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LITERATURA

& SOCIEDADE
Adriong Focing

(IÀNCIAS SOCIATS ASSO 48

JORGE lAHAR EDIT0R


Literatura e sociedade
Compra Biblioteca
Nf.: socicdade.
Literatura
Ac.225 e
Ver 1058 PSICANÁLISE FILOSOFIA
PASSO-A-PASSO
Direção:
Direção:PASS0-A-PASSO CI¾NCIAS
PASSO-A-PASSO
SOCIAISColeção
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23/04/2008 Apucarana Rosenfield
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455428 Jorge

ACARANA CAMPUS-
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FEDERAL
DSARANÁ consumo
2CNOL0GICA SIVERSIDADE
Adriana Facina

Literaturae sociedade

Jorge Zahar Editor


Riode Janeiro
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04-1899 F1271
Composição A
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Facina,
1971
JaneiroAdriana,
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sociais de 2262-5123 2004:Facina
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7
Sumário em
pesquisa
recomendadas
Leituras
eCulturaintelectuais
Artistase
sociedade finais
Considerações
efontes
Referências
a ciências
sociais Sobre
aautora
Introdução e
literatura
A
Introdução
Aidéia deste livro éproporalgumas reflexões sobre arelação
entre literatura e sociedade, a partir da ótica das ciências
sociais. De quais maneiras a literatura pode ser utilizada
como fonte para o estudo das sociedades? Como fazer da
criação literária objeto de pesquisas em ciências sociais?
Essas são algumas das questões que sero discutidas aqui.
As proposições que as leitoras e leitores encontrarão ao
longodeste trabalho são apenas algumas respostas, entre as
muitas outras possíveis, que sugerem conceitos e cuidados
metodológicos que considero fundamentais.
Em primeiro lugar, éimportanteque se esclareça o que
se quer dizer aqui quando se menciona o termo "literatura"
Basicamente, estou me referindo àquele campo das letras
que conquistou certa autonomia e especializaçãono mundo
Contemporâneo,destacando-se doque se costumava deno
minar belas letras" e que incluía, além da poesia edo
romance, a filosofia, a história, o ensaio político ou religioso.
Essaredefinição de fronteiras éumprocesso que se conso
lida com força particular a partir de 1848, quando a derrota
da onda revolucionária que varreu a Europa, e que ficou

7
8 Adriana Facina

conhecida comoa "Primavera dos Povos", impôs um ques


tionamento das relações entre literaturae política e estimu
lou o surgimento do escritor, entendido como alguém cuja
principal função é a experiência com a linguagem. Eatravés
da linguagem que o escritor se apropria do mundoe inventa
a sua própria realidade. Outro fator importante para essa
caracterização do campo literário foi o crescimento da im
prensa jornalística e da publicação de livros na Europa no
século XIX. Muitos desses escritores se tornaram profissio
nais, ou seja, passaram aviver do trabalho de escrever para
um mercado literário que surgia e que consumia as suas
obras, principalmente na forma dos folhetins que era
publicados nos jornais diários. Esse público que se amplia
na esteira dos processos de industrialização e de urbaniza
ção, frutos da revolução industrial, demandava cada vez
mais as histórias escritas por autores como Charles Dickens,
Honoréde Balzac, Alexandre Dumas, entre outros. Muitas
dessas histórias eram acompanhadas pelos seus leitores, e
particularmente pelas suas leitoras, com um interesse seme
lhante ao do público das novelas televisivas de hoje, cada
capítulo sendo aguardado ansiosamente. O sucesso comer
cial do queesses autores escreviam dependia de sua capaci
dade em "prender opúblico. Portanto, o seu processo de
criaçãoera, em grande medida, determinadopela necessi
dade de agradar ao público leitor.
Oqueestou chamando de literatura neste livro é, então,
conjunto deescritos, geralmente ficcionais, que sofreu
o processo de autonomização acima descrito. As suas for
mas são muito variadas: crônicas, romances, poesias, peças
Literaturae sociedade

teatrais etc. Mas háem comumentre essas diferentes formas


ofato de que seus autores são considerados escritores, ou
seja, um tipo específico de intelectualcujo trabalho envolve
necessariamente a preocupação estética com a linguagem.
Seia um defensor da "arte pela arte, mais preocupado com
a experimentação formal doque com a transformação d
sociedade, seja umn autor engajado, que vêna sua obra um
instrumento para mudar o mundo, ambos veiculam idéias,
valores e opiniões através de um tipo de escrita em que
formae conteúdo são indissociáveis.
Essa definição de literatura é bastante simplificada, mas
serve aos propósitosde pensar a criaço literária a partir do
viés específico das ciências sociais. Estamos lidando com um
fenômeno marcado por umna certa aura de sacralidade, pois
muitos desses autores são vistos como gênios e suas obras,
comoclássicos universais, produtosde seus talentos indivi
duais. E inegável que há um senso comum que tende a
naturalizar os critérios que ajudaram a consagrar determi
nados autores e obras, ou a condenar tantos outros ao
esquecimento. Nesse sentido, énecessário para aqueles que
pesquisam literatura e literatos historicizar radicalmente
Seu objeto. Por mais que autores como Dostoiévski tenham
muito adizer ànossa época, sua obra é fruto de seu tempo
e, portanto, éhistoricamente situada.
Etambémn osescritores são produtos de suaépoca e de
sua sociedade. Desse modo, mesmoo artista mais consagra
do, considerado alguém dotado de um talento especial que
o destaca dos outros seres humanos, ésempre um indivíduo
de carne e osso, sujeito aos condicionamentos que seu
10 Adriana Facina

pertencimento de classe, sua origem étnica, seu gênero e o


processo histórico doqual éparte lhe impõem. Suacapaci
dade criativa se desenvolve num campo de possibilidades
que limita a sua liberdade de escolha.Nessa perspectiva, faz
pouco sentido afirmar coisas do tipo "tal escritor estava à
frentede seu tempo,pois, ainda que não seja compreendida
ou admirada em sua época e só venha a ser consagrada
posteriormente, toda criação literária é um produto histó
rico, produzido numa sociedade específica, porum indiví
duo inserido nela por meio de múltiplos pertencimentos.
Épreciso, assim, dessacralizar acriação literária, desta
cando a sua dimensão histórico-sociológica e rejeitando a
perspectiva idealista que vê a literatura, ou mesmo a arte
como um todo, como uma esfera da atividade humana
completamente autônoma em relação às condições mate
riais de sua produção. Não se trata de negara existência do
talento individual, ou do gênio criador, mas sim de consi
derá-la parte da dinâmica social e, portanto, passível de ser
analisada racionalmente.
Para desenvolver esses argumentos, optei por entatizar
alguns temas fundamentais ànossa discussão. Em primeiro
lugar, como a literatura é um produto cultural, temos de
refletir um poucoacerca da noção de cultura e da relação
entre cultura e sociedade. Sem ter a intenção, obviamente,
de esgotar o tema,que émuito amplo, apresentarei alguns
pontos que considero importantes.
Em seguida, exporei algumas questões relacionadas às
funções sociais de artistas e intelectuais. Como defini-los:
Como caracterizar seus trabalhos? Como situá-loshistórica
Literatura e sociedade 11

esocialmente? Osartistas e intelectuais formam uma cate


goria social autônoma ou suas idéias são derivadas de sua
origem social? Veremoscomo autores do campo do pensa
mento social buscaram responder, de modos diferentes, a
essas questões.
Por fim, proporei algumas idéias sobre o uso da lite
ratura em pesquisas em ciências sociais, com destaque para
a história e a antropologia, com sugestões de cunho me
todológicoelaboradas com base nas reflexões aqui apre
sentadas.

