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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: DA COMPOSIÇÃO À


EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Olívia Yumi Iwasaki da Silva

PRÁTICA DE LEITURA

Flávia e o bolo de chocolate, de Miriam Leitão

Caxias do Sul, RS

2023
Para a presente prática de leitura, a obra escolhida foi “Flávia e o bolo de
chocolate”, publicada em 2015 pela autora Miriam Leitão e ilustrada por Bruna Assis
Brasil. O livro foi publicado pela editora Rocco, é indicado para o público infantil e
aborda os temas do preconceito, diversidade e adoção. Este título chama atenção por
ser de uma editora e autora famosas, e por conta disso estar amplamente espalhada
pelas bibliotecas do país. Além do mais, interessa pelo debate que surgiu a partir de
questionamentos na internet com relação a leviandade da discussão sobre racismo
no livro, considerado raso por uma famosa Youtuber que apresenta e analisa livros
infantis.

Fonte: Youtube, 2023

A autora da obra é Miriam Leitão, formada em jornalismo pela UnB, e que atua
como jornalista e apresentadora de TV. Foi militante política durante sua juventude,
no período da ditadura militar, e é funcionária do grupo Globo desde 1991, sempre
focada na área econômica (Wikipédia, 2023).

Como colunista e comentarista, Leitão sempre se pronunciou sobre questões


sociais, econômicas e raciais, e já recebeu reconhecimentos na área, como o prêmio
de jornalistas pelo combate à desigualdade racial, liberdade de imprensa e de
jornalismo pela tolerância. Em 2012 conquistou seu primeiro e único prêmio Jabuti,
pela obra "Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda”, que ganhou as
láureas de livro do ano de não ficção e livro-reportagem.
Segundo a autora, em uma de suas entrevistas dadas à tv, seu sonho é que as
desigualdades reduzam e para tal entende que há a necessidade de se trabalhar
esses temas desde a infância, um dos motivos da escrita do livro analisado.

Com relação às crianças, o contato com diferentes livros e histórias ocorre em


sua maioria no ambiente escolar, através das bibliotecas, salas de leitura e livros
didáticos. Nesse meio, muitos avanços têm sido feitos em prol da educação
antirracista no país. A lei federal n. 10.639/03, pode ser compreendida como uma
vitória no debate do combate ao racismo e valorização do legado cultural africano,
pois procura levar às escolas um novo olhar sobre a história do Brasil. Através dessa
lei, observa-se que há um esforço em suscitar a discussão da história e formação da
sociedade brasileira para além do período escravocrata, como ocorria antigamente,
incluindo nos temas obrigatórios os seguintes estudos:

História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura


negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica
e política pertinentes à História do Brasil. (BRASIL, 2003)

Esta lei é fruto da luta do movimento negro, que desde a década de 1970
reivindica a reformulação dos currículos escolares, visando a valorização do negro na
história do brasil (BRASIL, 2005).

Muito do que é publicado para as crianças e adolescentes no país é reflexo do


que é abordado nas escolas, visto que a literatura infantojuvenil sempre se apresentou
como uma possibilidade de fermenta pedagógica. Na questão da literatura negra e
indígena, isso é um ponto positivo, pois o lançamento de livros relacionados a
diversidade aumentou.

A história do livro é baseada na história real de uma amiga da autora, Rita e


sua filha adotiva Flávia Herkenhoff, e na ficção os nomes continuam os mesmos,
sendo as duas as personagens principais da trama. A história se inicia com Rita, uma
mulher branca, alta e de cabelos castanhos em sua casa, cabisbaixa por não
conseguir ter um filho. Para solucionar a questão teve a ideia de adotar uma criança,
a qual ela se apaixonou desde a primeira vez que viu: Flávia é uma bebê negra,
sorridente e de cabelos crespos. A primeira cena mostra Rita levando-a a pracinha
para apresentá-la as amigas, que ficaram felizes por Rita. Na página seguinte, em um
de seus passeios com a bebê, uma de suas vizinhas a aborda e diz que Flávia não
pode ser sua filha, pois são muito diferentes. Em meio a tristeza do comentário, Rita
indaga qual é o problema de serem diferentes? Surge assim o primeiro conflito do
livro, quando Rita se depara com falas preconceituosas.

Flávia cresce e torna-se uma criança forte, sabida e muito companheira da


mãe, até um dia em que Flávia acorda cabisbaixa e afirma para sua mãe que gostaria
de ser branca como ela, pois ela não gosta da cor marrom. Para contornar essa
afirmação, Rita tem a ideia de proibir tudo que tem a cor marrom, como o bolo de
chocolate que Flávia tanto ama. Nas próximas páginas vemos diversas situações em
que a criança se depara querendo algo que envolva a cor marrom, como sorvete de
chocolate, ir à praia (areia é marrom), brincar com o cachorro (que é marrom) e, diante
da negativa de sua mãe em satisfazer suas vontades, a mãe a faz perceber que o
problema não está em sua cor. A cor não muda o fato de que somos todos iguais, e
que ela é linda da forma que é. A partir daí mãe e filha tem uma conversa sobre a
diversidade, mostrando que somos diferentes uns dos outros, mas somos todos seres
humanos.

