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OS COSTUMES E AS MUDANÇAS DA CULTURA CIGANA – A QUESTÃO DO

HIBRIDISMO CULTURAL

BIANCA INGREDY NAZARÉ BRITO1


Campos dos Goytacazes

Resumo: O presente pré-projeto de pesquisa tem como objeto de estudo os ciganos


e o hibridismo cultural que seria uma correlação da cultura cigana com outras culturas
e a forma como isso vem se tornando tangível, ao ponto dessa cultura vim se
transformando intermitentemente. A partir das divergências entre mudanças
surpreendentes e aspectos culturais que ainda continuam extremamente enraizados,
abordaremos modificações culturais como o abandono do nomadismo, mudanças
religiosas, o cigano enquanto aluno escolar e, também, as singularidades presentes
na cultura, que até hoje é extremamente patriarcal, aspectos que observamos serem
de extrema importância na abordagem desse projeto.
Dessa forma, analisaremos a cultura cigana e as suas transições na região Norte
Fluminense, especificamente nas cidades de Carabepus e Quissamã.
Palavras-chave: Ciganos; cultura; hibridismo e geografia cultural

Abstract: The present pre-project of research has as object of study the gypsies and
the cultural hybridism that would be a correlation of the gypsy culture with other
cultures and the way in which it has become tangible, to the point of that culture I have
been changing intermittently. From the divergences between surprising changes and
cultural aspects that still remain extremely ingrained, we will address cultural changes
such as the abandonment of nomadism, religious changes, the gypsy as a school pupil,
and also the singularities present in the culture that until today is extremely patriarchal,
aspects that we observe are extremely important in the approach to this project.

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- Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense.

ISSN: 2175-8875 www.enanpege.ggf.br/2017

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In this way, we will analyze the gypsy culture and its transitions in the North Fluminense
region, specifically in the cities of Carabepus and Quissamã.
Key-words: Gypsies, culture, hybridism and geography culture.

1 – Introdução
O presente projeto de pesquisa pretende analisar o hibridismo cultural que seria
como uma correlação da cultura cigana com outras culturas e a forma como esse
hibridismo vem se tornando tangível, ao ponto dessa cultura se transformar
constantemente.
O desenvolvimento deste projeto de pesquisa se ampara no estudo realizado
anteriormente durante a pesquisa desenvolvida e fomentada pelo Programa de bolsa
de desenvolvimento acadêmico, intitulada “Cultura cigana, um híbrido?” 2. Em seu
primeiro ano (2013) foi estudado o acampamento de Carapebus, a composição
espacial, as hierarquias e atividades praticadas pelos ciganos no dia a dia. A partir de
análises das dinâmicas internas foi possível delimitar os conceitos que seriam a base
da discussão teórica e através da observação perceber que seria possível obter um
aprofundamento na questão do hibridismo cultural, a princípio pela questão da religião
e no decorrer desse período também foi observado à mudança nas questões
relacionadas à tecnologia.
Acerca do conceito, optou-se pelo “lugar”, a princípio seria utilizada a definição
de Yi-Fu Tuan, porém priorizou-se uma definição menos romantizada da Doreen
Massey.
Trata-se, na verdade, de um lugar de encontro; Assim, em vez
de pensar os lugares como áreas com fronteiras ao redor, pode-
se imaginá-los como momentos articulados em redes de
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Essa pesquisa teve como produto o Trabalho de Conclusão de Curso em Licenciatura em Geografia, da
Universidade Federal Fluminense, Instituto de ciências da sociedade e desenvolvimento regional, intitulado:
“Cultura cigana, um híbrido?”.

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relações e entendimentos sociais se constroem numa escala
muito maior do que costumávamos definir para esse momento
como o lugar em si, seja uma ria, uma região ou um continente.
Isso por sua vez, permite um sentido do lugar que é extrovertida,
que inclui uma consciência de suas ligações com o mundo mais
amplo, que integra de forma positiva e global. (MASSEN, D.
2000, p.184).

O lugar não é inerte, é um processo que é conceituado a partir das relações


sociais. O sentido de lugar para a autora, também não é concebido simplesmente por
sua contraposição com o exterior, mas sim das suas particularidades em correlação a
esse exterior, ou seja, o entendimento do “caráter” de lugar, só pode ser concebido
por meio dessa correlação desse lugar com outros lugares.
Essa definição do conceito de lugar também foi ao encontro de outra
delimitação feita, que seria trabalhar a questão do hibridismo cultural e com essas
características do conceito descrito por Massey foi possível expandir e explorar ainda
mais, como Hall diz que (2014, p.52)
Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não
são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre
diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo
tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto
desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são
cada vez mais comuns num mundo globalizado.