Cultura e sociedade

Cultura é uma noção complexa cuja origem etimológica


remete ao trabalho agrícola, ao cultivo do campo. Essa
transposição do termno, das atividades agrícolas para os
indivíduos, implica a idéia de que acultura não é algo inato,
natural nos seres humanos, mas sim alguma coisa que deve
ser cultivada, que é adquiridae que envolve um processo de
formação.
A partir do século XVIII, esse significado de cultura
ganhou uma grande relevância no contexto dos estados
alemães,em oposição ànoção de civilização. Norbert Elias
discute a sociogênese da diferença entre Kulture Zivilisation
civiliza
no emprego alemão. Para esse autor, o conceito de
çao refere-se a uma grande variedade de coisas e traduz a
Consciência que a sociedade ocidental, desde o século XVII,
Tem de si mesma, julgando-se superior a sociedades mais
12 Adriana Facina

antigas ou às consideradas "primitivas". Mas, enquanto in


gleses efranceses expressam com o termo "civilização" o
orgulho do progresso de suas respectivas nações, para os
alemes ele se remeteà aparênciaexterna dos seres humanos
enão àsua esséncia.
Ainda de acordocom atipologia proposta por Elias, o
conceito francés ou inglês de civilização pode referir-se a
fatos políticos ou econômicos, religiosos ou técnicos, mo
rais ou sociais e também a atitudes e comportamentos.
"Civilização" descreve sempre um processo ou o resultado
de um processo, partindo da premissa de que as sociedades
se movem constantermente para frente, em direção ao pro
gresso. Nesse sentido, trata-se de um conceito fortemente
universalista eque se relaciona ao expansionismo colonia
lista de povos cujas fronteiras eidentidades nacionais já so
bem definidas.
Já"cultura" diz respeito a fatos intelectuais, artisticos
religiosos, implicando necessariamente realizações.Ocon
ceito refere-se a produtos humanos, tais como obras de arte,
livros,sistemas religiosos ou filosóficos, através dos quais se
traduz aindividualidade de um povo. Diferentemente de
civilização, portanto, é um conceito que delimita e que dá
enfase às diferenças nacionais eàs identidades particulares
de grupos. A principalpreocupaço écom oestabelecimen
tode fronteiras e identidades.
Esses conceitos, que Elias considera auto-imagens na
cionais, têm a sua gênese na dinâmica das sociedades ger
mânica e francesa do século xvIll. No contexto alem0,
havia uma oposição entre, de um lado, uma nobreza cortes
Literatura e sociedade 13

que tinha a França como principal referência de civilidade


e que, por isso, viao usoda língua francesa como símbolo
de civilizaçãoe, de outro lado, uma intelligentsia que pro
curava dar expressão literária e artística àlíngua alem,
buscando uma legitimação social baseada em realizações
intelectuais, científicas ou artísticas e não em padrões de
interação socialpautados pelaidéia de civilidade. Para essa
intelligentsia, que o autor define ora como burguesa, ora
como de classe média, a cortesia externa pouco tinha a ver
com avirtude autêntica.
Desse modo, na sua origem, o termo Kultur expressava
a auto-imagem da camada intelectual alem, traçando uma
distinção nítida entre a esfera espiritual (a única de valor
autêntico)e aesfera política, econômica e social. Mas em
boraessa perspectiva, que opunha ao modelo aristocrático
de legitimação socialuma valorização das virtudes indivi
duais, atacasse a aristocracia de corte, por outro lado a
crítica era voltada basicamente contra seu comportamento,
tido como superficial e insincero, e não contra os privilégios
políticos esociais da aristocracia.
Essa antítese, que primeiramente foi social, com a as
censão da burguesia alem à condição de depositária da
consciência da nação tornou-se uma antítese nacional. Ea
noção de Kultur passou a ser referida, no século xIX, às
características propriamente alems, em contraste com as
particularidades de outros povos.
na França, de acordo com a argumentação de Elias,
a intelligentsia burguesa foi atraída paraa sociedade cortes,
ehouve um processo de aristocratização de círculos burgue
14 Adriana Facina

ses. Isso fez com que, no século xVlI, as diferenças de


costumes entre os principais grupos burgueses ea aristocra
cia de corte fossem consideravelmente menores do que na
Alemanha.
Essa intelligentsia reformista francesa, portanto, com
partilhava dos padrões cortesãos que definiam acivilização,
nãocomo estado esimcÕmo processoa seguir. Ao contrário
do que ocorria na Alemanha, as críticas dessa
categoria
social voltavam-se para os privilégios da corte e para a
política cortesã, e não para os costumes da aristocracia.
Raymond Williams também analisa a oposição entre
civilização ecultura que se constitui a partir do século xVII.
Civilizaçãoera uma palavra nova, que possuía dois signifi
cados principais naquele contexto do Século das Luzes: "Um
Estado realizado, que se podia contrastar com a 'barbárie
mas também agoraum estado realizado de desenvolvimen
to,que implicava processo históricoe progresso." Se há um
lado positivo nessa concepção, que entende a história comno
mudança, como processo conduzido pelos próprios seres
humanos, em contraposição a concepções mais estáticas
baseadas em pressupostos religiosos ou metafisicos, por
outro lado tomava-secomo parâmetro evolutivoa Françae
a Inglaterra, civilizações consideradas como já consolida
das. Como metrópoles coloniais, esses países tornavam-Se
modelo de uma racionalidade da história que deveria se
expandi, fazendo triunfar seus valores nas áreas "men0s
civilizadas" do globo.
Até fins do século xvL, diz Williams, civilizaçao
cultura eram termos intercambiáveis. Porém, apartir das
Literaturae sociedade 15

obras de Jean-Jacques Rousseau e também no movimento


romântico, foi elaborada uma crítica à civilização como
sinónimo de superficialidade e artificialidade, de valoriza
ção de aspectos exteriores da convivência social, como a
polidez e a etiqueta, em detrimento do desenvolvimento da
interioridade,do cultivo dos impulsos humanos mais pro
fundos e mais próximos ao estado natural. Acultura passou
a ser associada à vida interior, àsubjetividade, às singulari
dades individuais, expressando-se nas "obras do espírito
em especial as artes e aliteratura.
Outro desenvolvimento importante da noção de cul
tura se deu no romantismno alemo, quando, em reação ao
universalismo iluminista, autores como Gottfried Herder
propõen que ahistória da humanidade deve compreender
a diversidade entre os povose as suas especificidades. Cada
povo teria a sua própria história e a sua própria cultura.
Portanto, omais corretoseria falar de culturas no plural,
remetendoà idéia de um processo social fundamental que
modela 'modos de vid' específicos edistintos".
A partir dessas análises de Elias e Williams, pode-se
afirmar que, nesses contextos, a noção de culturaindicaria
odesenvolvimento dos indivíduos no sentido de sua forma
ção (Bildung), enquanto a de civilização apontaria para
progressos coletivos potencialmente universalizáveis. Por
tanto, nos termos dessa matriz intelectual rom§ntica germå
nica, a culturade um povo seria expressão de sua individua
lidade,de suas particularidades, e não universal.Cada povo
teria um espírito, um gênio próprio, que se expressaria nas
16 Adriana Facina

realizações individuais nos campos artistico, intelectual e


moral tomadas emn seuconjunto.

A
antropologia e o conceito de cultura. Aantropologia mo
derna, em especial a corrente filiada ao pensamento de
Franz Boas, herdou essa perspectiva de uma pluralidade de
culturas. Porém, o significado do termo tendeu aser ainda
mais ampliado, para abarcar não somente o que era consi
derado "obras do espírito" (como a arte, a literatura, a
filosofia), mas também modos de vida, práticas religiosas,
rituais, valores e normas que informavam a organização
soçial, entre muitas outras coisas. Em seu embate contra o
evolucionismo eas teorias raciais que grassavam nas últimas
décadas do século XIX e no início do século XX, Os antropó
logos lançaram mão da noção de cultura para explicar a
diversidade existente entre as sociedades humanas. Assim,
essa diversidade, ao invés de ser explicada por critérios
biológicos ou ambientais, geralmente marcados por uma
hierarquização que valorizava a "raça branca" e a socíedade
européia, deveria ser compreendida como fruto das inúme
ras culturas dos mais variados povos. Além de negar a
possibilidade de se comparar de modo hierarquizado essas
culturas, em que algumas seriam consideradas superiores
ou mais desenvolvidas do que as outras, essa relativização
das diferenças entre as sociedades humanas também aponta
para outra questão importante: ao contrário da idéia de
"raça",característica tida como inata aos individuos, a cul
tura implica um processo de aprendizado, assim como a
Literatura e sociedade 17

capacidade das coletividades humanas de elaborarem e,


portanto, transformarem a sua própriahistória.
Aóticaantropológica abriuum campo enorme efértil
para oestudo de fenômenos culturais. No entanto, é preciso
evitar alguns problemas trazidos por um certo culturalismo,
que tende a simplificar as análises ao englobar toda a dinâ
mica das sociedades numa suposta
suposta "cultura" em abstrato.
Esse culturalismo, muito influente hoje nos grandes meios
de comunicação, além de rotular como "culturais" todos os
costumes ou práticas tidos como exóticos ou estranhos,
procura algumas vezes explicar determinados processos his
tóricos bastante complexos com base no que se imagina ser
'a cultura" de un povo. Em tempos muito recentes, a
cultura foi largamente utilizada na imprensa para explicar
o usoda burka pelas mulheres afegs, os ataques suicidas de
palestinos a Israel e até mesmo os atentados de 11 de setem
bro de 2001nos Estados Unidos. Quando ouvimos falar de
conflitos étnicos" como causas principais da imensa pobre
za do continente africano, esse tipo de reducionismo tam
bém está presente.
Essa perspectiva subverte radicalmente, em ao menos
dois sentidos, o humanismo presente no conceito antropo
lógicode cultura. Em primeiro lugar, a cultura é absolutiza
da, transformada em uma segunda natureza praticamente
imutável,tornando-se a instância determinante para expli
car nãoqualquer fatosocial, maspreferencialmente aqueles
considerados
quedizem respeito a agrupamentos humanos
estranhosou, até mesmo, numa versão mais preconceituo
sa, inferiores.Em segundo lugar, ao invés de apontar para a
18 Adriana Facina

