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Artes integradas

“(...) J. Masschelein pensa a escola a partir de sua etimologia grega “skholé”, ou seja, tempo
livre.

Originada no mundo grego, a escola que Masschelein reconstrói não reproduz a ordem social.
Ao contrário, ela afirma um espaço e um tempo diferenciados que, de alguma maneira,
colocam em questão os espaços e tempos sociais. Como tempo livre, a escola tem quatro
características principais:”

(KOHAN, 2013)

“A primeira é a suspensão. Por ela, a escola comporta uma interrupção do tempo que
predomina no campo social, econômico e político. De alguma forma, esse tempo não rege a
escola, pois esta iguala os estudantes enquanto estudantes e lhes oferece a possibilidade de
deixarem a particularidade de sua história familiar e se tornarem, junto aos demais, um
simples e singularmente estudante. Nesse sentido, a escola é um espaço-tempo igual para
todos”

(KOHAN, 2013).

“Em terceiro, a escola gera atenção, ela torna algo do mundo interessante e faz com que os
estudantes se atentem para o que não consideravam. Assim, a escola é um espaço-tempo livre
em que algo é oferecido sem estabelecer, de antemão, o sentido dessa apropriação. Ao
contrário, ela não é um lugar ou tempo de passagem (do passado para o futuro), nem de
preparação (para a vida e para o futuro) e nem de projeto ou iniciação (da família para a
sociedade). É um tempo e espaço de olhar para o mundo suspendendo e profanando o modo
social de olhar, atentando-se para ele de forma a experienciá-lo como quem o experimenta
pela primeira vez, o que se dá por meio do estudo e dos exercícios escolares. Como uma
criança que se surpreende pelo espetáculo do mundo, a escola é uma manancial de infância”
(KOHAN, 2013).

“Jan Masschelein acrescenta uma quarta característica: o amor público, ou seja, a escola é o
espaço-tempo em que se experimenta, de forma comum e compartilhada, um amor pelo
mundo tal como ele é, pelas coisas do mundo, práticas estas nas quais se ama em comum certa
dimensão do estar em comum no mundo” (KOHAN, 2013).

Portanto a escola deve oferecer tempo livre e transformar habilidades em “bens comuns” e
que “ portanto tem o potencial para dar a todos independente de antecedentes, talento
natural ou aptidão, o tempo espaço para sair de seu ambiente conhecido, para se superar e
renovar (e, portanto, mudar de forma imprevisível) o mundo.” Jan Masschelein, Marteen
Simons (2013)

Para refletir:
Proporcionamos na sala de aula contextos que permitem que algo seja criado? Que um
processo de criação possa ser iniciado?
“ Uma obra pode desencadear uma leitura de mundo, disparando a reflexão e a tomada de
consciência de como é possível se posicionar sobre alguma questão. Os alunos debatem e
percebem o contexto em que se encontram, observando se ele faz sentido.
O que está em questão, portanto, não é o que pode ser explicado ou compreendido sobre uma
obra, mas sim qual processo poético, de criação, pode ser ali iniciado. Tocados e atravessados
por algo, é possível que esse algo seja modificado de maneira imprevisível.” (LEYTON, 2018)

Atravessados por uma questão no contato com a arte, alimentados pelo diálogo coletivo com
educadores do museu, com seus colegas de escola e por perguntas reflexivas, as alunas e
alunos visitantes do museu podem experimentar a criação de novas possibilidades. Passamos a
chamar de experiência poética esse espaço-tempo de investigação e experimentação de outras
percepções. Para compreender o que seriam e a que se propunham as experiências poéticas,
recorremos à sua etimologia:

Sobre as experiências poéticas:


A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). O radical é periri, que se
encontra também em periculum, perigo. Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a
palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo. O que se inicia
numa experiência, não se sabe onde vai chegar. Já a palavra poética, na sua etimologia grega
poiesis, significa criação. A raiz poie é a mesma que encontramos no verbo grego poiéo que
significa fabricar, compor ou fazer. A experiência poética é uma situação de experimentação
por campos em que os resultados não são previsíveis. É a iniciação de um processo em que
algo pode ser criado. (LEYTON, 2018, p. 21)

As experiências poéticas, termo cunhado pela equipe educativa de um museu com base na
experiência de encontros diários com visitantes, alunas e alunos, podem ser relacionadas com
as dimensões do conhecimento para o ensino da arte da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC): Criação, Crítica, Estesia, Expressão, Fruição e Reflexão.