E então, a partir dos pressupostos citados acima surgiu à questão do conceito


do espaço, visto que não é possível que exista o hibridismo fora do espaço, pois sem
o espaço não há multiplicidade e sem multiplicidade não há espaço. Se o espaço é
indiscutivelmente produto de inter-relações, então isso deve implicar na existência da
pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constituitivos. (MASSEY, 2004, p.2). Essa
esfera de possibilidade é a interação de culturas diferentes, que ao decorrer do tempo
tem gerado o hibridismo cultural.

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Após dois anos de pesquisa no acampamento de Carapebus os ciganos se
deslocaram para diferentes partes do Brasil, fazendo com que a pesquisa tomasse
outro caminho, a partir desse pressuposto, foi necessária a transferência da pesquisa
para o acampamento situado na cidade de Quissamã, onde foi delimitado, de acordo
com as idiossincrasias do local, outros pontos a serem pesquisados: o
desenvolvimento de uma pesquisa fotoétnografica e a questão do cigano enquanto
aluno.
Partindo do pressuposto acima, essa pesquisa fotoetnográfica tem por
objetivo o aprofundamento no estudo sobre os ciganos, a fim de mostrar a realidade
que eles constroem e vive todos os dias, assim como, ilustrar a pesquisa escrita.
Primeiramente, a ideia seria tentar comprovar muitas das afirmações feitas nessa
pesquisa através das fotografias, porém, no decorrer da pesquisa fotoetnográfica
descobriu-se a grande dificuldade em fotografar os ciganos, pois em um local onde
todos os olhos estão voltados para você, capturar um momento sem que ninguém o
perceba se torna muito complexo.
Esta pesquisa nos possibilitou maior aproximação com a temática cultura
cigana na Geografia, analisando os diferentes conceitos através do acampamento.
Também foi possível através da pesquisa uma análise, que precisa ser mais
pesquisada, da escola e do ensino para os ciganos.
Desse modo, propõe-se desenvolver neste projeto um estudo sobre o
hibridismo cultural, apropriação do espaço, interação do mesmo através dos ciganos
e não-ciganos, o cigano enquanto um aluno, para que possamos compreender como
essas relações se desenvolvem, como estão desenvolvidas e como modificam a
cultura cigana.

2 – Desenvolvimento

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A história dos ciganos no Brasil
Pouco se sabe sobre as origens ciganas e sobre de onde vieram ou como chegaram
ao Brasil. Existe uma quantidade reduzida de documentos que falam sobre a sua
chegada no Brasil o que dificulta uma pesquisa aprofundada. Todavia, tomando as
palavras de Rezende (1998, p.23):
À parte a complexa definição da identidade cigana, a
documentação conhecida indica que sua história no Brasil
iniciou em 1574, quando o cigano João Torres, sua mulher e
filhos foram desagregados para o Brasil. Em Minas Gerais, a
presença cigana é nitidamente notada a partir de 1718, quando
chegam ciganos vindos da Bahia, para onde haviam sido
deportados de Portugal.

Mas de onde vieram os Ciganos? Segundo Pohl (apud REZENDE, p.33): "No
Brasil os ciganos afirmam também que procedem do Egito; e contam a velha lenda de
que, por terem recusado hospedagem à Virgem Maria quando ela fugia, peregrinam
sobre a terra dispersos, sem pátria, por todos os tempos." No Brasil muitos declaram
que seus ancestrais são do Egito, em Carapebus não é diferente, todos os ciganos
declaram que seu tronco veio do Egito, ou seja, seus descendentes.

A deportação de ciganos portugueses para o Brasil, ao que tudo


indica, só começou mesmo a partir de 1686. Dois documentos
portugueses daquele ano informam que os ciganos deviam ser
degredados também para o Maranhão. (COUTO apud
REZENDE 1998, p.35).

Os ciganos ao chegarem ao Brasil foram para o Rio de Janeiro, inicialmente,


se instalaram em brejos, porque não tinham facilidade em se adaptar e também não
eram bem aceitos pela população. Porém, segundo Rezende (1998), quando o vice-
rei Luís Vasconcellos e Sousa iniciou o saneamento desses brejos os ciganos
precisaram se mudar.