diversidade e para a pluralidade de aspectosdas sociedades


humanas, esse tipo de culturalismo cria uma suposta homo
geneidade ao descrever "a cultura" de um determinado
grupo, ignorando diferenciações fundamentais, assim
vida
como avinculação dacultura com outras dimensões da
social, como as relações econômicas, por exemplo.
Essa discussão nos remete a outro ponto fundamental
das análises sobre a relação entre cultura esociedade. Quan
do nos referimos àcultura em abstrato, estamos adotando
uma visão idealista acerca dos fenômenos culturais. Simpli
ficando um pouco, a visão idealista acerca da cultura a v»
como uma esfera completamente autônoma em relação às
outras dimensões da vida humana, regida por regras pró
prias. Assim, acultura quase que pairaria sobre a sociedade
eseria um todo orgânico e homogêneo. Ainda que se re
conheçam os conflitos e as divisões presentes na sociedade,
acultura tenderia a ser um espaço de harmonização e
congraçamento, uma dimensão apartada das condições de
produção ereprodução material da vida, sendo, portanto,
desinteressada. Em geral, essa perspectiva idealista està
associada a uma valorização da cultura como uma estera
mais "nobre* da atividade humana, seja quando se analisa
a "alta cultura, tomando a erudição e os padrões de gosto
das camadas elitizadas da sociedade como superiores, sela
quando se fala em "cultura popular" como raízes"
expressãomais
d
verdadeira "esséncia de um povo", de suas
profundas. Podemos afirmar, com Raymond Williams, que
a separação entre cultura e vida social material tem sido a
principal tendência do pensamento cultural idealista.
Literatura e sociedade 19

Materialismo e cultura. Porém, no campo do pensamento


materialista também háproblemas. Numa certa vertente,
porvezes denominada materialismo vulgar ou mecânico, a
cultura éreduzida a uma dimensãosuperestrutural depen
dente e determinada pela história material. Ao invés da
valorização idealista, que eleva" a cultura acima da repro
dução material da vida, essa vertente materialista definiria
a cultura como um campo secundário no qual idéias, arte,
costumes, crenças etc. simplesmente espelhariam a infra
estrutura ou base econômica. Com essa redução, observa
Raymond Williams, esse tipo de materialismo inverte o sinal
da ótica idealista, mas continua a reproduzir a separação
entre culturae sociedade.
A visão dualista em termos de base e superestrutura
tem como conseqüência uma teoria da arte e do conheci
mento que busca explicar fenômenos culturais como as
idéias, a arte, a literatura e a linguagem enquanto reflexos
da base econômica, sem a capacidade de intervir e influen
ciar na dinâmicadesta. Dentro da teoria do reflexo, háuma
imensa gama de variações, de argumentos mais reducionis
tas atéelaborações mais complexas. De acordo com Ray
mond Williams, há pelomenos três vertentes no interior de
tal teoria:a arte como reflexo imediato do mundo objetivo;
a artecomo reflexo não das aparências, mas da realidade por
trásdelas, das formas constitutivas do mundo; eaarte como
reflexo domundo tal como visto pela mente do artista.
Para que possamos entender melhor essa diferencia
ção, podemos pensar numa suposta pesquisa que relacio
nasse Machado de Assis e acidade do Rio de Janeiro. No
20 Adriana Facina

primeiro caso, os escritos de Machado poderiam ser vistos


como fonte para umadescrição da sociedade carioca de sua
época, seus hábitos, seus costumes, suas maneiras de se
vestir e se comportar etc. Na segunda vertente, a obra ma
chadiana espelharia as estruturas sociais mais profundas
dessa sociedade como, por exemplo, a escravidãoe as divi
sões de classe. Por último, em referência à terceira vertente,
podemos imaginar algo como "o Rio de Janeiro de Machado
de Assis"
Se na primeira daquelas vertentes háum objetivismo
mecanicista, na última prevalece uma ótica subjetivista.
Claramente, éna segunda vertente que a teoria do reflexo se
apresenta de modo mais complexo. No campo da estética
marxista existe uma importante discussão acerca do realis
mo que envolve a idéia da arte como reflexo da realidade
subjacente ao mundo das aparências. Num debate ocorrido
nos anos 1930, opensador marxista húngaro György Lukács
eo dramaturgo alemão, etambém marxista, Bertolt Brecht
defenderam posições bifurcantes acerca da relação arte/rea
lidade. A partir da teoria de Marx sobre o fetichismo da
mercadoria, fenômeno característico do capitalismo no
qual a mercadoria aparece para a sociedade como uma
relação social que exclui seus produtores, tornando-se sim
plesmente uma relação entre coisas, Lukács desenvolveu
uma crítica àconsciência reificada (coisificada). Se o capi
talismofragmenta e reifica a vida e a experiência humanas,
opensamento reificado gerado nesse processo é incapaz de
perceber a totalidade das relações sociais e econômicas. O
papelda arte, em especial da literatura, seria o de reconstruir
Literatura e sociedade 21

essa totalidade com as suas contradições, penetrando além


de sua aparência superficial.
Para Lukács,somente a boa literatura realista, e não um
conteúdo ideológico especifico, garantiria a realização dessa
tarefa da arte. Ou seja, através da construção de personagens
típicos, o realismo crítico teria a capacidade de expor as
contradições da sociedade que escapam ao pensamento
reificado. E essa capacidade independeria das intenções
políticas de seus escritores. Um exemplo importante seria
Balzac, que, a despeito de ter sido um legitimista contrário
à revoluço, simpatizante da igreja e da monarquia, teria
composto, de acordo com uma carta escrita por Engels na
década de 1880, "uma maravilhosa história realista da 'so
ciedade' francesa"
Em seu debate com Lukács, que na defesa do realismo
criticava duramentea arte de vanguarda, Brecht argumenta
que a teoria do realismo era formalista, na medida em que
associava a sua escrita a apenas uma forma específica de
romance. Para o dramaturgo, o realismo não era uma ques
tão de forma, pois os aspectos formais da escrita teriam de
se moldar às necessidades de "apreender afundo a causali
dade social". Assim, Lukács, ao tomar o romance do século
XIX Como parâmetro definidor do realismno, estaria defen
dendo como modelode escrita uma forma inadequada para
expressar o momento histórico vivido pelos artistas e pelo
público no século XX. Por isso, Brecht propõe uma amplia
ção doconceito de realismo, pois as transformações histó
ricas exigem mudanças nas maneiras de a arte representá
las. Portanto, as formas literárias são produtos históricos
22 Adriana Facina

que buscam expressar realidades também históricas, enåo


elementos universais e atemporais. Assim como para Lu
kács, também, para Brecht atarefa da literatura era a de
denunciar e expor as contradições da sociedade capitalista
Porém, para o dramaturgo, amaneira de faz-lo não deveria
estar atrelada a uma opço formal predeterminada.
Os argumentos de Lukács e Brecht estão longe do
determinismo reducionista, mas também remetem àidéia
de que a arte "expressa", "espelha' ou "retrata" uma realida
de que estáfora dela. Mais do que isso,ela deve fazé-lo, pois
essa realidade éopaca edesvendá-laéuma tarefa fundamen
tal do pensamento revolucionário. Ao reconhecer essa im
portância, esses autores complexificam a teoria do reflexo,
poisaarte não évistacomo algo secundário, "apenas" uma
superestrutura, mas sim como um elemento com um po
tencial transformador inserido no processo histórico.
Raymond Williams ressalta que nos estudos modernos
que buscam relacionar arte esociedade épossível distinguir
três ênfases mais gerais: aque recai sobre as condições so
ciais da arte; a que enfoca omaterial social nas obras de arte;
e a quese volta para as relações sociais nas obras de arte. A
primeira ênfase procura basear-se em dados considerados
vagamentecomo "estéticos" ou "psicológicos", tomando as
condições sociais apenas comointerferências que moditir
cam o movimento da culturahumana, visto comoconstan
te, em determinados períodos da história. As análises carac
terísticas dessa tendência seriam plenas de abstraçöes e
conceitos a priori, tais como ode instinto estético. Na
segunda ênfase, definida pelo estudo de elementos soCiaIs
Universidade Tecnoiógica
Federal do Paraná
Literatura e sociedade Cernpus Apuca

obrasde arte, 'os fatos' básicos oua estrutura' básica de


uma dada sociedade e/ou periodo são aceitos ou são esta
belecidos por análise geral, e seu 'reflexo' nas obras concretas
émais oumenos diretamente identificado"?
Jáa terceira ênfase envolve uma percepção mais com
plexa, na qual aanálise dos elementos sociais em obras de
arte engloba o estudodas relações sociais. Assim, a idéia de
reflexo ésubstituída pelo conceito de mediação. Nos termos
do autor:

