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Diplomacia e Negociação - LRI

2022/2023
2º semestre

Ensaio
Guerra na Ucrânia - Terá a China legitimidade para apresentar uma
proposta de paz para o conflito na Europa?

12/03/2023
Adriana Tomaz Pereira
2022238472
Número de palavras: 1578
1

Resumo
Um ano após o início do conflito na Ucrânia, a China publicou uma proposta composta
por doze pontos, no intuito de colocar termo à guerra europeia. A iniciativa foi alvo de
alguma contestação por parte do ocidente, devido à alegada falta de legitimidade
chinesa, para elaborar uma proposta de paz, quando se mostra incapaz de condenar as
investidas russas. Neste ensaio, analiso o documento referido, bem como a capacidade
diplomática da China para servir como mediadora.

Palavras-chave: China, Rússia, Ucrânia, proposta e legitimidade.

Abstract
One year after the start of the conflict in Ukraine, China published a proposal made up of
doze points, with the aim of putting an end to the European war. The initiative has been
the target of some opposition from the West, due to the alleged lack of Chinese legitimacy
to draw up a peace proposal, when it is shown to be incapable of condemning Russian
attacks. In this essay, I analyze the aforementioned document, as well as China's
diplomatic capacity to serve as mediator.

Keywords: China, Russia, Ukraine, proposal and legitimacy.


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Índice
1. Introdução…………………..…………………………………………………….……….3
2. Desenvolvimento da problemática……………………………...………………..……..4
3. Conclusão………………………………………………………………………………….7
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1. Introdução
No dia 24 fevereiro, enquanto o resto do munto assinalava um ano do conflito
russo-ucraniano, a China publicou um documento composto por doze pontos, que
propunha medidas para a paz, bem como cuidados a ter com potenciais riscos, sociais,
económicos e militares, que poderão advir da guerra na Ucrânia. A China, que até à data
se tem abstido de reprovar a investida russa, apresenta agora um plano de negociações
e procedimentos. É considerada por muitos uma proposta insensata e ridícula, formulada
por um país que afirma ter uma posição neutra, mas mantém acordos de amizade com o
lado russo. Em particular, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Lyon,
questiona a capacidade da China de servir como mediador do conflito, afirmando que
mesma escolheu o lado agressor para apoiar. As afirmações da presidente
fundamentam-se com a recente possibilidade de a China apoiar a Rússia com armas.
(The Associated Press, 2023)
Tomando a problemática referida como ponto de partida, neste ensaio, pretendo
analisar a legitimidade chinesa para a elaboração desta proposta, bem como se a mesma
deverá ou não ser tida em consideração. Estará a China em posição de apresentar
propostas de paz? E deverão propostas como estas ser ignoradas? Para responder a
estas questões, partirei à análise da proposta, e recorrerei às obras de autores como
Carlos Guillén Gestoso, Feng Zhongping e Huang Jing, com uma breve contribuição de
José Calvet de Magalhães. A restante informação exposta neste trabalho foi retirada de
sites governamentais e plataformas de comunicação social de elevado grau de
credibilidade.
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2. Desenvolvimento da problemática
Desde cedo, que Putin declarou ambicionar reconstruir o poder militar e as
fronteiras da antiga União Soviética, como se pôde verificar pela invasão da Crimeia em
2014. Com as investidas na Ucrânia, o Presidente russo aparenta ter a intenção de
colocar novamente o território sobre o controlo russo, e para tal, previa uma operação
rápida e relativamente fácil, dada a clara inferioridade militar ucraniana. Contrariamente
às suas expetativas, as hostilidades persistem, dado que os dois países não chegam a
um consenso, em contexto de “negociações integrativas” 1(Gestoso, 2007) que respeite
os interesses de ambas as partes. Moscovo insiste nas suas pretensões iniciais.
(Maizland, 2022)
A Rússia e a China, por sua vez, apesar de não serem aliados formais,
consideram-se parceiros estratégicos, “O relacionamento China-Rússia está a passar por
um desenvolvimento contínuo, estável e sólido em alto nível e está no seu melhor em
toda a história”.2 (XI Jinping (2019) citado em China Power, 2022). Ambos os países
apresentam sistemas políticos comunistas com semelhanças inegáveis e costumam
apoiar-se no conselho de segurança da ONU, em que os dois possuem poder de veto.
(Maizland, 2022)
Foi no final de 2013, que a China e a Rússia desenvolveram medidas inigualáveis
para fortalecer seus laços. Os presidentes chinês e russo, bem como os primeiros-
ministros e os chefes dos parlamentos de ambos os países, reúnem-se todos os anos e
há uma linha para comunicação direta entre eles. “Foi criado um Mecanismo de Reunião
Ordinária dos Primeiros-Ministros da Sino-Rússia, que inclui o Comitê de Reunião
Ordinária dos Primeiros-Ministros, a Reunião dos Negociadores de Energia e o Comitê de
Cooperação entre Pessoas”. (Zhongping e Jing, 2014: 9,10) No entanto, no mesmo ano,
também as relações sino-ucranianas apresentavam um crescimento forte. (Ministério dos
Negócios Estrangeiros da RPC). De facto, como nos diz Feng Zhongping e Huang Jing3,
a diplomacia chinesa sempre esteve voltada para a construção de uma ordem mundial
em comunhão com a sua diplomacia multidimensional. “Conceitos como multipolaridade,
nova ordem mundial, democratização das relações internacionais, diversidade e mundo
harmonioso têm aparecido recorrentemente em documentos de parcerias estratégicas.”
(Jing, 2014). Tendo isto em consideração, percebemos que Pequim não querendo chegar
ao ponto de formar uma aliança de defesa mútua com a Rússia, à custa de suas relações