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Não foram para longe. Com o consentimento tácito ou formal da
Ordem do Carmo, instalaram–se na chácara que fora de Paula
Carvalho, junto às divisas das terras de Coelho da Silva. Aí
levantaram as suas casas, formando uma nova rua, em ângulo
reto com a de São Jorge e que deles tomou o nome,
conservando-o até à época da Independência. Desde então até
hoje a antiga rua dos Ciganos manteve a designação de rua da
Constituição, ligando o Largo do Rossio à atual Praça da
República. (COROACY apud REZENDE,1990, p.40)

Contudo, apesar dos poucos documentos encontrados pode-se dizer que os


ciganos que vieram para o Brasil foram por meio da escravidão ou em busca de
melhores condições de vida. No caso de Quissamã e de Carapebus os ciganos
também afirmam ter seu tronco vindo do Egito, porém, não existem documentos que
comprovem isso.

2.2. O hibridismo cultural presente na cultura cigana

“Não pratico a leitura de mãos, porque isso vai contra aquilo que
eu acredito”. Mulher cigana, 39 anos.

Entende-se que o conceito de cultura é dinâmico, mutável e com o decorrer do


tempo vai se reformulando, a partir disso, observa-se que a cultura cigana de hoje não
é a mesma cultura de ontem e nem será a mesma de amanhã, portanto, será utilizado
nesse projeto o termo “hibridismo cultural” para nomear esse fenômeno presente na
cultura cigana e em todas as outras culturas. Segundo Cancline:

“A ênfase na hibridação não enclausura apenas a pretensão de


estabelecer identidades “puras” ou “autênticas”. Além disso, põe
em evidência o risco de delimitar identidades locais autocontidas

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ou que tentem afirmar-se como radicalmente opostas à sociedade
nacional ou à globalização (CANCLINI, 2008: XXIII).”

Pode-se observar no acampamento que muitas ciganas não trabalham mais


com a leitura de mãos, porque se converteram ao cristianismo e fazem parte de igrejas
evangélicas locais. Em conversa com uma cigana evangélica ela afirmou que: “- não
pratico a leitura de mãos, porque isso vai contra aquilo que eu acredito”. Esta cigana
afirmou que tentou por diversas vezes praticar a leitura de mãos, teve treinamento,
porém, não conseguia passar confiança para as pessoas. Ela disse que: “–
Observamos as roupas das pessoas, como andam, se aparentam ter riqueza ou se
parecem pessoas mais pobres, falamos a partir daquilo que vemos, eu não conseguia
convencer as pessoas que tinha algo além disso, por isso parei.” Segundo Bastos
(2006, p.87) uma das consequências dos ciganos se converter ao evangelismo é: [...]
o afastamento da consulta às bruxas, agora vistas como demoníacas. Podemos
observar que antigamente as ciganas tinham orgulho da leitura de mãos, era uma de
suas tantas singularidades que atraiam a atenção das pessoas não ciganas. Cabe
destacar que nem todas as ciganas deixaram de fazer essa leitura, mas que essa
prática vem sendo cada vez mais deixada pra trás e as ciganas mais velhas são as
que ainda a praticam.

Partindo do pressuposto das mudanças que vem ocorrendo na cultura cigana,


não se pode deixar de citar a questão do nomadismo, pois, atualmente muitos ciganos
não são mais nômades e já substituíram as barracas por casas e a identidade fixa e
mutável sugerido pela literatura ciganológica faz acreditar que o fato deles não serem
mais nômades eles deixariam de ser ciganos, porém, muitos ciganos não são
nômades, não falam o dialeto original, mas nem por isso deixaram de ser ciganos.
Segundo Rezende (2000,p.63):

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“O cigano não possui uma identidade fixa e imutável, baseada em
um conjunto finito de traços, princípios ou emblemas como parece
ser sugerido pela literatura ciganologica. Por exemplo, muitos
ciganos não são nômades, não falar seu dialeto original e muitas
vezes possuem uma história genealógica “obscura” e, apesar disto,
consideram-se ciganos e continuam sendo considerados assim
pelos demais, vivendo e agindo como tais”.

Para Castro (1970), o abandono do nomadismo seria uma forma de minimizar


os preconceitos sofridos pelos ciganos, a autora mostra em seu artigo sobre
itinerância e fixação, a questão dos Ciganos em Portugal que foram realojados para
viverem em casas, mostrando as vantagens e as desvantagens do realojamento e
seus investimentos, revelando como essa ação melhorou a capacidade dos ciganos
em se relacionar com a sociedade portuguesa e também a melhoria nas condições
habitacionais. Porém destaca que essa capacidade de se relacionar melhorou para
os jovens ciganos do que para os mais velhos, que ainda se verificavam apenas
relações ocasionais. Cabe destacar também, que alguns dos ciganos de Carapebus
viviam em barracas, o que ocasionou a mudança deles para outra cidade. Já em
Quissamã, a construção das casas vem sendo feita dentro do próprio acampamento,
ou seja, o terreno que eles montaram o acampamento vem tomando forma de
construções.