A
mediação pode referir-se primordialmente aos proces
sos de composição necessários, em um determinado
meio; como tal, indica as relações práticas entre formas
sociais e artísticas ....Em seus usoS mais comuns, porém,
refere-sea um modo indireto de relação entre experiência
e suacomposição. A forma desse modo indireto é inter
pretada diversamente nos diferentes usos do conceito.
Assim, porexemplo, o romance de Kafka, Oprocesso,pode
ser lido a partir de diferentes posições, como (a) mediação
por projeção:um sistema social arbitrário e irracional não
édiretamente descrito, ... mas sim projetado, em seus
traços essenciais, como invulgar e estranho; ou (b) me
diação pela descoberta de um "correlato objetivo": com
põem-se uma certa situação e personagens para produzir,
de formaobjetiva, os sentimentos subjetivos ou concretos
uma culpa inexprimível - de que se originou o im
pulso paraa composição; ou (c) mediação como função
dos processos sociais básicos de consciência, nos quais
certas crises, que de outra forma não se podem captar
diretamente, são "cristalizadas" em determinadas ima
24 Adriana Facina

gens e formas de arte diretas imagens que, então,


iluminam umacondição (social epsicológica) básica: não
apenas a alienação de Kafka, mas uma alienação gene.
ralizada.

A
idéia de mediação problematiza a teoria do reflexO.
pois pretende expressar um processo ativo. Como proposi
ção geral, o uso do termo "mediaço" aponta para o fato de
que a realidade social não estárefletida diretamente na arte,
pois passa por um processo que altera seu conteúdo origi
nal. Trata-se de uma alternativa importante ao reducionis
mo que busca nos artefatos culturais o elemento primário
que os conecta à "realidade concreta Porém, Raymond
Williams destaca que, ainda que supere a passividade da
teoriado reflexo, a idéia de mediação quase sempre perpe
tua o dualismo, se não de base e superestrutura, ao menos
em termos de áreas separadas, ou de níveis distintos da
realidade. Para superar tal dualismo é necessário perceber
quea linguagem e a significação são elementos indissociá
veis do próprio processo social, envolvidos permanente
mente naprodução e na reprodução da vida material.
Desse modo, pode-se afirmar que a culturaé constitu
tiva da prática social e não o reino de idéias e valores
abstratos. Essa perspectiva sobre a cultura permitesuplanta
universo
tanto a posiçãoidealista, que vê na obra de arte um teoria
autónomo que deve ser estudado em si, quanto uma
direto
reducionista do reflexo que busca relacionar de modo
a obra com uma suposta estrutura econômico-social que a
essa filiação teó-
determinaria. Portanto, uma análise
Literatura e sociedade 25

rica exige que se perceba a obra literária inserida num


processo histórico no qual ela éparte ativa, não sendo ne
uma esfera absolutamente autónoma e, tampouco, uma
projeção secundária.
Sendo assim, analisar uma determinada manifestação
cultural significa tomar a relação entre o objeto e seu con
texto como uma interação enão como uma determinação
de mão única. Da mesma maneira, deve-se estar atento,
como alerta E.P. Thompson, para evitar concepções de cul
tura que enfatizem um suposto consenso, obscurecendo
conflitos, contradições e oposiçõesexistentes no universo
social. Diferentemente de uma perspectiva idealista de ins
piraçãoromântica, épreciso notar que a cultura não é uma
totalidade harmônica, mas sim palcode disputas,conflitos
e lutas de classe que caracterizam a sociedade como um
todo.
Com base nessa ótica, pode-se dizer que a literatura
não é espelho do mundo social, mas parte constitutiva desse
mundo. Ela expressa visõesde mundoque são coletivasde
determinados grupos sociais. Essas visões de mundo são
informadas pela experiência histórica concreta desses gru
pos sociais que as formulam, mas são também elas mesmas
construtoras dessa experiência. Elas compõem a pråtica
sOcial material desses indivíduos e dos grupos sociais aos
quaiseles pertencem ou com os quais se relacionam. Nesse
Caso, analisar visões de mundo e idéias transformadas em
textos literários supõe investigar as condições de sua produ
ção, situando seus autores histórica e socialmente.
26 Adriana Facina

Artistas e intelectuais

Seguindo a linha de argumentação que está sendo desenvol-


vida aqui, podemos afirmar que a cultura, assim como as
obras literárias, é um produto humano ordinário, inserido
na dinâmica das sociedades. Essa afirmação permite romper
com a concepção romântica que vê a arte e a cultura como
esferas à parte da atividade humana, completamente autô-
nomas e distanciadas da dimensão da produção material da
vida e, conseqüentemente, mais elevadas, nobres e sujeitas
a regras especiais de entendimento que, em geral, são vistas
como da ordem da intuição e da sensibilidade, muito mais
do que da análise racional. Nessa concepção, as obras de arte
são tidas como expressão da individualidade e da singulari-
dade do artista-gênio, ser humano provido de talentos e
habilidades especiais, valorizados positivamente na socie-
dade contemporânea.
É preciso lembrar que essas idéias são relativamente
recentes em termos históricos e se consolidam com a criação
da estética moderna, na segunda metade do século XVIII. É
o momento em que se inicia uma inversão significativa da
relação público-obra-artista: ao invés de produzir para os
padrões de gosto de um público que o financia, o artista
passa a ditar o gosto. Da «arte de artesão», como diz Norbert
Elias, produtora de obras com sentido coletivo e inseridas
no mundo, passamos à «arte de artista». Segundo Elias, na
arte de artesão era o gosto dos patronos que devia guiar a
criação artística, e não a imaginação individual dos artistas.
O artista não possuía autonomia na criação e esta só fazia
Lite ratu ra e sociedade
27

sentido se relacio nada com a coletividade,


que desejava se
reconhecer nas obr as. Tem -se assim um a arte
com «forte
caráter social e fra co car áte r ind ivid ual': Co
m a dem ocr ati-
zação e a aut ono miz açã o da esfera artística,
surge a arte de
artista. Est a é criada par a um púb lico anô nim
o, frente ao
qual o art ista pod erá ter reconhecido o seu
talento. Dessa
forma , há um a equivalência social ma ior ent
re o artista e o
com pra dor de arte, de mo do que este ten der
á a influenciar
menos o trab alh o daquele. O artista individual
, ao con trário
do artista artesão, é livre, a pri ncí pio , par a exp
ressar os seus
sentimentos, o seu gosto, assim com o par
a experimentar
novas for ma s artísticas. Essa transição de um
a arte à out ra
faz parte, de aco rdo com o autor, de um proces
so civilizador
mais amplo, ond e o arti sta passa a dep end er
mais de esque-
mas pessoais de aut oco ntr ole do que de
determinaçõe s
externas à criação artística.
En qua nto No rbe rt Elias apo nta par a um
ganho em
termos de libe rda de ind ivid ual do arti sta nes
se processo,
Pierre Bo urd ieu cha ma a ate nçã o par a o fato
de que , na
verdade, essa aut ono mia criativa seria mu
ito mais um a
aparência do que a rea lida de do cam po artístic
o no mu ndo
con tem por âne o. Bo urd ieu arg um ent a que essa
aut ono mi-
zação se relaciona com a for ma ção de um a
aristocracia do
gosto, imp ort ant e par a ma rca r a distinção
social no mo -
mento da ascensão da civilização burguesa,
quando enfra-
queciam os me can ism os de distinção pró pri
os às socied a-
des de cor te, com o os títulos de nobreza. A 5t
e ética ser~a
. - d
um d1scurso com pre ten sao e uni·ve rsali'dade car act en -
,
zando a arte com o um a atividade desinteress
ada e trans-
28 Adria na Facina

cend ental , uma "finalidade sem fün" na acep ção kant iana.
Porém , Bour dieu afirm a que, se a arte pode ser um
fenô meno universal, a estética tem uma especificidade
histórica, já que é um discu rso singu lar sobr e uma forma
específica de arte, não pode ndo, porta nto, ser universali-
zada. E vai mais além, pois a arte não some nte não seria
uma atividade desinteressada, sem um outr o fim que não
a si mesm a, como tamb ém cum priri a um pape l primordial
na repro duçã o das hiera rquia s sociais no mun do herdeiro
da Revolução Indu stria l e da Revolução Francesa: a função
de distinção social.
O surgimento dessa função da obra de arte está ligado,
então, a um mom ento histórico específico do mun do oci-
dental, a época mod erna, quan do a mod erniz ação capitalis-
ta colocava em xeque as hierarquias sociais baseadas nas
linhagens e no sangue. O camp o artístico acab ou por cum-
prir a função de distinção social ao definir o que se poderia
chamar de uma "nobreza do gosto"! ao mesm o tempo em
que o gosto necessita de uma educação específica, sendo,
portanto, adquirido, ele aparece como uma espéc ie de dom
inato que prod uz uma abso lutização da difer ença . O «bom
gosto" é visto como algo que se poss ui ou não e que orienta
desde os paladares e as formas de se vestir até o consumo e
fruição das obras de arte. O juízo estéti co e o gosto são
categorias que se prete ndem unive rsais e abso lutan1ente
autônomas em relação ao inun do social, e o que Bourdieu
busc a demo nstra r em suas análises é que tanto o consumo
de arte quanto a criação artíst ica são atividades como quais-
quer outras, e não uni unive rso à parte.
Lite ratu ra e so cie dade 29

