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CRÉDITOS

O ABCs do Socialismo foi produzido como uma colaboração entre a Verso


Books e a Jacobinmagazine, publicada on-line e trimestralmente para mais
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Jacobin
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ISBN-13: 978-1-78478-726-4
ASIN: B01N5NY4T0 (English Edition)

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Entre centenas de outros, este livro foi possível pela generosidade de:

Saki Bailey
Danny Bates
John Erganian
Marshall Mayer
David Mehan
Mark Ó Dochartaigh
Brian Skiffington
Frederick Sperounis
Francis Tseng
Nathan Zimmerman

Agradecimentos especiais ao ‘Anita L. Mishler Education


Fund’ (nitafund@gmail.com)
[Nota de Tradução: Em abril de 2016 a Revista Jacobin lançou um
especial introdutório à várias questões relacionadas ao Socialismo como
uma resposta ao enorme crescimento do interesse por informações sobre
esses temas, principalmente com a campanha presidencial de Bernie
Sanders nos EUA e sua repercussão entre os jovens]. Tradução de: Everton
Lourenço e disponível em: https://ominhocario.wordpress.com/os-abcs-do-
socialismo/#abcs

[Nota de organização]: Todo o conteúdo deste livro digital


(organizado e formatado em EPUB e AZW3), traduzido de ‘The ABCs of
Socialism’ para o português brasileiro, foi originalmente disponibilizado no
site ‘O Minhocário’.

O Minhocário
SOBRE OS AUTORES

Nicole Aschoff é a editora-chefe da Jacobin e autora de ‘The New Prophets


of Capital’.

Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de PhD em Ciência


Política na Universidade de Yale.

Jonah Birch é estudante de graduação em Sociologia na Universidade de


New York e editor colaborador da Jacobin.

Vivek Chibber é professor de Sociologia na Universidade de New York.


Seu livro mais recente é ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’.

Danny Katch é colaborador do ‘Socialist Workerand’ e autor de ‘Socialism


... Seriously’.

Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin e membro de um sindicato


em New York.

Nivedita Majumdar é professora associada de Inglês na Faculdade John


Jay. Ela é a secretária do ‘Professional Staff Congress’, do corpo docente e
do sindicato da CUNY.

Michael A. McCarthy é professor assistente de Sociologia na


Universidade Marquette.
Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos ‘Democratic
Socialists of America’ e professor de Ciência Política na Universidade
Temple.

Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin.

Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente no ‘Center for African


American Studies’ da Universidade de Princeton e autora de ‘From
#BlackLivesMatter to Black Liberation’.

Adaner Usmani é estudante de graduação na Universidade de New York e


no conselho da ‘New Politics’.

Erik Olin Wright é professor de Sociologia na Universidade de


Wisconsin-Madison. Seu último livro é ‘Alternatives to Capitalism:
Proposals for a Democratic Economy’.
Os ABCs do Socialismo

EDITADO POR
Bhaskar Sunkara
ILUSTRADO POR
Phil Wrigglesworth
O PAÍS JÁ NÃO É MEIO
SOCIALISTA?
Não, Socialismo não é só sobre mais governo – é sobre
propriedade e controle democráticos.

ABCs do Socialismo – Parte 1

por Chris Maisano, na Revista Jacobin, abril de 2016

Chris Maisano é editor colaborador da Jacobin e membro de um sindicato


em New York.
[Nota de tradução: o texto usa exemplos sobre a política, governo e
programas governamentais dos EUA, mas é muito simples fazer os
paralelos para a realidade brasileira ou de qualquer outro país].

Se você passa algum tempo em redes sociais, provavelmente já deu


de cara com memes pretendendo mostrar o quanto os Estados Unidos já são
socialistas, listando toda uma série de programas governamentais, serviços
e agências. Há muitas variações sobre esse tema, mas o meu favorito lista
[1] não menos que 55 programas alegadamente socialistas que só têm em
comum o fato de que é o Tio Sam quem os executa.
Alguns atendem diretamente necessidades sociais e envolvem alguma
medida de redistribuição de renda (bibliotecas públicas, programas de bem-
estar social, programas de reforço alimentar, previdência, vales-alimentação
[2]). Alguns parecem jogados no meio sem nenhuma boa razão (Alertas
sobre desaparecidos? [3] A Casa Branca?). Outros são atividades
operacionais básicas que qualquer governo moderno, independentemente de
sua orientação ideológica, executaria (o Censo, os departamentos de
bombeiros, remoção de lixo e neve, esgotos, iluminação pública). E outros
ainda envolvem o vasto aparato de coerção e força (os departamentos de
polícia, o FBI, a CIA, as Forças Armadas, as cortes de Justiça, prisões, etc.).

Com todas as virtudes de Bernie Sanders, sua campanha para


presidente tem apenas engrossado a névoa de confusão ideológica. Em uma
parada de campanha no ano passado, ele endossou o pensamento por trás
dos mais simplistas desses memes: “Quando você vai a uma biblioteca
pública, quando você liga para os bombeiros ou o departamento de polícia,
para o que você pensa que está ligando? Estas são instituições socialistas.”
Por essa lógica qualquer tipo de projeto coletivo mantido por impostos e
realizado através de ação governamental é Socialismo.

Não é difícil ver o problema com essa linha de raciocínio. Em um


país tão profundamente e reflexivamente antiestatista como os Estados
Unidos, a identificação de ‘Socialismo’ com ‘governo’ é talvez a pior
estratégia retórica que a Esquerda poderia adotar. “Gosta do DMV? [4]
Então você vai amar o Socialismo!” não é um slogan que vai converter
muita gente. Mais importante, misturar toda ação governamental com
Socialismo nos força a defender muitas das formas de ação estatal mais
censuráveis [5], incluindo aquelas que nós preferiríamos abolir em uma
sociedade livre e justa.

Uma coisa é identificar bibliotecas públicas com Socialismo. Elas


operam de acordo com princípios democráticos de acesso e distribuição,
fornecendo serviços para todos, independente da capacidade de cada um
para pagar. Elas seriam uma das instituições mais importantes em qualquer
sociedade socialista digna do nome. Mas incluir a polícia é uma coisa bem
diferente. Se as forças responsáveis por matar Sandra Bland, Eric Garner, e
Rekia Boyd exemplificam o Socialismo em ação, então nenhuma pessoa
que deseja liberdade e justiça deveria ser socialista.

A ideia de que qualquer ação governamental é sinônimo de


Socialismo tem implicações políticas e estratégicas enormes. Afinal de
contas, se o nosso país já fosse pelo menos parcialmente socialista, então
tudo o que nós teríamos de fazer seria continuar expandindo gradativamente
o governo. Nós não precisaríamos mudar o propósito de nenhum programa
existente, nem reformar as estruturas administrativas das agências
governamentais.

E por que todos esses programas alegadamente socialistas foram


conquistados sem desafiar fundamentalmente a propriedade privada, não
haveria necessidade de uma confrontação decisiva com os proprietários de
Capital e seus aliados políticos. Tudo o que nós teríamos de fazer seria
eleger políticos simpatizantes para cargos públicos e deixar que eles
legislassem o nosso caminho para ainda mais Socialismo.
Acadêmicos que vivem de estudar política muitas vezes caem nessa
armadilha. Ao simplesmente olhar o tamanho do governo em termos de
gastos gerais, muitos argumentam que os EUA estão se tornando cada vez
mais socialistas, quer a gente queira ou não. Em sua visão as principais
reformas sociais vão acontecer de qualquer maneira, com uma multidão
passiva vindo apoiar esses programas de sucesso apenas depois que eles
tenham sido legislados por políticos e implementados por burocratas.

O investimento governamental em programas sociais e outras


atividades pode muito bem aumentar nas próximas décadas por causa do
envelhecimento da população, a crise climática, e outros desenvolvimentos.
Mas o volume absoluto [6] de gastos nos diz muito pouco sobre a valência
política da ação governamental. Questões chaves sobre aquela atividade
estatal sempre precisam ser levantadas: ela reforça ou enfraquece o poder
daqueles que possuem capital? Ela aumenta a nossa subordinação à
Disciplina do Mercado [7] ou nos oferece mais liberdade de suas
demandas?

Tem havido um certo número de iniciativas governamentais de larga-


escala desde os anos 80, mesmo durante períodos de dominância política
dos Republicanos [8]. Mas muitos dos maiores programas das últimas
décadas não fazem nada para fortalecer o poder dos trabalhadores.

O “Earned Income Tax Credit” (EITC) tem trazido um alívio muito


necessitado pelos trabalhadores pobres, mas também serve como um
subsídio indireto para empregadores de baixo-salário. O “Medicare Part D”
oferece subsídios para aposentados com baixa renda, mas é amplamente
reconhecido como um presente custoso para a indústria farmacêutica.
O Obamacare tem aumentado a cobertura por convênios de saúde,
parcialmente através da (contestada [9]) expansão do Medicaid. Mas o
mandato individual serve apenas para aprofundar a mercantilização [10],
adicionando milhões de estadunidenses no sistema de saúde privado,
movido pelo lucro. O plano de estímulo de 2009 provavelmente salvou o
país de outra Grande Depressão, mas foi inadequado para a escala da crise e
pesou na direção de cortes de impostos para negócios que simplesmente
embolsaram o dinheiro ao invés de contratar novos trabalhadores. A lista
segue em frente.

Por que isso acontece? Primeiro, os ricos e poderosos investem


pesado em atividades políticas para promover seus interesses e bloquear
reformas progressistas. No final do ano passado, as contribuições de apenas
158 famílias [11] e das companhias que elas possuem (atordoantes 176
milhões de dólares) compunham cerca da metade de todo o financiamento
da corrida presidencial de 2016. Através de seus gastos políticos e da
influência que isso compra, eles têm sido capazes de moldar os impostos e
outras políticas para seu próprio benefício, uma vantagem reforçada por
decisões judiciais favoráveis (como por exemplo o caso Citizens
United [12]) e atividades de lobby.

De acordo com um famoso estudo de 2014 por dois cientistas


políticos [13], a dominação política dos ricos é agora tão pronunciada que
os cidadãos médios exercem “cerca de zero” influência sobre a elaboração
de políticas governamentais.
As classes média e alta também mantém os postos mais importantes
no governo, sejam eleitos ou indicados. Eles compartilham de um conjunto
comum de ideias e valores que tendem a proteger o Status Quo e reprimir
qualquer desafio maior ao sistema, particularmente aqueles vindos da classe
trabalhadora e da Esquerda.

Estas formas diretas de influência não são o único jeito pelo qual
interesses poderosos moldam a ação governamental. Afinal de contas,
governos dependem de um nível minimamente robusto de atividade
econômica para financiar a si mesmos. A receita fiscal e o financiamento
da dívida com que contam os governos estão diretamente relacionados com
o estado da economia capitalista e suas taxas de crescimento e
lucratividade. Se o nível da atividade econômica encolhe – talvez por que
os capitalistas estão descontentes sobre uma nova legislação que beneficia
os trabalhadores – o Estado se encontrará cada vez mais em dificuldade
para financiar as suas atividades. Isso, por sua vez, leva a uma queda em
sua legitimidade e em seus níveis de apoio popular.

Como a atividade econômica é significantemente determinada pelas


decisões de investimento de capitalistas privados, essas forças podem
essencialmente vetar políticas governamentais que eles pensam ser contra
seus interesses [14]. Frequentemente, se os capitalistas não são induzidos a
fazer investimentos através de subsídios de negócios e outros incentivos,
eles simplesmente se recusarão a investir.

Consequentemente, existe uma forte tendência para os políticos e


burocratas alinharem suas decisões políticas com os interesses dos
capitalistas no setor privado. Preservar a “confiança dos negócios” é uma
restrição fundamental na formação de políticas, e é uma das principais
razões por que a ação governamental é tão frequentemente favorável aos
interesses capitalistas. É assim também que eles conseguem misturar os
seus próprios interesses com um maior interesse “público” ou “nacional” –
sob um sistema capitalista, existe alguma verdade em suas reivindicações.

Na ausência de organização popular e militância, a ação


governamental fará muito pouco para alterar o equilíbrio de poder para
longe do Capital e na direção do Trabalho, ou para reduzir a submissão ao
Mercado ao invés de aprofundá-la. Enquanto as estruturas fundamentais da
Economia permanecerem as mesmas, a ação do Estado beneficiará
desproporcionalmente os interesses capitalistas às custas de todo o resto da
população.

Isso não significa que reformas progressistas nunca podem ser


conquistadas sob o Capitalismo, ou que o governo é completamente imune
à pressão pública. Entretanto, tais reformas só têm sido conquistadas com o
apoio de lutas de massa em ação direta contra os empregadores.

Simplesmente eleger políticos para o gabinete ou assistir o governo se


expandir por seu próprio ímpeto nunca foi e nunca será suficiente. Poder
econômico é poder político, e sob o Capitalismo os proprietários de Capital
sempre terão a capacidade de debilitar a democracia popular – não importa
quem esteja no Congresso ou na Casa Branca.

Conquistar o poder governamental e usá-lo para quebrar o domínio da


classe capitalista é uma condição necessária para iniciar a transição para o
Socialismo. Um governo conduzido por um partido socialista (ou uma
coalizão de partidos de Esquerda e da Classe-Trabalhadora) se moveria para
trazer as principais indústrias e empresas da economia sob alguma forma de
controle social. Mas só isso não seria suficiente. As experiências amargas
do século XX nos ensinaram que o Socialismo não vai promover a causa da
liberdade humana se as estruturas políticas e administrativas do governo
não forem democratizadas por completo.

Aqui é onde a contínua mobilização popular fora (e, se necessário,


contra) estruturas políticas formais se torna absolutamente crucial. Para
resistir à inevitável reação das forças capitalistas e conservadoras, uma
transição socialista precisaria atrair apoio popular massivo e participação
direta nos assuntos do governo.

Isso ocasionaria não apenas a criação de corpos democráticos diretos


que substituíssem ou complementassem instituições representativas como o
Congresso, mas também um exame dramático das agências estatais e das
estruturas administrativas. Tal expansão de poder popular seria necessária
tanto para expulsar o pessoal comprometido com o velho regime como para
transformar as burocracias frequentemente alienantes e repressivas que
atualmente administram os serviços públicos.
Escolas públicas, departamentos de bem-estar social, agências de
planejamento, cortes, e todas as outras agências governamentais
convidariam os trabalhadores e beneficiários para participar no projeto e na
implementação desses serviços. Sindicatos do setor público poderiam
exercer um papel chave nesse esforço, organizando tanto os fornecedores
quanto os usuários de serviços públicos para transformar radicalmente as
estruturas administrativas do governo.

Apenas sob estas condições a atividade governamental seria sinônimo


de Socialismo Democrático. Ao invés de colocar um conceito abstrato de
“governo” contra as forças do Capital, nós deveríamos começar o árduo
trabalho de conceber e construir novas instituições que possam fazer um
governo do povo, pelo povo e para o povo uma realidade.
PELO MENOS O CAPITALISMO
É LIVRE E DEMOCRÁTICO, NÉ?
Pode parecer que é assim, mas Liberdade e Democracia genuínas
não são compatíveis com o Capitalismo.

ABCs do Socialismo – Parte 2

por Erik Olin Wright, na Revista Jacobin, abril de 2016

Erik Olin Wright é professor de Sociologia na Universidade de Wisconsin-


Madison. Seu último livro é ‘Alternatives to Capitalism: Proposals for a
Democratic Economy’.
Nos Estados Unidos, muitos tomam como certo que Liberdade e
Democracia estão inseparavelmente conectadas com Capitalismo. Milton
Friedman, em seu livro “Capitalismo e Liberdade”, chegou a defender que o
Capitalismo era uma condição necessária para ambos.

É certamente verdade que a aparição [15] e a propagação do


Capitalismo trouxe consigo uma tremenda expansão das liberdades
individuais e, eventualmente, de lutas populares por formas mais
democráticas de organização política. Sendo assim, a afirmação de que o
Capitalismo obstrui fundamentalmente tanto a Liberdade quanto a
Democracia vai soar estranha para muitos.
Dizer que o Capitalismo restringe o florescimento desses valores não
é argumentar que o Capitalismo tem corrido contra a Liberdade e a
Democracia em todas as circunstâncias. Em vez disso, significa que através
do funcionamento de seus processos mais básicos, o Capitalismo gera uma
deficiência severa de Liberdade e Democracia que ele nunca pode remediar.
O Capitalismo promoveu o aparecimento de certas formas limitadas de
Liberdade e Democracia, mas impôs um teto baixo impedindo novas
realizações para elas.

No centro destes valores está a autodeterminação: a crença de que as


pessoas deveriam ser capazes de decidir as condições de suas próprias vidas
o máximo possível. Quando uma ação de uma pessoa afeta apenas aquela
pessoa, então ele ou ela deve ser capaz de se envolver nessa atividade sem
pedir permissão de ninguém mais. Este é o contexto da Liberdade. Mas
quando uma ação afeta as vidas de outros, então estas outras pessoas devem
ter voz nessa atividade também. Este é o contexto da Democracia. Em
ambos, a preocupação suprema é que as pessoas mantenham tanto controle
quanto for possível sobre as formas que suas vidas vão tomar.

Na prática, virtualmente cada escolha que uma pessoa faz vai ter
algum efeito em outras. É impossível todo mundo contribuir com cada
decisão que diz respeito a eles, e qualquer sistema social que insistisse
numa participação democrática tão abrangente iria impor um fardo
insuportável sobre as pessoas. O que nós precisamos, portanto, é de um
conjunto de regras para distinguir entre as questões da Liberdade e aquelas
da Democracia. Em nossa sociedade, tal distinção é normalmente feita com
referência aos limites entre as esferas privada e pública.
Não há nada natural ou espontâneo sobre essa linha entre o privado e
o público; ela é forjada e mantida por processos sociais. As tarefas
ocasionadas por esses processos são complexas e muitas vezes
contraditórias. O Estado reforça vigorosamente alguns limites entre o
público e o privado, e deixa outros para serem acolhidos ou dissolvidos
como normas sociais. Muitas vezes o limite entre público e privado
permanece vago. Em uma sociedade completamente democrática, o limite
em si seria objeto de deliberação democrática.

O Capitalismo constrói a fronteira entre as esferas pública e privada


de um jeito que restringe a realização da verdadeira liberdade individual e
reduz o escopo de uma democracia significativa. Há cinco caminhos em
que isso fica claro de imediato.

1. “TRABALHE OU MORRA DE FOME” NÃO É


LIBERDADE

O Capitalismo se baseia na acumulação privada de riqueza e na busca


de renda através do mercado. As desigualdades econômicas que resultam
dessas atividades “privadas” são intrínsecas ao Capitalismo e criam
desigualdades no que o filósofo Philippe van Parijs chama de “Liberdade
Real.”

Independentemente do que mais a gente queira dizer com


“Liberdade”, ela precisa incluir a capacidade de dizer “não”. Uma pessoa
rica pode decidir livremente por não trabalhar em troca de um salário; uma
pessoa pobre sem meios de subsistência independentes não pode fazer o
mesmo tão facilmente.
Mas o valor da Liberdade vai além disso. É também a capacidade de
agir positivamente nos planos de vida de alguém – escolher não só a
resposta, mas a pergunta também.

Os filhos de pais ricos podem entrar em estágios não-remunerados,


apenas para progredir com suas carreiras [16]; os filhos de pais pobres não
podem.

O Capitalismo priva muita gente de Liberdade real nesse sentido. A


miséria em meio a abundância existe por causa de uma equação direta entre
recursos materiais e os recursos necessários para autodeterminação.

2. OS CAPITALISTAS DECIDEM

A maneira em que a fronteira entre as esferas pública e privada é


desenhada no Capitalismo exclui decisões cruciais, que afetam quantidades
enorme de pessoas, do controle democrático. Talvez o direito mais
fundamental que acompanha a propriedade privada de Capital seja o direito
a decidir investir e desinvestir estritamente baseado em seu autointeresse.

A decisão de uma corporação de mover sua produção de um local


para outro é um assunto privado, apesar de ter um impacto radical nas vidas
de todo mundo em ambos os lugares. Mesmo se alguém defender que essa
concentração de poder em mãos privadas é necessária para a alocação
eficiente de recursos, a exclusão desse tipo de decisão de controles
democráticos dizima, sem nenhuma dúvida, a capacidade de
autodeterminação de todos, exceto de proprietários de Capital.
3. DAS OITO ÀS CINCO É TIRANIA

As empresas capitalistas tem a permissão para serem organizadas


como ditaduras no ambiente de trabalho. Um componente essencial do
poder de um proprietário de um negócio é o direito de dizer aos empregados
o que fazer. Essa é a base do contrato de trabalho: quem procura o emprego
concorda em seguir as ordens do empregador em troca de um salário. É
claro, um empregador também é livre para garantir aos trabalhadores uma
autonomia considerável, e em algumas situações esta é a forma de organizar
o trabalho que maximiza os lucros. Mas tal autonomia é dada ou negada ao
bel prazer do dono. Nenhum conceito robusto de autodeterminação
permitiria que a autonomia dependesse das preferências de elites.

Um defensor do Capitalismo poderia responder que um trabalhador


que não gosta do comando do chefe pode sempre se demitir. Mas como por
definição falta aos trabalhadores meios independentes de subsistência, se
eles se demitirem terão de procurar por um novo emprego e, na medida que
os empregos disponíveis estão em firmas capitalistas, eles ainda serão
objeto das ordens de um chefe.

4. OS GOVERNOS TÊM DE ESTAR À SERVIÇO DOS


INTERESSES DE CAPITALISTAS PRIVADOS

O controle privado sobre as principais decisões de investimento cria


uma pressão constante sobre as autoridades públicas para ordenar leis
favoráveis aos interesses dos capitalistas. A ameaça do desinvestimento e
da mobilidade do Capital está sempre no pano de fundo de discussões de
políticas públicas, e assim os políticos, não importa a orientação ideológica,
são forçados a se preocupar em sustentar um “bom clima para os negócios.”
[17]

Valores democráticos são vazios enquanto uma classe de cidadãos


tem prioridade sobre todos os demais.