2.3. Os ciganos no âmbito escolar


“Eu sei ler mãos, mas não sei ler papel.”
Mulher cigana, 54 anos.

A cidade de Quissamã também conta com uma coordenação de educação


inclusiva, na qual organizam palestras, grupos de estudo voltados para os professores
e diretores da cidade, também acompanham esses alunos, se reúnem com a família,

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cobram a questão da presença em sala de aula, fazem uma ponte entre a escola e o
acampamento, por isso, observa-se um fenômeno diferenciado em detrimento das
bibliografias estudadas para a pesquisa. Segundo a Ana Barcelos, diretora da escola
municipal Maria de Loudes Ribeiro Castro, no qual a escola e os alunos ciganos têm
uma interação muito boa e a relação dos alunos ciganos com os outros alunos também
se mostra bastante agradável. A professora de um dos alunos esclareceu que só se
sabe que os alunos são ciganos porque tem um carro da prefeitura que faz a rota do
acampamento e os leva para a escola, porque, do contrário, passaria despercebido,
porém, serão abordadas algumas questões analisadas a partir das referências
bibliográficas a fim de compara-las com o caso de Quissamã.
A criança cigana vai percebendo ao longo da sua vida escolar, que muitos dos
ensinamentos que ela aprende não são valiosos em seu grupo de pertença e muitas
vezes nem são considerados adequados. O que acarreta para criança um meio que é
desconhecido e que lhe gera medo como Casa-nova (2006, p.162) mostra muito que
a escola é um território sócio-culturalmente territorializado, e as crianças ciganas
muitas vezes acabam por serem excluídas.
Casa-Nova (2006, p.164) relata a questão dos professores acreditarem que os
ciganos não gostavam da escola, porém ela relata que na verdade eles não têm
interesse na escola, os ciganos entendem que a escola é importante, mas ao mesmo
tempo não tem interesse de estudar. A incapacidade estrutural que os ciganos
acreditam não ter para permanecer na escola se dá porque ele vive em um sistema
cultural completamente diferenciado, onde o saber é passado oralmente e não através
de livros, a grande dificuldade se encontra no distanciamento da matéria ensinada
com a realidade vivida pelo aluno.
No caso de Quissamã foi analisado que os alunos ciganos possuem o mesmo
interesse do que os outros alunos. Não divergem em nada dos outros alunos, até
mesmo as roupas são iguais. Entendemos que a cultura cigana de ontem, não é a

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mesma de hoje, nem será a mesma de amanhã. Atualmente, as ciganas frequentam
a escola de calça para não chamarem atenção, em entrevista com a mãe de uma
adolescente ela disse: “Minha filha frequenta a escola como qualquer outra
adolescente e vai de calça jeans e uniforme, para que não seja o centro das atenções
e seja notada simplesmente pelo fato de ser cigana. Quero que ela seja uma pessoa
normal na escola.”
Outro fator observado é a questão da evasão escolar que acontece em
Quissamã e em tantas outras escolas que os ciganos frequentam, como já
mencionado, as ciganas e os ciganos após aprenderem as operações básicas e
aprenderem a ler, dificilmente vão dar continuidade aos seus estudos, visto que, se
casam muito jovens e as responsabilidades de auto-sustento logo é passada para
eles. No caso de Quissamã observamos um grande avanço em comparação com as
outras escolas estudadas por outros autores, porém, ainda vemos algumas lacunas,
como a questão da vestimenta “normal” para se encaixar e a evasão escolar.
Entende-se que a escola deveria ser um espaço de múltiplas culturas, porém,
geralmente não está preparada para receber esse grupo de minorias que é o dos
ciganos. Percebemos que a escola precisa melhorar muito para ser abrigo para esses
alunos ciganos ao invés de ser esse território fechado para os grupos minoritários de
culturas.

2.4. A pesquisa fotoetnografica


“Se a gente tentar compreender a sociedade e ligar a fotografia a
isso, não há ponto de parada.” (Salgado, Sebastião apud Mauad,
Ana. 2008 p.43).

