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Educação, Arte e Performance:

performando o corpo da juventude na cidadei

Davi Giordanoii

Resumo: A presente comunicação propõe uma reflexão sobre a possibilidade de pensar a arte da performance como
um dispositivo capaz de relacionar simultaneamente a pedagogia, o trabalho artístico e a dimensão social. O nosso
objetivo é investigar a prática performativa como um canal potencializador dentro do contexto da arte educação nas
instituições de ensino não formais com jovens nas regiões do interior do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: arte educação; pedagogia; performance;

[Grupo de Estudos e Investigação sobre Processos de Criação Performáticos e Cênicos]

No livro Education for socially engaged art, o autor Pablo Helguera (2011) propõe o conceito de
“arte socialmente engajada” para entrelaçar os campos da pedagogia, do trabalho artístico e da
dimensão social. De acordo com o autor, o seu conceito possui como objetivo dissolver as fronteiras
entre uma instância e outra num terreno híbrido. A sua proposta busca estimular a criação artística e
coletiva dentro de comunidades, provocando um projeto estético e político em seu caráter
performativo.

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Para investigar tais proposições, dentro do meu contexto pedagógico como professor de teatro da
Fundação Cultural de Casimiro de Abreu, eu criei o Grupo de Estudos e Investigação sobre
Processos de Criação Performáticos e Cênicos. Inicialmente, a proposta teve o intuito de estimular
atividades e espaços de criação artística a partir de encontros semanais, onde foi possível reunir
alunos de teatro de diferentes turmas e idades, assim como visitantes e outras pessoas interessadas.
Em tais encontros, criamos modos de convívio para refletir juntos sobre a arte da performance e
elaborar intervenções urbanas como forma de experimentar os conceitos discutidos através de
nossas próprias práticas artísticas.

A proposta de realizar encontros abertos sobre performance surgiu como uma tentativa de elaborar
um espaço de investigação e experimentação artística em caráter de ensino não formal para jovens,
algo muito difícil de se encontrar no Brasil, onde infelizmente a arte de experimentação é muito
pouco estimulada e fomentada, diferente de outros países como os Estados Unidos e alguns países
da Europa. Certamente a ideia desses encontros possui relação direta com a minha trajetória de
formação. Quando adolescente, fui aluno do antigo Centro de Estudo Artístico Experimentaliii que
teve ocupação no Sesc Tijuca no período de 2001 a 2007. Naquele período, este foi uma referência
muito importante na área de arte educação e produção de novas pesquisas cênicas para o contexto
da cidade do Rio de Janeiro, promovendo apresentações de experimentos cênicos, debates, oficinas,
mostras de novas dramaturgias etc. Muitos dos jovens alunos daquele período depois ingressaram
em importantes universidades de Artes Cênicas do país e atualmente trabalham profissionalmente
com o teatroiv.

Esta experiência da adolescência em contato com a formação artística experimental me provocou


pensar a criação desse grupo de estudos e investigação, onde eu não estaria ali para ensinar
conteúdos e demandas curriculares, como já faço nas aulas de teatro. Ao invés disso, nesta outra
perspectiva, o meu papel pedagógico funciona mais como um mediador entre a apresentação de
problemas, a reflexão sobre os mesmos e o estímulo para a elaboração de intervenções urbanas que
são concebidas e realizadas em caráter de criação coletiva. Nesse sentido, os alunos são artistas e
produtores de suas próprias propostas, sendo a minha participação importante em caráter de
orientação para que os alunos concebam a sua própria hipótese de criação.

Como metodologia de trabalho, encontrei na arte da performance um achado interessante para


pensar a arte contemporânea, problematizar questões interessantes para o contexto pedagógico e
criar um canal de diálogos com a prática das aulas de teatro. Antes da criação do grupo de pesquisa
e criação, nas aulas de teatro com meus alunos entre doze e vinte anos, percebi algumas

