Lorimer disse, certa vez:

“É bom ter dinheiro e tudo que o dinheiro pode comprar, mas também é bom,
também, fazer um check-up de vez em quando para se certificar de que você
não perdeu as coisas que o dinheiro não pode comprar.”

Aquele jovem está prestes a descobrir que há coisas que não podem ser compradas e
que estão na iminência de serem perdidas, o que justifica o seu imenso vazio. Isso servirá para
você e para mim também!

Relacionamentos saudáveis pressupõem amor

Antes de dar-lhe a resposta definitiva, que quebraria completamente todos os


paradigmas de sua cultura, Jesus amou aquele jovem. Acompanhe o texto:

“Jesus olhou para ele e o amou.” (Mc 10:21)

Lembro-me bem do período em que eu estudava no primeiro ano do ensino médio, na


época (1994) chamado colegial. Havia uma professora, que aqui vou chamar de X, da disciplina
de física, que infelizmente não dominava a matemática em seus aspectos mais básicos.
Imagine uma professora de física que não transita bem na matemática.

Um dia ela cometeu um erro grosseiro na correção de determinado exercício. Era uma
simples equação de primeiro grau: 3x + 5 ela disse ser 8x. Erro crasso! Depois disso, os dias
foram passando e a data da prova 1 do bimestre se aproximando.

Algumas aulas antes do teste eu a abordei e disse que tínhamos que rever um
exercício antes da avaliação. Nada aconteceu. Na próxima aula fiz a mesma abordagem. Nada
aconteceu. Na véspera da prova, outro pedido de correção do exercício. Nada aconteceu.

Como adolescente um tanto irresponsável, combinei com meus colegas de classe –


eram mais de 40 – que não participaríamos da prova no dia seguinte. Deixaríamos em branco,
em protesto.

Amanheceu. A prova era na primeira aula. Dez minutos antes, no pátio, certifiquei-me
de que todos estavam firmes no objetivo do dia. Havia consenso. Unanimidade. Entramos em
sala. Ouve-se o barulho dos saltos dos sapatos altos da professora pelo corredor.

Ela entra. Distribui as provas viradas para o lado branco da folha. Depois que todos
recebem o papel, é dada a ordem: “Podem virar a prova”. Todos imóveis. Ela percebe a
conspiração. Começam as ameaças. Um aluno começa a fazer a prova. Dois. Três. Dez. Vinte.
Trinta. Restam apenas seis “fiéis defensores da justiça”, dentre eles eu, é claro, o autor do
movimento. Todos os “rebeldes” são obrigados a assinar o nome na prova em branco. Toca o
sinal. A professora sai.

Logo vieram as repercussões. A coordenadora pedagógica nos chama para uma


“conversinha” em sua sala. Fomos os seis. Eu argumentei. “Não colou”. Ela disse que
estávamos errados. Então recorri à instância superior. Às 11h30 a diretora entra na sala de
aula. Todos em silêncio. Ela pergunta acerca de quem será aquele que vai explicar o que estou
acontecendo. Após alguns instantes de espera por um candidato diferente de mim, aceno com
a mão. Fico em pé. Explicito meu ponto de vista e ouço o veredito: “Vocês estão certos. Uma
nova prova será marcada.”

Que vitória! Apenas aparente. Naquela semana a diretora, o “arauto da justiça”


adoece. E morre. Um novo diretor é nomeado. Ele não conhecia a história de “José do Egito”.
A professora venceu. A prova jamais foi aplicada. Eu só fiz a prova 2, que valia 40% da média
bimestral. Há uma nota 4,0 como a única vermelha em meu histórico escolar ao longo de toda
uma vida.

Por que contei essa história? Para que haja um bom relacionamento, precisa haver
amor. Aquela professora me amava? Certamente que não. Logo, não houve estabelecimento
de um relacionamento saudável.

Por outro lado, tive uma professora maravilhosa na alfabetização. Maria Christina
Bronze, esse é o nome dela. No ano de 1986 eu fiquei muito doente. Morava na zona leste de
São Paulo. Uma broncopneumonia que quase me ceifou a vida. Faltei vários dias às aulas. Ela,
como uma educadora por excelência, em uma noite de garoa, algo típico na capital paulista, foi
me visitar em casa. Eu já estava dormindo. Só soube da visita na manhã seguinte porque
minha mãe me contou e porque, ao lado da minha cama, havia um pequeno embrulho – um
presente, um carrinho de coleção tipo Hot Wheels. Eu guardo esse carrinho por mais de 30
anos.