5. AS ELITES CONTROLAM O SISTEMA POLÍTICO

Finalmente, as pessoas ricas têm um maior acesso do que os outros ao


poder político. Esse é o caso em todas as democracias capitalistas, mesmo
que a desigualdade de poder político baseada na riqueza seja muito maior
em alguns países do que em outros.

Os mecanismos específicos para esse acesso mais fácil são muito


variados: contribuições para campanhas políticas; financiamento de
esforços de lobby; contatos sociais na elite de vários tipos; subornos e
outras formas de corrupção.

Nos Estados Unidos não são apenas indivíduos ricos, mas também
corporações capitalistas, que não encontram nenhuma restrição significativa
em sua capacidade de usar recursos privados para propósitos políticos. Este
acesso diferencial ao poder político esvazia o princípio mais básico de
Democracia.
Estas consequências são endêmicas ao Capitalismo como um sistema
econômico. Isso não significa que elas não possam às vezes serem
mitigadas em sociedades capitalistas. Em diferentes tempos e lugares,
muitas políticas foram construídas para compensar pela deformação da
Liberdade e da Democracia sob o Capitalismo.

Restrições públicas podem ser impostas sobre o investimento privado


de forma a enfraquecer o rígido limite entre público e privado; um forte
setor público e formas ativas de investimento estatal podem diminuir a
ameaça da mobilidade de Capital; restrições no uso de riqueza privada em
eleições e o financiamento público de campanhas políticas podem reduzir o
acesso privilegiado dos ricos ao poder político; leis trabalhistas podem
fortalecer o poder político coletivo dos trabalhadores tanto na arena política
quanto no espaço de trabalho; e uma ampla variedade de políticas de Bem-
Estar Social podem aumentar a Liberdade verdadeira daqueles sem acesso a
riqueza privada.
Quando as condições políticas são as certas, os aspectos
antidemocráticos e de embaraço à Liberdade do Capitalismo podem ser
aliviados, mas não podem ser eliminados. Domar o Capitalismo desta forma
tem sido o objetivo central das políticas defendidas por socialistas dentro de
economias capitalistas mundo à fora.

Mas se a Liberdade e a Democracia devem ser realizadas por


completo, o Capitalismo não deve ser meramente domado. Ele precisa ser
superado.
O SOCIALISMO SOA BEM NA
TEORIA, MAS A NATUREZA
HUMANA NÃO O TORNA
IMPOSSÍVEL DE SE
REALIZAR?
Nossa natureza compartilhada na verdade nos ajuda a construir e
definir os valores de uma sociedade mais justa.

ABCs do Socialismo – Parte 3

por Adaner Usmani & Bhaskar Sunkara, na Revista Jacobin,


abril de 2016

Adaner Usmani é estudante de graduação na Universidade de New York e


no conselho da ‘New Politics’.

Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin.


“Bom na teoria, ruim na prática.” Quem declara interesse no
Socialismo e na ideia de uma sociedade sem exploração e hierarquia recebe
frequentemente essa resposta desdenhosa. Legal, o conceito soa bem, mas
as pessoas não são muito gentis, certo? O Capitalismo não é mais adequado
à natureza humana – uma natureza dominada por competitividade e
corrupção?

Socialistas não acreditam nesses lugares-comuns. Eles não veem a


História como uma mera crônica de crueldade e egoísmo. Eles também
veem incontáveis atos de empatia, reciprocidade e amor. As pessoas são
complexas: elas fazem coisas indescritíveis, mas também se envolvem em
atos notáveis de bondade e, mesmo em situações difíceis, mostram
profunda consideração pelos outros.
Isso não significa que nós somos “elásticos” – que não existe algo
como uma “natureza humana.” Progressistas às vezes fazem essa afirmação,
muitas vezes discutindo com aqueles que veem pessoas como máquinas de
“maximização de utilidade” [18] que andam e falam. Apesar da boa
intenção, essa acusação vai longe demais.

Por pelo menos duas razões, socialistas estão comprometidos com a


visão de que todos os humanos compartilham alguns interesses importantes.
A primeira é moral. As acusações dos socialistas sobre como as sociedades
de hoje falham em prover necessidades básicas como comida e abrigo em
um mundo de abundância, ou bloqueiam o desenvolvimento de pessoas
presas em empregos ingratos, fatigantes e mal pagos, estão baseadas em
uma crença central (declarada ou não) sobre os impulsos e interesses que
animam as pessoas em todos os lugares.

Nossa indignação com que se negue a indivíduos o direito de ter vidas


livres e satisfatórias está ancorada na ideia de que as pessoas são
inerentemente criativas e curiosas, e que o Capitalismo muito
frequentemente asfixia estas qualidades. Para simplificar, nós lutamos por
um mundo mais livre e mais satisfatório por que todo mundo, em todos
os lugares, se preocupa com sua liberdade e satisfação.

Mas esta não é a única razão por que socialistas se interessam pelas
motivações universais da humanidade. Ter um conceito de “natureza
humana” também nos ajuda a encontrar sentido no mundo que nos rodeia. E
nos ajudando a interpretar o mundo, ele auxilia em nossos esforços para rra-
lo também.
Em um trecho famoso Marx diz que “a história de todas as sociedades
até aqui tem sido a história da luta de classes.” [19] Resistência à
exploração e opressão é uma constante através da História – é tão parte da
natureza humana quanto competitividade, ou ganância. O mundo que nos
cerca está cheio de exemplos de pessoas defendendo suas vidas e dignidade.
E enquanto estruturas sociais podem moldar e restringir a ação individual,
não existem estruturas que passem o rolo compressor sobre direitos e
liberdades das pessoas sem despertar resistência.

É claro, a história de “todas as sociedades até aqui” é também uma


coleção de relatos de passividade e mesmo aquiescência. A ação coletiva de
massa contra a exploração e opressão é rara. Se humanos por todos os lados
estão comprometidos com a defesa de seus interesses individuais, por que
nós não resistimos mais?

Bem, a visão de que todas as pessoas têm incentivos para exigir


liberdade e satisfação não implica que elas sempre terão a capacidade para
fazer isso. Mudar o mundo não é uma tarefa fácil. Sob condições normais,
os riscos associados com agir coletivamente muitas vezes parecem
esmagadores.

Por exemplo, trabalhadores que escolhem se associar a um sindicato


ou entrar em greve para melhorar suas condições de trabalho podem
despertar perseguições por seus chefes ou mesmo perder seus empregos. A
ação coletiva [20] requer que muitos indivíduos diferentes decidam assumir
esses riscos juntos, então não é surpreendente que isso seja incomum e
mesmo que dure pouco.
Colocando de outra maneira, socialistas não acreditam que a ausência
de movimentos de massa seja um sinal de que as pessoas em geral não
tenham desejos inerentes de contra-atacar, ou pior, que elas nem mesmo
reconhecem quais são seus interesses. Ao invés disso, protestos são
incomuns porque as pessoas são espertas. Elas sabem que no atual
momento político a mudança é uma esperança distante e arriscada, então
elas desenvolvem outras estratégias para se virar.

Mas às vezes as pessoas se levantam e assumem riscos. Elas se


organizam e constroem movimentos progressistas populares. A história está
repleta de exemplos [21] de pessoas lutando contra a exploração, e uma de
nossas principais tarefas como socialistas é apoiar esses movimentos,
para ajudar a fazer da ação coletiva uma escolha viável para ainda
mais pessoas.

Nesse esforço – e na luta para definir os valores de uma sociedade


mais justa – nós seremos auxiliados, não atrapalhados, pela nossa natureza
compartilhada.
OS RICOS NÃO MERECEM
FICAR COM A MAIOR PARTE
DO SEU DINHEIRO?
A riqueza é criada socialmente – a redistribuição apenas permite
que mais pessoas aproveitem os frutos do seu trabalho.

ABCs do Socialismo – Parte 4

por Michael A. McCarthy, na Revista Jacobin, abril de 2016

Michael A. McCarthy é professor assistente de Sociologia na Universidade


Marquette.
Magnatas da tecnologia, artistas e apresentadores adorados, e atletas
brilhantes quase sempre surgem em discussões acaloradas sobre impostos.
Você não gosta do seu iPod? E do Harry Potter? Economistas neoliberais
defendem que figuras como Steve Jobs, J. K. Rowling, LeBron James
deveriam ganhar mais dinheiro que o resto de nós. Afinal de contas, nós –
os consumidores – somos quem compra seus produtos. Seu pagamento mais
alto criaria o incentivo necessário para o trabalho duro e a inovação dos
quais mesmo os mais preguiçosos entre nós se beneficiam.

Apesar de bem intuitiva, essa visão não se sustenta. Defensores de


baixos impostos sobre os ricos deliberadamente escolhem exemplos das
áreas de tecnologia e entretenimento, sugerindo que as elites são grandes
inovadores, realmente talhados de uma madeira diferente dos outros. Mas
uma olhada de relance na lista dos maiores CEOs nos Estados Unidos nos
conta uma história diferente. O executivo mais bem pago é David Zaslav, da
Discovery Communications, que recebeu mais de 150 milhões de dólares
em 2014. Sua grande contribuição para a obra humana? Ajudar a veicular
“Honey Boo Boo”.

A maioria das pessoas entende isso e acredita que os ricos deveriam


pagar mais impostos. De acordo com uma pesquisa da Gallup de 2015, 62%
acreditam que as pessoas de renda mais alta são “muito pouco” taxados,
enquanto apenas 25% acham que elas pagam a sua “justa parte”. 69%
acreditam que as corporações não são taxadas o bastante, enquanto apenas
16% estavam satisfeitos com as taxas atuais. Mas a justificação socialista
para os impostos se baseia em uma visão – não muito capturada em
pesquisas de opinião – sobre como a riqueza capitalista é realmente
criada. Para explorar essa visão, precisamos primeiro entender o que são os
impostos e o que não-socialistas pensam sobre eles.

A política fiscal faz duas coisas em uma sociedade capitalista.


Primeiro, ela determina qual parcela do total do “bolo econômico” será
gerenciada pelo público, na forma de receita governamental, e quanto
sobrará para o uso de atores privados como indivíduos e corporações.
Segundo ela estipula como aquela parcela pública é dividida entre as
necessidades e desejos concorrentes de indivíduos, organizações e
corporações. A primeira é sobre controle de recursos, enquanto a segunda é
uma questão de alocação.

Mesmo quando um governo toma uma alta receita, ele não a aplica
necessariamente para fins progressistas. Apenas considere os enormes
benefícios que fluem para as corporações através de subsídios ou Pesquisa e
Desenvolvimento financiada pelo Estado [22], e fica fácil de ver como os
governos podem redistribuir para cima, para baixo ou horizontalmente. Em
uma economia capitalista, onde recursos produtivos permanecem como
propriedade privada, socialistas demandam que uma porção significativa do
produto social seja controlada publicamente e redistribuída para baixo
democraticamente.

Entretanto, nos Estados Unidos hoje, a visão libertariana [23] de que


“imposto é roubo” se infiltrou tão fundo nas concepções cotidianas de
propriedade que mesmo aqueles que defendem impostos progressivos
muitas vezes aceitam a premissa de que existem ganhos pré-impostos que
as pessoas recebem e que deveriam possuir por completo. Mesmo o credo
progressista [24] de que todos precisam “fazer sua parte justa” está baseada
na ideia implícita de que os trabalhadores e o Capital pagam impostos,
semelhantemente, por causa de uma obrigação cívica de abrir mão de uma
parte do que é deles para a melhora da Sociedade.

Pelos mesmos motivos, libertarianos defendem que se o ganho pré-


impostos é o produto direto do próprio esforço de uma pessoa ou
corporação, ele deveria ser deles para que o usem como bem entenderem.
Nessa visão, mesmo se o governo decidiu democraticamente cobrar dos
ricos uma taxa mais alta, a cobrança de impostos permanece
fundamentalmente injusta. Na formulação extrema do filósofo político
libertariano Robert Nozick, “taxação de ganhos do trabalho é comparável a
trabalho forçado.”
Esse ponto de vista tem sido corretamente criticado por progressistas.
Mas socialistas não deveriam cair de volta no critério comum progressista
para a taxação: de que a capacidade de pagar de uma pessoa ou corporação
deveria determinar a quantidade que eles deveriam pagar. Essa justificativa
familiar circula mesmo entre esquerdistas, que ouvem nela um eco do
ditado “de cada um segundo suas habilidades, a cada um segundo suas
necessidades.” [25]

Essa perspectiva sugere uma de duas coisas, ambas incorretas.


Primeiro, que impostos são um tipo de “mal necessário” para aqueles que
estão sendo taxados. Mesmo que os ganhos pré-impostos [26] de uma
pessoa ou corporação sejam o resultado de seu próprio trabalho, seria mais
prático para a Sociedade taxar parte desses ganhos para propósitos públicos
do que rrad-los sob controle privado. Ou, alternativamente, que taxar mais
os ricos seria só uma questão de sermos justos. Ambas visões nos deixam
presos de volta no matagal libertariano [27] – uma política fiscal dessas não
invade os direitos do indivíduo? Então a justeza deveria atravessar os
Direitos Individuais? E em última instância o argumento socialista para alta
taxação progressiva não viola os direitos do indivíduo também? Por que os
socialistas odeiam tanto a Liberdade?

A visão socialista de redistribuição dentro de uma sociedade


capitalista precisa rejeitar uma premissa importante presente em quase
todos os debates sobre impostos: que a renda pré-impostos é algo recebido
unicamente pelo esforço individual e possuído privadamente antes do
Estado intervir e tomar parte dele. Uma vez que rompemos com essa
fantasia libertariana, fica fácil de perceber que as rendas individuais e
corporativas são possibilitadas apenas através de ação estatal financiada
pelos impostos.

A Economia capitalista não é autorregulável. A primeira pré-condição


para que as empresas possam lucrar são Direitos de Propriedade garantidos
pelo Estado, que dão a algumas pessoas a posse e o controle sobre recursos
produtivos, enquanto exclui outras. A segunda, que os governos precisam
gerenciar os mercados de trabalho para ajudar garantir que as necessidades
das empresas sobre habilidades sejam supridas. Os Estados fazem isso
estabelecendo políticas de imigração e educacionais. Todos os Estados
Capitalistas também tentam mitigar os riscos do mercado de trabalho, seja o
risco de escassez de trabalhadores para as empresas ou desemprego para os
trabalhadores. Terceiro, a maioria dos capitalistas querem que os Estados
façam cumprir leis antimonopólio, contratuais, criminais, de propriedade e
de Direito Penal, pois isso torna as interações no mercado mais previsíveis e
confiáveis. E finalmente, a Economia Capitalista precisa de uma
infraestrutura funcionando. Mesmo a maioria dos libertarianos defendem
que o controle estatal sobre o suprimento de dinheiro e as taxas de juros é
necessário para estimular ou desacelerar o crescimento quando a Economia
precisa.

Tudo isso é feito com impostos. Resumindo, a própria noção de


renda ou lucros pré-impostos é um truque de contabilidade. A renda de
uma pessoa ou os lucros de uma corporação são em parte o resultado do
governo coletando impostos e criando ativamente as condições sob as quais
eles foram capazes de ganhar dinheiro, em primeiro lugar. Nesta estrutura,
“taxar os ricos” não é meramente um grito de rancor ou uma demanda pelo
que é justo.
O argumento socialista por taxação e redistribuição progressiva é
construído a partir de três fatores básicos de como o Capitalismo
funciona. Primeiro, como acabamos de explorar, renda pessoal e lucros
corporativos não são simplesmente o resultado de trabalho individual e
competição entre negócios – ao invés disso, eles são parte de um produto
social mais abrangente. A renda total gerada em uma sociedade capitalista é
o resultado de um esforço social coletivo, tornado possível por uma
arquitetura social e legal específica, e canalizado através tanto de
instituições de financiamento público e instituições de controle e
financiamento privados.

Segundo a desigualdade de classes que resulta da geração desse


produto social é relativa. Capitalistas são capazes de acumular enormes
quantias de riqueza apenas por que os trabalhadores não podem. Tudo
sendo igual, as empresas podem subir seus lucros na proporção inversa aos
custos de trabalho que elas pagam. A condição para essa relação é,
novamente, política – e mantida através da receita dos impostos. As
empresas confiam nos Estados para fazer cumprir os direitos de propriedade
e os contratos que mantém a posse sobre os recursos produtivos da
sociedade – seus “Meios de Produção” – nas mãos de bem poucos. Como
um resultado, no Capitalismo, a maioria das pessoas trabalha para outras;
elas não contratam outras para trabalhar para elas. E capitalistas empregam
trabalhadores apenas quando acreditam que os esforços desses
trabalhadores farão a empresa ganhar mais dinheiro do que eles receberão
como salário – o contrário seria suicídio de mercado.

É claro, trabalho duro, astúcia e sorte podem dar a alguns


trabalhadores a possibilidade de se tornar capitalistas. Mas a estrutura
básica do Capitalismo, em que um pequeno número de pessoas possui a
maior parte dos ativos produtivos, garante que a vasta maioria das pessoas
(na melhor das hipóteses) gastará sua vida recebendo salários, mas nunca
lucros. A taxação fornece um remédio parcial para a desigualdade estrutural
e essencial da sociedade capitalista.

Terceiro, a redistribuição através de taxação [28] é uma forma de


estender a liberdade individual – não de reduzi-la, como afirmam os
libertarianos. A Liberdade, de acordo com o teórico Isaiah Berlin, tem uma
composição dupla. Por um lado, existe a Liberdade Negativa, a ausência de
coerção ou o “livre de” que é a marca da maioria das concepções comuns de
Liberdade nos Estados Unidos hoje. No que diz respeito à coerção,
impostos financiam uma variedade de provisões públicas que oferecem aos
cidadãos alguma medida de liberdade da tirania privada das empresas. Elas
formam a base inteira do aparato estatal que, em uma sociedade capitalista,
é a única força cujo poder excede o da classe capitalista como um todo.

Sem leis proibindo a escravidão, escritas por legislaturas e aplicadas


em cortes sustentadas pelos cofres públicos, pessoas seriam compelidas
pela ameaça de violência ou da fome a trabalhar em troca de dinheiro
nenhum. Sem regulações, como aquelas que demandam pelo menos uma
segurança mínima no ambiente de trabalho ou aquelas que obrigam a
administração a se envolver em negociações coletivas, os trabalhadores
perderiam o pouco de voz que têm sobre como o seu trabalho está
organizado.

No contexto da política fiscal, porém, a Liberdade Positiva também


importa. Liberdade Positiva é a “habilidade de” – a capacidade de fazer
coisas, e a possibilidade de escolher objetivos e fazer o esforço para radicá-
los. Tal liberdade requer recursos. Em sociedades capitalistas com baixos
níveis de redistribuição, a Liberdade Positiva é um jogo de soma-zero [29]
em que alguns poucos desfrutam muitíssimo dessas habilidades às custas de
muitos outros. Uma política fiscal que divide o produto social de uma
maneira que permite que algumas pessoas vivam em opulência enquanto
outras mal conseguem pagar as contas ou sobreviver, não pode se gabar por
promover Liberdade. O sistema público de educação, por exemplo, que
oferece aos cidadãos a oportunidade de desenvolver conhecimento e
habilidades na busca de suas ambições coletivas e individuais, é um alicerce
de Liberdade Positiva que só pode ser sustentado por taxação.

Em uma sociedade verdadeiramente socialista, a combinação de


igualdades política e econômica ofereceria a todos um grau bem maior tanto
de Liberdade Negativa quanto de Liberdade Positiva do que a que eles
desfrutam sob o Capitalismo. Até que tornemos aquele mundo real, a
redistribuição progressiva através de impostos é tanto uma maneira de
compensar desigualdades estruturais, como a forma primária em que
podemos expandir e estender a Liberdade para tantas pessoas quanto for
possível.
Mas nós estamos seguindo na direção errada. Durante as últimas
décadas, os ganhos financeiros de uma crescente produtividade do trabalho
têm fluído primariamente para o topo, enquanto as taxas de impostos sobre
os altos escalões têm sido baixadas drasticamente e agora se aproximam de
níveis anteriores ao New Deal. Mesmo um aumento modesto na carga total
de impostos sobre o 1% mais rico para uma taxa de 45%, muito menor do
que seus níveis no pós-guerra, geraria 275 bilhões de dólares adicionais de
receita. Isso é muito mais do que os 47 bilhões necessários para fazer todas
as Faculdades e Universidades Públicas gratuitas. Tais aumentos ainda
seguem um longo caminho na direção da geração da receita necessária para
financiar um sistema de saúde universal [30], aumentar os benefícios de
segurança social, e reconstruir nossa infraestrutura em desintegração.
A maioria concordaria que todos merecemos viver em uma sociedade
onde recebemos o que merecemos, onde somos livres, e temos a
possibilidade de sermos criativos e alcançarmos nosso potencial. Por menos
glamuroso que isso possa parecer, a taxação redistributiva é um passo nessa
direção. Os ricos não ‘mereceram’ a sua riqueza – eles estão apenas
aproveitando dela por nós.
OS SOCIALISTAS VÃO LEVAR
OS MEUS DISCOS DO
CALYPSO?
Socialistas querem um mundo sem Propriedade Privada, não sem
Propriedade Pessoal. Você pode guardar seus discos.

ABCs do Socialismo – Parte 5

por Bhaskar Sunkara, na Revista Jacobin, abril de 2016

Bhaskar Sunkara é editor e editor fundador da Jacobin.