Em seu esforço por desve ndar o fetichismo da arte nas


socied ades 1node rno -conte mporâ neas, Bourd ieu ataca
tain bém a idéia do indiví duo criado r, visto como ser genial ,
espécie de mágico capaz de dar forma e sentim ento à maté-
ria. O modo pelo qual o autor procu ra produ zir esse desen-
cantam ento do gênio é situan do o artista no campo artístico
de sua época , investigando as lutas e as disput as que marca-
vam esse campo e a posição em que o artista se encon trava
frente a elas. Sem negar a liberd ade de ação do indiví duo
criador, Bourd ieu apena s afirma que essa liberd ade possui
limites objetivos. Os conceitos de habitus e campo são cen-
trais para entend ermos essas idéias de Bourd ieu.

Habitu s e campo. O habitus, conju nto de disposições que


pautam e dão sentid o às ações dos agentes, é ao mesm o
tempo uma estrut ura estrut urante ( modus operandi ) e uma
estrut ura estrut urada (opus operatum), ou seja, ao mesm o
tempo em que organiza as práticas e as percepções das
práticas, é també m produ to da incorp oração da divisão em
classes sociais. Já a noção de campo «permite supera r a
oposição entre leitura intern a e análise extern a sem perder
nada das aquisições e das exigências dessas duas abordagens,
tradic ionalm ente perceb idas como inconciliáveis". Para
Bourdieu, as «escolhas" no âmbit o da experimentação for-
mal são ao mesm o tempo estéticas e políticas, pois o campo
artístico é homó logo ao campo do poder e as obras de arte
internalizam as disput as e conflitos que o permeiam. «Em
razão do jogo das homo logias entre o campo literário e o
campo do poder ou o campo social em seu conjunto, a
30 Adriana Facina

maior parte das estratégi as literárias é sobrede terminad a e


muitas das <escolhas ' têm dois alvos, são a um só tempo
estéticas e políticas , internas e externas ."
Desse modo, a dinâmic a do campo artístico é subsu-
mida à do campo político, e a sua história é a história da luta
entre ortodox ia e heresia, entre os que defende m a tradição,
pois já ocupam determin adas posições vantajos as, e aqueles
que querem inovar para garantir um espaço para si. Em
meio a esses conflitos , a obra de arte possui uma estrutura
homólog a à do espaço social em que o autor se situa. Essa
disputa por capital simbólic o é o móvel da mudanç a, que,
por sua vez, é conform ada pelo estado do sistema de possi-
bilidade s histórica s e pelos interesse s que orientam os agen-
tes. Pode-se perceber que, para o autor, a lógica da dinâmic a
do campo é marcada por motivaç ões bastante terrenas e que
não têm nada de transcen dental. Nas suas palavras ,

as estratégias dos agentes e das instituiçõ es que estão


comprom etidos nas lutas literárias ou artísticas não se
definem na confront ação pura com possíveis puros; de-
pendem da posição que esses agentes ocupam na estrutu-
ra do campo, ou seja, na estrutura da distribui ção do
capital específico, do reconhec imento, institucionalizado
ou não, que lhes é concedid o por seus pares-co ncorrentes
e pelo grande público e que orienta sua percepçã o dos
possíveis oferecido s pelo campo e sua «escolha» dos que
se esforçarão por atualizar ou produzir. Mas, inversam en-
te, as apostas da luta entre os dominan tes e os pretenden-
tes, as questões a propósito das qu ais se defronta m, as
próprias teses e antíteses que eles se opõem mutuam ente,
Lite ratu ra e soc ied ad e
31

depend em do estado da pro blemá tica leg


ítima, isto é, do
espaço das possibilid ades legadas pelas
lutas ant eri ores
que ten de a ori ent ar a bus ca das soluções
e, por conse-
guinte, o presente e o futu ro da pro duç ão.

Da relação con jun tur al ent re um habitus


e um cam po
historican1ente def ini dos nasce a illusio esp
ecífica do cam po
artístico. A his tór ia da pro du ção dessa
illu sio se con fun de
com o processo de aquisiç ão de um a aut
on om ia legítim a,
porém relativa , do cam po art ísti co fre nte
aos ou tro s cam pos
e que per mi tiu a fet ich iza ção do val or da
ob ra de art e e do
poder cri ado r do art ista . A illusio é a cre nça
e o inv est im ent o
no jogo que pro du z esse fetiche.
Para Bo urd ieu , o jog o, ou me lho r, a cre
nça coletiva no
jogo ( illusio) é ess enc ial me nte alie nan
te, poi s ma sca ra a
dinâmica do cam po , a lut a mo vid a po
r interesses e po r
disputas po r cap ita l sim ból ico (sem pre pas
sível de se tor nar
econômico). To do cam po pro du z sua for
ma específica de
illusio, mas o pro ble ma é qu e os que est uda
m o cam po
artístico em ger al com par tilh am desse
jogo. Po rta nto , o
primeiro e def ini tiv o pas so de um a ciê nci
a da ob ra de art e
seria o de se dis tan cia r des sa illusio, ma
s ao me sm o tem po
fazer dela obj eto da investigação. O obj
etiv o da lei tur a so-
ciológica ser ia o de rom per o enc ant o, de
des ven dar a lógica
do jogo e dem on str ar com o a rel açã o de
dis tin ção enc on-
tra-se objeti vam ent e ins cri ta, em for ma
e con teú do, nos
bens cul turais ma is sag rad os e fetichizados
. O jogo faz par te
da realida de soc ial, ma s tem , na reflex
ão bou rdi ana , um
papel sem elh ant e ao da no ção de ide olo
gia em Ma rx, pois
32 Adriana Facina

produz uma inversão ou distorção dessa mesma realidade.


Trata-se então de tornar consciente essa lógica, assim como
o processo histórico de sua constituição.
De toda essa argumentação de Pierre Bourdieu, o mais
importante para o enfoque que está sendo proposto aqui é
ter em conta que analisar obras e autores consagrados im-
plica pensar seus próprios processos de consagração como
processos históricos, que envolvem conflitos, disputas, e que
não são baseados em valores universais. O fato de conside-
rarmos Hamlet como um clássico diz respeito aos elementos
que, ao longo do tempo, foram selecionados e valorizados
por determinados grupos sociais e que fundamentara m tal
consagração. Assim como os costumes, os padrões de gosto
são diferentes em sociedades e em épocas distintas. Eles
precisam ser desnaturalizados, um exercício de relativização
por vezes bastante difícil. Para continuar com Shakespeare,
como compreender seu processo de consagração sem recor-
rer a fórmulas pouco explicativas que atribuem isso ao fato
de ele ser um gênio ou à qualidade estética insuperável de
suas peças? O esforço depende de uma perspectiva antropo-
lógica que relativize os critérios que, em nossa sociedade,
definem o que é considerado arte e o que não possui esse
status, o que é belo e o que é feio, o que é de bom ou de mau
gosto.
Assim como a arte não é algo destacado da prática
social, as visões de mundo veiculadas por meio da criação
literária não são elaborações de um indivíduo isolado. Elas
são compartilhadas e também referidas a grupos sociais
mais amplos e, nesse sentido, são coletivas. Um autor
Litera tura e socie dade
33

impo rtant e nessa argu ment ação é Lucien Gold mann . Para
ele, o verd adeir o sujeito da criação literá ria é o sujeito
coletivo, pois este expressa as necessida des e a consciência
empí rica de um grup o ou classe social, capta ndo as «es-
trutu ras significativas" do processo histórico. Essa coleti-
vidad e é enten dida com o uma comp lexa rede de relações
inter indiv iduai s, que "fala" através do criad or. Segundo
Gold mann ,

a experiência de um só indivíduo é muit o pequena e


muit o limitada para poder criar semelhante estrutura
mental. Esta só pode ser o resultado da atividade conju nta
de um núm ero considerável de indivíduos, que se encon-
trem num a situação análoga, ou seja, que constituam um
grup o social privilegiado. Indivíduos que tenha m vivido
muit o temp o e intensamente um conju nto de problemas
e que se tenha m esforçado para dar-lhes uma solução
significativa. Isso significa que as estruturas mentais, ou,
empregando um term o mais abstrato, as estruturas cate-
goriais significativas, não são fenômenos individuais, mas
fenômenos sociais.

