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As organizações
internacionais e a
avaliação dos sistemas
de educação e formação:
análise crítica e
comparativa
Claudia Neves
Investigadora na Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento (UIED) –
Faculdade de Ciências e Tecnologia / Universidade Nova de Lisboa.
Palavras-chave RESUMO
Education and training Este artigo procura sistematizar um trabalho de investigação que procurou contri-
policy, lifelong learning, buir para uma análise crítica comparativa, ao nível macro, de documentos de refe-
comparative education, rência produzidos por organizações internacionais (PNUD, OCDE, UNESCO, Banco
sustainable development,
indicators, personal Mundial e União Europeia), que guiam as decisões na política educativa mundial.
development, O objectivo principal que pretendemos atingir foi questionar as linhas “mestras”
education and training definidas, hoje em dia, para a educação e para a formação, em termos de grandes
evaluation
objectivos do Milénio.
Política educativa Ou seja, até que ponto os indicadores relativos à avaliação e monitorização das
e de formação,
políticas de educação e formação integram o novo paradigma da educação/formação
educação/formação
ao longo da vida, ao longo da vida, no sentido de um modelo de desenvolvimento humano e corres-
educação comparada, pondem aos objectivos de desenvolvimento para o milénio num contexto de globa-
desenvolvimento
lização?
Sustentável, indicadores,
desenvolvimento pessoal,
avaliação da
educação/formação
Introdução
O trabalho de investigação aqui apresentado parte do pressuposto
de que os sistemas educativos e as políticas educativas estão inti-
mamente relacionados com sectores da vida social e política, tendo
em vista a prossecução de objectivos relacionados com uma filo-
sofia política e a estratégia de desenvolvimento daí decorrente.
O que se pretendeu desenvolver neste estudo foi uma análise
crítica comparativa, ao nível macro, de documentos de referência
produzidos por organizações internacionais (PNUD, OCDE,
UNESCO, Banco Mundial e União Europeia), que guiam as deci-
sões na política educativa. O objectivo principal que pretendemos
atingir foi questionar as linhas «mestras» definidas, hoje em dia, para
a educação, colocada em termos de grandes objectivos do Milénio.
Ou seja, até que ponto os indicadores relativos à avaliação e moni-
torização das políticas educativas integram o novo paradigma da
educação ao longo da vida, do desenvolvimento humano e corres-
pondem aos objectivos educativos para o milénio num contexto de
globalização?
A problemática da avaliação da
educação/formação ao nível mundial
Organizações como a OCDE, a UNESCO, o Banco Mundial e a
União Europeia, produzem sistematicamente projectos estatísticos
internacionais, que reúnem um conjunto de indicadores que servem
de referentes às pilotagens das reformas, permitindo, assim “assi-
nalar mudanças da qualidade e dos resultados; chamar a atenção
para aspectos que devem ser melhorados; avaliar a influência dos
esforços do sistema; desenvolver esforços relativamente a outros
países ou entidades políticas; catalisar novas ideias”. (Amaro,
2002. p. 316).
Os indicadores de educação e formação são instrumentos de
orientação política e existem, na maior parte dos países industria-
lizados, há cerca de vinte anos. Estes indicadores começaram por
ser necessários como forma de justificação dos custos com a
educação. Hoje em dia são utilizados como fonte de informação apli-
cada à avaliação, à planificação e à administração do ensino e da
formação.
A finalidade dos indicadores da educação/formação é dar a
conhecer aos decisores, a situação dos sistemas de ensino e
formação, por forma a facilitar a sua análise e a sua avaliação, para
se poderem questionar velhas e novas orientações para a acção
política (Nuttall, 1994, p 89).
Como refere Gilbert Landsheere (1994): “piloter un système
éducatif, cʼest plus quʼaccumuler des indicateurs. Le pilotage doit
nécessairement comporter trois composants: la collecte régulière
dʼinformations et évaluations de ces informations et leur traduction
en actions institutionnelles” (p. 12).