“Imagine”, o single icônico de John Lennon lançado em 1971, pede
aos ouvintes que visualizem um mundo sem posses, sem ganância ou fome,
em que os tesouros da Terra são compartilhados por toda a humanidade.
Não é surpreendente que a canção tenha se tornado um hino para gerações
de sonhadores, mas ela também captura algo sobre a visão socialista – o
poderoso desejo de colocar um fim na miséria e na opressão, e ajudar cada
pessoa a atingir o seu potencial mais completo.

Mas o quadro pintado pela canção de Lennon pode ser um pouco


preocupante para aqueles de nós que não querem um mundo sem posses
pessoais – um tipo de comuna global onde nós somos forçados a vestir
braceletes de cânhamo e compartilhar os nossos discos do Calypso. [31]
Felizmente, os socialistas não estão interessados em coletivizar a sua
música. Não por que a gente não ame Calypso. Nós simplesmente não
queremos um mundo sem Propriedade Pessoal – as coisas feitas para
consumo individual. Ao invés disso, socialistas lutam por uma sociedade
sem Propriedade Privada – as coisas que dão às pessoas que as possuem
poder sobre aquelas que não possuem.

O poder criado pela propriedade privada está expresso mais


claramente no mercado de trabalho, onde proprietários de negócios decidem
quem merece um emprego e quem não merece, e são capazes de impor
condições de trabalho que, se fossem dadas alternativas justas, pessoas
comuns iriam recusar. E apesar dos trabalhadores fazerem a maior parte do
verdadeiro trabalho em um emprego, os proprietários tem a voz unilateral
sobre como os lucros serão divididos e não compensam os trabalhadores
por todo o valor que eles produzem. Socialistas chamam esse fenômeno de
exploração.

A exploração não é singular ao Capitalismo. Ela aparece em qualquer


sociedade de classes, e simplesmente significa que algumas pessoas são
compelidas a trabalhar sob a direção de, e para o benefício de outras.

Comparado com sistemas de escravidão ou servidão, as dificuldades


que muitos trabalhadores encaram hoje são menos imediatamente óbvias.
Na maioria dos países eles têm proteções legais reais e podem cobrir
necessidades básicas – um resultado de batalhas vencidas pelos movimentos
de trabalhadores [32] para limitar o escopo e a intensidade de exploração.
Mas a exploração sempre é apenas mitigada no Capitalismo, nunca
eliminada. Considere este exemplo (admitidamente abstrato): Digamos que
você está sendo pago 15 dólares por hora por um proprietário em uma firma
estável e lucrável. Você tem trabalhado lá por cinco anos, e você dedica a
ela cerca de 60 horas por semana.

Não importa com que se parece seu trabalho – se é fácil ou fatigante,


tedioso ou excitante – uma coisa é certa: seu trabalho está produzindo mais
(provavelmente muito mais) que 15 dólares por hora para o seu chefe. Essa
diferença persistente entre o que você produz e o que você recebe de volta é
exploração – uma fonte chave de lucros e riqueza no Capitalismo.

E, é claro, com o seu salário você é forçado a comprar todas as coisas


necessárias para uma boa vida – moradia, convênio de saúde, creche,
educação superior – que são também mercadorias, produzidas por outros
trabalhadores que também não são completamente remunerados por seus
esforços.

Mudar radicalmente as coisas significaria levar embora a fonte


do poder dos capitalistas: a posse privada da propriedade.

Em uma sociedade socialista – mesmo uma em que mercados fossem


mantidos em esferas como a de bens de consumo [33] – você e seus
companheiros trabalhadores não passariam o dia fazendo outras pessoas
ricas. Você receberia muito mais do valor que você produzisse. Isso poderia
se traduzir em mais conforto material, ou, alternativamente, na
possibilidade de decidir trabalhar menos sem perder compensação, para que
você pudesse fazer algum curso ou adotar um hobby.
Isso pode parecer um sonho, mas é inteiramente plausível.
Trabalhadores em todos os níveis de projeto, produção, e entrega sabem
como fazer as coisas de que a sociedade precisa – eles as fazem todos os
dias [34]. Eles podem fazer funcionar seus ambientes de trabalho
coletivamente, cortando fora o intermediário que possui a propriedade
privada. De fato, o controle democrático sobre nossos ambientes de
trabalho e as outras instituições que dão forma às nossas comunidades é a
chave para acabar com a exploração.

Essa é a visão socialista: abolir a propriedade privada das coisas de


que todos nós precisamos e usamos – fábricas, bancos, escritórios, recursos
naturais, utilitários, infraestrutura de comunicação e transporte – e substituí-
los por propriedade social, rebaixando assim o poder das elites de reservar
para si riqueza e poder. E esse é também o apelo ético do Socialismo: um
mundo onde as pessoas não tentem controlar as outras para ganhos
pessoais, mas ao invés disso cooperem para que todo mundo possa
florescer. Como propriedade pessoal, você pode manter seus discos do
Calypso.

De fato, em uma sociedade livre das destrutivas explosões


econômicas endêmicas ao Capitalismo, com mais segurança de emprego
[35], e necessidades removidas da esfera do mercado, sua coleção de discos
estaria livre de perigo por que você não precisaria penhorá-la pra arranjar
dinheiro para o aluguel. Esse é o Socialismo em poucas palavras: menos
John Lennon, mais Calypso.
O SOCIALISMO NÃO TERMINA
SEMPRE EM DITADURA?
O Socialismo é muitas vezes misturado com autoritarismo. Mas
historicamente, socialistas têm estado entre os defensores mais
convictos da Democracia.

ABCs do Socialismo – Parte 6

por Joseph M. Schwartz, na Revista Jacobin, abril de 2016

Joseph M. Schwartz é o vice-presidente nacional dos ‘Democratic


Socialists of America’ e professor de Ciência Política na Universidade
Temple.
Uma geração de estadunidenses foi ensinada que a Guerra Fria foi
disputada entre a “Liberdade” e a “Tirania”, com o resultado decisivamente
vencido a favor do Capitalismo Democrático. O Socialismo, em todas as
cores e formas, estava amarrado com os crimes da União Soviética e
destinado à pilha de lixo das ideias ruins.

Ainda assim, muitos socialistas foram oponentes consistentes do


autoritarismo tanto nas variedades de Esquerda quanto de Direita. O próprio
Marx entendia que apenas pelo poder de seus números democráticos os
trabalhadores poderiam criar uma sociedade socialista. Para esse fim, O
Manifesto Comunista termina com um chamado de clarim para os
trabalhadores vencerem a batalha pela democracia contra as forças
aristocráticas e reacionárias [36].
Legiões de socialistas seguiram esse caminho, defendendo
ardentemente direitos políticos e civis, enquanto também lutavam para
democratizar o controle sobre a vida econômica e cultural através de
direitos sociais expandidos e democracia no ambiente de trabalho. Apesar
da afirmação comum de que “Capitalismo igual a Democracia”, os próprios
capitalistas, na ausência de pressões de uma classe trabalhadora organizada,
nunca apoiaram reformas democráticas. Enquanto o sufrágio universal para
homens brancos chegou nos Estados Unidos no período Jacksoniano [37],
socialistas europeus tiveram de lutar até o final do século 19 contra regimes
capitalistas autoritários na Alemanha, França, Itália, e outros lugares para
alcançar o voto para a classe trabalhadora e para os homens pobres. Os
socialistas ganharam apoio popular como os mais consistentes apoiadores
do sufrágio universal masculino – e eventualmente, feminino – assim como
o direito legal de formar sindicatos e outras associações voluntárias.

Socialistas e seus aliados no movimento trabalhista também


entenderam faz tempo que pessoas em um estado horrível de necessidade
não podem ser pessoas livres. Assim, a tradição socialista é popularmente
identificada fora dos Estados Unidos com a conquista da provisão pública
de educação, saúde, creches e aposentadorias; e dentro dos Estados Unidos
por apoiar muitas destas lutas.

Para muitos socialistas, o suporte às reformas democráticas era


incondicional; mas eles também acreditavam que o poder de classe
necessário para restringir o poder do Capital precisava ser aprofundado para
que os trabalhadores pudessem controlar completamente seus destinos
sociais e econômicos. Enquanto criticam o Capitalismo como
antidemocrático, socialistas democráticos tem se oposto
consistentemente a governos autoritários que se clamam socialistas.

Revolucionários como Rosa Luxemburgo e Victor Serge criticaram o


governo soviético desde o início por banir partidos de oposição, eliminar
experimentos em democracia no ambiente de trabalho e falhar em abraçar o
pluralismo político e as liberdades civis. Se o Estado possui os meios de
produção, a questão permanece: quão democrático é o Estado? Como
Luxemburgo escreveu em seu panfleto de 1918 [38] sobre a Revolução
Russa:

“Sem eleições gerais, sem liberdade de imprensa, liberdade de


expressão, liberdade de associação, sem a livre batalha de
opiniões, a vida em cada instituição pública definha, se torna
uma caricatura de si mesma, e a burocracia se eleva como o
único fator decisivo.”

Luxemburgo entendeu que a Comuna de Paris de 1871 [39], o breve


experimento em democracia radical ao qual Marx e Engels se referiram
como um verdadeiro governo da classe trabalhadora, tinha múltiplos
partidos políticos em seu conselho municipal, sendo que apenas um estava
filiado à Associação Internacional dos Trabalhadores, de Marx. Fiéis a estes
valores, socialistas, dissidentes comunistas, e sindicalistas independentes
lideraram as rebeliões democráticas contra a liderança comunista na
Alemanha Oriental em 1953, Hungria em 1956, e Polônia em 1956, 1968 e
1980. Socialistas democráticos também lideraram o breve, mas
extraordinário experimento do “Socialismo com uma face humana” sob o
governo Dubček na Tchecoslováquia em 1968. Todas estas rebeliões foram
esmagadas por tanques soviéticos.

A queda da União Soviética, porém, dificilmente significou que a


democracia foi conquistada. Socialistas rejeitam a afirmação de que a
democracia capitalista é completamente democrática [40]. De fato, os ricos
têm abandonado seu compromisso até mesmo com uma democracia básica
quando se sentem ameaçados por movimentos de trabalhadores.

A análise de Marx no 18 de Brumário [41] do apoio dos capitalistas


franceses para o golpe de Luís Napoleão contra a Segunda República
Francesa antecipa de forma arrepiante o apoio posterior ao Fascismo nos
anos 30. Em ambos os casos, uma pequena-burguesia declinante, uma
classe-média sitiada, e elites agrárias tradicionais ganharam o suporte dos
capitalistas para frustrar a crescente militância da classe trabalhadora para
derrubar governos democráticos.

Os regimes autoritários dos anos 70 e 80 na América Latina, da


mesma forma, se basearam em apoio corporativo de natureza similar. Muito
do prestígio da Esquerda europeia no pós-guerra e da Esquerda latino-
americana atual vem deles terem sido os mais consistentes oponentes do
Fascismo.

Os movimentos socialistas e anticoloniais do Século 20 entendiam


que os objetivos democráticos revolucionários de Igualdade, Liberdade e
Fraternidade nunca seriam realizados se um poder econômico desigual
pudesse ser transformado em poder político e se os trabalhadores fossem
dominados pelo Capital. Socialistas lutam por democracia econômica
por causa da crença radicalmente democrática de que “o que afeta a
todos deveria ser decidido por todos.”

O argumento capitalista de que a escolha individual no mercado


equivale a Liberdade mascara a realidade de que o Capitalismo é um
sistema antidemocrático em que a maioria das pessoas gasta a maior parte
da vida sendo “mandada” por alguém. Corporações são formas de ditaduras
hierárquicas, já que aqueles que trabalham nelas não tem voz em como eles
produzem, no que eles produzem, e em como os lucros que eles criam são
utilizados. Democratas radicais acreditam que autoridade obrigatória (não
apenas a lei, mas também o poder de determinar a divisão do trabalho na
empresa) só é válida se cada membro da instituição afetado por suas
práticas tem uma voz igual na tomada daquelas decisões.

Democratizar uma economia complexa provavelmente tomaria uma


variedade de formas institucionais, variando de propriedades dos
trabalhadores e cooperativas, até propriedade estatal de instituições
financeiras e monopólios naturais (tais como telecomunicações e energia) –
assim como também regulações internacionais de padrões de trabalho e
ambientais.

A estrutura geral da Economia seria determinada através de políticas


democráticas e não por burocratas estatais. Mas a questão permanece: como
se mover para além da oligarquia capitalista rumo a democracia socialista?
Pelo final dos anos 70, muitos socialistas democráticos reconheciam que a
lucratividade corporativa tinha sido espremida pelas restrições que os
movimentos trabalhistas, feministas, ambientalistas e antirracistas dos anos
60 haviam imposto sobre o Capital. Eles entendiam que os capitalistas iriam
retaliar através de mobilização política, terceirizações e “greves de capital”
[42]. Assim, por toda a Europa, socialistas pressionaram por reformas que
pretendiam conquistar um controle público maior sobre os investimentos. O
movimento trabalhista sueco abraçou o “Plano Meidner” [43], um programa
que taxaria os lucros corporativos por um período de 25 anos para criar a
propriedade pública das principais empresas. Uma coalizão
socialista/comunista que elegeu François Mitterrand [44] para a presidência
da França em 1981 nacionalizou 30% da indústria francesa e melhorou
radicalmente os direitos de negociação coletiva.

Em resposta, os Capitais franceses e suecos investiram no estrangeiro


ao invés de em seus países, criando uma recessão que interrompeu estes
promissores movimentos na direção do Socialismo democrático. As
políticas de Thatcher e Reagan, que inauguraram mais de trinta anos de
dessindicalização e cortes para a rede de segurança, confirmaram a previsão
da Esquerda de que ou os socialistas avançariam para além do Estado de
Bem-Estar Social para o controle democrático sobre o Capital ou o poder
capitalista erodiria os ganhos da Social-democracia do Pós-Guerra [45].

Hoje, socialistas por todo o mundo encaram o assustador desafio


sobre como reconstruir o poder político da classe trabalhadora com força
suficiente para derrotar o consenso tanto dos conservadores quanto dos
Social-Democratas de “terceira-via” [46] em favor da austeridade ditada
pelas corporações.

Mas e os muitos governos no mundo em desenvolvimento que ainda


chamam a si mesmos de socialistas, particularmente os Estados-de-um-
partido-só? De muitas maneiras, Estados comunistas de um-partido-só tem
mais em comum com os antigos Estados autoritários capitalistas
“Desenvolvimentistas” – como a Prússia (hoje parte da Alemanha) e o
Japão no final do século 19, e a Coreia do Sul e Taiwan no pós-guerra – do
que com a visão do Socialismo Democrático. Estes governos priorizaram a
industrialização liderada pelo Estado acima dos direitos democráticos,
particularmente aqueles de um movimento trabalhista independente.

Nem Marx nem o Socialismo europeu clássico anteciparam que


partidos socialistas revolucionários tomariam o poder mais facilmente em
sociedades autocráticas, predominantemente agrárias. Em parte, estes
partidos se baseavam em uma nascente classe trabalhadora radicalizada pela
exploração nas mãos de Capital Estrangeiro. Mas na China e na Rússia, os
comunistas também chegaram ao poder por que a aristocracia e os senhores
da guerra falharam em defender seus povos contra invasão – os exércitos de
camponeses derrotados queriam paz e terra. A tradição marxista não tinha
muito a dizer sobre como sociedades predominantemente agrárias e pós-
coloniais poderiam se desenvolver de uma maneira igualitária e
democrática. O que a História nos conta é que tentar forçar camponeses que
acabaram de receber terras privadas por revolucionários comunistas, de
volta para fazendas estatais coletivas resulta em guerras civis brutais que
retrocedem os desenvolvimentos econômicos por décadas.

Reformas econômicas contemporâneas na China, Vietnã e Cuba


favorecem uma Economia de Mercado mista com um papel significante
para o Capital estrangeiro e camponeses proprietários de terras. Mas elites
de um-partido-só instituindo estes experimentos em pluralismo econômico
tem quase sempre reprimido defensores de pluralismo político, liberdades
civis e direitos trabalhistas. Apesar do assédio estatal contínuo, as
crescentes lutas trabalhistas independentes em locais como China e Vietnã
[47] podem reviver o papel da classe trabalhadora na promoção da
democracia. É naqueles movimentos, não em governos autocráticos, que os
socialistas colocam a sua solidariedade.

É claro, existe também uma rica história de experimentos em


Socialismo Democrático no mundo em desenvolvimento, variando do
governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile nos anos 70 até
os primeiros anos do governo de Michael Manley na Jamaica na mesma
década. A “Onda Rosa” latino-americana na Bolívia, Venezuela, Equador e
Brasil hoje representa diversos experimentos em desenvolvimento
democrático – embora suas políticas de governo dependam mais da
redistribuição de ganhos de exportação de produtos primários (também
conhecidos como “commodities”) do que na reestruturação das relações de
poder econômico. Mas o governo dos Estados Unidos e interesses
capitalistas globais trabalham consistentemente para minar mesmo estes
esforços modestos em democracia econômica.

A CIA e a Inteligência Britânica derrubaram o governo


democraticamente eleito de Mohammad Mosaddegh no Irã em 1954 quando
ele nacionalizou a British Oil. O FMI e o Banco Mundial cortaram o crédito
para o Chile e a CIA ajudou ativamente no brutal golpe militar de Augusto
Pinochet naquele país. De forma parecida, os Estados Unidos conspiraram
com o FMI para estrangular a economia jamaicana na Era Manley.
A hostilidade capitalista com governos mesmo moderadamente
reformistas no mundo em desenvolvimento não conhece limites. Os EUA
derrubaram violentamente o governo de Jacobo Árbenz na Guatemala em
1954 e a presidência de Juan Bosch na República Dominicana em 1965 por
que eles favoreceram modestas reformas agrárias. Para estudantes de
História, a questão deveria ser não se o Socialismo necessariamente leva a
ditadura, mas se um movimento socialista revivido pode superar a natureza
oligárquica e antidemocrática do Capitalismo. [48]
O SOCIALISMO NÃO É SÓ UM
CONCEITO OCIDENTAL?
O Socialismo não é eurocêntrico por que a lógica do Capital é
universal – e a resistência a ela também.

ABCs do Socialismo – Parte 7

por Nivedita Majumdar, na Revista Jacobin, abril de 2016

Nivedita Majumdar é professora associada de Inglês na Faculdade John


Jay. Ela é a secretária do ‘Professional Staff Congress’, do corpo docente e
do sindicato da CUNY.
O Socialismo está no ar. Ele voltou para os Estados Unidos com a
crise econômica de 2008, que tornou a natureza ativamente exploradora do
Capitalismo clara para uma nova geração, e que desencadeou lutas para
desafiar a austeridade e a atordoante desigualdade de rendas. Ativistas em
uma série de movimentos ajudaram a criar o ambiente em que um candidato
presidencial poderia falar sobre Socialismo em um palco nacional.

Mesmo que ele não seja a mais radical das figuras, Bernie Sanders,
que abertamente se identifica como um socialista, está atraindo dezenas de
milhares para sua campanha, superando as expectativas de todo mundo.
Não é surpresa, então, que a ideia de Socialismo também esteja
encarando um contra-ataque pesado – e não apenas da Direita. Dentro da
Esquerda mesmo, existe a suspeita de um ideal que muitos veem como
unicamente focado em questões econômicas e distante de outros
sofrimentos cotidianos, especialmente aqueles das pessoas negras. A
evocação específica da Social-democracia escandinava por Sanders tem
suscitado críticas que endossam um tipo de “excepcionalismo nórdico” que
é hostil com a diversidade. Tais ataques mesmo às versões mais dóceis de
Socialismo são nutridos, especialmente em campi universitários, por
suposições teóricas que veem o Marxismo e muitos de seus descendentes
como irremediavelmente eurocêntricos [49].

A premissa subjacente nestas linhas de ataque relacionadas é que o


Socialismo, uma ideologia supostamente ocidental (e branca), mesmo que
capaz de lidar com injustiças econômicas, permanece incapaz de conversar
com as experiências de opressão e discriminação vividas no Sul Global, e
em grupos oprimidos em outros lugares.

Existe alguma validade nessas críticas? O ideal socialista repousa


sobre a crença de que os trabalhadores por todo o mundo sofrem nas mãos
de capitalistas e que compartilham um interesse comum em resistir à
exploração. Dizer que isso é uma ideia estritamente ocidental seria
novidade para os mais de 1100 trabalhadores têxteis em Dhaka, no
Bangladesh, que foram mortos em abril de 2013 quando a construção da
fábrica Rana Plaza em que eles estavam trabalhando colapsou sobre eles
[50]. O prédio havia sido declarado um risco de segurança, mas os
empregadores forçaram que eles continuassem lá sob ameaça de demissão.
Dois anos depois do colapso da fábrica, o Human Rights Watch
(“Observatório de Direitos Humanos”) conduziu um estudo detalhado das
práticas industriais em Bangladesh. Eles encontraram por toda a área
industrial severas retaliações contra o trabalho organizado, que é a garantia
efetiva contra condições de trabalho arriscadas e salários terríveis. Para
parar atividades sindicais, proprietários de fábricas rotineiramente levaram
em frente perversas campanhas de intimidação e retaliação contra os
trabalhadores, a maioria deles mulheres. A tentativa de trabalhadores de
iniciar organização leva não apenas à perda de seus empregos, mas muitas
vezes a serem colocados em uma lista negra de todo o setor.

No outro lado do globo, em abril de 2015, o Walmart fechou 5 de suas


lojas, demitindo 2200 trabalhadores com apenas algumas horas de aviso.
Enquanto que a razão afirmada para os fechamentos fosse “reparos de
encanamento,” foi uma ação de retaliação contra trabalhadores tentando se
organizar por um salário mínimo e melhores condições de trabalho.
Walmart, onde os trabalhadores recentemente entraram em greve de fome
em protesto aos salários de pobreza, é o maior empregador de negros,
hispânicos e mulheres dos Estados Unidos.