Em janeiro de 2017, tive o privilégio de reencontrar minha querida professora, já


aposentada, mas jovial e com o mesmo sorriso cativante de sempre. Mostrei a ela o carrinho
que guardava por mais de três décadas. Foi emocionante. Certamente esse tornou-se um
relacionamento saudável, pois nele havia amor.

Jesus, antes da resposta crucial, amou aquele jovem tão rico, mas tão vazio. O Mestre
abriu caminho para que o relacionamento entre eles caminhasse em uma direção que a
oportunidade de salvação pudesse ser aproveitada e aquele tremendo vazio fosse preenchido.

Mas, será que aquele jovem amava a Jesus tanto quanto Jesus gostaria que ele O
amasse? O transcorrer da história vai demonstrar que não. Jesus esperava uma resposta de
amor, que jamais viria.

E você, consegue amar a Jesus tanto quanto ele deseja que você o ame? Diante das
questões cruciais da vida, você tem dados respostas de amor a Ele?

Não estou falando de demonstrações externas de amor a Jesus. Hoje se usam bíblias
grandes, porque é moda ser cristão. Usam-se grandes adesivos nos veículos. Muitas igrejas
estão cheias, mas podem ser apenas manifestações exteriores. Você consegue amar a Jesus,
no íntimo de seu coração?

Sigamos o relato!

Só falta uma coisa

Então, Jesus, tendo-o amado, disse:

“Para você só falta uma coisa.” (Marcos 10:21, paráfrase)


“Como assim, Jesus, só falta uma coisa?”, deve ter sido a reação imediata daquele
jovem. Ele imaginava que, pelo tamanho do vazio do seu coração, faltassem muitas coisas.
Mas Jesus disse que só faltava uma.

É nesse momento que, imagino, a forma humilde com a qual se apresentara diante de
Jesus simplesmente evapora. A cabeça baixa se levanta. O olhar altivo é novamente flagrado.
Só falta uma coisa, uma coisinha só.

Quem sabe ele não tenha dito:

“Jesus, o Senhor está no centro agora, mas, por favor, vá lá para o cantinho,
porque nesse momento quem vai ocupar o centro sou eu. Pode dizer o que
falta. Eu vou fazer imediatamente (pensava que suas posses eram suficientes
para tal). Depois disso, sairei salvo daqui e com muita pena desses outros
pobres, para quem ainda falta muita, muita coisa.”

Isso mostra a verdadeira face do coração humano, muito bem definida pelo profeta
Jeremias:

“Quem pode entender o coração humano? Não há nada mais que engane
tanto como ele; está doente demais para ser curado.” (Jr 17:9).

A resposta crucial de Jesus

Agora Jesus apresentará a resposta crucial:

“Vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres e assim você terá
riquezas no céu. Depois venha e me siga.” (Mc 10:21)

Antes de mergulhar no aspecto principal da resposta de Jesus, quero abordar a última


expressão pronunciada por Jesus. O convite “venha e me siga” era muito significativo na
comunidade judaica. Era o sinal de aprovação de um rabi ao admitir um novo discípulo, que
depois de anos em sua companhia, também se tornava um rabi.

As implicações pós-resposta de Jesus

Agora sim, vamos ao aspecto principal da resposta de Jesus. O pedido para que ele
venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres é chocante. Chocante, primeiramente,
porque o dinheiro era aquilo que aquele jovem tentava usar para preencher o espaço vazio do
seu coração.

O nosso coração poderia muito bem ser comparado a um quebra-cabeça. Cada peça é
tem seu lugar específico de encaixe. A peça que faltava no coração daquele jovem era Jesus.
Por isso o vazio era tão grande. Somente alguém do tamanho de Jesus poderia preencher.
Então ele tenta colocar outra peça – o seu dinheiro.

Quantas vezes tentamos colocar algo no lugar vazio de nosso coração destinado a
Jesus. Fatalmente, nada pode ser encaixado nesse espaço que somente Ele pode preencher! E
nós relutamos.

O que Jesus pede de nós são os nossos deuses!


Em segundo lugar, Jesus está dizendo para aquele jovem: “Você não precisa das coisas
que você tem; você precisa de mim!” Aqui o Mestre resume os quatro primeiros
mandamentos. O jovem só dominava os últimos seis. Ele precisava de Deus! Nós também
precisamos.