Tendo em conta que cada vez mais verificamos que existe uma
pressão cada vez maior, quer política, quer social, para que se tornem
públicos os dados sobre o desempenho da educação e da formação
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A monitorização da educação/formação
na União Europeia
A União Europeia tem como principal característica a diversidade
linguística e cultural de cada Estado-Membro. Nesse sentido, os
sistemas de educação e formação mantêm um certo isolamento entre
si, aplicando regras diferentes a cada sistema de educação e
formação. Mas, para que cada cidadão possa beneficiar desta
diversidade, tem vindo a crescer cada vez mais uma necessidade
cooperação e mobilidade entre os Estados-Membros, no que diz
respeito à educação e formação. É neste sentido que a União
Europeia tem vindo a desenvolver os seus trabalhos no campo da
educação e formação, nos últimos 20 anos.
Em termos de organização, quer o conteúdo e os programas, quer
a organização dos sistemas de educação e formação são da
responsabilidade de cada Estado-Membro. O princípio da “subsi-
diariedade” dá à União Europeia, enquanto instituição, a capacidade
de apoiar e complementar a acção de cada Estado-Membro em deter-
minados domínios da educação e da formação (3).
Este tipo de cooperação tem vindo a ser impulsionado desde o
Conselho Europeu de Lisboa em Março de 2000, que iniciou um
marco no processo que conduziu à adopção do programa de traba-
lhos sobre os Objectivos Futuros da educação e formação da
União Europeia.
A Comissão Europeia, primeiramente, elaborou uma proposta de
relatório sobre os objectivos futuros concretos dos sistemas de
educação e formação que foi negociada pelos Estados-Membros.
Posteriormente, o Conselho Europeu adoptou um relatório final
apresentado no Conselho Europeu de Estocolmo em Março de 2001
e que estabelecia três objectivos estratégicos (COM(2001) 59
final):
(3) Estes domínios são estabelecidos nos artigos 149º e 150º do Tratado.
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C A T E G O R I A S E S U B C A T E G O R I A S OCDE UNESCO BM UE
Competências de cidadania
Mobilidade e intercâmbios 1 4
Contexto socio-económico 8 1 1
Competências básicas 5 2 4
Competências para a sociedade
Qualidade do percurso educativo/
do conhecimento 5 1 2
formativo e profissional
Sensibilização para as
2 4
áreas científicas
Professores 5
Aprendizagem 4 1 2 1
Empregabilidade e rentabilidade
5
económica
Aprendizagem contínua
3
de aptidões profissionais
Eficácia dos estabelecimentos de ensino 6 15 8 3
Reconhecimento de competências e
aprendizagens em contextos não formais
Oportunidades de ALV
4
para todos
Financeiros 4 5 1 2
Optimização
de recursos
Humanos 2 3 2
Físicos
BM = Banco Mundial
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A igualdade de oportunidades
A primeira nota de leitura dos dados, no que diz respeito à dimensão
da igualdade de oportunidades, revela que as organizações inter-
nacionais não apresentam nenhum indicador para avaliar a
educação/formação em termos de respeito pelas diversidades
socioculturais e religiosas, no sentido de avaliar o acesso de mino-
rias étnicas ou religiosas aos sistemas de educação e formação.
Continuando a leitura, é visível a falta de indicadores sobre o reco-
nhecimento de competências e aprendizagens adquiridas em
contextos não-formais, o que poderá significar uma forte tendência
para a exclusão social, daqueles que por vários motivos não tiveram
acesso à educação formal.
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A optimização de recursos
O discurso político-ideológico encara a utilização equitativa dos
recursos em educação como fundamental para garantir um nível acei-
tável de qualidade. Analisando a globalidade dos indicadores de
recursos verificamos que a principal preocupação das instituições
internacionais é avaliar a optimização dos recursos financeiros, prova-
velmente dada a exigência cada vez maior para que as socie-
dades “prestem contas” da utilização das dotações orçamentais
(accountability).