A história, embora gire em torno de mãe e filha, apresenta personagens


secundários que, com exceção de uma personagem importante que falaremos a
seguir, não tem voz ativa na história, só aparecem de forma ilustrativa.

Os personagens secundários, em ordem de apresentação, são:


- Três amigas de Rita reunidas na praça, para quem ela apresenta Flávia pela primeira
vez: a primeira é alta, branca e de cabelos escuros presos em um coque; a segunda
também é branca, de cabelos castanhos e não é possível aferir se está grávida ou se
é gorda; a terceira possui cabelos castanhos lisos e possui a tez mais escura que as
outras. As três estão sorrindo para Rita e sua bebê.
- A vizinha invejosa: a única que tem voz ativa dentre os coadjuvantes. É uma mulher
branca de cabelos castanhos e semblante fechado, que faz o comentário
preconceituoso para as protagonistas, e, ao meu ver é uma das partes mais
impactantes do livro.
- Cacau, um cãozinho vira-lata que acompanha Flávia em todas as cenas a partir do
momento em que ela cresce um pouquinho mais.
- O sorveteiro e a criança que pede um sorvete de chocolate, ambos brancos;
- Pessoas caminhando em diversas direções: são 8 pessoas, de diversas etnias e
raças, bem diferentes umas das outras. Um senhor idoso branco, trajando terno; uma
mulher negra ouvindo música em fones e com um grande black power; um homem
branco careca de barba e bigodes loiros; uma senhora de tez mais morena e cabelos
ondulados; uma moça tatuada que possui a tez clara, porém possui olhos puxados; e
três pessoas em que só se vê a parte inferior do corpo: um skatista, uma mulher cuja
pele tem um tom mais escuro e uma negra.
- Os coleguinhas da escola de Flávia: a imagem os mostra na hora do lanche, e
aparecem 5 crianças além de Flávia, uma criança de tez mais escura e cabelos lisos;
uma menina loira de cabelos lisos e curtos, outra menina branca de cabelos escuros
e tranças e irmãos gêmeos brancos e de óculos. Sua professora também aparece do
pescoço para baixo, e vemos que ela também possui a tez mais escura.
- Pessoas na vizinhança: na antepenúltima página vemos mais quatro pessoas da
vizinhança, evidenciando a mistura de raças, um vizinho branco de bigodes pretos;
uma mulher de tez mais escura e cabelos lisos e longos, que com o brinco de penas
me rememora uma pessoa indígena; uma mulher negra de cabelos crespos e um
homem também negro e de cabelos crespos dirigindo um carro.
Como pudemos aferir, os personagens secundários existem para figurar essa
ideia de diversidade, complementando o que está sendo tratado no texto. Flávia
consegue perceber que além das diferenças nos tons de pele, cada personagem se
veste de uma forma, tem um gosto específico etc.
Na última cena com os personagens secundários, na vizinhança, me traz a sensação
de estar observando a mistura brasileira, onde há um homem europeu (me parece
português), a moça indígena (por conta dos brincos, cabelo longo, tez escura e a
estampa da camiseta) e o casal negro, onde a mulher apresenta o tom de pele mais
escuro.
Fonte: Leitão, 2015

Como já mencionado anteriormente, a ilustração complementa muito bem o


texto, e é ela que dá a dimensão de quão diverso o mundo é para a criança. O livro
todo aborda o tema do preconceito de forma bem lúdica, por assim dizer, com a mãe
fazendo uma analogia a cor de pele com a cor marrom dos objetos e comidas.
Acredito que a parte que mais impacta é a da vizinha invejosa, que é preconceituosa
e racista, aferindo que não é possível que Flávia se passe por filha de Rita por não
terem o mesmo tom de pele.
Embora os problemas com relação a densidade da obra, entendo que ela não
deva ser desmerecida, pois trata de um tema importante e dialoga bem com as
crianças, que conseguem facilmente captar a mensagem principal da história. A
questão é que ele não deve ser a única literatura com protagonismo negro na
biblioteca, deve-se encarar essa história como um pontapé inicial para a abordar
esses temas com as crianças.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Educação Antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n.


10.639/03. Brasília: Ministério da Educação/SECAD, 2005. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_actio
n=&co_obra=16224. Acesso em 03 ago. 2023.

BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. República Federativa do


Brasil. Brasília, DF, Senado, 2003. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 03
ago. 2023.

Canal A Cigarra. 2023. Disponível em:


https://www.youtube.com/channel/UCmLNPCtKtuyBAmwJrpeHImQ . Acesso
em: 03 ago. 2023.

MIRIAM LEITÃO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. [San Francisco, CA:


Wikimedia Foundation, 2023]. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Miriam_Leit%C3%A3o. Acesso em: 03 ago. 2023.

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