É eurocêntrico afirmar que os trabalhadores de vestuário senegaleses


têm tanto em jogo na luta por seus direitos econômicos – por uma vida
decente e segurança de emprego – quanto os trabalhadores demitidos das
lojas estadunidenses do Walmart? Certamente os administradores e
proprietários de fábricas bengaleses não pensam assim. Eles não estão
menos preocupados e nem menos hostis à ideia de trabalhadores se
organizando do que estão os administradores do Walmart.
Capitalistas por todo lado veem os trabalhadores como uma fonte de
lucro. Em um sistema guiado apenas pela motivação do lucro, existe pouco
incentivo para endereçar as necessidades dos trabalhadores além do que
ditar o Mercado. E as leis do Mercado, não importa o que afirmem os
economistas neoclássicos, não são justas ou imparciais. O poder econômico
e político superior do Capital garante que as leis do Mercado estejam
invariavelmente em seu favor.

Em ambos os contextos, porém, uma análise socialista aponta para


outra realidade em jogo. Contra todas as possibilidades, trabalhadores
invariavelmente contra-atacam. Mas é sempre uma batalha agonizante, com
o Capital usando cada arma em seu arsenal para esmagar a resistência dos
trabalhadores. Os métodos cruéis dos chefes incluem intimidação física
quando eles podem sair impunes, como em Bangladesh, e jogadas mais
polidas, como fechar lojas inteiras, como nos Estados Unidos. Para o
Trabalho, o resultado das batalhas é sempre arriscado e imprevisível por
que o Capital retalha contra a dissidência a cada passo. Mas o Capital não
pode estar completamente à vontade, por que a exploração por todo lado faz
nascer resistência.

O Socialismo não é eurocêntrico por que a lógica do Capital é


universal – e a resistência a ela também [51]. Especificidades culturais
podem dar forma a alguns detalhes da operação do Capital diferentemente
nos Estados Unidos e em Bangladesh, na França e na Nicarágua, mas elas
não alteram sua priorização fundamental do Lucro sobre as Pessoas. É por
isso que, por mais de 100 anos, muitos dos mais poderosos e extensos
movimentos sociais no Sul Global tem sido inspirado nos ideais socialistas.
Não importa as suas diferenças, líderes tão diversos como Mao Tsé-
Tung na China, Kwame Nkrumah em Gana, Walter Rodney na Guyana,
Chris Hani na África do Sul, Amílcar Cabral em Guiné-Bissau, M. N. Roy
na Índia e Che Guevara pela América Latina viram o Socialismo como uma
teoria e prática não menos relevante em sua experiência do que foi para os
sindicalistas Europeus. E sim, estes revolucionários também encararam
oponentes que repudiaram suas causas como uma teoria Ocidental,
inapropriada para as realidades Orientais: os líderes da Direita religiosa, as
classes de proprietários de terra, e outras elites econômicas.

O crime do Capitalismo é que ele força a vasta maioria da


população a permanecer preocupada com questões básicas de nutrição,
moradia, saúde e aquisição de habilidades. Ele deixa pouco tempo para
incentivar a comunidade e a criatividade que os humanos almejam.

Na manhã fatídica do colapso de Rana Plaza, trabalhadores estavam


relutantes de entrar no prédio. Grandes rachaduras haviam aparecido nas
paredes da fábrica e inspetores tinham declarado o prédio uma ameaça. Mas
a administração forçou os trabalhadores a começar a trabalhar. Uma mãe
devastada depois lembrou que sua filha de 18 anos, que morreu no colapso,
havia sido ameaçada com a perda do pagamento do mês inteiro se
escolhesse não trabalhar aquele dia. Essa é uma forma específica de
desumanização, nascida da privação e da impotência e familiar para
trabalhadores em todas as partes do mundo, que são forçados a escolher
entre seu sustento e sua segurança. O Socialismo identifica a fonte de tal
desumanização – a propriedade privada dos meios de produção e a
exploração – e as rejeita.
O Capitalismo não apenas oprime os trabalhadores no chão de
fábrica. Ele cria toda uma cultura em que a lógica da opressão e competição
se tornam senso-comum. Ele coloca as pessoas contra as outras e contra sua
própria humanidade. Como o personagem de Franz Kafka em A
Metamorfose, Gregor Samsa, as pessoas são alienadas de sua própria
natureza humana, isolados dos outros seres humanos, e torturados pela
perda de tudo o que poderia ser possível.

Não há nada eurocêntrico em rejeitar a lógica destrutiva do Capital e


lutar por um mundo melhor para substituí-lo. É a escolha genuinamente
universal e humana.
E SOBRE O RACISMO? OS
SOCIALISTAS NÃO SE
IMPORTAM SÓ COM CLASSE?
Na verdade, acreditamos que a luta contra o Racismo é central
para desfazer o poder da classe dominante.

ABCs do Socialismo – Parte 8

por Keeanga-Yamahtta Taylor, na Revista Jacobin, abril de 2016

Keeanga-Yamahtta Taylor é professora assistente no ‘Center for African


American Studies’ da Universidade de Princeton e autora de ‘From
#BlackLivesMatter to Black Liberation’.
Por mais de um ano, o movimento “Black Lives Matter” (“Vidas
Negras Importam”) tem tomado os Estados Unidos. O slogan central do
movimento é um simples e declarativo reconhecimento de humanidade
negra em uma sociedade assolada por desigualdades econômicas e sociais
que são experimentadas desproporcionalmente por afro-estadunidenses.

O movimento é relativamente novo, mas o racismo que o gerou não é.


Por cada barômetro na sociedade estadunidense – saúde, educação,
emprego, pobreza – afro-estadunidenses estão em situação pior.
Representantes eleitos de todo o espectro político muitas vezes culpam
essas disparidades na ausência de “responsabilidade pessoal” ou as veem
como um fenômeno cultural [52] particular aos afro-estadunidenses.
Na realidade, a desigualdade racial tem sido produzida amplamente
por políticas de governo e instituições privadas que não apenas
empobrecem afro-estadunidenses, mas também os demonizam e
criminalizam.

Ainda assim, o racismo não é simplesmente um produto de políticas


públicas errantes ou mesmo de atitudes individuais de pessoas brancas
racistas – e entender as raízes do racismo na sociedade estadunidense é
crítico para rradica-lo. Fazer políticas públicas melhores e banir
comportamento discriminatório por indivíduos ou instituições não vai
resolver. E enquanto existe uma necessidade séria por ação governamental
para banir práticas que ameaçam grupos inteiros de pessoas, estas
estratégias falham em compreender a escala e a profundidade da
desigualdade racial nos Estados Unidos.

Para entender por que os EUA parecem tão resistentes à igualdade


racial, temos de olhar além de representantes eleitos ou mesmo daqueles
que prosperam à partir de discriminação racial no setor privado. Temos de
dar uma olhada na forma com que a sociedade estadunidense está
organizada sob o Capitalismo.

DIVIDIR E GOVERNAR

O Capitalismo é um sistema econômico baseado na exploração dos


muitos pelos poucos. Por causa da brutal desigualdade que ele produz, o
Capitalismo depende de várias ferramentas políticas, sociais e ideológicas
para racionalizar aquela desigualdade enquanto simultaneamente divide a
maioria, que teria todo o interesse em se unir para resistir a isso.

Como o 1% mais rico mantém seu controle desproporcional da


riqueza e dos recursos na sociedade estadunidense? Por um processo de
‘dividir para governar’.

O racismo é apenas uma entre muitas opressões que pretendem servir


a este propósito. Por exemplo, o racismo estadunidense se desenvolveu sob
um regime de escravidão como uma justificação para a escravização de
africanos em uma época em que o mundo estava celebrando os conceitos de
isenção, liberdade e autodeterminação.

A desumanização e sujeição das pessoas negras tinha de ser


racionalizada neste momento de novas possibilidades políticas. Mas o
objetivo central era preservar a instituição da escravidão e as enormes
riquezas que ela produzia.

Como Karl Marx reconheceu:

“Escravidão direta é tanto um pivô da indústria burguesa quanto


maquinário, créditos, etc. Sem escravidão você não tem
algodão; sem algodão você não tem a indústria moderna. É a
escravidão que deu às colônias seu valor; são as colônias que
criaram o comércio mundial e é o comércio mundial que é
precondição para a indústria de larga-escala. Assim,
Escravidão é uma categoria econômica da maior
importância.”
Marx também identificava a centralidade do trabalho escravo africano
na gênese do Capitalismo quando ele escreveu que “a descoberta de ouro e
prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento em minas da
população aborígene, o início da conquista e do saque das Índias Orientais,
a transformação da África em um viveiro para caça comercial de peles
negras, sinalizaram a rósea aurora da era de produção capitalista.”

As necessidades de mão-de-obra pelo Capital apenas poderiam


explicar como o racismo funcionava sob o Capitalismo. A desumanização
literal [53] de africanos por causa do trabalho era usada para justificar seu
tratamento cruel e seu status depreciado nos EUA.

Sua desumanização não acabou simplesmente quando a escravidão


foi abolida; ao invés disso, a marca de inferioridade estigmatizando a pele
negra seguiu rumo a emancipação e estabeleceu as bases para a cidadania
de segunda-classe que afro-estadunidenses experienciaram por quase cem
anos após a escravidão.

O rebaixamento de negros também tornou os afro-estadunidenses


mais vulneráveis à coerção e manipulação econômica – não apenas
“antinegrismo”. Coerção e manipulação estavam baseadas nas demandas
econômicas em evolução do Capital, mas seu impacto agitava muito além
do reino econômico. Pessoas negras estavam despojadas de seu direito ao
voto, sujeitas a violência arbitrária, e travadas em trabalho servil e mal
pago. Esta era a economia política do racismo estadunidense.
Havia outra consequência do racismo e da estigmatização de negros.
Afro-estadunidenses estavam tão completamente banidos da vida social,
civil e política que era virtualmente impossível para a vasta maioria de
brancos pobres e da classe trabalhadora mesmo conceber se unir com
negros e desafiar o poder e a autoridade da panelinha branca dominante.

Marx reconheceu esta divisão básica dentro da classe trabalhadora


quando observou que “nos Estados Unidos da América, cada movimento
independente de trabalhadores estava paralisado enquanto a escravidão
desfigurava uma parte da República. Os trabalhadores não podem
emancipar a si mesmos na pele branca enquanto a negra é marcada.”

Marx compreendeu a dinâmica moderna do racismo como um meio


pelo qual trabalhadores que teriam interesses objetivos em comum podiam
também se tornar inimigos mortais por causa de ideias nacionalistas e
racistas subjetivas – mas mesmo assim, reais. Observando as tensões entre
trabalhadores irlandeses e ingleses, Marx escreveu:

“Cada centro comercial e industrial na Inglaterra possui uma


classe trabalhadora dividida em dois campos hostis,
proletários ingleses e proletários irlandeses. O trabalhador
inglês comum odeia o irlandês como um competidor que
baixa seu padrão de vida. Em relação ao trabalhador
irlandês ele sente a si mesmo como um membro de uma nação
dominante e então transforma a si mesmo em uma ferramenta
de aristocratas e capitalistas de seu país contra a Irlanda…
Este antagonismo é mantido vivo artificialmente e intensificado
pela imprensa, o púlpito, os jornais de piada, em resumo, por
todos os meios à disposição das classes dominantes. Este
antagonismo é o segredo da impotência da classe-
trabalhadora inglesa, apesar de sua organização. É o segredo
pelo qual o capitalista mantém seu poder. E aquela classe
está totalmente ciente disso.”

Para socialistas nos EUA, reconhecer a centralidade do racismo em


dividir a classe que tem o poder real para desfazer o Capitalismo tem
tipicamente significado que socialistas têm estado pesadamente envolvidos
em campanhas e movimentos sociais para acabar com o racismo.

Mas dentro da tradição socialista, muitos têm também argumentado


que como os afro-estadunidenses e a maioria de outros não-brancos são
desproporcionalmente pobres e de classe-trabalhadora, campanhas que
miram terminar com a desigualdade econômica iriam, sozinhas, encerrar a
sua opressão.

Esta posição ignora como o racismo constitui sua própria base para a
opressão de pessoas não-brancas. Negros comuns e outras minorias não-
brancas são oprimidos não apenas por causa de sua pobreza, mas também
por causa de suas identidades raciais ou étnicas.

Também não há correlação direta entre expansão econômica ou


condições econômicas melhoradas e uma queda na desigualdade racial. Na
realidade, a discriminação racial muitas vezes previne afro-estadunidenses e
outros de acessar completamente os frutos da expansão econômica.
Afinal de contas, a insurgência negra dos anos 60 coincidiu com a
economia robusta e pujante dos anos 60 – os negros estavam se rebelando
porque estavam trancados fora da abundância estadunidense. Olhar para o
racismo como apenas um resultado secundário da desigualdade econômica
ignora as formas com que o racismo existe como uma força independente
que causa estragos nas vidas de todos os afro-estadunidenses.

A luta contra o racismo [54] regularmente intercepta lutas por


igualdade econômica, mas o racismo não se expressa apenas sobre
questões econômicas. Lutas antirracistas também tomam lugar em resposta
às crises sociais que comunidades negras experienciam, incluindo lutas
contra a perseguição e discriminação [55]; brutalidade policial;
desigualdade educacional, de saúde e de moradia; encarceramento em
massa e outros aspectos do sistema de “justiça criminal”.

Estas lutas contra a desigualdade racial são críticas, tanto para


melhorar as vidas de afro-estadunidenses e outras minorias raciais e étnicas
no aqui-e-agora, e para demonstrar para pessoas brancas comuns o impacto
destrutivo do racismo nas vidas de pessoas não-brancas.

Conquistar brancos comuns para um programa antirracista é um


componente chave para construir um movimento de massa genuíno e
unificado capaz de desafiar o Capital. Unidade não pode ser atingida
sugerindo que pessoas negras deveriam minimizar o papel do racismo em
nossa sociedade para não alienar brancos – enquanto se focando apenas na
luta “mais importante” contra a desigualdade econômica.
É por isso que agrupamentos multirraciais de socialistas têm sempre
participado nas lutas contra o Racismo. Isso foi particularmente verdade ao
longo do século XX, enquanto afro-estadunidenses se tornaram uma
população mais urbana em constante conflito e competição com nativos e
brancos imigrantes por empregos, moradia e escolas. Conflitos violentos
entre negros e brancos de classe-trabalhadora sublinham o quanto a divisão
racial destruiu os laços de solidariedade necessários para coletivamente
desafiar patrões, senhores de terra e representantes eleitos.

Os Socialistas desempenharam papéis chave nas campanhas contra o


linchamento e o racismo no sistema judiciário e criminal, como na
campanha dos “Garotos de Scottsboro” nos anos 30, quando nove jovens
afro-estadunidenses foram acusados de estuprar duas mulheres brancas em
Scottsboro, Alabama. A progressista “Associação Nacional Para o Avanço
das Pessoas ‘De Cor’” (NAACP [56]) estava relutante em assumir o caso,
mas os julgamentos de Scottsboro se tornaram uma prioridade para o
Partido Comunista e sua afiliada Liga de Defesa Internacional.

Uma parte da campanha envolveu correr o país com as mães dos


garotos e depois o mundo para chamar atenção e despertar apoio para seu
caso. Ada Wright – mãe de dois dos garotos – viajou 16 países em 6 meses
em 1932 para contar a história de seus filhos. Como ela estava viajando
com conhecidos comunistas, ela foi frequentemente impedida de falar. Na
Tchecoslováquia ela foi acusada de ser uma comunista e presa por 3 dias,
antes de ser expulsa do país.

Socialistas estiveram envolvidos nos impulsos de sindicalização entre


afro-estadunidenses e foram centrais para as campanhas de direitos civis no
Norte, Sul e no Oeste para afro-estadunidenses e outras minorias oprimidas.
Este engajamento explica por que muitos afro-estadunidenses gravitaram
em torno de políticas socialistas [57] ao longo de suas vidas – socialistas
têm sempre articulado umas visões de sociedade que poderiam garantir
liberdade negra genuína.

No final dos anos 60, mesmo figuras como Martin Luther King Jr
[58] estavam descrevendo um tipo de visão socialista de futuro. Em uma
apresentação de 1966 para um encontro de sua organização “Conferência de
Liderança Cristã do Sul” [59], King comentou:

“Nós precisamos encarar honestamente o fato de que o movimento


precisa lidar com a questão da reestruturação completa da
sociedade estadunidense. Existem 40 milhões de pessoas
pobres aqui. E um dia nós devemos fazer a pergunta, ‘Por que
existem 40 milhões de pessoas pobres nos Estados Unidos da
América?’ E quando você começa a fazer essa pergunta, você
está levantando questões sobre o sistema econômico, sobre
uma distribuição mais ampla de riqueza. Quando você faz
essa pergunta, você começa a questionar a Economia
Capitalista….”

‘A quem pertence o petróleo?’ Você começa a perguntar, ‘A quem


pertence o minério de ferro?’ Você começa a perguntar, ‘Por
que as pessoas precisam pagar contas de água em um mundo
que é dois terços água?’ Estas são questões que precisam ser
feitas.”
Enquanto os movimentos continuaram a se radicalizar, grupos como
os Panteras Negras e a Liga de Trabalhadores Negros Revolucionários
seguiram na tradição de Malcom X quando vincularam a opressão negra
diretamente ao Capitalismo. Os Panteras e a Liga foram mais longe do que
Malcom ao tentar construir organizações socialistas para o propósito
específico de organizar negros da classe trabalhadora para lutar por um
futuro socialista.

Hoje o desafio para socialistas não é diferente: estar centralmente


envolvidos nas lutas contra o racismo enquanto também lutando por um
mundo baseado em necessidades humanas, não em lucro.
O SOCIALISMO E O
FEMINISMO NÃO ENTRAM ÀS
VEZES EM CONFLITO?
Em última análise, os objetivos do Feminismo radical e do
Socialismo são os mesmos – Justiça e Igualdade para todas as
pessoas.

ABCs do Socialismo – Parte 9

por Nicole Aschoff, na Revista Jacobin, abril de 2016

Nicole Aschoff é a editora-chefe da Jacobin e autora de ‘The New


Prophets of Capital’.
Socialismo e feminismo têm uma relação longa, e por vezes pesada.
Socialistas são muitas vezes acusados de enfatizarem demais a questão de
classe – de colocar a divisão estrutural entre aqueles que precisam trabalhar
em troca de um salário para sobreviver e aqueles que possuem os meios de
produção no centro de cada análise. Até pior, eles ignoram ou inferiorizam
o quão centrais outros fatores – como sexismo, racismo ou homofobia – são
na formação de hierarquias de poder. Ou eles admitem a importância destas
normas e práticas negativas, mas defendem que elas somente poderão ser
extirpadas depois que a gente se livrar do Capitalismo.

Ao mesmo tempo, socialistas acusam feministas hegemônicas de se


focar demais em direitos individuais ao invés da luta coletiva, e ignorar as
divisões estruturais entre as mulheres. Eles acusam as feministas
hegemônicas de se alinharem com projetos políticos burgueses [60] que
diminuem a capacidade de ação de mulheres trabalhadoras, ou de pressionar
por demandas de classe média que ignoram as necessidades e desejos de
mulheres pobres, tanto no Norte Global quanto no Sul.

Estes debates são antigos e datam da metade do século XIX e da


Primeira Internacional, e giram em torno de questões políticas profundas
sobre poder e as contradições da sociedade capitalista.

Turvando ainda mais as águas está a forma com que as políticas do


feminismo são complicadas pela natureza histórica do Capitalismo – a
forma como o sexismo está integrado tanto no processo de lucro quanto no
de reprodução do sistema capitalista como um todo é dinâmico.

Este dinamismo é muito aparente hoje, quando uma mulher candidata


à presidência, Hillary Clinton, é a principal escolha entre os milionários
estadunidenses. Mas a divisão entre Socialismo e Feminismo é, em
definitivo, desnecessária.

POR QUE SOCIALISTAS DEVERIAM SER FEMINISTAS

A opressão às mulheres, tanto na sociedade dos EUA quanto


globalmente, é multidimensional – divisões de gênero nas esferas política,
econômica e social sublinham porque, para nos libertar das tiranias do
Capital, os socialistas precisam ser também feministas.
A possibilidade de uma mulher finalmente se tornar presidenta dos
EUA joga luz sobre a rígida falta de lideranças femininas, tanto nos EUA
quanto ao redor do mundo. Apesar de mulheres poderosas como Angela
Merkel, Christine LeGarde, Janet Yellen e Dilma Rousseff, o equilíbrio de
gênero nos mundos político e corporativo permanece altamente enviesado.
Apenas 4% dos CEOs nas empresas da Fortune 500 são mulheres e a
maioria das mesas diretoras de corporações têm poucos membros
femininos, quando têm algum.

Globalmente, 90% dos Chefes de Estado são homens, e no Fórum


Econômico Mundial de 2015 apenas 17% dos 2500 representantes eram
mulheres, enquanto 2013 marcou a primeira vez que as mulheres
conquistaram 20 cadeiras no Senado dos EUA.

Diferente de muitos países, as mulheres nos Estados Unidos possuem,


a grosso modo, direitos igualitários e proteção legal, além de tanto acesso à
educação, nutrição e cuidados de saúde quanto os homens. Mas as divisões
de gênero são aparentes através da sociedade.

As mulheres se saem melhor que os homens na educação superior,


mas elas não atingem níveis comparáveis de sucesso ou riqueza e
permanecem estereotipadas e sub-representadas na mídia popular. Ataques
aos direitos reprodutivos femininos [61] continuam sem diminuir e, depois
de uma longa e contínua queda nos anos 90, as taxas de violência contra as
mulheres não se movem desde 2005.