Atualmente com o avanço da tecnologia e dos recursos áudio visuais é


importante inovar também nas pesquisas. A realização desta pesquisa fotoetnografica

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exige um prévio conhecimento sobre este conceito e também um estudo sobre esse
tipo de fotografia que além de ser etnográfica pode ser considerada documental.

Segundo Achutti (2015) fotoetnografia é:

uma forma narrativa na perspectiva das pesquisas antropológicas


e informada pela ética e conhecimentos da Antropologia. Ou seja,
não mais como até então, fotografia mera forma de registro ou
produção de “documentos” anexos e secundários, mas sim como
forma de discorrer sobre entendimentos antropológicos.

Em acordo Boni e Moreschi (2007):

A Etnografia estuda os grupos da sociedade, suas características


antropológicas, sociais e culturais. Quando a fotografia é utilizada
como instrumento principal na realização de um trabalho
etnográfico, está se torna uma fotoetnografia. Esse tipo de trabalho
contribui para que haja um resgate de informações relacionadas
aos diferentes tipos de etnias.

O propósito é associar o espaço geográfico e a cultura cigana, não inteiramente


na forma como nós os vemos, mas principalmente como eles mesmos se veem. A
fotoetnografia foi uma metodologia fundamental nesta pesquisa, pois a partir dela
temos um aprofundamento sobre a cultura cigana de uma forma visual que nos leva
a refletir para além do texto. Acreditamos que as pesquisas que decidem usar essa
metodologia contam com várias dificuldades, pois construir um projeto fotoétnografico
é algo bastante complexo, pois necessita não só do estudo aprofundado sobre o que
será fotografado, como um estudo de artes e fotografia.

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Considerações finais
Em vista dos argumentos apresentados, observamos que os ciganos que
chegaram ao Brasil vindos de Portugal, mas com seu tronco no Egito, estão
espalhados por todos os Estados do nosso país. Com ênfase nos ciganos de
Quissamã e Carapebus, entendemos que muitos têm familiares no Estado do Rio de
Janeiro e em Minas Gerais.
Atualmente, os ciganos ainda sofrem muitos preconceitos, são caracterizados
por uma visão passada por não ciganos em livros, dicionários, filmes e novelas, que
afastam, cada vez mais, da realidade que eles se encontram. Entendemos que para
que esse estudo fosse realizado foi preciso que nossos olhares se destituíssem do
misticismo para que pudéssemos enxergar além das nossas próprias certezas que
foram baseadas naquilo que falamos acima, na visão de obras feitas por não ciganos
que abrangem uma visão não cigana sobre os ciganos. Nesse trabalho de Conclusão
de Curso, mostramos vários estudos sobre os ciganos, mas em todo o momento
respeitando o que os ciganos diziam deles mesmos, ainda que isso fosse o oposto
encontrado nas referências bibliográficas, nós assim relatamos.
Entendemos que a identidade étnica (Rezende, 2000) é o efeito de um processo
ramificado desenvolvido na situação entre culturas diferentes. O que se percebe ao
fenômeno étnico é o fato dos grupos terem uma identidade flexível e resistente, ou
seja, antes das identidades étnicas serem retificadoras de um processo de interação,
são influenciadas cotidianamente pelos sujeitos e grupos de acordo com o tipo de
organização de suas experiências. Em acordo Hall (2014, p.11): “O sujeito,
previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando
fragmentado; composto não só de uma única, mas de várias identidades, algumas
vezes contraditórias ou não resolvidas”.
Quando estudamos a questão do hibridismo cultural fomos surpreendidos pelo fato da
cultura cigana atualmente ser uma cultura muito híbrida e ao mesmo tempo manter