A parti r dessa abor dage m, Gold man n identifica a ne-


cessidade de se adot ar uma persp ectiv a da criação artística
que proc ure não coisificá-la, não torná -la uma esfera distin-
ta e isolada por princ ípio das outra s atividades hum anas. Se
os indiv íduo s elabo ram suas visões de mun do como parte
de sua experiência, que nece ssari amen te é comp artilh ada
com um ou mais grup os sociais, o que é trans form ado em
litera tura é algo que foi cons truíd o coletivamente. Essas
34 Adriana Facina

formulações nos ajudam a pensar a natureza do trabalho


intelectual e da categoria social dos intelectuais.

Os intelectuais e o papel da arte. Se nem todo escritor sofre


um processo de consagração que o faz ser considerado um
artista, é possível dizer que todos os escritores são intelec-
tuais. Como formuladores de idéias, veiculadores dessas
visões de mundo que Goldmann considera serem coletivas,
os escritores exercem a função social de intelectuais.
O surgimento do termo intelectual está ligado à criação
do substantivo intelligentsia na metade do século XIX na
Rússia, o qual, ao ser difundido pelo Ocidente, passou a
designar a categoria social das pessoas cultas. Ao final desse
mesmo século, apareceu o termo intellectuels na língua
francesa. Isto se dá com a publicação do «Manifeste des
intellectuels': no diário Aurore de 14 de janeiro de 1898,
assinado por escritores como Émile Zola e Marcel Proust,
que defendiam a revisão do processo Dreyfus. A partir de
então, a palavra intelectual ganhou um duplo sentido: à
referência ao cultivo e à instrução une-se o engajamento nos
debates públicos como elementos que definem essa catego-
ria social.
Alfred Dreyfus era um capitão judeu d o exército fran-
cês que, em 1894, com base em algu mas evidências superfi-
ciais, foi condenado à prisão perpétua e submetido a uma
cerimónia de h um ilhação pública, acusado de espio nagem
e traição. A pós muilas reviravo ltas no processo, influencia-
das inclusive por manifesta ções públicas, Dreyfu s seria ino-
Literatu ra e socieda de 35

centado e libertad o, sendo reabilit ado e tendo sua patente


restituí da sete anos mais tarde.
Entre as manife stações pública s em defesa de Dreyfu s,
a mais iinport ante - e também a mais relevan te para o
argume nto deste livro - foi o panflet o intitula do «Eu
acuso!", assinad o por Émile Zola e publica do a 13 de janeiro
de 1898. Esse texto se tornou a princip al express ão daquele s
que na época foram chamad os de dreyfusards, os que defen-
diam publica mente a inocênc ia de Dreyfu s.
Esse episódi o, aparen tement e apenas um caso de intri-
ga e espiona gem, mobiliz ou toda a opinião pública frances a,
que se dividiu entre dreyfusards e antidreyfusards. A partir
de 1898, o caso inspira va tumult os e batalha s nas ruas de
Paris e de alguma s cidades de provínc ia. Usualm ente, os que
acusav am Dreyfu s eram identifi cados com a «velha França",
express ão da Igreja, do Exércit o e da alta burgue sia, enquan -
to que os pró-Dr eyfus se filiavam à heranç a das revoluç ões
francesas. Desde o final da década de 1880, esses setores da
socieda de associa dos à velha França passara m a fazer dos
judeus um alvo cada vez mais constan te de campan has
difama tórias, culpan do-os de traição contra a França, espé-
cie de inimigo s interno s a serem combat idos. Portant o, na
lógica do anti-se mitism o, era natural que Dreyfu s fosse
aponta do como o respons ável por enviar segredo s militare s
franceses ao exército inimigo .
Com a publica ção do panflet o de Zola, na edição espe-
cial do jornal L'Aurore que vendeu 300 mil exempl ares em
poucas horas, os dreyfusards reagira m publica mente a essa
visão anti-se mita e a tudo que ela significava. O texto tem a
36 Adria na Facin a

form a de uma carta ende reçad a ao presi dent e da República,


em que o auto r acus a uma série de auto ridad es impo rtant es
de estar em se utiliz ando de Drey fus para desv iar a atenç ão
do públ ico de seus próp rios erros , polít icos e mora is, e de
sua inco mpet ência . O cará ter de inter venç ão do "Eu acuso!"
e sua assin atura por wn litera to escre vend o na prim eira
pesso a marc am, simb olica men te, um tipo de relaç ão entre
litera tura e polít ica, assim com o uma conc epçã o acerca da
natu reza do traba lho intel ectua l. Essa categ oria social nova
que emer ge nesse mom ento é, segu ndo Beno it Deni s,

um conju nto relati vame nte heter ogên eo de atore s sociais


( cientistas, unive rsitár ios, escri tores ... ) que têm em co-
mum , além de serem profi ssion ais que traba lham no
camp o das idéias e dos saber es, de terem cheg ado, nos seus
setor es respectiYos de ativid ades, a um grau sufic iente de
auto nom ia e de prestígio para reivi ndica r um direi to de
inter vir nos negó cios públicos. Em outro s term os, o inte-
lectu al é aque le que, invoc ando a comp etênc ia que lhe
recon hece m na sua disci plina , deseja «abu sar" dela para a
boa causa, quer dizer, para toma r posiç ão no debate
públi co em nom e dos valores desin teres sado s que orien -
tam o seu traba lho de escri tor, cient ista ou professor. O
ín te1ectual tem porta nto a posiç ão do árbit ro e do fran -
co-at irado r, e usa da sua posiç ão de exter iorid ade com
relação a esfer a poüti ca para profe rir uma palavra ao
mesm o temp o autor izada e carismática.

O fato de os dreyfusards terem ganh ado a ba talha da


opinião públ ica conferiu legit imidad e à inten1en ção política
Literat ura e socieda de 37

específica do intelec tual. No en tanto, esse epi sódio sugere


algum as questõ es centrais para o tema dos 1ntelectuais. A
literatura deve ser engajada, ou melhor, a criação literária
deve estar submetida aos propó sitos políticos dos escritores?
Ou o texto literário merece ser preservado, nas suas especi-
ficidades formais e de conteúdo, dos debate s públicos, que
devem se expressar em escritos de outra natureza? Os inte-
lectuais/ escritores possu em uma tarefa política que ul-
trapassa o trabal ho de produ zir literatura ou é esta a sua
função social primordial? Há um ponto de vista específico
da camada intelectual sobre os assuntos públicos ou suas
visões são informadas, entre outras coisas, por sua inserção
de classe?
Um dos grandes debates que marca m o campo artísti-
co-intelectual contem porân eo, desde pelo menos o século
XIX, opõe os que defen dem a "arte pela arte" e os que
advogam a idéia de que a arte e a literat ura devem ser
atividades politic ament e engajadas. Ambas as correntes des-
se debate são bastan te heterogêneas, mas, de modo geral,
podemos dizer que os prime iros acredi tam que a arte é um
fim em si e que a princi pal tarefa dos artistas e intelectuais
é produ zir idéias e obras no âmbit o de sua competência
específica, o que exclui a interv enção nos assuntos públicos.
Já os que defen dem o engaja mento creêm que artistas e
intelectuais têm a respon sabilid ade de assum ir comp ro-
missos em relação à coletividade, ou, em outros termo s, de
"descobrir no coraçã o da intenç ão estética um imperativo
ético". Para o escrito r engajado, a obra literária não é uma
"finalidade sem fim", mas sim um meio de se comba ter por
38 Adriana Facina

um projeto ético-político que co1numente está associado a


valores considerados universais, tais como justiça e liber-
dade.
Os que defendem o princípio da «finalidade sem fim"
argumentam que, ao fazer da obra literária um meio para
fins que estão fora da própria obra, o escritor engajado não
faria arte, concebida como algo universal e atemporal, mas
sim textos que, por não privilegiarem a dimensão estética,
estariam rapidamente fadados ao esquecimento , pois não
teriam nada a comunicar para as gerações futuras. Um dos
exemplos históricos mais radicais dessa submissão dos as-
pectos formais a um fim extraliterário foi o realismo socia-
lista soviético. Transformado no estilo artístico oficial do
período stalinista, o realismo socialista pressupunha uma
arte com finalidades de propaganda política que visava,
entre outras coisas, promover o culto à personalidade de
Stálin e evitar dissensões na sociedade.
No entanto, foram muitos os escritores que explicita-
mente colocaram a sua obra a serviço de tarefas políticas
sem deixar de fazer da dimensão estética um aspecto fun-
damental da criação artística. Para permanecerm os no cam-
po do socialismo, o poeta russo Vladimir Maiakóvski, no
contexto da Revolução Bolchevique de 191 7, promoveu a
associação entre arte de van guarda, com prometida co1n
experimentalismos formais, e transformaçã o da atividade
artística num meio para propagandea r a revolução e defen -
der os ideais socialistas. Em conjunto con1 outros artistas,
Maiakóvski foi um dos mai s ativos articuladores do agit-
prop, agitação e propaganda, pro movendo eventos literá-
Literatu ra e soc iedade 39