Ao mesmo tempo, decisões sobre como balancear a vida doméstica e


de trabalho, diante de custos sempre crescentes de moradia e cuidado
infantil, são tão difíceis quanto sempre foram. Nos 50 anos desde a
passagem do Ato de Pagamento Igualitário de 1963 as mulheres penetraram
na força de trabalho em massa; hoje 60% das mulheres trabalham fora de
casa. Mães solteiras e casadas têm mais chance de trabalhar, incluindo 57%
de mães de crianças de menos de 1 ano.

Mas mulheres que trabalham em jornada completa ainda ganham


apenas 81% do que os homens ganham – um número inflado pelo declínio
mais rápido nos salários de homens nos últimos anos (com exceção dos que
possuem diploma superior) nos anos recentes.

Diferenças de pagamento são comparáveis às divisões de gênero no


trabalho. Os setores de varejo, serviços e alimentação – o centro do
crescimento de novos empregos – são dominados por mulheres, e a
feminização do trabalho de “assistência” é ainda mais pronunciado. Apesar
de ganhos recentes, como a extensão do Ato de Padrões Justos de Trabalho
aos trabalhadores domésticos, trabalho de assistência [62] ainda é visto
como trabalho de mulher e subvalorizado. Números desproporcionais de
empregos de cuidados são contingentes, pagam pouco e onde humilhações,
assédio, agressões sexuais e roubo de salário são comuns.

Em adição a estas diferenças claras entre as experiências de homens e


mulheres nos EUA, existem efeitos mais perversos e de longo alcance do
sexismo. Feministas como bell hooks argumentam que o sexismo e o
racismo impregnam todos os cantos da sociedade e que narrativas
dominantes de poder glorificam visões de vida brancas e heteronormativas.
Desde o nascimento, meninos e meninas são tratados diferentemente
e estereótipos de gênero são introduzidos em casa, na escola, e na vida
cotidiana e perpetuados através das vidas das mulheres, dando forma às
suas identidades e escolhas de vida.

O sexismo também exerce um papel menos óbvio, mas crítico, na


criação de lucros. Desde o começo, o Capitalismo tem dependido de
trabalho não-pago fora do mercado de trabalho (principalmente no lar) que
provê ingredientes essenciais para a acumulação de capital: trabalhadores –
que precisam ser criados, vestidos, alimentados, socializados e amados.

Este trabalho não-pago é altamente marcado pelo gênero. Enquanto


mais homens tomam parte nas tarefas domésticas e na educação infantil do
que no passado, a reprodução social ainda recai primariamente sobre as
mulheres, de quem se espera que carreguem nos ombros o fardo mais
pesado no trabalho doméstico. A maioria das mulheres também faz trabalho
pago fora de casa, tornando o seu trabalho em casa um “segundo turno.”
Desta forma, mulheres são duplamente oprimidas – exploradas no espaço
de trabalho e não-reconhecidas como trabalhadoras na reprodução social da
força de trabalho.

POR QUE FEMINISTAS DEVERIAM SER SOCIALISTAS

Estas divisões de gênero que atravessam as classes e persistem – nas


esferas política, econômica e social – dão combustível ao ponto de vista
feminista dominante de que o sexismo é uma coisa separada do
Capitalismo, algo com que precisamos lidar separadamente.

Através de numerosas ondas de luta feminista, ativistas tem


perseguido uma variedade de estratégias no combate ao sexismo e a
divisões de gênero. Hoje, feministas hegemônicas gravitam rumo a um foco
em colocar a mulher no poder – tanto na esfera política quanto econômica –
como um caminho para resolver a série de problemas que as mulheres
encaram, tais como desigualdade salarial, violência, equilíbrio entre vida e
trabalho e socialização sexista.

Eminentes porta-vozes femininas [63] como Sheryl Sandberg, Hillary


Clinton, Anne-Marie Slaughter e muitas outras defendem esta estratégia
feminista de “tomada de poder.” Sandberg – uma das mais influentes
defensoras desta estratégia – argumenta que as mulheres precisam parar de
ter medo e começar a “desbaratar o status quo.” Se elas fizerem isso, ela
acredita que esta geração pode diminuir a lacuna de lideranças e, ao fazer
isso, tornar o mundo um lugar melhor para todas as mulheres.

O impulso do argumento de tomada de poder é que se as mulheres


estivessem no poder elas, diferente dos homens, iriam dar conta de
implementar políticas que beneficiariam mulheres e aquela divisão de
gênero que atravessa classes nas esferas econômica, política e cultural
somente será eliminada se as mulheres mantiverem um número de posições
de liderança igual ao dos homens.

A ênfase em avanços individuais como o caminho para atingir os


objetivos do Feminismo não é nova, e tem sido criticada por numerosas
feministas, incluindo Charlotte Bunch e Susan Faludi, que questionam a
noção de solidariedade entre irmãs como um remédio para divisões de
gênero muito enraizadas. Como Faludi diz, “Você não pode mudar o mundo
para as mulheres apenas inserindo rostos femininos no topo de um sistema
intacto de poder social e econômico.”

Feministas-socialistas como Johanna Brenner também apontam para


como o feminismo hegemônico encobre tensões profundas entre mulheres:

“Nós podemos generosamente caracterizar como ambivalentes as


relações entre mulheres da classe trabalhadora/pobres e as
mulheres profissionais de classe média cujos trabalhos são
erguer e regular aqueles que vêm a serem definidos como
problemáticos – os pobres, os não-saudáveis, os que não se
encaixam culturalmente, os sexualmente não-conformistas, os
pouco-educados. Estas tensões de classe vazam nas políticas
feministas, enquanto feministas de classe-média afirmam
representar as mulheres trabalhadoras.”

Então, enquanto é certamente necessário reconhecer o quão dividida


por gênero a sociedade contemporânea permanece, também é necessário
manter os olhos abertos sobre como superar essas divisões e, igualmente
importante, reconhecer as limitações de um Feminismo que não desafia o
Capitalismo.

O Capital se alimenta sobre normas existentes de sexismo,


compondo a natureza exploradora do trabalho assalariado. Quando as
ambições e desejos das mulheres são silenciados ou subvalorizados, é mais
fácil de tomar vantagem delas. O sexismo é parte da caixa de ferramentas
da companhia, permitindo às empresas pagar menos para as mulheres –
particularmente negras – e discriminá-las de outras maneiras.

Mas mesmo se nós extirparmos o sexismo, as contradições inerentes


ao Capitalismo vão persistir. É importante e necessário que as mulheres
assumam posições de poder, mas apenas isso não vai mudar a divisão
fundamental entre trabalhadores e proprietários – entre mulheres no topo e
mulheres na base. Não vai mudar o fato de que a maioria das mulheres se
encontra em empregos precários, de baixo salário, que representam uma
barreira bem maior ao avanço e a uma vida confortável que o sexismo na
esfera econômica ou política. Não vai mudar o poder da busca pelo lucro e
a compulsão das companhias por dar aos trabalhadoras e trabalhadores tão
pouco quanto às normas econômicas, sociais e culturais permitirem.

É claro, a sociedade não é redutível a relações salariais e as divisões


de gênero são reais e persistentes. Levar a questão de classe a sério significa
ancorar a opressão feminina dentro das condições materiais em que elas
vivem e trabalham, enquanto reconhecendo o papel do sexismo na
formação das vidas das mulheres tanto no trabalho quanto em casa.

O movimento feminista – tanto sua encarnação de “Bem-Estar


Social” quanto a radical contemporânea – tem tido ganhos significativos. O
desafio agora é duplo: defender essas duras vitórias e tornar possível a todas
as mulheres realmente aproveitá-las; e pressionar adiante por demandas
novas e concretas que lidem com as relações complexas entre o sexismo e a
busca por lucro.
Não há resposta simples sobre como atingir estes objetivos gêmeos.
No passado, mulheres tiveram os maiores ganhos ao lutar tanto por direitos
das mulheres quanto direitos dos trabalhadores simultaneamente – ligando a
luta contra o sexismo à luta contra o Capital.

Como Eileen Boris e Anelise Orleck argumentam, durante os anos 70


e 80 “feministas sindicalistas ajudaram a revitalizar o movimento das
mulheres que deflagrou novas demandas de direitos femininos em casa, no
trabalho e dentro de sindicatos.” Aeromoças, trabalhadoras do setor têxtil,
da igreja e domésticas desafiaram os movimentos sindicais dominados por
homens (uma mulher não sentou na mesa executiva da AFL-CIO até os
anos 80) e no processo forjaram um novo Feminismo, mais expansivo.

Mulheres sindicalistas criaram um novo campo de possibilidades ao


demandar não apenas salários mais altos e oportunidades iguais, mas
também creches, escalas de trabalho flexíveis, licença-maternidade, e outros
ganhos normalmente negligenciados e subvalorizados por seus irmãos
sindicalistas.

Esta é a direção em que tanto socialistas e Feministas deveriam estar


se orientando – rumo a lutas e demandas que desafiem tanto as tendências
do Capital quanto às normas arraigadas do sexismo que estão enraizadas tão
fundo sob o Capitalismo.

Lutas e demandas que atingem isso são concretas e estão atualmente


sendo travadas. Por exemplo, a luta por um sistema público e gratuito de
saúde [64] – que proveria cuidados de Saúde como um Direito para toda
pessoa, do berço ao túmulo, independentemente de sua capacidade de pagar
– é uma demanda que mina ambos o sexismo e o poder do Capital de
controlar e reprimir a ação trabalhadora. Há muitas outras demandas
concretas de curto-prazo que misturam os objetivos do Feminismo e do
Socialismo também, incluindo Educação Superior gratuita [65], creches
gratuitas, e uma Renda Básica Universal combinados com uma rede robusta
de segurança social.

Estas reformas estabeleceriam as bases para objetivos mais radicais


que iriam longe na extirpação do sexismo, da exploração e da
mercantilização da vida social. Por exemplo, projetos para aumentar o
controle coletivo e democrático sobre instituições centrais para nossas vidas
em casa, na escola ou no trabalho – escolas, bancos, espaços de trabalho,
prefeituras, agências estatais e locais – dariam a todas as mulheres e
homens mais poder, autonomia e a possibilidade de uma vida melhor.
Esta estratégia anticapitalista é uma que contém a possibilidade de
mudanças radicais de que as mulheres precisam.

Em última análise, os objetivos do Feminismo radical e do Socialismo


são os mesmos – justiça e igualdade para todas as pessoas, não
simplesmente oportunidades iguais para as mulheres ou participação igual
por mulheres em um sistema injusto.
UM MUNDO SOCIALISTA NÃO
SIGNIFICARIA SÓ UMA CRISE
AMBIENTAL MAIOR AINDA?
Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de
recursos democraticamente, levando em consideração
necessidades e valores humanos, ao invés da maximização dos
lucros.

ABCs do Socialismo – Parte 10

por Alyssa Battistoni, na Revista Jacobin, abril de 2016

Alyssa Battistoni é editora da Jacobin e estudante de PhD em Ciência


Política na Universidade de Yale.
O Capitalismo está espalhando destruição sobre o mundo em que
vivemos. A mudança climática ameaça alterar nosso planeta para além do
reconhecível, inundando cidades e vilas costeiras, intensificando secas e
ondas de calor e fortalecendo climas extremos.

Os efeitos mais nocivos, é claro, estão caindo sobre as pessoas pobres


do mundo. A sobrepesca tem empurrado pescadores para o ponto de
colapso; suprimentos de água doce são escassos em regiões que abrigam
metade da população mundial; fazendas de cultivo industrial com uso
intensivo de fertilizantes tem exaurido de nutrientes as terras agrícolas;
florestas tem sido demolidas em níveis atordoantes para abrir caminho para
agricultura comercial e ranchos de gado; as taxas de extinção se comparam
com aquelas de apocalipses pré-históricos induzidos por meteoros.
Estes não são problemas que podem ser resolvidos como se
trocássemos uma lâmpada. A atividade humana tem transformado [66] o
planeta inteiro de formas que estão agora ameaçando o jeito em que o
habitamos – alguns de nós muito, muito mais do que outros. Mas se você
apontar que não é a “Humanidade” em abstrato, mas o Capitalismo que
deveríamos responsabilizar, ouvirá uma réplica familiar: “O Socialismo é
mau para o meio-ambiente também!” A produção na União Soviética
também se baseava em combustíveis fósseis, degradou terras agrícolas,
poluiu rios e desflorestou vastas extensões.

É verdade que o histórico ambiental das URSSs não inspira muita


confiança. Mas isso não significa que o Capitalismo pode resolver nossos
problemas ambientais, como declaram empreendedores verde-claro, ou que
a sociedade industrial moderna precisa ser abandonada por completo, como
alguns ambientalistas verde-escuro iriam sugerir. O Capitalismo pode
certamente sobreviver a condições ambientais se agravando, pelo menos
por um tempo – mas ele vai sobreviver sob condições de um “eco-
apartheid” cada vez maior, com segurança e conforto para os ricos e uma
escassez crescente para o Resto.

Assim, o sonho socialista do Século XX de maximizar a produção na


busca de abundância e igualdade parece cada vez mais insustentável.
Marxistas afirmavam que o Comunismo surgiria em meio a condições pós-
capitalistas de superabundância: uma vez que os motores do Capitalismo
estivessem rugindo, eles poderiam ser tomados e colocados para beneficiar
a todos. Mas esses motores não podem mais funcionar às custas de
combustíveis fósseis, e o Capitalismo consumista contemporâneo não é a
abundância que tínhamos em mente. Nós precisamos não apenas tomar os
meios de produção, mas transformá-los.

Nós também precisamos de uma visão de futuro diferente da que tem


sido levada adiante pela Esquerda mais recentemente.

O Esquerdismo ambiental ultimamente tem tendido a uma posição um


tanto anarquista que desconfia da produção de larga escala e do poder
concentrado, sejam eles privados ou públicos. Isso não deveria surpreender
– como os problemas ambientais são tão específicos em diferentes
localidades, eles frequentemente despertam soluções locais de pequena-
escala. Mas a mudança climática e outras crises ambientais surgindo de
sistemas globais de produção e consumo são questões sistêmicas de
Economia Política; lidar com elas vai requerer mais do que bolsas de
práticas alternativas. E problemas ambientais não respeitam fronteiras
políticas: a interdependência ecológica é outra lembrança de que a
Sustentabilidade só virá através de uma Solidariedade Global.

A qual futuro o Socialismo do Século XXI deve aspirar? Como


podemos atingir uma sociedade justa sem dependermos de combustíveis
fósseis ou exacerbarmos outras formas de destruição ambiental?

Ao buscar uma resposta, os socialistas deveriam olhar para as


tradições socialistas-feministas preocupadas com o trabalho que faz a vida
“vivível”. Socialistas-feministas têm há muito chamado atenção para o
serviço de reprodução social – as atividades necessárias para reabastecer
trabalhadores assalariados tanto individualmente como através de gerações,
tais como educação, cuidados à infância, trabalho doméstico e preparação
de comida. Lutas sobre a reprodução social tem se focado em demandas e
possibilidades da vida fora da fábrica, e elas tem muito para nos ensinar
sobre organizar novas formas de viver. Nós também precisamos valorizar
o trabalho de reprodução ecológica – reconhecer que a atividade dos
Ecossistemas mantém a Terra viável para a vida humana, e cuidar
delas de acordo.

Enquanto alguns socialistas aspiram a uma superabundância de tudo


para todos, ambientalistas tendem a apontar o excesso de consumo como
um culpado primário da degradação ambiental. Mas nem todo consumo é
equivalente. O Capitalismo depende de insumos baratos na forma de
trabalho e recursos naturais para fazer os seus produtos baratos. Como
resultado, o sistema consistentemente força para baixo tanto os custos
quanto os padrões ambientais e trabalhistas. Produtos baratos não são
necessariamente ruins, mas eles não deveriam vir às custas das pessoas
trabalhadoras e dos Ecossistemas. O objetivo de uma sociedade socialista
não é reprimir o consumo popular, mas criar uma sociedade que
enfatize a qualidade de vida sobre a quantidade de coisas.

Nós precisamos encontrar caminhos para viver luxuriosamente, mas


também levemente [67], esteticamente ao invés de asceticamente. Ao invés
de um ciclo sem fim de trabalho e compras, a vida em um futuro socialista
de baixo-carbono seria orientada em torno de atividades que tornam a vida
bela e completa mas requerem um consumo de recursos menos intensivo:
ler livros, ensinar, aprender, fazer música, ver espetáculos, dançar, praticar
esportes, ir ao parque, fazer caminhadas, gastar tempo com os outros.
Uma robusta provisão de bens públicos torna possível aproveitar
luxúrias comunais enquanto formas de consumo privado de desperdício
decrescente. Isso significa moradia pública acessível para todos; sistemas
de transporte extensivos e gratuitos tanto dentro como entre cidades para
que as pessoas possam andar por aí sem possuir um carro; parques e jardins
espaçosos que ofereçam uma pausa da vida diária; suporte para artes e
cultura de uma variedade de formas; e espaços abundantes para educação
pública e de uso recreativo, como bibliotecas, quadras de basquete e teatros.
As cidades são muitas vezes vendidas como uma parte chave de futuros
verdes por conta de sua densidade eficiente em energia. Mas cidades verdes
requerem mais do que apenas planejamento urbano e altos edifícios. O
Socialismo precisa reclamar a cidade como um espaço para de luta e
solidariedade na busca de necessidades e desejos – providenciar recursos
públicos como uma maneira de emancipar e ajudar a florescer, e insistir em
espaços públicos como lugares de beleza e prazer.

Os capitalistas prometem que a tecnologia vai nos salvar dos


problemas ambientais. Soluções tecnológicas não são uma panaceia, mas
também não podemos renunciar à tecnologia e deixá-la apenas para
capitalistas de risco: projetos socialistas utópicos têm há muito tempo
imaginado um mundo melhor construído da combinação de habilidades de
humanos, natureza e tecnologia. E uma variedade de tecnologias atuais,
desde fontes de energia limpa até biotecnologia, prometem ser parte de um
futuro mais sustentável. Mas enquanto elas forem controladas de forma
privada, produzidas apenas quando lucráveis, e acessíveis apenas para
aqueles que podem pagar, seu potencial será explorado apenas como servir
aos capitalistas. Uma sociedade socialista daria suporte a pesquisas sobre
problemas cujas soluções não são lucráveis e garantir que as tecnologias
resultantes fossem usadas para benefício público.

Energia [68], em particular, é de central importância – o uso de


energia responde por metade de todas as emissões de carbono e subjaz a
vida moderna em cada ponto. Tecnologias de energia renovável, e energia
solar em particular, prometem fontes abundantes de energia limpa. Mas
enquanto a energia solar é frequentemente vendida como inerentemente de
pequena-escala e democrática, companhias privadas estão também
montando usinas solares gigantes, se posicionando como o conduíte para
um futuro de energia limpa. Enquanto isso, a desregulação e privatização de
empresas de energia elétrica na era Neoliberal tem aleijado a habilidade
pública de construir a nova infraestrutura interconectada que tornaria
possível uma transição maior para uma energia-limpa. Uma sociedade
socialista poderia escolher quais fontes de energia usar e quão rápido uma
transição deveria ocorrer a partir do conhecimento sobre os benefícios
ambientais, de saúde e as necessidades sociais, ao invés de margens de
lucro. Nós poderíamos produzir energia limpa em larga escala e construir a
infraestrutura necessária para torná-la disponível e acessível a todos.

Ao mesmo tempo, novas tecnologias não se constituem em progresso


por si mesmas, apesar das falas autocongratulatórias das companhias de
tecnologia. Novos equipamentos eletrônicos médicos, por exemplo, nem
sempre se traduzem em melhores cuidados; iPads não se traduzem em
melhor educação – de fato, o oposto é muito frequentemente o caso. Uma
sociedade socialista tomaria decisões sobre produção e implementação de
novas tecnologias baseada em objetivos escolhidos democraticamente, ao
invés de produzir e consumir de maneira desperdiçadora para garantir a
lucratividade de várias indústrias. Nós poderíamos garantir que todos
tivessem acesso a eletricidade limpa e barata, por exemplo, antes de devotar
recursos para fazer brinquedos eletrônicos para os ricos.

Ainda haveriam atividades extrativistas, usinas de energia de larga-


escala e fábricas industriais em um socialismo sustentável. Algumas dessas
serão desagradáveis de se ver; algumas vão gerar distúrbios em
ecossistemas locais. Mas ao invés de despejar os danos da produção
moderna sobre as pessoas com menos poder para resistir a eles – tais como
trabalhadores, comunidades negras e indígenas – nós faremos decisões
conscientes sobre quais danos nós vamos aceitar e onde e como eles vão se
materializar, priorizando as perspectivas e necessidades daqueles que tem
sofrido a tempo demais por eles. Nós poderíamos tratar paisagens de
trabalho como mais do que áreas destruídas e reconhecer que a presença de
maquinaria e indústria não precisam significar devastação. Poderíamos
pagar os custos de minimizar o dano ambiental ao invés de pegar atalhos
para derrotar os competidores.

O Capitalismo começou através do fechamento de recursos públicos e


comunais para benefício privado e despossuindo seus antigos usuários. A
propriedade coletiva dos meios de produção deveria incluir a propriedade
coletiva da terra, dos oceanos e da atmosfera. Isso significaria não apenas
compartilhar os recursos que esses espaços geram, mas decidir juntos como
eles deveriam ser usados. Uma sociedade socialista poderia usar o
conhecimento científico sobre a capacidade ecológica para administrar e
regular o uso daqueles espaços ao invés de ceder aos caprichos da indústria:
nós escutaríamos os 98% de cientistas que dizem que a mudança climática
antropogênica está acontecendo, por exemplo, ao invés das mentiras de
lobistas das companhias de combustíveis fósseis.