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dificuldades de trabalhar concentração, autonomia criativa, criação em grupo, reflexão crítica sobre
o fazer artístico etc. Com o objetivo de encontrar uma forma mais dinâmica de colocá-los em
contato direto com a experiência artística que lida com a presença, o contato com o público e o
lugar da experimentação, decidi estimulá-los a desenvolverem intervenções urbanas. O ato de
performar pressupõe que os alunos lidem com o conceito de experiência. De acordo com o filósofo
e pedagogo espanhol Jorge Larrosa, a noção de experiência é: “o que nos passa, o que nos acontece,
o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA, 2002, p.21). Quando os
jovens concebem uma proposta artística que é executada na rua, estamos lidando com o campo do
real e seus acasos. Por isso, uma de minhas principais hipóteses foi relacionar a efemeridade da
performance com a ansiedade que é natural dos jovens. Em minha atuação profissional como arte
educador, reconheço que muitos colegas de trabalho possuem muitas dificuldades ao lidar com essa
situação, o que gera diversos casos de repressão das ansiedades dos alunos ao invés de estimulá-las
num caminho positivo. Nesse sentido, uma de minhas principais preocupações foi transformar as
performances em experimentações necessárias para trabalhar pedagogicamente com os jovens uma
articulação entre teoria e prática na criação de novas maneiras de perceber o mundo e produzir suas
subjetividades.

Isso me permite trabalhar a educação do olhar através de um processo de sensibilização estética e


crítica que consiste em trazer para eles novas referências ao lidar com mundos antes desconhecidos.
Ao apresentar outros contextos e universos que não estão presentes em seu cotidiano, o meu
trabalho ativa modulações pedagógicas que despertam o interesse e a criatividade, permitindo que
eles construam e desconstruam novas formas de pensar. Para isso, busco trabalhar com os alunos
diversas formas de relaxamento, meditação, conscientização psicofísica e treinamento de escuta em
relação ao grupo (outros integrantes) e ao espaço. Para isso, uma de minhas principais preocupações
é não trabalhar diretamente sobre o campo da técnica nem de exercícios, pois estes pressupõem uma
pedagogia diretiva que impõe um caminho determinado e moralista em relação ao que o professor
espera de seus alunos. Por isso, sempre me preocupo em diferenciar as noções de exercício e
experiência. Enquanto a primeira diz respeito a uma ideia de superação e rendimento que transita
entre o erro e o acerto, a segunda está vinculada à exploração e tentativas a partir das quais se
encontram descobertas e aprendizados. O objetivo dessa proposta é problematizar as perspectivas
políticas, críticas e estéticas advindas de um pensamento oriundo da prática educativa. Ao invés de
uma transmissão diretiva de conhecimento, estou mais interessado no princípio otimista de sempre
abrir perspectivas e caminhos de aprendizados a partir de uma atitude ativa do próprio aluno diante

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das experimentações proporcionadas. Isso se aproxima da concepção de “aprendizagem
significativa” (ibidem, 2002, p.23), que estaria vinculada a um saber oriundo da experiência. Nesse
sentido, o processo de aprendizagem que abordo em minhas práticas está mais vinculado à criação
de um dispositivo da experiência do que um dispositivo da informação. Visto isso, para a nossa
pesquisa, a opção por contornar um assunto ao invés de fechá-lo se torna uma estratégia para criar
reflexões significativas a partir da constituição dos encontros em relação ao caráter da experiência,
permitindo que as conexões dos alunos sobre a compreensão dos temas aconteçam por rizomas
(conexões) e não por acúmulos de informação. Dessa forma, estamos tratando de pensar os
encontros como dispositivos de produção de marcas e vestígios de conhecimento. Cultivar a arte do
encontro é a possibilidade de criar tempo e espaço para a presença entre sujeitos daquilo que
Larrosa denomina como sujeitos da experiência (ibidem, p.24), os quais se distinguem dos sujeitos
da informação. De acordo com o autor:

O sujeito da experiência seria algo como um território de


passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que
acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve
algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos (...) o
sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar a que
chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e
que, ao receber, lhe dá lugar (...) o sujeito da experiência é
sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos
(ibidem, p.24, grifo meu).

Cultivar a arte do encontro é valorizar a qualidade da experiência e também daquilo que Jacques
Ranciére (2009) denomina como a partilha do sensível. Assim, acredito que a proposta que ofereço
para meus alunos é colocá-los expostos e vulneráveis na zona do risco. É nesse lugar de potência
que acredito estar uma maior disponibilidade para a construção do saber. Um conhecimento que se
produz a partir do encontro entre sujeitos pensantes, reflexivos e críticos com o desejo de criar um
saber compartilhado e sensível pela disponibilidade e escuta das circunstâncias da presença, do
tempo e do espaço. Daí o viés político que se encontra presente na proposição filosófica desse tipo
de pesquisa pedagógica que permite uma ética de abertura do aluno para a descoberta dos seus
próprios desejos de aprendizado e de experimentações, fazendo com que ele seja atravessado e
interpelado pelas circunstâncias de sua experiência de vida e de pesquisa.