rios, perform ances, encenação de peças teatrais e confecção


de cartazes que, através de u1na estética vanguardista, afina -
da com outros 1novin1 entos artísticos que floresc iam na
Europa naquele mo1nento, buscavam conqui star se tores da
sociedade soviética para a causa revolucio nária.
Outro exempl o iinport ante é o de Bertolt Brecht. O
dramaturgo alemão classificou como didáticas algumas de
suas peças e teorizou sobre o efeito de estranh amento que a
encenação teatral deveria causar na platéia, fazendo do
combate ao nazismo e da crítica ao capitalismo motivo s
centrais em suas obras. Brecht defendeu que a arte deveria
ter um compro misso com a verdade, denunc iando as injus-
tiças e as desigualdades, mas nunca abando nou a elaboração
formal de seus escritos literários em nome do compro misso
de comun icar determ inados conteúdos. Ao contrário, o que
a sua teoria do efeito de estranh amento mostra é que só
através da elaboração da dimens ão estética se poderia levar
a platéia a refletir criticamente sobre a ação que se desenro -
lava no palco. Daí a preocu pação com a forma dos diálogos,
com a técnica de atuação dos atores, com o recurso à música
e à poesia.
Tanto na defesa da arte engajada quanto na da "arte
pela arte" existem várias visões sobre o lugar social a partir
do qual os intelec tuais vêem o mundo . Quand o se afirma
que o trabalh o intelec tual tem uma validade que se esgota
em si mesma e que, por isso, é desinteressado, atribui -se
aos literato s uma posição social que tem como premissa
uma concep ção idealista da cultura , que a vê como um
mundo à parte, autôno mo em relação à sociedade. Há
r
40 Adriana Facina

outra perspectiv a que procura legitimar a intervenção dos


intelectuais nos debates públicos com base na afirmação
de que a natureza de seu trabalho com as idéias e a sua
posição social específica lhe permitiria escapar das visões
parciais, marcadas por conflitos de interesses, e produzir
perspectivas mais totalizantes e, poderíam os até dizer,
menos alienadas. Essa visão também confere à cultura e
aos seus profissionais, os intelectuais, uma grande auto-
nomia em relação à sociedade.
No campo da sociologia dos intelectuais, as reflexões
de Karl Mannheim apontam nessa direção. A tentativa de
elaborar uma análise sociológica dos intelectuais fez com
que esse autor, seguindo a formulação de Alfred Weber, os
caracterizasse como ((intelligentsia socialmente desvincu-
lada". Essa relativa ausência de vínculos sociais seria fruto
de um desenvolvimento histórico que fez com que o mun-
do das letras se tornasse progressivamente mais aberto a
indivíduo s oriundos de camadas sociais mais diversifica-
das. Por isso, seria impossível basear a análise sociológica
da intelectualidade na investigação sobre as origens de
classe, no sentido de lugar ocupado na produção, de seus
membros.
Porém, os intelectuais não estariam acima das classes.
Eles formariam uma camada intersticial, com a caracterís-
tica de estar equipada para encarar os problemas de sua
época sob diferentes ângulos,, sendo mais flui da e instável
do que as outras. Em resposta aos' críticos que o acusaram
de defender que os intelectuais pairariam aciina da socieda-
de, Mannheim afirma que "os intelectuais não constituem
Lil C' rdllll cJ (' ~oc lcdad e 1

u1nn c11nach1 clcvndn '1 <: i nrn du s rlnsscs e de 1na11cira alguma


estão 1nclhor dotados q uc outros grupos da capacidade de
superar seus rróprios vf ucul os de clnssc,~ Ele diz que o
relativo desco tnpro,nisso dos intelectu ais nao si.gni fica que
eles são un1 grupo intciran1 cnl'c dcsligndo da s relações de
classe~ e que pretendia dc1nonstrar "si1nptcsn1ent e que cer-
tos tipos de intelectual tên1 maiores oportunidades de testar
e usar as visões socialn1ente disponíveis e de experimentar
suas incoerências».
Segundo a classificação proposta pelo ·m arxista italiano
Antonio Gramsci, haveria u1na categoria de intelectual que
seria o oposto dessa camada relativamente sem vinculos de
que fala Mannheirn: os intelectuais orgânicos. Estes seriam
criados por cada grupo social, definido pelo papel que
desempenha no mundo da produção econômica, com a
função de dar-lhes «ho1nogeneid ade e consciência da pró-
pria função, não apenas no campo econômico, mas também
no social e no político». Em contraste com os intelectuais
orgânicos, se1npre vinculados ao desenvolvüne nto histórico
de classes sociais determinadas , Gramsci aponta os intelec-
tuais tradicionais como aqueles que se consideram autôno-
mos e independente s do grupo social dominante. Esses
intelectuais tradicionais seriam mais próximos da formula-
ção de Mannheim e, para Gra1nsci, seriam expressão de uma
utopia social, baseada na idéia de que formariam uma
camada social com características próprias, conferidas pela
sua qualificação e pela coesão de seu "espírito de grupo':
Preocupado com a fonnação de un1a nova camada
intelectual, ligada ao proletariado industrial moderno,
42 Adriana Facina

Gramsci afirma que a distinção entre intelectuais e não-


intelectuais diz respeito à função social de cada um desses
grupos, e não às suas qualidades intrínsecas. Nesse sentido
ampliado, todos os seres humanos são intelectuais, pois
não há atividade humana que não inclua algum nível de
intervenção intelectual. Porém, nem todos desempenham
a função de intelectuais, voltada para a organização da
cultura.
Em todas essas reflexões há um ponto em comum: a
preocupação com a natureza das intervenções dos intelec-
tuais nos debates públicos de sua época. Essa preocupação
tem a ver co~ a ampliação das próprias camadas intelec-
tuais no mundo contemporâneo. A expansão do ensino
público, a crescente divisão do trabalho, o desenvolvimento
dos meios de comunicação, a especialização dos campos de
saber, a ampliação da burocracia estatal exigindo o recruta-
mento de "técnicos" de diversas áreas, todos esses são pro-
cessos que geram camadas intelectuais cada vez mais amplas
e diversificadas. No entanto, ainda que se reconheçam fun-
ções específicas para essas camadas intelectuais, sua auto-
nomia é sempre relativa. Mesmo aqueles intelectuais que
procuram se distanciar dos problemas mundanos e das
questões políticas, vistos por eles como não relacionados ao
trabalho intelectual, in evitavelmente produzem obras que
são parte de uma experiê ncia social mais ampla. Essas obras
são, portanto, histó ricas e, a despei to das intenções de seus
criadores, suas idéias vivem no terreno material das relações
humanas.
Literatura e socie dade 43

A literatura e a pesquisa em ciências sociais

A partir de todas essas discussões, co mo podemos propor


rnétodos para o uso da literatura em pesqui sas no campo
das ciências sociais? Co1no se pode co nst ruir um enfoque
que, embora dependa das contribuições de outras áreas,
como a teoria literária ou mesmo a lingüística, seja especí-
fico da história, da sociologia ou da antropologia?
De modo geral, pode-se afirmar que há duas maneiras
mais freqüentes de se trabalhar com a literatura nessa área.
Numa delas, o pesquisador utiliza os textos literários como
um tipo de fonte, entre vários outros, para desenvolver um
determina do tema. Entre a multiplicidade de caminhos
possíveis, podemos citar como exemplo clássico uma pes-
quisa que investigue o impacto das reformas urbanas
empreend idas pelo prefeito Pereira Passos no Rio de
Janeiro para a vida das classes trabalhado ras, em inícios
do século XX, incluindo no corpus document al crônicas de
escritores da época, como João do Rio e Lima Barreto, que
expuseram as suas idéias sobre esse processo. Nesse caso,
a obra literária e seu autor não são o foco principal da
pesquisa. Embora esse não seja o tipo de uso que mais
interessa desenvolver aqui, valem para ele todas as consi-
derações acerca da relação entre literatura e sociedade que
foram feitas anteriorm ente. Se o texto literário possui
especificidades, tais como o recurso à ficção e o experi-
mento com a linguagem , por outro lado ele exige o
tratament o dispensad o às outras fontes primárias. Dizen-
do de outro modo, é preciso situar histórica e sociologi-
- - - - -- -- -- -