Sob o Socialismo, nós tomaríamos decisões sobre o uso de


recursos democraticamente, em relação a necessidades e valores
humanos ao invés de maximizar o lucro. Um socialismo ecologicamente
sustentável [69] não é sobre preservar um conceito idealizado de uma
natureza primitiva e intocada. É sobre escolher o mundo que fazemos e em
que vivemos, e sobre reconhecer que compartilhamos esse mundo com
outras espécies além dos humanos. Um mundo em que se possa viver é um
mundo em que todo mundo possa ter uma boa vida, ao invés de apenas se
virar para se sustentar.
Esse mundo vai precisar de florestas tanto quanto de fábricas,
refúgios selvagens tanto quando de cidades. Nós buscaremos prover as
pessoas de bons trabalhos, mas também trabalharemos menos; nós
pensaremos sobre quais trabalhos realmente precisam serem feitos ao invés
de criar trabalhos apenas para manter pessoas empregadas. Nós
escolheremos manter alguns espaços livres de uso humano óbvio, e proteger
espaços para a vida selvagem enquanto também tornando possível para as
pessoas escapar da vida na cidade para gastar algum tempo em
Ecossistemas restaurados. Nós teremos como alvo produzir o bastante para
que todo mundo tenha vidas ricas e completas, ao invés de esperar pela
remota possibilidade de acumular riquezas privadas. Com nossas
necessidades satisfeitas, poderemos realizar nosso potencial humano no
contexto de relações sociais sem pressa com outros humanos e outras
espécies, com o bastante para todos e tempo para o que quisermos.
OS SOCIALISTAS SÃO
PACIFISTAS? ALGUMAS
GUERRAS NÃO SÃO
JUSTIFICADAS?
Socialistas querem erradicar a guerra por que ela é brutal e
irracional. Mas nós pensamos que existe uma diferença entre a
violência dos oprimidos e a dos opressores.

ABCs do Socialismo – Parte 11

por Jonah Birch, na Revista Jacobin, abril de 2016

Jonah Birch é estudante de graduação em Sociologia na Universidade de


New York e editor colaborador da Jacobin.
Em junho de 1918, Eugene Debs fez um discurso que o colocaria na
prisão. Falando em Canton, Ohio, o líder do Partido Socialista denunciou o
presidente Woodrow Wilson e a Primeira Guerra Mundial para a qual ele
guiou os Estados Unidos.

Para Debs, a matança em massa que havia assolado toda a Europa por
quatro anos sangrentos era um conflito travado em nome dos interesses dos
capitalistas, mas combatido por trabalhadores. Em cada país era o rico
quem havia declarado guerra e se mantinha lucrando à partir dela; mas eram
os pobres quem eram enviados para lutar e morrer aos milhões.

Isso, Debs disse à sua audiência, era como sempre foi, enquanto
exércitos têm sido enviados para batalharem uns aos outros em nome de
reis ou países. “As Guerras através da história têm sido travadas para
conquista e pilhagem,” ele disse. “A classe dominante tem sempre
declarado as guerras; a classe dominada tem sempre lutado as batalhas. A
classe dominante tem tido tudo a ganhar e nada a perder, enquanto a classe
dominada tem tido nada a ganhar e tudo a perder – especialmente suas
vidas.”

A mensagem de Debs aos trabalhadores era simples: seu inimigo não


eram as pessoas da Alemanha, os soldados da classe trabalhadora que
estavam sendo embarcados para assassinar; eram os dominadores, em
ambos os lados, que ordenaram suas tropas rumo a batalha. Eram os
capitalistas e seus representantes nos governos Estadunidense e Alemão,
cuja riqueza e poder lhes deu controle sobre os destinos de milhões.

O discurso de Debs foi demais para as autoridades nos Estados


Unidos – eles os prenderam sob uma nova lei de restrição da liberdade de
expressão, o Ato de Espionagem de 1917, e o sentenciaram a dez anos de
prisão. Notavelmente, nas eleições de 1920, Debs concorreu para presidente
na cédula socialista enquanto permanecia em uma penitenciária federal em
Atlanta, e ainda conseguiu conquistar quase 1 milhão de votos.

TORNANDO O MUNDO SEGURO PARA O CAPITALISMO

No exemplo de Debs, podemos ver as principais ideias que têm


sustentado a abordagem do movimento socialista para a questão da guerra.
Socialistas têm sempre visto a propensão do Capitalismo para guerras de
conquista e pilhagem como a expressão definitiva da brutalidade do
sistema. Na organização da violência de Estado em uma escala sem
precedentes, nós vemos a tendência do Capitalismo de subordinar as
necessidades humanas à lógica do lucro e do poder. No intervalo entre a
promessa de igualdade democrática e a realidade da opressão de classe que
a guerra expressa, vemos a injustiça fundamental que define nossa ordem
social.

Sob o Capitalismo, a exploração ocorre na maior parte do tempo


através do mercado. É a relação contratual ostensivamente não-coercitiva
entre trabalhadores e empregadores que mascara as desigualdades de classe
mais profundas subjacentes. Mas o poder de fazer a guerra dos Estados
Capitalistas ainda é essencial para o funcionamento saudável do sistema.
Capitalistas em países como Estados Unidos ainda dependem dos militares
de seus próprios governos, tanto para fazer cumprir “as regras do jogo” na
Economia Global e para ajudá-los a competir mais eficientemente contra
outras Classes dirigentes.

Contra esse estado de coisas, os socialistas apoiam a organização de


movimentos de massa contra as guerras travadas por nosso governo [70].
Nós participamos [71] na luta contra restrições à liberdade de expressão e
outros direitos democráticos que inevitavelmente acompanham essas
guerras. Contra os chamados por “unidade nacional”, nós lutamos por
solidariedade internacional e organização de classe mais forte para lutar
pelos interesses dos trabalhadores. No longo prazo, esperamos traduzir estes
movimentos em uma luta mais ampla por uma transformação radical da
Sociedade ao longo de linhas democráticas.
Em nenhum lugar essa abordagem é mais importante do que nos
Estados Unidos [72] – o mais poderoso país capitalista do mundo. Hoje, os
EUA gastam mais com seus militares do que os próximos 7 países que mais
gastam nisso combinados. Nosso governo tem cerca de 800 bases militares
no estrangeiro. Soldados estadunidenses ou tropas aliadas estão presentes
em cada região do globo.

No último século e meio, o Estado Estadunidense tem travado guerras


brutais em nome de um império crescente, desde a guerra hispano-
americana de 1898 até as recentes invasões do Afeganistão e Iraque.
Interveio de novo e de novo na África, Ásia, América Latina para proteger
os interesses dos negócios e chutar os movimentos que pudessem ameaçar
seu controle sobre recursos-chave ou minar a estabilidade do sistema global
capitalista.

Frequentemente estas aventuras foram descritas como sendo


necessárias para trazer liberdade e democracia para países oprimidos, ou
para proteger cidadãos estadunidenses do perigo. O registro histórico,
entretanto, conta uma história diferente.

Mesmo na época da Guerra Hispano-Americana de 1898, considerada


por muitos como sendo a alvorada do imperialismo estadunidense moderno,
o governo estadunidense estava invadindo Cuba, Porto Rico e as Filipinas
em nome da libertação de seus povos do jugo do colonialismo espanhol.
Quando, depois da vitória ter sido assegurada, Washington decidiu fazer
daqueles três territórios protetorados estadunidenses (ou, no caso de Porto
Rico, uma colônia por completo), eles garantiram que tinham apenas as
intenções mais benevolentes. E quando os residentes desses países levaram
essas promessas de liberdade e democracia muito literalmente, os Estados
Unidos decidiram que não tinham escolha além de esmagar as lutas por
independência que emergiram. Nas Filipinas, uma insurreição nacionalista
que irrompeu em 1899 foi suprimida às custas de várias centenas de
milhares de vidas filipinas.

Em cada guerra entre aquela época e agora o padrão tem sido o


mesmo. O governo estadunidense entrou na Primeira Guerra Mundial em
1917 (depois que Wilson venceu as eleições de 1916 na base de suas
promessas antiguerra) para “tornar o mundo seguro para a democracia,”
enquanto enviava Marines por toda a América Latina na defesa dos
interesses econômicos e políticos do Capital. Lutou a Segunda Guerra
Mundial para “livrar o mundo da tirania,” mas gastou os anos do pós-guerra
manipulando eleições na Itália, patrocinando uma perversa guerra civil na
Grécia e escorando o xá do Irã. Enviou milhões para o túmulo na Coréia e
no Sudeste Asiático para “salvar” as pessoas de lá do Comunismo,
enquanto instalava ditaduras brutais tanto no Vietnã do Sul quanto na
Coreia do Sul. Enquanto isso, os decisores políticos dos EUA secretamente
organizaram a derrubada de governos populares e democráticos por todo o
mundo – desde Mohammad Mosaddegh no Irã, passando por Patrice
Lumumba no Congo e Salvador Allende no Chile.

Para justificar estas campanhas, os oficiais estadunidenses têm muitas


vezes recorrido ao perverso racismo. O General William Westmoreland uma
vez justificou a brutalidade das forças que ele liderava no Vietnã dizendo
que “os orientais não colocam o mesmo valor na vida como faz um
ocidental… Nós valorizamos a vida e a dignidade humana. Eles não se
importam com a vida e a dignidade humana.”
A cada turno o governo estadunidense tem mostrado [73] seu
compromisso com a democracia e a liberdade no estrangeiro como sendo
tão superficial quanto o seu compromisso com a igualdade em casa. Vez
após outra, tem provado que seu temor pelo controle democrático sobre os
recursos do mundo corre mais fundo que sua retórica pró-Democracia.
Como Henry Kissinger, que serviu como um consultor em políticas
estrangeiras a três presidentes, disse dos esforços da administração de
Nixon para tombar o governo socialista eleito no Chile, “não vejo por que
nós devemos ficar parados e assistir um país se tornar comunista por causa
da irresponsabilidade de seu próprio povo.” O mesmo se deu nos anos 80
nas tentativas de minar os governos esquerdistas na pequena Nicarágua e na
menor ainda Granada.

Mais recentemente, esse padrão tem se repetido no Oriente Médio –


agora o campo de batalha central para os EUA e seus competidores
imperiais, por causa de seu papel como o centro da produção global de
petróleo.

Se as guerras no Iraque e no Afeganistão foram inicialmente


justificadas como necessárias para defender vidas estadunidenses, destruir a
Al-Qaeda, e erradicar o terrorismo, elas não atingiram nenhum desses
objetivos. Nem resultaram em governos democráticos em nenhum desses
países. Ao contrário, as centenas de milhares de vidas perdidas nestas
guerras apenas desestabilizaram a região e intensificaram as divisões
sectárias. Ao invés de dar suporte a movimentos democráticos, os EUA têm
apoiado regimes ditatoriais no Egito e no Bahrein, e ajudado a fortalecer as
monarquias mais cruéis e reacionárias na Arábia Saudita e nos Emirados
Árabes Unidos.
Os Estados Unidos têm também permitido a Israel escalar sua
violência diária (com assaltos semirregulares de matança em massa em
Gaza), ocupação e expansão de assentamentos às custas de palestinos. E
têm assistido enquanto os lados em enfrentamento na guerra civil síria têm
dirigido um massacre que afogou as lutas sírias por democracia no sangue
de centenas de milhares de seus cidadãos.

Dados o escopo e a escala da violência imperial estadunidense, é


crucial que os socialistas nos Estados Unidos se opunham às intervenções
militares de seu governo. Tal posição é necessária para qualquer
solidariedade genuína da classe trabalhadora. Toda vez que o governo dos
EUA explode uma festa de casamento afegã ou ajuda a proteger um
esquadrão da morte no Iraque; toda vez que ele envia alguém para
apodrecer em uma prisão no Afeganistão ou na Baía de Guantánamo; toda
vez que ele permite que a CIA torture um prisioneiro; torna a solidariedade
de classe através das fronteiras mais remota.

Por que trabalhadores em outros países deveriam se aliar àqueles nos


EUA, em nome de quem eles são bombardeados e ocupados? Na medida
em que estadunidenses compram o nacionalismo que inevitavelmente segue
as maquinações estrangeiras de seu governo, tornam a emergência de um
movimento de classe contra a opressão e a exploração impossíveis.

Enquanto isso, a posição dos trabalhadores estadunidenses apenas se


deteriora mais. Quando centenas de bilhões de dólares são gastos atacando
países ao redor do globo, não estão disponíveis para programas de Bem-
Estar Social que poderiam ajudar aqueles em casa. O desperdício de sangue
e recursos, o racismo, e os levantes reacionários que acompanham as
guerras no estrangeiro ricocheteiam para detrimento dos trabalhadores nos
EUA. Em um tempo em que milhões de estadunidenses estão sofrendo com
o desemprego e a pobreza, os mais de $2 trilhões gastos na invasão e
ocupação do Iraque parecem cada vez mais obscenos.

Tudo isso significa que o movimento trabalhista estadunidense tem


um incentivo material para se opor os desejos de guerra de seu próprio
governo. É por esta razão que os socialistas pensam que um movimento
internacional da classe trabalhadora contra a guerra e o imperialismo não é
apenas necessário, mas também possível.

O INIMIGO EM CASA

Entretanto, se socialistas em um país como os EUA se opõem às


guerras travadas por seus governos, não significa que eles são pacifistas. –
ou seja, que eles se opõem a todas as guerras ou tem uma posição baseada
em princípios contra qualquer tipo de violência. A questão é quem está
travando a guerra e em nome de quais interesses e políticas.

Como o teórico militar do século XIX Carl von Clausewitz disse,


“Guerra é a continuação da política por outros meios.” Clausewitz queria
dizer que para entender o caráter de uma dada guerra, você tem de entender
quem estava lutando e por quais propósitos. É claro, Clausewitz, um
general prussiano nas guerras napoleônicas, não era bem um radical de
Esquerda, mas seu ponto básico é um importante para os socialistas
compreenderem.
O movimento socialista quer erradicar a guerra por que ela é
brutal e irracional – um desperdício de vida humana e recursos sociais
que produz uma devastação enorme. Mas em um mundo cheio de
exploração e opressão, é preciso diferenciar entre a violência daqueles
lutando para manter a injustiça e aqueles lutando contra a injustiça.

Uma pessoa não pode, por exemplo, misturar a violência do apartheid


sul-africano com aquela dos elementos armados do Congresso Nacional
Africano de Nelson Mandela. O mesmo vale para a violência dos militares
estadunidenses na Guerra do Vietnã – uma guerra que eventualmente matou
3.5 milhões de pessoas – e aquela da Frente de Libertação Nacional
Vietnamita, que lutou para libertar o Vietnã da dominação estadunidense e
francesa.

Para o movimento socialista, a máxima de Clausewitz aponta para a


necessidade de pesar qualquer guerra na base dos interesses a que ela serve.
Não é coincidência que socialistas como Marx e Engels apoiaram a União
na Guerra Civil estadunidense, reconhecendo que apesar da fala de Lincoln
de que sua intenção era reunir o país sem acabar com a escravidão, uma
guerra [74] contra os Confederados se tornaria necessariamente uma guerra
contra a classe dos proprietários das plantations [75]. De fato, como Lincoln
– que nos anos 1840 se opôs à Guerra Mexicana-Estadunidense por que a
via como um esforço para expandir a escravidão para novos territórios –
veio a reconhecer, o Norte só poderia ter sucesso mobilizando os escravos
em uma batalha por sua própria liberdade.
Nada disso é para sugerir que os Socialistas possuem uma abordagem
puramente instrumental para com a violência – que nós pensamos, como tão
comumente afirmam, que “os fins justificam os meios.” Em nossos esforços
para atingir o tipo de mudança que procuramos, a violência só pode minar a
nossa causa no longo prazo; nós nunca podemos esperar igualar a
capacidade para a violência do Estado Capitalista, e nosso movimento
somente será enfraquecido enquanto a luta pelo Socialismo for
transformada de um conflito social e político em um militar.

Também não apoiamos necessariamente governos apenas por que


acontece deles estarem em conflito com o nosso: não perdoamos a violência
imperial, por exemplo, da Rússia e da China apenas por que eles estão
ocasionalmente discordando dos nossos próprios dominadores.

Mais fundamentalmente, é importante deixar claro que nosso suporte


por grupos lutando contra sua opressão, nas mãos do governo dos EUA ou
de qualquer outro, não significa que seremos sempre acríticos com essas
forças. Alguém precisa apenas olhar para os níveis crescentes de
desigualdade e a penetração cada vez maior do Capitalismo Global na
África do Sul desde a queda do Apartheid, ou no Vietnã desde a libertação,
para ver que mesmo lutas vitoriosas não precisam produzir um resultado
realmente justo. De fato, enquanto expressam solidariedade com
movimentos desafiando a opressão, os socialistas precisam estar dispostos a
criticar aqueles que travam estas lutas, sempre que necessário – seja esta
crítica feita em termos políticos, estratégicos ou mesmo morais.

Mas também não tratamos todos os lados em um conflito particular


como se eles fossem o mesmo. Acima de tudo, nós nos opomos ao papel de
nosso próprio governo na propagação de guerras, ou na expansão de sua
influência militar e política, às custas das classes trabalhadoras do mundo.
Como o revolucionário alemão Karl Liebknecht colocou em seu discurso
durante a Primeira Guerra Mundial, nós entendemos que “o principal
inimigo está em casa.”

Sobre esta base, nós esperamos forjar um movimento internacional


que possa não apenas desafiar uma intervenção imperial específica, mas que
possa representar uma ameaça às próprias fundações de um sistema que cria
guerra e violência de massa numa escala sem-precedentes na História.

ALÉM DO IMPERIALISMO

Hoje, a Esquerda é fraca demais para atingir esse objetivo. Nos


Estados Unidos, o movimento trabalhista carece de capacidade para
atividade sustentada contra a guerra. Mas o que o exemplo de Eugene Debs
nos mostra é que existe uma longa história de oposição radical ao
imperialismo [76] da qual nós podemos tirar esperança e inspiração.

A tradição anti-imperialista de Esquerda sobreviveu depois que o


próprio Debs morreu. Se ela perdeu força durante os anos de Guerra Fria de
repressão macartista após a Segunda Guerra Mundial, ela reviveu durante
os anos 60 e 70. Figuras como Martin Luther King Jr. se tornaram vozes
cada vez mais críticas da Guerra do Vietnã. Mesmo que ele seja
frequentemente pintado como um moralista anódino, um precursor para o
liberalismo multicultural, King foi na verdade um visionário cuja política se
tornou cada vez mais radical em conjunto com o movimento que ele
liderava. Nada expressava melhor esse radicalismo crescente do que sua
decisão de se opor publicamente à Guerra do Vietnã – um movimento que
mesmo seus conselheiros mais próximos recomendaram que ele não fizesse
por causa de suas potenciais consequências políticas.

Ignorando seus conselhos, em 4 de abril de 1967, exatamente um ano


antes de seu assassinato, King proferiu o discurso mais controverso de sua
carreira. Falando para a Igreja Riverside de Nova Iorque, ele se abriu contra
a Guerra do Vietnã e cobrou a administração de Johnson para que parasse
sua campanha de bombardeio sem precedentes e iniciasse a retirada de meio
milhão de tropas estadunidenses do Sudeste Asiático.

Denunciando a “loucura” da política da administração Democrata,


King se focou na incrível brutalidade que as pessoas comuns no Vietnã
encaravam nas mãos dos militares estadunidenses. “Eles devem ver os
estadunidenses como estranhos libertadores,” ele concluiu, quando essa
suposta libertação envolvia apoiar governos corruptos e antidemocráticos,
destruir vilas inteiras, desflorestar o interior com napalm e Agente Laranja,
e matar mulheres, crianças e idosos.

Uma estimativa conservadora das mortes civis geradas pela


guerra é de 2 milhões, apenas entre Sul-Vietnamitas, de uma população
de 19 milhões. Uma taxa análoga de baixas civis nos Estados Unidos
hoje seria próxima de 33 milhões.

E sobre os soldados estadunidenses, na maioria esmagadora das vezes


jovens tirados de comunidades rurais indigentes e guetos urbanos
segregados? Notando o número desproporcional de afro-estadunidenses que
haviam sido enviados para matar e morrer nos pântanos do Vietnã, King
castigava a administração por “tirar os jovens negros que tinham sido
acorrentados pela nossa sociedade e os enviar 8000 milhas para longe, para
garantir liberdades no Sudeste Asiático que eles não haviam encontrado em
Georgia ou no Harlem Leste.

King apontou que as esperanças de um esforço real para combater a


pobreza nos EUA que haviam sido inspiradas pelo programa da “Grande
Sociedade” de Johnson haviam sido destruídas pela escalada no Vietnã.
Uma campanha genuína para erradicar a pobreza em casa seria impossível,
ele havia concluído, “enquanto as aventuras como no Vietnã continuarem a
sugar homens e talentos e dinheiro como um demoníaco tubo de sucção de
destruição.”