1 Negociação integrativa- estabelecimento de relações a longo prazo; distribuição equitativa dos


recursos; jogos de soma variável.
2 Tradução livre.
3 Feng Zhongping é vice-presidente dos Institutos de Relações Internacionais Contemporâneas da

China e Huang Jing é Pesquisador Assistente dos Institutos de Relações Internacionais


Contemporâneas da China.
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com outras grandes potências, também não tem interesse em formar acordos com o
Ocidente que possam prejudicar a relação sino-russa. (Jing, 2014) Pequim quer manter
“um pé” em cada lado da “fronteira ideológica” e obter o melhor dos “dois mundos”, o que
até pode funcionar em tempos pacíficos, mas com o aumento das tensões, cresce
também a pressão internacional para o apoio declarado e incondicional a um dos lados.
A invasão russa da Ucrânia colocou a China, tradicionalmente neutra, numa
posição constrangedora, pois, como referido, a mesma ainda não consentiu auxiliar a
Rússia com o apoio militar requisitado, com receio da penalização ocidental, no entanto é
encarado, nomeadamente pelas instituições europeias como aliada russa não declarada.
As desconfianças são alimentadas pelos encontros entre os presidentes de ambas as
potências cujas conversações são, na maior parte das vezes, desconhecidas pelo resto
do mundo, o que deixa estes países num constante estado de alarme. Apesar da
globalização e da preferência pelo multilateralismo, como corrobora José Calvet de
Magalhães4 (1996), os contactos diretos entre potências têm-se desenvolvido bastante,
apoiados pelo avanço tecnológico, pelo que o resto do mundo fica em suspense para ver
quais os resultados desta diplomacia5 bilateral entre a China e a Rússia.
Ao ser completado um ano desde o início da guerra na Ucrânia, a República
Popular da China publicou um documento intitulado de “Posição da China sobre a
solução política da crise na Ucrânia”, no qual reunia um conjunto de doze pontos gerais
com vista à resolução do conflito na Europa. Sem mencionar a Rússia ou a Ucrânia,
Pequim defende que “a soberania, a independência e a integridade territorial de todos os
países devem ser efetivamente preservadas” e a segurança de uma região não deve ser
alcançada pelo fortalecimento ou expansão de blocos militares, embora não concretize
como é que isso funcionaria para a Ucrânia, tendo em conta que a Rússia já anexou
várias regiões do país. A proposta também condena a “mentalidade de Guerra Fria” e as
sanções não autorizadas pelas NU e alerta para a importância de manter as centrais
nucleares seguras, bem como, para a proteção de prisioneiros de guerra e civis.
(Ministério dos Negócios Estrangeiros da RPC, 2023)
A China coloca bastante ênfase no cessar de hostilidades, tratando-se de uma
medida prioritária e urgente, para a reconstrução.
“Todas as partes devem apoiar a Rússia e a Ucrânia a trabalhar na
mesma direção e retomar o diálogo direto o mais rápido possível, de modo a
diminuir gradualmente a escalada da situação e, finalmente, alcançar um cessar-
fogo”. (Ministério dos Negócios Estrangeiros da RPC, 2023)