Dimensões do conhecimento da BNCC


“A BNCC propõe que a abordagem das linguagens articule seis dimensões do conhecimento
que, de forma indissociável e simultânea, caracterizam a singularidade da experiência artística.
Tais dimensões perpassam os conhecimentos das Artes Visuais, da Dança, da Música e do
Teatro e também as aprendizagens dos alunos em cada contexto social e cultural. Não se trata de
eixos temáticos ou categorias, mas de linhas maleáveis que se interpenetram, constituindo a
especificidade da construção do conhecimento em Arte na escola. Não há nenhuma hierarquia
entre essas dimensões, ou tampouco uma ordem para se trabalhar com cada uma no campo
pedagógico.
São elas:
CRIAÇÃO: refere-se ao fazer artístico, quando os sujeitos criam, produzem e constroem. Trata-
se de uma atitude intencional e investigativa que confere materialidade estética a sentimentos,
ideias, desejos e representações em processos, acontecimentos e produções artísticas,
individuais ou coletivas. Essa dimensão trata do ato de apreender o que está em jogo durante o
fazer artístico, processo permeado por tomadas de decisão, entraves, desafios, conflitos,
negociações e inquietações.
CRÍTICA: refere-se às impressões que impulsionam os sujeitos em direção a novas
compreensões do espaço em que vivem, com base no estabelecimento de relações, por meio do
estudo e da pesquisa, entre as diversas experiências e manifestações artísticas e culturais vividas
e conhecidas. Essa dimensão articula ação e pensamento propositivos, envolvendo aspectos
estéticos, políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais.
ESTESIA: refere-se à experiência sensível dos sujeitos em relação ao espaço, ao tempo, ao som,
à ação, às imagens, ao próprio corpo e aos diferentes materiais. Essa dimensão articula a
sensibilidade e a percepção, tomadas como formas de conhecer a si mesmo, o outro e o mundo.
Nela, o corpo, em sua totalidade (emoção, percepção, intuição, sensibilidade e intelecto), é o
protagonista da experiência.
EXPRESSÃO: refere-se às possibilidades de exteriorizar e manifestar as criações subjetivas por
meio de procedimentos artísticos, tanto em âmbito individual quanto coletivo. Essa dimensão
emerge da experiência artística com os elementos constitutivos de cada linguagem, dos seus
vocabulários específicos e das suas materialidades.
FRUIÇÃO: refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar
durante a participação em práticas artísticas e culturais. Essa dimensão implica a disponibilidade
dos sujeitos para a relação continuada com produções artísticas e culturais oriundas das mais
diversas épocas, lugares e grupos sociais.
REFLEXÃO: refere-se ao processo de construir argumentos e ponderações sobre as fruições, as
experiências e os processos criativos, artísticos e culturais. É a atitude de perceber, analisar e
interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como leitor. Essas
dimensões estão explicitadas nas páginas 194 e 195 da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), disponível no link: http://www.basenacionalcomum.mec.gov.br/
Essas dimensões do conhecimento trazem conceitos-chave que se relacionam e elucidam a
própria existência da escola. E nos levam também à reflexão de que a acessibilidade não é um
simples trabalho de adaptação, nem um campo específico que diz respeito a poucas pessoas: é
um campo que deve ser compreendido de maneira transversal, que deve integrar os projetos
educativos e artísticos desde o seu princípio e que diz respeito a todos nós.

Em seu livro Em defesa da escola: uma questão pública, Jan Masschelein e Maarten Simons
definem suas características radicais e essenciais: oferecer tempo livre e transformar
habilidades em “bens comuns” (...) “ e, portanto tem o potencial para dar a todos,
independentemente de antecedentes, talento natural ou aptidão, o tempo-espaço para sair de
seu ambiente conhecido, para se superar e renovar (e, portanto, mudar de forma imprevisível)
o mundo.” Esta definição está na contracapa da publicação, lançada em 2013 pela Editora
Autêntica, de Belo Horizonte.

Essas características da escola vão ao encontro do pensamento essencial da acessibilidade, que


mencionamos: de não promover acesso apenas ao que já existe - isso deve ser garantido, claro,
mas é somente o ponto de partida -, mas também promover acesso ao que desejamos que
passe a existir. Ou seja, voltando ao argumento de Bavcar sobre a privação da liberdade,
devemos reconhecer quais são as situações que cerceiam a liberdade de quem está na escola -
por exemplo, a liberdade de ir e vir, a liberdade de poder expressar e criar - para então pensar
como podemos promover constantemente, na sala de aula, o exercício experimental de
liberdade.

Em resumo, as dimensões do conhecimento da BNCC pressupõem que trabalhar com arte,


educação e acessibilidade na escola é o exercício de dar materialidade estética a sentimentos,
ideias e desejos - exercício este que pressupõe tomadas de decisão, entraves, desafios,
conflitos, negociações e inquietações (ou seja, criação); ação e pensamento propositivo (ou
seja, crítica); a sensibilidade e a percepção como formas de conhecer a si mesmo, o outro e o
mundo (ou seja, estesia); exteriorizar e manifestar as criações subjetivas (ou seja, expressão); e
fruir as mais diversas produções artísticas (ou seja, fruição), ao mesmo tempo que as percebe e
analisa (ou seja, reflexão).

Esse exercício é um ato de ler o mundo, de refletir sobre como ele se apresenta e de poder
experimentar e investigar outras possibilidades. Como menciona a educadora Barbara Jimenez:
“Transformações não são apenas gigantescas, integrais ou metamórficas, mas podem ter um
tamanho invisível a olho nu e um impacto primordial visto no tempo.” O contato com a arte
pode sensibilizar o corpo das alunas e alunos para questões de ordem subjetiva, simbólica,
social, política e por aí vai.

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