Dado tudo isso, King disse que não poderia mais ficar em silêncio,
apesar da forte pressão de seus supostos aliados na administração Johnson
para evitar a crítica pública da política do governo para o Vietnã.
Comparando a escala incrível de violência no Vietnã com a relativamente
pequena destruição causada por uma série de revoltas que estouraram em
muitas cidades grandes dos EUA – que haviam causado muita gritaria na
mídia sobre a ameaça representada por “extremistas negros” – King
descreveu sua percepção de “que eu não poderia nunca mais levantar minha
voz contra a violência dos oprimidos nos guetos sem ter primeiro falado
claramente do maior fornecedor de violência no mundo hoje: meu próprio
governo.” Alguns dias depois, ele marchou em um protesto de massa contra
a guerra no Central Park em Nova Iorque.
O discurso de King, conhecido pela posteridade como “Além do
Vietnã,” fez com que ele ganhasse a ira mesmo de figuras antes
simpatizantes no establishment progressista. Ele foi desconvidado de uma
visita planejada com Johnson na Casa Branca. Um dos conselheiros do
presidente escreveu privadamente que King havia “feito sua jogada com os
‘comunas’” [77]. Enquanto isso, ele foi atacado em editoriais que
apareceram no dia seguinte em 168 jornais de maior circulação. O New
York Times escreveu que sua denúncia da guerra era “um desperdício e
autodestrutiva.” O Washington Post fez ainda melhor, dizendo que King
“diminuiu sua utilidade para sua causa, seu país e seu povo.”

O que King veio a entender [78] foi que o racismo e a desigualdade


dentro do país, e a guerra no exterior, estavam interligados. Este
reconhecimento o colocou em desacordo com seus antigos apoiadores
progressistas, cujas vontades de desafiar o status quo acabaram – como é
tão comum para o establishment progressista – quando a posição dos EUA
como o maior poder imperial mundial entrou em questão.
Assim, ao confrontar estas questões e desafiar seus antigos amigos,
King estava lidando com um conjunto de problemas que qualquer
movimento social de massa que faça sérios avanços nos EUA vai ter de
encarar, uma hora ou outra: você não pode falar sobre mudança social em
seu país enquanto ignora a carnificina gerada pela política externa
estadunidense. Para a Esquerda dos EUA, e especialmente qualquer futuro
movimento socialista por aqui, essa é uma lição a ser aprendida.
POR QUE OS SOCIALISTAS
FALAM TANTO SOBRE
TRABALHADORES?
Os trabalhadores estão no coração do sistema capitalista. E é por
isso que eles estão no centro da política socialista.

ABCs do Socialismo – Parte 12

por Vivek Chibber, na Revista Jacobin, abril de 2016

Vivek Chibber é professor de Sociologia na Universidade de New York. Seu


livro mais recente é ‘Postcolonial Theory and the Specter of Capital’.
A maioria das pessoas sabe que os socialistas colocam a classe
trabalhadora no centro de sua visão política. Mas por quê, exatamente?
Quando faço essa pergunta a estudantes ou mesmo para ativistas, recebo
toda uma variedade de respostas, mas a mais comum é sobre moral –
socialistas acreditam que os trabalhadores sofrem demais sob o
Capitalismo, fazendo seus apuros a questão mais importante para se focar.

Agora é verdade, claro, que os trabalhadores encaram todo tipo de


indignidades e privação material, e qualquer movimento por justiça social
tem de tomar isso como uma questão central. Mas se isso é tudo, se esta é a
única razão para que devamos nos focar em classes, o argumento
desmorona muito facilmente. Afinal, há muitos grupos que sofrem
indignidades e injustiças – minorias raciais, mulheres e pessoas com
deficiência. Por que falar separadamente de trabalhadores? Por que não
dizer apenas que todos os grupos marginais e oprimidos tem de estar no
coração da estratégia socialista?

Ainda existe mais sobre por que se focar nas classes do que apenas o
argumento moral. A razão para que os socialistas acreditem que a
organização de classe tem de estar no centro de uma estratégia política
viável [79] tem também a ver com dois fatores práticos: um diagnóstico de
quais são as fontes de injustiças na Sociedade moderna, e um prognóstico
de quais são as melhores alavancas para mudança numa direção mais
progressista.

O CAPITALISMO NÃO VAI DAR CONTA

Existem muitas coisas de que as pessoas precisam para terem vidas


decentes. Mas dois itens são absolutamente essenciais. O primeiro é alguma
garantia de segurança material – coisas como ter uma renda, moradia, e
cuidados de saúde básicos. O segundo é ser livre de dominação social – se
você está sob o controle de outra pessoa, se eles fazem muitas das decisões
principais por você, então você está constantemente vulnerável ao abuso.
Assim, em uma sociedade em que a maioria das pessoas não tem segurança
no emprego, ou tem empregos mas não conseguem pagar suas contas, em
que elas têm de se submeter ao controle de outras pessoas, em que elas não
tem uma voz em como as leis e regulações são feitas – é impossível atingir
justiça social.
O Capitalismo é um sistema econômico que depende da privação da
vasta maioria das pessoas dessas precondições essenciais para uma vida
decente. Os trabalhadores aparecem para trabalhar todos os dias sabendo
que eles têm pouca segurança no emprego; que eles são pagos o que os
empregadores sentem que é consistente com a sua prioridade principal, que
é conseguir lucros, não o bem-estar de seus empregados; eles trabalham em
um ritmo e duração que é definido pelos seus chefes; e eles se submetem a
estas condições, não por que eles queiram, mas por que para a maioria deles
a alternativa a aceitá-las seria simplesmente não ter emprego algum. Este
não é um aspecto casual ou marginal do Capitalismo. É a característica
definidora do sistema.

O poder econômico e político está nas mãos dos capitalistas, cujo


único objetivo é maximizar os lucros, o que significa que a condição dos
trabalhadores é, na melhor das hipóteses, uma preocupação secundária para
eles. E isso significa que o sistema é, em seu próprio núcleo, injusto.

SEGURANDO A ALAVANCA

Segue que o primeiro passo para tornar a nossa sociedade mais


humana e justa é reduzir a insegurança e a privação material nas vidas de
tantas pessoas, e aumentar o escopo para a autodeterminação. Mas nós
imediatamente damos de cara com um problema – a resistência política das
elites.
O poder não é distribuído igualmente no Capitalismo. Capitalistas
decidem quem é contratado e despedido, e quem trabalha e por quanto
tempo, não trabalhadores. Capitalistas também possuem o maior poder
político, por que eles podem fazer coisas como lobby, financiar campanhas
políticas, e dar suporte financeiro para partidos políticos. E como eles são
os que se beneficiam do sistema, porque eles encorajariam mudanças nele,
mudanças que inevitavelmente significam uma diminuição em seu poder e
seu balanço financeiro? A resposta é que eles não encaram desafios
gentilmente, e eles fazem o seu melhor para manter o status quo.

Movimentos por reformas progressistas têm descoberto, vez após


outra, que sempre que eles tentam pressionar por mudanças na direção de
justiça, acabam indo de encontro ao poder do Capital. Quaisquer reformas
que requeiram uma redistribuição de renda, ou que venham do governo
como uma medida social – seja em cuidados de saúde, regulações
ambientais, salários mínimos ou programas de emprego – são
rotineiramente opostos pelos ricos, por que quaisquer medidas dessas
inevitavelmente significam uma redução em sua renda (na forma de
impostos) ou em seus lucros. O que isso significa é que esforços por
reformas progressistas precisam encontrar uma fonte de alavancagem, uma
fonte de poder que possibilitará a eles superar a resistência da classe
capitalista e seus serviçais políticos.

A classe trabalhadora tem esse poder, por uma razão simples – os


capitalistas só podem obter lucro se os trabalhadores aparecerem para
trabalhar todos os dias, e se eles se recusam a colaborar, os lucros secam da
noite para o dia. E se tem uma coisa que capta a atenção dos empregadores,
é quando o dinheiro deixa de fluir.
Ações como greves não tem apenas o potencial de colocar capitalistas
específicos de joelhos, elas podem ter um impacto muito além, em camada
após camada de outras instituições que diretamente ou indiretamente
dependem deles – incluindo o governo. Esta habilidade de quebrar o
sistema inteiro, apenas por se recusar a trabalhar, dá aos trabalhadores um
tipo de alavanca que nenhum outro grupo na sociedade possui, exceto os
próprios capitalistas. É por isso que, se mudanças sociais progressistas
requerem superar a oposição capitalista – e nós já aprendemos por três
séculos que elas requerem – então é de importância central organizar os
trabalhadores para que eles possam usar esse poder.

Os trabalhadores [80] são, portanto, não apenas um grupo social


que é sistematicamente oprimido e explorado na sociedade moderna,
eles são também o grupo que está melhor posicionado para gerar
mudanças reais e extrair concessões do maior centro de poder – os
banqueiros e industriais que controlam o sistema. Eles são o grupo que
entra em contato com os capitalistas todos os dias e que estão presos em um
conflito eterno com eles como parte de sua própria existência. Eles são o
único grupo que precisa enfrentar o Capital se quiserem melhorar de vida.
Não há uma força mais lógica para se organizar um movimento em torno.

E isso não é apenas uma teoria. Se olharmos de volta para as


condições em que reformas de longo alcance têm sido passadas nos últimos
cem anos, reformas que melhoraram as condições materiais dos pobres, ou
que deram a eles mais direitos contra o mercado – elas foram
invariavelmente baseadas na mobilização da classe trabalhadora. Isso é
verdade não apenas sobre as medidas independentes de cor [81] do Estado
de Bem-Estar Social, mas mesmo sobre fenômenos como os direitos civis e
a luta pelo voto.

Qualquer movimento que estende benefícios para os pobres, sejam


eles negros ou brancos, homens ou mulheres, teve que se basear em uma
mobilização das pessoas trabalhadoras. Isso foi tão verdade na Europa e no
Sul Global quanto nos Estados Unidos.

É este poder para extrair concessões reais do Capital que faz da


Classe Trabalhadora tão importante para a estratégia política. É claro, o fato
de que os trabalhadores também formam a maioria da população em cada
sociedade capitalista e que eles são sistematicamente explorados apenas
torna os seus apuros muito mais urgentes. Esta combinação de urgência
moral e força estratégica é o porquê da política socialista se basear na classe
trabalhadora.
[Nota de tradução: me parece fácil que o argumento nesse texto
sobre a centralidade da luta do movimento trabalhista para a estratégia
política seja interpretado como uma forma de tentar minimizar a
importância de outras lutas contra estruturas de poder, controle e
opressão como as lutas dos movimentos feministas, negros, lgbts, etc. Não
é essa a minha intenção publicando este texto no blog, e, no meu
entendimento, também não era a intenção do autor. Me parece que o
ponto do argumento era a questão da “alavanca” de pressão nas mãos
dos trabalhadores dentro da ordem capitalista, na possibilidade de parar a
produção – e como para conquistar concessões reais do sistema de poder
do Capital, mesmo para outras lutas, essa alavanca seria sempre central.
Inclusive, o mesmo especial da revista Jacobin que apresentou este texto
trazia dois artigos sobre as relações entre os movimentos socialista e
feminista, e socialista e antirracista que não me parecem sugerir um
desejo de minimizar essas outras lutas, muito pelo contrário].
O SOCIALISMO VAI SER
CHATO?
O Socialismo não é sobre induzir uma branda mediocridade. É
sobre libertar o potencial criativo de todos.

ABCs do Socialismo – Parte 13

por Danny Katch, na Revista Jacobin, julho de 2015

Danny Katch é colaborador do ‘Socialist Workerand’ e autor de ‘Socialism


... Seriously’.
O ano era 2081, e todos eram finalmente iguais. Eles não eram iguais
apenas diante de Deus e da lei. Eles eram iguais de todas as formas
possíveis. Ninguém era mais inteligente que os outros. Ninguém era mais
atraente que os outros. Ninguém era mais forte ou mais rápido que os
outros. Toda essa igualdade se devia à 211ª, 212ª e 213ª Emendas à
Constituição [82], e à incessante vigilância dos agentes de Compensação de
Desvantagens dos Estados Unidos [83].

Esta não é a minha versão de 2081, mas a de Kurt Vonnegut nas


primeiras linhas de “Harrison Bergeron” [84], um conto sobre um futuro em
que todos são o mesmo. Pessoas atraentes são forçadas a usar máscaras,
pessoas inteligentes usam fones nos ouvidos que regularmente distraem
seus pensamentos com barulhos altos, e assim por diante.
Como seria de se esperar com Vonnegut, existem alguns momentos
sombriamente hilários – como em uma performance de balé em que os
dançarinos são contidos com pesos nas pernas – mas diferente da maioria
de suas histórias, “Harrison Bergeron” é baseada em uma premissa
reacionária: a Igualdade só poderia ser alcançada reduzindo os mais
talentosos até as posições medíocres das massas.

O Socialismo tem sido frequentemente retratado na ficção científica


nesses termos de distopia cinzenta, que refletem a ambivalência que muitos
artistas sentem em relação ao Capitalismo. Artistas frequentemente sentem
repulsa pelos valores anti-humanos e pela cultura comercializada de sua
sociedade, mas eles também estão cientes de que possuem um status único
dentro dela que permite a eles expressar sua individualidade criativa –
contanto que isso venda [85]. Eles temem que o Socialismo os privaria
desse status e os reduziria ao nível de meros trabalhadores, por que eles são
incapazes de imaginar um mundo que valorize e encoraje a expressão
artística de todos os seus membros.

É claro que tem outra razão para que as sociedades socialistas sejam
imaginadas como sombrias e monótonas: a maioria das sociedades que se
denominaram socialistas eram sombrias e monótonas. Pouco depois das
revoluções no Leste Europeu que encerraram a dominação da União
Soviética, os Rolling Stones fizeram um show lendário em Praga, em que
eles foram saudados como heróis culturais [86].

O problema é que estamos falando de 1990, Mick e Keith já eram


quase cinquentões, e fazia anos desde seu hit mais recente, uma música
chamada “Harlem Shuffle” que era simplesmente horrível. Esqueça os
livros censurados e as proibições de manifestações. Se você quer entender
quão tediosa era a sociedade Stalinista, assista ao vídeo de “Harlem
Shuffle” e então pense em uma das cidades mais frias da Europa perdendo a
cabeça de alegria com a chance de ver aqueles caras.

Será que realmente importa se o Socialismo for chato? Talvez pareça


bobo, mesmo ofensivo, se preocupar com uma questão tão trivial
comparada aos horrores que o Capitalismo inflige o tempo todo. Pense nos
perigos de furacões e incêndios cada vez maiores causados por mudanças
climáticas, o trauma de perder seu lar ou seu emprego, ou a insegurança de
não saber se o homem sentado ao seu lado te vê como o alvo para um
encontro seguido de estupro. Nós gostamos de assistir filmes sobre o fim do
mundo ou sobre pessoas enfrentando adversidades, mas em nossas vidas
reais a maioria de nós prefere previsibilidade e rotina.

A preocupação de que o Socialismo possa ser tedioso pode parecer o


perfeito “problema de gente branca” ou “problema de primeiro mundo”,
como a Internet gosta de dizer. [87] Claro que seria legal sumir com a
pobreza, guerra e racismo..., ‘mas e se eu ficar entediado?’

Mas isso importa sim, claro, porque nós não queremos viver em uma
sociedade sem criatividade e excitação, e também por que se essas coisas
estão sendo sufocadas, então deve existir algum grupo ou classe no poder
fazendo o sufocamento – pensem eles ou não que isso seja para o nosso
próprio bem. Finalmente, se o Socialismo for banal e estático, nunca será
capaz de substituir o Capitalismo, que pode ser apropriadamente chamado
de muitos nomes desagradáveis, mas “tedioso” não é um deles.
O Capitalismo revolucionou o mundo muitas vezes nos últimos
duzentos anos e mudou como pensamos, nos parecemos, comunicamos e
trabalhamos. Apenas nas últimas décadas, este sistema se adaptou
rapidamente e efetivamente à onda global de protestos e greves nos anos 60
e 70: fábricas sindicalizadas foram fechadas e realocadas para outros cantos
do mundo; o papel declarado do governo passou de “ajudar as pessoas”
para “ajudar corporações a ajudar pessoas”; e finalmente todas essas
mudanças e outras foram vendidas para nós como se fossem pelo que
aqueles manifestantes estavam lutando o tempo todo – um mundo em que
cada homem, mulher, e criança seja nascido com direitos iguais de comprar
tantos smartphones e jeans rasgados de fábrica quanto eles queiram [88].

O Capitalismo pode se reinventar muito mais rápido que qualquer


ordem econômica anterior. “Conservação dos velhos modos de produção
em uma forma inalterada,” escreveram Marx e Engels no Manifesto
Comunista [89], é “a primeira condição de existência de todas as classes
industriais mais antigas. Constante revolução da produção, distúrbio
ininterrupto de todas as condições sociais, eterna incerteza e agitação
distinguem a época capitalista de todas as anteriores.” Enquanto sociedades
de classe do passado tentavam desesperadamente manter o Status Quo, o
Capitalismo prospera em derrubá-lo.

O resultado é um mundo em constante movimento. O distrito


industrial de ontem é a favela de hoje é o bairro hipster de amanhã. Tudo o
que é sólido se desmancha no ar. Essa é outra linha do Manifesto e também
o nome de um livro maravilhoso de Marshall Berman [90], que escreve que
viver no Capitalismo moderno é “se encontrar em um ambiente que nos
promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós
mesmos e do mundo – e ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.”

Ainda assim a maior parte das nossas vidas está longe da excitação.
Trabalhamos para chefes que querem que sejamos máquinas sem cérebro.
Mesmo quando uma nova invenção legal chega ao nosso ambiente de
trabalho, podemos contar com ela para uma hora dessas ser usada para nos
forçar a fazer mais trabalho em menos tempo, o que pode despertar as
paixões da administração, mas apenas encherá nossas vidas de mais labuta
sem sentido.

Fora do trabalho é a mesma história. Escolas veem seu papel primário


como “preparar para a carreira” [91], uma frase inofensiva que significa
preparar as crianças para lidar com as merdas do trabalho. Mesmo as
poucas horas que se supõem serem nossas são gastas na maioria lavando
roupas, cozinhando, limpando, checando lições de casa, e todas as tarefas
necessárias para nos prepararmos e às nossas famílias para o trabalho no dia
seguinte.
A maioria de nós apenas experimenta a excitação do Capitalismo
como algo acontecendo em outro lugar: novos gadgets para os ricos,
festas selvagens para celebridades, performances incríveis pra assistir
do nosso sofá. Por outro lado, pelo menos a maior parte disso é melhor que
“Harlem Shuffle”.

Pior ainda, quando nós conseguimos tocar diretamente essa excitação,


normalmente é por que estamos do lado de negócios dela. São os nossos
empregos sendo substituídos por aquele incrível novo robô, nosso aluguel
ficando caro demais depois que a bela torre de luxo foi construída do outro
lado da rua. Adicionando insulto à injúria, nos dizem que se reclamamos
estamos ficando no caminho do progresso.

O sacrifício de indivíduos em nome do progresso social é dito como


sendo um dos horrores do Socialismo, um mundo gerido por burocratas sem
rosto e supostamente agindo em nome do bem comum. Mas existem muitos
tomadores de decisões invisíveis e não-eleitos sob o Capitalismo, desde
agentes de seguro de saúde que não nos conhecem mas que podem
determinar se a nossa cirurgia é “necessária”, até fundações bancadas por
bilionários que declaram escolas que eles nunca visitaram como sendo
“fracassos” [92]

O Socialismo também envolve muito de mudanças, perturbação, e


mesmo caos; mas este caos, como Hal Draper pode ter dito, vem de baixo
[93]. Durante a Revolução Russa, o governo de Soviétes liderado pelos
Bolcheviques removeu o casamento do controle da igreja um mês depois de
tomar o poder, e permitiu casais se divorciarem ao pedido de qualquer dos
parceiros.
Estas leis mudaram dramaticamente as dinâmicas familiares e as
vidas das mulheres, como evidenciado por algumas das canções que se
tornaram populares em vilas russas.

“Tempo havia em que meu esposo punhos e força usaria.

Mas agora é tão carinhoso, pois teme que dele me divorciaria.

Não temo mais meu esposo. Se não pudermos cooperar,

Levarei meu caso à corte, e iremos nos separar.”

É claro, o divórcio pode ser tão doloroso quanto libertador.


Revoluções mostram tudo sob uma nova luz, dos nossos líderes aos nossos
amados, que pode ser excitante ou excruciante. “Eventos gigantes,”
escreveu Trotsky em um artigo de jornal de 1923, “desceram sobre a
família em sua velha forma, a Guerra e Revolução. E atrás deles veio
rastejando lentamente a toupeira subterrânea – o pensamento crítico, o
estudo consciente e a avaliação das relações familiares e das formas de
vida. Não espanta que este processo reaja na forma mais íntima e, assim,
mais dolorosa nos relacionamentos familiares.”

Em outro artigo, Trotsky descreveu a experiência diária na Rússia


Revolucionária como “o processo pelo qual a vida diária para as massas
trabalhadoras está sendo destruída e tornada nova.” Como o Capitalismo,
estes primeiros passos em direção ao Socialismo ofereceram tanto a
promessa de criação quanto a ameaça da destruição, mas com a diferença
crucial de que as pessoas sobre as quais Trotsky escrevia executavam um
papel ativo em determinar como seu mundo estava mudando.

Eles estavam longe de ter controle completo, especialmente sobre a


pobreza em massa e a falta de instrução que o Tsar e a Guerra Mundial
haviam relegados a eles. Mas mesmo nestas condições miseráveis, os anos
entre a Revolução de Outubro e a consolidação final do poder de Stalin
demonstraram a excitação de uma sociedade em que novas portas estão
abertas para as classes majoritárias pela primeira vez.

Houve uma explosão de arte e cultura. Pintores e escultores de ponta


decoraram as praças públicas das cidades russas com sua arte futurista. Que
fique registrado, Lenin odiava os futuristas, mas isso não impediu o
governo de bancar seu jornal, “A Arte da Comuna”. Balés e teatros foram
abertos para audiência de massa. Grupos culturais e comitês de
trabalhadores se juntaram para trazer arte e treinamento artístico para as
fábricas. O cineasta Sergei Eisenstein [94] ganhou renome internacional por
suas técnicas inovadoras em seus filmes descrevendo a Revolução Russa.