44 Adriana Facina

camente autores e obras, definindo o lu gar social de onde


elas eram escritas, em que veículos eram publicadas , quern
era O público a quem o autor se dirigia, quem eram seus
interlocutores, com quem ele polem izava etc. Os olhares
desses escritores sobre a sua sociedade e sobre os debates
públicos mais important es de sua época precisam ser
contextual izados.
Outra maneira de se trabalhar com a literatura no
campo das ciências sociais é fazer da própria criação literá-
ria o objeto de investigação. Também nesse caso há vários
caminhos possíveis: o estudo de moviment os literários, a
análise de instituições de literatos (como as Academias de
Letras), a história de obras específicas (sua produção e/ou
recepção), a investigação de redes de escritores, o estudo da
trajetória de um determina do autor e suas obras, de temas
específicos em um ou mais autores (por exemplo, as relações
de gênero na dramaturg ia de Nelson Rodrigues ou nos
romances de José de Alencar), entre outros.
Se a questão da autoria é particularm ente relevante
quando se trata de fontes literárias, o cientista social que se
dedica a investigar autores específicos, em especial os con-
sagrados, precisa tomar alguns cuidados. A valorização da
«arte de artista" no mundo contempo râneo, como vimos,
superdime nsiona o papel do indivíduo na criação literária.
Como conseqüência disso, às vezes há a tendência de se
considerar os dados biográfico s do autor como a chave
principal para a interpretação de suas obras. É claro que
estudar as obras de um autor requer que se procure infor-
mações sobre a sua trajetória pessoal; no entanto, essas
Literatura e sociedade 45

informações são apenas um elemento, entre vários outros,


que informa a investigação.
Com isso, é possível se distanciar de interpretações
excessivamente psicologizantes, que poderiam buscar nos
episódios das histórias de vida dos literatos a fonte privile-
giada para a elucidação de suas obras. Isso reforçaria ainda
mais a idéia de que estas são expressões de uma individua-
lidade, de um gênio singular, e não, como nos interessa mais,
frutos de valores, idéias e experiências que são compartilha-
dos socialmente e que se opõem aos valores, idéias e expe-
riências produzidos por outros coletivos. A análise de dados
referentes às vidas privadas dos autores é importante, em
especial no caso de estudos biográficos, mas insuficiente
para uma abordagem que perceba nas obras literárias e no
seu processo de criação um fenômeno cultural complexo.
Outra dificuldade que decorre do estudo de obras
literárias de um determinado autor é o que Bourdieu deno-
minou "ilusão biográfica". Ele define a biografia como um
relato construído como um todo com sentido. Essa constru-
ção, assim como a narrativa histórica, envolve uma seleção
mais ou menos consciente dos eventos que devem constar
no relato, de modo que ele tenha coerência e unidade. A
coerência e a unidade do eu são vistas como correlatas à
unidade do todo social, expressando dessa forma a valori-
zação do indivíduo nas sociedades ocidentais. Mas a biogra-
fia também deve ter um sentido que, assim como a coerên-
cia, seja uma construção a posteriori e torne possível a
identificação de um projeto que norteia as trajetórias indi-
viduais. A ilusão que se produz é de que a história de vida
Adri ana Facina

do indivíduo apo nta para um dete rmin ado sentido, e tam


-
bém para uma dete rmin ada significação, desenvolvendo-se
linearmente em uma direção. Mas, na verdade, a relação
é
inversa, pois, sendo o relato biográfico uma construção,
é
ele que organiza a história de vida é busca dar-lhe significa
-
do.Trata-se, port anto , de uma criação artificial de sentido.
Assim, às vezes acabamos prio riza ndo na trajetória de vida
de um escritor todos os fatos que con firm am a sua vocação
literária, ou tudo aquilo que, à luz de sua obra, parece ser
mais relevante. Muitas vezes isso tam bém con tribu i para
que se perceba auto r e obra como um bloco monolítico, sem
levar em consideração que suas idéias e sua visão de mundo,
assim com o a sua posição no cam po intelectual, são reela
-
boradas ao longo de sua trajetória.
Em pelo men os do_is sentidos, analisar o processo de
criação literária requer um exercício antropológico. É pre-
ciso ente nde r a lógica das visões de mun do, dos juízos
de
valor e das opiniões políticas que os escritores elaboram em
seus textos. Con cord emo s ou não com suas idéias, explicá-
las dep end e do reconhecimento de uma estr utur a de argu
-
mentação, que pod e ser mais ou men os coerente, mas que
é constitutiva do que Clifford Geertz chamaria de ((ponto
de vista nativo". Assim pod emo s evitar rótulos, prejulga
-
mentos, clas sificações rígidas que, por vezes, obscurecem
contradições e ambigüidades que, inco rpor adas à pesquisa
,
a torn am mais enriquecedora.
Esse proc edim ento tam bém imp ede que se assuma de
maneira irrefletida um senso com um acerca de autores
e
obra s, elaborado a part ir de un1a divulgação, de certo mod
o
Literatura e sociedade 47

simplificadora, do trabalho da crítica literária. Para tomar


o exemplo de Nelson Rodrigues, é recorrente a afirmação
de que existem dois nelsons. Um, o dramaturg o revolucio-
nário e genial, e o outro, um cronista reacionário que apoia-
va o regime militar. Superar essa dicotomia requer que se
pense o autor e sua obra como um conjunto dinâmico, que
se transform a ao longo do tempo, e que é marcado por
contradições constitutivas. Ter em conta essa complexidade
do objeto da análise é parte fundamental da elaboração de
um olhar antropológico sobre a criação literária.
Esse exercício antropológico deve voltar-se também
para a compreensão de padrões estéticos e de gosto muitas
vezes radicalmente diferentes dos atuais. Uma vez que esses
padrões tendem a ser naturalizados e que no texto literário
forma e conteúdo são indissociáveis, possíveis juízos estéti-
cos devem ser evitados como elementos analíticos. A gran-
diloqüência de muitas poesias de Castro Alves, por exemplo,
pode estar muito longe do que os padrões atuais definem
como boa poesia, parecendo a nós algo estranho, exagerado
ou, por vezes, ingênuo. No entanto, devemos saber que essas
poesias eram feitas para a declamação, o que lhes confere
certa especificidade em relação às poesias escritas para se-
rem lidas. Do mesmo modo, o que alguns críticos li.terários
consideram imperfeições formais ou equívocos estéticos, da
perspectiva do cientista social são elementos que poderiam
ter outro sentido na época, ou no contexto social, em que
os textos foram escritos. Nesse caso, para escapar de anacro-
nismos e etnocentrismos, convém lembrar que os padrões
de gosto e os juízos estéticos, por mais consolidados e
48 Adrian a Facina

aparentemente imutáveis que nos pareça m, são históricos,


e não universais.

Considerações fina is

O que apresentei aqui foi uma reflexão inspirada em deter-


minadas opções teóricas e metodológicas que considero
relevantes para a pesquisa sobre criação literária, sob o
ponto de vista das ciências sociais. Essa perspectiva tende a
privilegiar a análise das obras e dos autores em seus contex-
tos, muito mais do que o estudo específico dos aspectos
formais dos textos literários.
Meu objetivo não foi o de oferecer fórmulas de traba-
lho prontas ou respostas definitivas às questões propostas,
mas sim o de estimular novos questionamentos. Mesmo
para quem não pretende desenvolver pesquisas com litera-
tura, o contato com os problemas suscitados pode ser inte-
lectualmente, e existencialmente, interessante, pois, cotno
diz Umberto Eco, as obras literárias tên1 o fascinante poder
de nos colocar "diante das ambigüidades, da lingua ge111 e da
vida».
Referências e fontes

Sobrea relação entre literatura e política após 1848ver, de


Benoit Denis, Literatura e engajamento (Bauru, Edusc,
2002). Do mesmo livro foram retiradas as citações das
páginas 36 e 37 (op.cit., p.210 e 34-5, respectivamente).
Aobrade Norbert Elias aque me refiro nas páginas 11-14
éO processo civilizador (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1990,
vol.1), e nas páginas 26-7, Mozart: Sociologia de um gènio
(Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995).
As afirmações nas páginas 14 e 15 são de Raymond
Williamseforam reproduzidas de Marxismo eliteratura, de
onde provém também a reflexão mencionada às páginas
18-19 (Rio de Janeiro, Zahar, 1979, p.19, 23 e 25 respectiva
mente). De seu livro Cultura são as citações das páginas 23-4
(Riode Janeiro, Paz e Terra, 1992, p. 23-4).
Para a discussão da página 16 ver também Denys Cuche,
Anoção de cultura nas ciências sociais (Bauru, Edusc, 1999).
Para uma síntese da argumentação das páginas 20-1l ver
Dicionário do pensamento mnarxista (Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 1988).
Aexpressão de Brecht citada na página 21 foi retirada
de Carlos Eduardo JordãoMachado, Um capítulo da história
da modernidade estética: Debate sobre o expressionismo (São
Paulo, Unesp, 1998, p.240).

49
dePaulo,
Foracchi, páginasde 1988).clínio p.637.) Bobbio tuais" Janeiro,Genet" foi Janeiro, Janaína "Ate).Paulo, páginas 1998).Costumes 50
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