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suas peculiaridades tão enraizadas. A questão do casamento dentro do acampamento
e a maneira como isso é levado tão a sério, independe da religião, porque faz parte
da cultura cigana. Não importa se é católico, umbandista ou evangélico, os costumes
relacionados ao matrimônio são os mesmos, isso se aplica também a questão das
mulheres, que dentro do acampamento tem suas funções muito bem delimitadas, não
podendo usar roupas que mostrem as pernas por exemplo. A questão da tecnologia
também foi observada, visto que, os ciganos no começo dessa pesquisa não tinham
redes sociais ou WhatsApp, já no final tinham grupos de trocas nesse aplicativo e
faziam usos de celulares novos de dentro do acampamento para realizar trocas e
vendas. Esse fator, porém, não foi observado com as mulheres, que não vimos
utilizando celulares em momento nenhum. Por isso tudo, observamos como a cultura
cigana tem mudado muito em tão pouco tempo, mas como alguns aspectos ainda se
mostram fortemente consolidados no acampamento.
Em virtude dos fatos mencionados, observamos que no caso de Quissamã, a escola
Professora Maria de Lourdes de Castro Ribeiro, recebe alunos ciganos e de acordo
com as professoras e a diretora, eles não se diferem dos outros alunos em
aprendizagem, porém, tem dificuldade em frequentar a escola, ou seja, o número de
faltas é sempre grande com os alunos ciganos. Um fato muito interessante é que
mesmo faltando muito, eles conseguem aprender e ter as notas na média assim como
os outros alunos.
Entendemos que essa junção escola x acampamento no caso de Quissamã só é
possível porque existe uma coordenação de grupos minoritários na Secretaria de
Educação da cidade, que acompanha de perto esses alunos e as suas respectivas
famílias, fazendo essa ponte entre os ciganos e a escola. O grande problema que
observamos nos trabalhos estudados e tomados como referências bibliográficas a
respeito desse assunto, foi que essa “ponte” não existia e então a dificuldade não
vinha apenas por parte dos alunos em se integrar, mas, também por parte dos

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professores/coordenadores/diretores que não sabiam como construir essa relação.
Precisamos pensar não em uma escola para os ciganos, mas sim uma escola com os
ciganos, na qual eles não precisem mudar suas vestimentas ou se manter em silêncio
por conta do sotaque. No caso de Quissamã, muito já foi feito, mas ainda existe um
longo caminho a seguir para que essa integração seja completa.

Sobre os ciganos no urbano e todas as palavras que as pessoas dizem quando


percebem que elas estão lá naquela esquina, podemos observar que, apesar do
incômodo gerado pelos puxões de mão, a rua fica bem mais colorida com elas lá, e,
sem perceber elas se tornam um assunto no qual são sempre protagonistas más, que
roubaram dinheiro ou falaram de alguma maldição.
Podemos observar que não há uma conclusão final para o hibridismo cigano,
porque ele se altera a cada dia e a cada dia essa cultura está mais múltipla e mais
diversificada. Acreditamos que a cultura de hoje não será a mesma cultura cigana de
amanhã, as muitas observações descritas e tidas como hibridismos culturais nessa
pesquisa podem se alterar, portanto, não podemos afirmar que mais mudanças não
vão ocorrer ou que aspectos enraizados não vão mudar, porque se olharmos para
trás, há uns 10 anos por exemplo, seria impossível afirmar que uma cigana usaria
calça jeans e atualmente isso é uma realidade.
Com a pesquisa fotoetnográfica nós percebemos aspectos simbólicos muito
fortes, como o uso de quadros e imagens na barraca dos ciganos católicos. A
quantidade de ouro e bijuterias que adornam as ciganas. A divisão dos trabalhos
dentro do acampamento e a maneira como todas as ciganas seguem aquela linha de
pensamento. A riqueza x pobreza, que se encontra dentro do acampamento, quando
observamos um carro de luxo e o uso de um tanquinho barato para as mulheres
lavarem roupas. Observamos também de acordo com as fotografias o cuidado para
que todas as panelas fiquem brilhando, mesmo sem ter água encanada em alguns
casos isso não influencia em nada e a utilização de baldes cheios de água é frequente

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e feita sem nenhuma reclamação. Tendo em vista os aspectos que foram observados,
temos a questão do uso do tempo de acordo com cada cigano, sem regras ou
cumprimento de horários, em sua maioria, as coisas são realizadas sem pressa e
dentro do tempo de cada pessoa, sendo ela homem, mulher ou criança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BONI, Paulo; MORESCHI, Bruna. Fotoetnografia: a importância da fotografia para
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CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da
Modernidade. São Paulo: Ed.USP, 2007.
CASA-NOVA, Maria José. Relações dos ciganos com a escola pública:
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CASTRO,Alexandra. Ciganos e a itinerância. Realidades concelhias e
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MAUAD, Ana Maria, O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões
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MASSEY, Doreen. 2000 (1991) Um sentido global do lugar. IN: Arantes, O. (org.) O
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RAMOS, Cristina. A integração de alunos de etnia cigana na escola: estudo de
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REZENDE, Dimitri Fazito de Almeida. Transnacionalismo e Etinicidade – A
construção Simbólica do Romanesthàn (Nação Cigana). 2000, 191f. Dissertação

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(Mestrado em Sociologia) - Faculdade de filosofia e ciências humanas UFMG, Belo
Horizonte.

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