Praticamente todas as instituições avaliam a percentagem das
despesas públicas afectas aos sistemas de educação/formação, esta-
belecendo comparações entre estas e o total das despesas públicas.
A OCDE, avalia as proporções de investimento público e privado
nos estabelecimento de ensino, bem como o total das despesas
públicas em educação. Avalia, também, as despesas em estabe-
lecimento por categorias de recursos, comparando esta despesa
com o Produto Interno Bruto. A preocupação da UNESCO, em
termos de recursos financeiros na educação, diz respeito às
despesas públicas com o ensino em relação ao PNB, e em percen-
tagem das despesas do estado. A UNESCO, definiu um indicador
para monitorizar a taxa de crescimento médio anual das despesas
públicas no ensino, e definiu ainda indicadores para avaliar a
percentagem das despesas correntes no total das despesas públicas
correntes em educação, e a repartição de despesas correntes por
grau de ensino. O Banco Mundial, definiu apenas um indicador, que
indica-nos a percentagem de despesa pública com a educação em
relação ao PIB. A União Europeia não se distingue muito das outras
organizações. Reúne indicadores que avaliam a despesa pública
da educação em percentagem do PIB, e a despesa privada em insti-
tuições educativas em percentagem do PIB. O PNUD, faz o mesmo
tipo de avaliação, mas faz distinção entre a despesa pública por nível
de ensino.
Em termos de recursos humanos, encontramos um decréscimo
no número de indicadores de monitorização. Mais uma vez a prin-
cipal preocupação é de avaliar a afectação de recursos financeiros
afectos aos alunos, professores, a componente humana da educação.
A OCDE definiu um indicador de monitorização da despesa pública
com os estudantes e as famílias. A UNESCO avalia o pagamento
dos docentes em percentagem das despesas correntes, as despesas
por aluno em percentagem do PNB per capita e os número de efec-
tivos no ensino privado em percentagem do número de efectivos
total. A União Europeia mede a despesa total por aluno e por nível
de ensino, relacionando esta despesa com o PIB per capita.
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Conclusões
O estudo empírico que desenvolvemos centrado na avaliação que
as organizações internacionais realizam através dos seus grandes
projectos estatísticos, comprova a discrepância que existe entre os
objectivos definidos para a educação/formação, em termos de
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, e os seus indicadores
de monitorização.
A avaliação realizada nestes relatórios traduz, sobretudo, uma
visão positivista e tecnológica da educação, feita a partir de descri-
tores e indicadores mensuráveis. As conclusões destes estudos
comparativos internacionais são limitadas, relativamente ao conceito
de educação subentendido no Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio, que se pretende para a autonomia e cidadania.
Ficam, assim, escamoteados os factores ligados ao contexto em
que a educação se processa, à evolução desse mesmo processo,
às suas interdependências sociais, que têm uma enorme influência
nos processos e nos resultados educativos.
Os indicadores são, na sua grande maioria, centrados nos resul-
tados, no acesso, nos meios, nos aspectos organizacionais e de
administração, esquecendo dimensões importantes que deter-
minam a qualidade da educação e da formação, dos processos de
aprendizagem e do desenvolvimento pessoal. Desta forma, contri-
buem para leituras lineares e redutoras dos processos de educação
formais e não formais, que se afiguram de grande complexidade
(Teresa Ambrósio, 2003, p. 23-32).
Formulamos, assim, a hipótese de que os modelos de avaliação
aplicados por estas organizações internacionais podem não favo-
recer a melhoria da qualidade da educação, bem como a promoção
de políticas de equidade, de justiça económica e social, nem a cida-
dania para a responsabilidade democrática, levando mesmo a uma
perda de pensamento crítico dentro de uma cultura de desem-
penho.
No entanto, parece-nos importante contribuir para o esforço que
se tem vindo a desenvolver (Agnès van Zanten, 2004) para melhorar
a construção desses indicadores, bem como de modelização dos
processos e dos sistemas educativos (Le Moigne, 1999).
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