Além disso, o pedido de Jesus destrói os elementos culturais contidos na lealdade à


família e à lealdade à propriedade ancestral, algo tão fortemente arraigado a ele:

- Se vendesse tudo o que tinha, estaria desonrando a família;

- Se vendesse tudo o que tinha, estaria desonrando a propriedade ancestral.

A proposta de Jesus tem a ver com uma lealdade superior e incondicional. A tradição
dizia “não furtarás”. Mas Jesus, com seu discurso, implanta uma nova interpretação da lei,
dizendo: “Não apenas não roube, mas, se necessário, dê tudo o que você tem.”

Seguir os mandamentos como ele havia aprendido é algo que ele consegue suportar.
Mas considerar Jesus mais importante que a família e a propriedade ancestral é demais para
ele. Uma lealdade superior e incondicional é para ele uma impossibilidade lógica! Ele não está
disposto a seguir um Mestre que veio trazer espada (Mt 10:34), que pode causar inimizade
entre ele e sua família (Lc 14:26)! Por isso Jesus, no começo da conversa, perguntou-lhe:
“Porque você está me chamando de bom? Está disposto a me considerar Deus em sua vida?”

A sequência do relato é triste:

“Quando o homem ouviu isso, fechou a cara; e, porque era muito rico, foi
embora triste.” (Mc 10:22)

Além de mudar completamente o seu semblante, fechando a cara, depois de ter


expresso sua arrogância, ao pensar que poderia “comprar” a salvação, ele foi embora triste.
No original grego, o significado mais amplo para “triste” é “formar tempestade”. Ele veio em
busca de Jesus, a Luz do Mundo (Jo 8:12), encontrou a resposta, mas voltou para casa envolto
em uma tempestade, em completas trevas.

Por que tudo isso aconteceu?

Aquele jovem imaginou, tragicamente, que nem Jesus poderia ajudá-lo. Eu imagino
que ele até tenha pego o talão de cheques, tenha preenchido o valor, colocado a data, mas, na
hora de assinar, suas mãos começaram a tremer.

Eu me lembro do dia em que tive que escrever meu nome pela primeira vez. Não
conseguia. Então pedi ajuda. A professora Christina envolveu as suas mãos talentosas às
minhas inseguras mãos. Ajudou-me a escrever. Ficou lindo. Nunca mais escrevi bonito assim.

Ao não conseguir abrir mão de tudo o que tinha, aquele jovem dispensou a única ajuda
eficaz que havia à sua disposição. Jesus conhecia sua assinatura. Poderia envolver suas mãos
trêmulas às mãos seguras dEle. Mas preferiu fechar a cara, e ir embora nas trevas.

Preso aos seus deuses. Preso às tradições de seu povo. Preso às normas estabelecidas
como anexos da Lei de Deus. Preso às obras como fonte de salvação.
Uma reflexão final

Gostaria de, com um texto de Paulo, fechar as cortinas dessa história com uma
resposta contundente diante de nossa insegurança quanto a avançar com Cristo, oferecendo-
Lhe lealdade superior e incondicional.

“Pois se os que vivem pela lei são herdeiros, a fé não tem valor, e a promessa é
inútil; porque a lei produz a ira. E onde não há lei, não há transgressão.

“Portanto, a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça e
seja assim garantida a toda a descendência de Abraão; não apenas aos que
estão sob o regime da lei, mas também aos que têm a fé que Abraão teve. Ele
é o pai de todos nós.” (Rm 4:14-16 - grifo do autor)

Resumindo o pensamento:

a) Caminho número 1: A lei aponta para nossa transgressão. Nossa


transgressão gera a ira de Deus. Ao tentarmos obedecer a lei com a
finalidade de sermos salvos, fracassaremos, pois, o padrão da lei é
inalcançável;
b) Caminho número 2: A fé é obtida por meio da graça de Deus. Por sua
graça, temos garantida nossa herança, por meio da promessa de Deus.
Aqui não tentamos obedecer para ser salvos, mas, diante de nossa
incapacidade, entregamos tudo a Jesus e pedimos Seu auxílio sempre
pronto.

Assim, entendemos que a vida eterna não é herdada por boas obras, mas recebida por
aqueles que permitem que Deus opere o impossível neles.

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