A tola premissa de “Harrison Bergeron” foi refutada. O Socialismo


não considerou os artistas talentosos como uma ameaça à “igualdade” ou
encontrou uma contradição entre apreciar artistas individuais e abrir as artes
previamente elitistas para as massas de trabalhadores e peões.

As possibilidades do Socialismo que o mundo vislumbrou na Rússia


por poucos anos não foi um experimento estéril controlado por uma porção
de teóricos, mas uma criação confusa e emocionante de dezenas de milhões
de pessoas se agrupando rumo a uma forma diferente de gerir uma
sociedade e de tratar uns aos outros, com todas as habilidades,
impedimentos, e neuroses que elas haviam adquirido vivendo sob o
Capitalismo, nas horríveis circunstâncias de um país pobre e rasgado pela
guerra. Eles erraram de todas as formas, mas também mostraram que o
Socialismo é uma possibilidade real, não um sonho utópico que não se
encaixa com as necessidades de seres humanos reais. E a Sociedade para
qual eles apontavam era um lugar onde Igualdade não significava baixar,
mas aumentar o nível cultural e intelectual geral da sociedade. Nos muitos
contos, filmes, e outras representações artísticas do Socialismo, há pouca
menção às taxas de divórcio subindo ou a debates acalorados sobre arte. A
maioria delas imagina uma sociedade sem conflito, o que as faz parecerem
tão horripilantes – incluindo as que pretendem promover o Socialismo.

Um problema similar existe dentro de muitos movimentos de protesto


hoje, em que alguns ativistas querem organizar movimentos e encontros em
torno de um modelo de consenso [94] , que significa que quase todos os
presentes têm de concordar em uma decisão para que ela passe. Consenso
pode às vezes ser um meio efetivo de construir confiança entre pessoas que
não se conhecem e que não confiam umas nas outras, especialmente por que
a maioria das pessoas nesta sociedade supostamente democrática não tem
praticamente nenhuma experiência de participação no processo democrático
de discussão, debate, e então um voto majoritário.

Quando organizadores veem consenso não como uma tática


temporária, mas como um modelo para como a sociedade deve ser gerida,
porém, há um problema. Eu quero viver em uma sociedade democrática
com conflitos e discussões, onde as pessoas não tenham medo de defender o
que acreditam e que não se sintam pressionadas a suavizar suas opiniões
para que, quando um acordo seja atingido, nós possamos fingir que todos
concordamos em primeiro lugar. Se sua defesa do Socialismo reside sobre a
ideia de que as pessoas deixarão de entrar em discussões ou mesmo de
ocasionalmente agir feito idiotas, você provavelmente deveria encontrar
outra causa.

O Socialismo não será criado, Lenin escreveu, com “material humano


abstrato, ou com material humano especialmente preparado por nós, mas
com o material humano relegado a nós pelo Capitalismo. Verdade, não será
uma questão fácil, mas nenhuma outra abordagem para esta tarefa é séria o
bastante para garantir discussão.” [95]

Para ser um socialista efetivo, é extremamente útil gostar de seres


humanos. Não da humanidade como um conceito, mas pessoas reais,
suadas. Em “Tudo O Que é Sólido Se Desmancha No Ar” [96], Berman
conta uma história sobre Robert Moses, o famoso planejador urbano da
cidade de Nova Iorque que aplainava bairros inteiros que ficavam no
caminho dos pontos exatos em que ele visualizava suas novas rodovias.
Moses, disse um amigo uma vez, “amava o público, mas não como
pessoas.” Ele construiu parques, praias e rodovias para as massas usarem,
mesmo detestando a maioria dos nova-iorquinos da classe trabalhadora que
ele encontrava.
Amar o público, mas não as pessoas é também uma característica de
socialistas elitistas, cuja fé reside mais em planos de desenvolvimento
quinquenais, plantas utópicas, ou em vencer futuras eleições do que nas
maravilhas que centenas de milhões podem atingir quando são inspiradas e
libertas. Por isso suas visões para o Socialismo são tão sem vida ou
imaginação.

Em contraste, Marx, que é constantemente apresentado como um


intelectual isolado, era uma pessoa barulhenta, conflituosa, divertida e
apaixonada, que uma vez declarou que seu dito favorito era a máxima: “sou
um ser humano, nada do que é humano me é estranho.” Acho difícil como
um mundo gerido pela maioria dos seres humanos, com todos os nossos
gloriosos e enfurecedores diferentes talentos, personalidades, loucuras e
paixões poderia ser possivelmente chato.
NOTAS DE TRADUÇÃO

por Everton Lourenço, no site O Minhocário

[1] Socialist Programs in the U.S.: https://s-media-cache-


ak0.pinimg.com/736x/3b/03/bb/3b03bb4c55f443f5f284d05281d756ee.jpg
[2] No original, “public libraries, welfare, the WIC program, Social
Security, food stamps”.
[3] No original, “Amber alerts”.
[4] O DMV é o departamento público responsável por liberar as carteiras de
habilitação nos EUA. São vistos normalmente como extremamente
burocráticos e não funcionais.
[5] The Making of the American Police State:
https://www.jacobinmag.com/2015/07/incarceration-capitalism-black-lives-
matter/
[6] Federal Net Outlays as Percent of Gross Domestic Product:
https://fred.stlouisfed.org/series/FYONGDA188S
[7] Capitalism’s Gravediggers:
https://www.jacobinmag.com/2014/12/capitalisms-gravediggers/
[8] Na política dos EUA, principalmente a partir do governo de Reagan nos
anos 80, cada vez mais os Republicanos atacam a ideia de qualquer gasto
público e defendem um governo cada vez menor, com menos
responsabilidades e programas sociais.
[9] Status of State Action on the Medicaid Expansion Decision:
http://kff.org/health-reform/state-indicator/state-activity-around-expanding-
medicaid-under-the-affordable-care-act/
[10] The Neoliberal Turn in American Health Care:
https://www.jacobinmag.com/2014/04/the-neoliberal-turn-in-american-
health-care/
[11] The Families Funding the 2016 Presidential Election:
http://www.nytimes.com/interactive/2015/10/11/us/politics/2016-
presidential-election-super-pac-donors.html?_r=0
[12] O Citizens United foi uma decisão judicial que autorizou os gastos
praticamente ilimitados de empresas em campanhas políticas através de
entidades chamadas “Super PACs”.
[13] Testing Theories of American Politics: Elites, Interest Groups, and
Average Citizens:
https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/mgilens/files/gilens_and_pag
e_2014_-testing_theories_of_american_politics.doc.pdf
[14] The Business Veto: https://www.jacobinmag.com/2016/02/gude-third-
way-clinton-new-deal-reagan-democratic-party/
[15] The Origin of Capitalism: A Longer View:
https://www.amazon.com/-/pt/Origin-Capitalism-Longer-View-
ebook/dp/B01BM80SEQ/ref=tmm_kin_swatch_0?
_encoding=UTF8&qid=&sr=
[16] In the Name of Love: https://www.jacobinmag.com/2014/01/in-the-
name-of-love/
[17] Social Democracy’s Incomplete Legacy:
https://www.jacobinmag.com/2013/11/an-incomplete-legacy/
[18] A ideia de “Maximização de Utilidade” é parte das teorias econômicas
da linha “Neoclássica” segundo as quais o ser humano seria um agente
capaz de procurar racionalmente, em todas as situações, o que é melhor
para si, aumentando o seu prazer e/ou diminuindo o seu sofrimento. É
muito comum a crítica a esse tipo de visão na Esquerda e na Centro-
Esquerda. Uma crítica simplificada a esse conceito de “atividades
racionais” pode ser vista no capítulo 5, “Os personagens do drama: Quem
são os atores econômicos?” do livro “Economia: Modo de Usar”, de Ha-
Joon Chang. [N.M.]
[19] O Manifesto do Partido Comunista – Karl Marx e Friedrich Engels –
Capítulo 1.:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComun
ista/cap1.htm [N.M.]
[20] Uniting the Dispossessed:
https://www.jacobinmag.com/2015/07/palmer-marx-precarity-class-
struggle/
[21] The Second American Revolution:
https://www.jacobinmag.com/2015/03/eric-foner-interview-reconstruction-
slavery/
[22] Inovação Vermelha:
https://ominhocario.wordpress.com/2015/07/27/inovacao-vermelha/
[23] Traduzi ‘libertarian’ como ‘libertariano’ ao invés de ‘libertário’ para
manter clara a distinção entre a tradição libertária socialista e anarquista e o
movimento de direita antiestatista.
[24] No original, ‘liberal’. Como nos EUA esse termo muitas vezes tem
mais a ver com o pensamento progressista do que com o pensamento
‘liberal’ que estamos acostumados, me pareceu melhor traduzir por
‘progressista’.
[25] Karl Marx, “Crítica do Programa de Gotha”:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/gotha.htm#i1
[26] O debate sobre os impostos nos EUA é diferente do nosso, pois aqui
temos uma camada a mais de injustiça tributária, já que a maioria dos
nossos impostos são indiretos, e aplicados sobre os itens de consumo antes
mesmo do consumo em si. Assim, a própria noção de renda ou ganhos pré-
taxação ou renda bruta pode soar um pouco estranha para nós.
[27] The Limits of Libertarianism:
https://www.jacobinmag.com/2014/07/the-limits-of-libertarianism/
[28] The Right to a Dignified Life:
https://www.jacobinmag.com/2015/08/universal-basic-income-socialist-
libertarian/
[29] The Truth About Finance:
https://www.jacobinmag.com/2016/01/hillary-clinton-finance-reform-short-
termism-capitalism-stocks-buybacks/
[30] What Obamacare Can’t Do:
https://www.jacobinmag.com/2016/02/gaffney-single-payer-sanders-
healthcare-obamacare-aca-clinton/
[31] No original todas as referências eram a discos de Kenny Loggings, um
cantor que acredito ser meio desconhecido no Brasil. Optei por trocar por
algum artista ou grupo brasileiro, daí as referências ao Calypso. O texto
original falava em “você pode guardar sua música horrível”, e por muito
tempo isso foi mantido aqui nesta postagem, mas optei por retirá-lo e trocar
por “você pode guardar seus discos” porque me desagradava cada vez mais
o juízo de valor e a possibilidade de elitismo vinculada a ele. [N.M.]
[32] A Labor Movement That Takes Sides:
https://www.jacobinmag.com/2015/09/black-lives-matter-labor-day-dyett-
strike/
[33] Ver o debate em “Socialismo, Mercado, Planejamento e Democracia”
[Seth Ackerman, John Quiggin, Tyler Zimmer, Jeff Moniker, Matthijs Krul,
HumanaEsfera]:
https://ominhocario.wordpress.com/2017/01/12/socialismo-mercado-
planejamento-e-democracia/
[34] Chasing Utopia: https://www.jacobinmag.com/2016/03/workers-
control-coops-wright-wolff-alperovitz/
[35] Working for the Weekend:
https://www.jacobinmag.com/2012/10/working-for-the-weekend-2/
[36] “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx e Friedrich Engels –
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titulos/visualizar/manifesto-
comunista ou
https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComu
nista/cap4.htm
[37] Período de governo de Andrew Jackson, sétimo presidente dos EUA
(1829 – 1837).
[38] A Revolução Russa:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/sugestao_leitur
a/filosofia/texto_pdf/rosa_luxemburgo_revolucao_russa.pdf (pág. 94) ou
https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1918/russian-revolution/
[39] “A Guerra Civil na França”, Karl Marx:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1871/guerra_civil/
[40] Pelo Menos o Capitalismo é Livre e Democrático, né?:
https://ominhocario.wordpress.com/2016/07/12/pelo-menos-o-capitalismo-
e-livre-e-democratico-ne/
[41] “O 18 de brumário de Luís Bonaparte”, Karl Marx:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/
[42] a recusa dos capitalistas em investir.
[43] The Great Reformer: https://www.jacobinmag.com/2015/09/sweden-
social-democracy-olaf-palme-assasination-reforms/
[44] The Many Lives of François Mitterrand:
https://www.jacobinmag.com/2015/08/francois-mitterrand-socialist-party-
common-program-communist-pcf-1981-elections-austerity/
[45] Social Democracy’s Breaking Point:
https://www.jacobinmag.com/2016/06/social-democracy-polanyi-great-
transformation-welfare-state/
[46] Por décadas os partidos social-democratas europeus da “Terceira-Via”
se colocavam como uma alternativa aos defensores do Capitalismo
conservadores e aos Comunistas revolucionários. À partir da vitória do
Neoliberalismo, primeiro com Thatcher e Reagan no final dos anos 70,
muitos desses partidos passaram a adotar medidas neoliberais, num
consenso com os conservadores que muitas vezes se diferenciava apenas na
intensidade ou na “culpa” dos representantes dos partidos, mas mantendo a
linha do “TINA”, como popularizado por Thatcher (“There Is No
Alternative” – “Não há alternativa” ). Para uma boa introdução ao
Neoliberalismo, recomendo ‘Para compreender o neoliberalismo além dos
clichês’: http://outraspalavras.net/posts/para-compreender-o-
neoliberalismo-alem-dos-cliches/
[47] China in Revolt: https://www.jacobinmag.com/2012/08/china-in-
revolt/
[48] O domínio violento dos EUA sobre a América Latina caracteriza o
século XX, com uma série de intervenções abertas ou veladas e apoio a
movimentos de desestabilização de governos anti-imperialistas ou vistos
como problemas para os interesses estadunidenses, e mesmo de golpes
civil-militares, liderados por elites conservadoras e militares fiéis aos EUA.
Assim, termos como “Repúblicas de Bananas”, “Doutrina Monroe” e
“Política do Big Stick” são elementos centrais para se compreender esse
aspecto da História da América (vale a pesquisa). Por muito tempo o papel
dos EUA na conspiração, desestabilização e golpes na América Latina foi
desacreditado por muita gente como questões de “Teoria da Conspiração” e
“coisa de esquerdistas”, mas a ‘desclassificação’ (processo pelo qual
documentos se tornam públicos) de documentos secretos nos EUA da CIA e
do Departamento de Estado tem confirmado a sua participação em
praticamente todos esses processos. O documentário “O Dia que Durou 21
Anos”, por exemplo, examina os documentos desclassificados que tratam
da participação da embaixada dos EUA e da CIA na construção das
condições para o Golpe de 64 no Brasil e no Golpe em si:
https://youtu.be/RVnf3Ap7guQ. Outro ótimo documentário sobre esse
período é “Jango – Como, Quando e Por Que se derruba um presidente”, de
Sílvio Tendler: https://youtu.be/ZPDrHXuIUu4. E para ver que não estamos
falando apenas de questões antigas, mas de uma política que em muitos
sentidos continua funcionando, mesmo que de outras maneiras, vale a pena
conferir o documentário “A Revolução não Será Televisionada”, sobre a
tentativa de Golpe em 2002 na Venezuela: https://youtu.be/8Bs8t3GkgKA.
Não são poucos os que identificam a participação dos EUA (através da
CIA, Departamento de Estado e embaixada) em processos mais recentes de
desestabilização de governos na América Latina, incluindo as tentativas de
Golpes na Bolívia em 2008, no Equador em 2010, o Golpe militar clássico
de 2009 em Honduras, e o novo tipo de Golpe, aplicado no Paraguai em
2012 e contra o Brasil de 2016.
[49] How Does the Subaltern Speak?:
https://www.jacobinmag.com/2013/04/how-does-the-subaltern-speak/
[50] After Rana Plaza: https://www.jacobinmag.com/2014/06/after-rana-
plaza/
[51] Why We’re Marxists: https://www.jacobinmag.com/2014/07/why-
were-marxists/
[52] The Poverty of Culture: https://www.jacobinmag.com/2014/09/the-
poverty-of-culture/
[53] How Race is Conjured: https://www.jacobinmag.com/2015/06/karen-
barbara-fields-racecraft-dolezal-racism/
[54] No original, “racial profiling”, ou seja, a atitude da parte da polícia de
suspeitar, perseguir e/ou atacar alguém devido à cor da pele.
[55] Taking Racism Seriously:
https://www.jacobinmag.com/2015/08/black-lives-matter-racism-marxism-
capitalism/
“A luta de classes muda as ideias e os preconceitos das pessoas e forja
novos laços de solidariedade. Lutas da classe-trabalhadora tem
desempenhado um papel central na conquista de trabalhadores
brancos para a luta contra o racismo.”
[56] No original, “National Association for the Advancement of Colored
People (NAACP)”.
[57] The Black Belt Communists:
https://www.jacobinmag.com/2015/08/alabama-hammer-and-hoe-robin-
kelley-communist-party/
[58] Restoring King: https://www.jacobinmag.com/author/thomas-j-sugrue/
[59] No original, “Southern Christian Leadership Conference”.
[60] Hillary Clinton’s Empowerment:
https://www.jacobinmag.com/2015/03/hillary-clinton-womens-rights-
feminism/
[61] Abortion Without Apology:
https://www.jacobinmag.com/2015/12/abortion-planned-parenthood-
supreme-court-womens-liberation/
[62] Caring in the City: https://www.jacobinmag.com/2014/10/caring-in-
the-city/
“Mesmo em seu ponto alto, os Estados de Bem-Estar Social nórdicos
nunca chegaram nem perto de realmente socializar o trabalho de
cuidado – especialmente quando pensamos além da educação infantil
para os muitos tipos de cuidados de que as pessoas precisam durante
seu tempo de vida.”
[63] She Can’t Sleep No More: https://www.jacobinmag.com/2012/12/she-
cant-sleep-no-more/
[64] Os Estados Unidos não possuem nenhum sistema público e gratuíto
como o SUS brasileiro ou sua inspiração, o NHS inglês.
[65] Nos EUA mesmo as Universidades Públicas são pagas.
[66] O Mito do Antropoceno:
https://ominhocario.wordpress.com/2015/07/23/o-mito-do-antropoceno/
[67] Seize the Hamptons: https://www.jacobinmag.com/2014/10/seize-the-
hamptons/
[68] The Green Struggle: https://www.jacobinmag.com/2015/10/fossil-
fuels-renewables-capitalism/
[69] Alive in the Sunshine: https://www.jacobinmag.com/2014/01/alive-in-
the-sunshine/
[70] No caso, dos Estados Unidos.
[71] Students Into Soldiers: https://www.jacobinmag.com/2016/04/rory-
fanning-military-recruiters-rotc-chicago/
[72] Abolish the Military: https://www.jacobinmag.com/2015/11/veterans-
day-american-military-iraq-war-libya-vietnam/
[73] Nixon and the Cambodian Genocide:
https://www.jacobinmag.com/2015/04/khmer-rouge-cambodian-genocide-
united-states/
[74] The Burden of Atrocity: https://www.jacobinmag.com/2014/04/the-
burden-of-atrocity/
[75] Plantation: http://www.infoescola.com/historia/plantation/
[76] “Vietnam: The (Last) War the U.S. Lost”, Joe Allen – Haymarket
Books – 2007.
[77] No original, “thrown in his lot with the commies.”
[78] The Evolution of Dr. King:
https://www.jacobinmag.com/2016/01/martin-luther-king-socialist/
[79] Labor Law Won’t Save Us:
https://www.jacobinmag.com/2015/01/unions-civil-right-strike-joe-burns/
“O movimento trabalhista não é apenas outro movimento social. Ele
tem um papel especial: desafiar a fonte principal de poder na sociedade
– a acumulação do Capital a partir do trabalho dos empregados.”
[80] Why Class Matters: https://www.jacobinmag.com/2015/12/socialism-
marxism-democracy-inequality-erik-olin-wright/
[81] No original “color-blind”, “cego para cores” ou “daltônico”.
[82] No caso, da Constituição estadunidense.
[83] “United States Handicapper General”, no original.
[84] Em inglês:
https://archive.org/stream/HarrisonBergeron/Harrison%20Bergeron_djvu.tx
t e traduzido para português:
http://fronteiraaberta.blogspot.com.br/2014/01/harrison-bergeron-e-um-
conto-de-kurt.html (desconheço o conteúdo do blog, apenas encontrei
rapidamente a tradução através do Google).
[85] Culture Isn’t Free: https://www.jacobinmag.com/2015/07/starving-
artists-grizzly-bear-poverty-ubi/
[86] The Rolling Stones’ Czech Invasion:
http://www.rollingstone.com/music/news/the-rolling-stones-czech-invasion-
19901004
[87] “white people problem”, no original.
[88] Wendy's Commercial - Soviet Fashion Show:
https://www.youtube.com/watch?v=5CaMUfxVJVQ
[89] All That Is Solid Melts Into Air - The Experience of Modernity,
Marshall Berman: http://www.versobooks.com/books/705-all-that-is-solid-
melts-into-air
[90] The Industrial Classroom: https://www.jacobinmag.com/2013/04/the-
industrial-classroom/ e The Privatization of Childhood:
https://www.jacobinmag.com/2015/09/children-testing-schools-education-
reform-inequality/
[91] Chicago Says It Will Close 54 Public Schools:
http://www.nytimes.com/2013/03/22/education/chicago-says-it-will-close-
54-public-schools.html
[92] Las dos almas del socialismo, em espanhol:
https://www.marxists.org/espanol/draper/1960.htm
[93] Sergei M. Eisenstein (1898–1948):
http://www.imdb.com/name/nm0001178/
[94] The Theology of Consensus:
https://www.jacobinmag.com/2015/05/consensus-occupy-wall-street-
general-assembly/
[95] Os Revolucionários Devem Actuar nos Sindicatos Reacionários?:
https://www.marxists.org/portugues/lenin/1920/esquerdismo/cap03.htm#VI
[96] All That Is Solid Melts Into Air - The Experience of Modernity,
Marshall Berman: http://www.versobooks.com/books/705-all-that-is-solid-
melts-into-air

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