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A Eclesialidade da Vida Religiosa Consagrada

Extratos de texto de autoria de Frei Clodovis Boff, com adaptações de Ir. Cleusa Maria Andreatta.

1. A Vida Religiosa no Mistério da Igreja


A renovação da eclesiologia no Concílio Vaticano II teve como um de seus
importantes frutos a recuperação da experiência da dimensão carismática da Vida
Religiosa. Ao aprofundar a autocompreensão da Igreja como mistério, sacramento de
salvação e povo de Deus, recuperou-se a dimensão pneumatológica da Igreja, seu
aspecto comunitário e o tema dos carismas.
A concepção de Igreja assumida na Lumen Gentium coloca as bases para
compreendermos o lugar e missão da VRC na vida e missão da Igreja, que é
apresentada especialmente no “Decreto Perfectae Caritatis. Sobre a conveniente
renovação da vida religiosa”.
A Vida Religiosa Consagrada é inserida na Igreja como um dos elementos
essenciais do seu mistério (Lumen Gentium 7 e Decreto Perfectae Caritatis) e
apresentada como uma das manifestações de como o Espírito Santo distribui seus dons
e Carismas na Igreja. Isto propiciou a ocasião para que a vida religiosa se
redescobrisse com dom do Senhor para a Igreja e a sua missão. Aos poucos, os
elementos constitutivos da Vida Religiosa foram sendo experimentados na sua dimensão
carismática: a inspiração dos fundadores, a consagração com conselhos evangélicos, a
vocação pessoal dos religiosos.
Nos anos posteriores, a teologia da Vida Religiosa aprofundou a compreensão do
tema e, na América Latina, apontará para a dimensão profética deste carisma.
Evidencia-se ainda que a Vida Religiosa recebe uma missão carismático-profética: no
seguimento de Jesus, ser sinal da santidade da Igreja, sob a ação permanente do
Espírito, e ser sinal da transcendência do Reino e da presença já aqui e desde agora
dos bens escatológicos. E ainda: ser um sinal do testemunho apostólico e apelo a
todos, mulheres e homens,
no mundo contemporâneo.
Isso tudo significa a missão e o carisma de uma congregação religiosa não se limita
a seus engajamentos apostólicos. Em vez disso, ela abrange o todo da Vida Religiosa.
Sua missão e especificidade se definem radicalmente pela dimensão
testemunhal, como tarefa de “sinalizar”, “simbolizar”, “manifestar”, “prefigurar”,
“representar” e “proclamar” os valores do Reino de Deus (LG 44). O testemunho
constitui-se na contribuição específica da Vida Religiosa à missão evangelizadora da
Igreja. Isto aponta para a dinâmica da presença. O compromisso com uma presença
profética indica que não podemos nos contentar com qualquer modo de presença.

2. As raízes bíblicas
Esta compreensão da dimensão carismático-profética da Vida Religiosa
encontra suas raízes na visão da Igreja de S. Paulo. Especialmente através da imagem
do corpo (1Cor 12 e Rm 12), Paulo nos apresenta uma Igreja animada pelo Espírito,
que comunica seus dons e carismas que possibilitam a cada um participar como
sujeito na vida da comunidade. Como irradiação da plenitude de Cristo, estes carismas
e dons mantêm uma estrutura harmônica. Isto implica tensão para manter a unidade na
diversidade e respeitar a diversidade na unidade.
Os carismas são concedidos para o bem comum. Por isso mesmo, com eles
surgem múltiplas concretizações da caridade e de serviços à Igreja e ao mundo, como
testemunho do seguimento de Jesus e do amor de Deus ao mundo. O valor do carisma
depende diretamente do serviço que presta à comunidade e à missão da Igreja no mundo.
São Paulo acentua que cabe à Igreja e particularmente à autoridade apostólica examinar
e não extinguir os carismas (1Ts 5,19–22; 1Cror 14,37)
3. As Consequências
Esta eclesiologia de Paulo foi retomada pelo Concílio Vaticano II, especialmente na
Constituição Lumen Gentium (Ver especialmente n. 12). Em "Lumen Gentium" 43-47,
especialmente 44, e na Perfectae Caritatis 1-2, a vida religiosa é colocada na
dimensão horizontal da Igreja, isto é, entre os carismas dados aos fiéis e distintos
dos poderes ministeriais.
Embora não se fale do carisma da Vida Religiosa, mostra-se que ser carismática é
a própria natureza da Vida Religiosa.
Isto implica reconhecer que pela ação do Espírito, Deus conduz o seu povo, Cristo
edifica o seu corpo.
Esta ação do Espírito não se dá apenas através dos ministérios hierárquicos,
mas passa também pelas iniciativas dos simples fiéis.
Como tem acontecido na história, é no nível da base que surgem os vários
movimentos de renovação que permitem à Igreja rejuvenescer e enfrentar novas
situações.
E aí o lugar da Vida Religiosa. E aí também que a Vida Religiosa redescobre a
força profética de sua vocação, como afirma Medellín: "No transcorrer da história da
Igreja, a Vida Religiosa teve sempre, e agora com maior razão, uma missão profética, a
de ser um testemunho da escatologia" (Medellín 12,2).
Este reencontro da Vida Religiosa com sua dimensão carismático-profética tem
produzido nos religiosos e nas religiosas alegria e gratidão por verificar que a sua
identidade pessoal e a de sua comunidade religiosa são dons do Senhor para a
Igreja e para a sua missão de serviço entre os homens e mulheres do nosso tempo.
De outro lado, este reencontro tem trazido também dificuldades. Entre outras causas
para estas dificuldades, citamos duas. A primeira é o crescente empobrecimento e a
injustiça que marcam a vida do povo que a Vida Religiosa se propõe a servir.
A segunda aparece nas tensões internas da Igreja (relacionamento com equipes
pastorais, falta de apoio e compreensão por parte da hierarquia, os problemas
comunitários, a falta de coerência por parte dos religiosos). Estas dificuldades são um
desafio para superá-las no diálogo, no apoio dos irmãos, no compromisso com o povo, e
na oração.
Para a reflexão em grupo:
l. Como em sua congregação se (re)afirma o caráter ou o sentido carismático-profético da Vida
Religiosa em meio à comunidade eclesial?
2. Quais principais dificuldades e possibilidade que percebemos para vivência da dimensão
carismático-profética de nossa Vida Religiosa numa “Igreja em saída”?

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