4 Diplomata, historiador, tradutor e ensaísta português.


5 A diplomacia é “a maneira de conduzir os assuntos exteriores de um sujeito de direito
internacional, utilizando meios pacíficos e principalmente a negociação.” (Philippe Cahier, citado
por Silva e Gonçalves, 2010:52).
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Contrariamente às expectativas de Putin, a conquista da Ucrânia não se mostrou nem


fácil, nem rápida, tendo a Ucrânia demonstrado uma surpreendente capacidade de
resistência. Existe assim, uma clara relação de poder entre os dois países. Como salienta
Carlos Gestoso, essa relação é um passo fundamental para a negociação, caso contrário
“(…) uma das partes poderia adotar unilateralmente uma decisão e impô-la à outra parte
(…)”, sem que houvesse espaço para negociação. (Gestoso, 2007:86)
Levando em consideração a proposta referida, bem como a relação da China com
a causa, é possível afirmar que a República Popular da China teme tanto confrontar a
Rússia, como apoiá-la, no entanto, a sua política externa deixa o resto do mundo,
sobretudo o Ocidente, com a sensação do seu favoritismo russo. Ainda assim,
contrariamente ao que a presidente da Comissão Europeia declarou, a proposta chinesa
deve sim ser levada em consideração, num tempo em que a prioridade não é contestar a
sua legitimidade pacificadora, mas sim, encontrar uma solução justa e urgente para a
guerra, independentemente da sua origem. Todos os doze pontos levantados são de uma
enorme relevância e cobrem tanto a parte militar, como política, económica e social.
Necessitam claramente de uma adaptação e deles serem extraídas medidas mais
concretas, mas representam um esforço interventivo e pacificador, por parte de um país
tradicionalmente neutro e que até ao momento não havia demonstrado particular
interesse no conflito europeu.
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3. Conclusão
A imprevisibilidade do fim da guerra na Ucrânia, preocupa os Estados,
principalmente os europeus, transformando a descoberta de uma solução num um projeto
urgente. Uma das propostas de resolução surgiu na China, mas a ação foi alvo de uma
certa indignação e crítica. Pequim foi acusado de estar do lado russo e de defender os
interesses do mesmo. A relação de amizade sino-russa é conhecida, mas a China não
aceita tomar uma posição crítica relativamente à Rússia, nem defende abertamente
interesses ucranianos, na sua proposta. Ainda assim, ao analisar o contexto histórico das
relações entre os três países mais mencionados neste ensaio, bem como a estratégia
diplomática chinesa, chego à conclusão de que a proposta de paz deve ser levada em
consideração, ainda que possa esconder segundas intenções ou até mesmo, um certo
favoritismo por Moscovo. Todas as propostas de paz são úteis e existem sempre ideias
que podem ser aproveitadas. Pelo seu poder, a China é dos países que o ocidente mais
teme que se alinhe à Rússia nesta guerra, de modo que, mostrar a sua vontade de
colocar termo ao confronto, pode ser encarado como um indício de boa-fé ou
desinteresse no alargamento do mesmo.
Até ao momento o apoio da China à Rússia tem sido amplamente retórico e
político. Pequim ajudou a impedir esforços para condenar Moscovo nas Nações Unidas,
mas não há provas públicas de que esteja a fornecer armas a Moscovo. Apesar de
considerar a proposta legitima e útil, as intenções por detrás da mesma ir-se-ão revelar
futuramente, com a aplicação da mesma e com a doação ou não de armas à Rússia, por
parte da China, em conjunto com outras políticas que Pequim possa propor ou aplicar.
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Referências

China Power (2022). How Has the China-Russia Relationship Evolved? Obtido em março,
8, 2023 de https://chinapower.csis.org/history-china-russia-relations/.

Zhongping, F. & Jing, H. (2014). China’s strategic partnership diplomacy: engaging with a
changing world. European Strategic Partnerships Observatory (No. 8, pp. 18-19). Working
paper.

Gestoso, C. G. (2007). Estratégias de negociação. Portugal: Edições Pedagogo.

Lindsay Maizlandm (2022). China and Russia: Exploring Ties Between Two Authoritarian
Powers. Council on Foreign Relations. Obtido em março 8, 2023 de
https://www.cfr.org/backgrounder/china-russia-relationship-xi-putin-taiwan-ukraine

Magalhães, J. C. (1996). A diplomacia pura. (2ª edição). Bertrand Editora

Ministério dos negócios estrangeiros da República Popular da China. China and Ukrain.
Obtido em março 11, 2023 de
https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/gjhdq_665435/3265_665445/3250_664382/

Ministério dos negócios estrangeiros da República Popular da China (2023, fevereiro 24).
China’s Position on the Political Settlement of the Ukraine Crisis. Obtido em março 11,
2023 de
https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/2649_665393/202302/t20230224_11030
713.html

Silva, G. A., & Gonçalves, W. (2010). Dicionário de relações internacionais. (2ª edição)
Barueri, SP: Manole.

The Associated Press (2023). What is China’s peace proposal for Ukraine War? Obtido
em março, 8, 2023 de https://apnews.com/article/russia-ukraine-politics-government-xi-
jinping-antony-blinken-2f6774b18fab3d32a46c93120d83db03.

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