Em função disso, para essa linha específica de trabalho, proponho que o processo de construção dos
encontros se dá a partir da vivência direta do professor numa relação de horizontalidade com seus
alunos. Para isso, busco criar um canal de diálogos claro e direto que nos possibilita dar conta da
pluralidade dos pontos de vista que são levantadas por cada um. Visto isso, enfatizo a opção

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escolhida por um planejamento coletivo in progress, ou seja, aquele que se faz junto e durante o
próprio encontro que realizo com os alunos. Dessa forma é criada uma metodologia performativa e
aberta à pluralidade dos encontros, dos diálogos e das experiências. Isso permite que o método
apareça como desvio e não como plano. Assim, os alunos desenvolvam o treinamento para a criação
de um corpo performativo e disponível, entendido por nós como um corpo vibrátil, pois dessa
forma os alunos estão imersos na possibilidade de ativar uma forma de “conhecimento sensível do
mundo” (ROLNIK, 2006, p.3). Foi interessante perceber como tais mecanismos foram
suficientemente dinâmicos como instrumentos pedagógicos, os quais geraram mais efeitos para o
trabalho com concentração e reflexão do que o que antes buscávamos trabalhar somente nas aulas
de teatro.

Em paralelo, desenvolvemos uma série de intervenções e ações de rua. A primeira delas foi a
criação de um passeio coletivo de forma desacelerada pela principal rua da cidade com a duração de
quarenta e dois minutos. A alteração de velocidade provocou um estranhamento nos transeuntes e
trabalhadores das lojas e comércios, porque houve a interrupção do fluxo cotidiano. Isso se
aproxima da concepção de ação disruptiva, como é proposta pelos autores Tania Alice e Antônio
Araújo: “Disrupção é sinônimo de quebra, de fratura, de interrupção do curso normal de um
processo” (ALICE & ARAÚJO, 2010, p.13). Isso nos ajuda a compreender que nossa ação foi
capaz de criar uma desestabilização na percepção da experiência dos transeuntes e
consequentemente alterar os hábitos, padrões e convenções do cotidiano.

[Ação 1: Passeio coletivo de forma desacelerada]


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A segunda ação teve como tema “Arte Relacional” a partir do conceito homônimo criado pelo autor
francês Nicolas Bourriaud (2009). Em função disso, os alunos criaram solos relacionaisv que foram
realizados simultaneamente na rodoviária da cidade, local de trânsito, movimento e fluxo. A
proposta foi gerar um curto circuito no entorno do espaço. A terceira ação foi uma atividade de
ocupação do Teatro da cidade vizinha de Silva Jardim. Recebemos o convite dos criadores do
Aldeia Arte (Aline Leite Nunes e Marcos Vasec) que tiveram como objetivo questionar por que o
teatro abandonado está sendo usando por políticos e não pelos artistas que são os verdadeiros donos
do palco.
O nosso grupo levou uma ação estética-política-social com um teatro interativo para as crianças.

[Ação 3: Intervenção política no Teatro de Silva Jardim]

Nossa quarta ação foi uma intervenção política e artística no Desfile Comemorativo da cidade de
Casimiro de Abreu.
O nosso objetivo foi através de nossa arte questionar “O que é teatro?”.
Dessa forma, o nosso desejo foi provocar pensar qual o papel do artista em sua cidade?
Conversamos que em muitos contextos confundem o papel do artista como uma "decoração de
eventos" quando a arte é vista apenas como utilitarismo para propaganda pública ou apenas com a
única e restrita função de agradar. Isso nos mostrou que as pessoas ainda têm dificuldades de
entender o valor cultural de nosso trabalho.
Por isso, a nossa ação foi a seguinte: cada aluno se transfigurou de alguma figura clichê e

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decorativa. Eles criaram uma sequência de movimentos que foi repetida ciclicamente ao longo do
desfile. Tivemos como inspiração "Tempos Modernos" de Charles Chaplin, onde o artista através
do gesto de repetição questiona o trabalho alienado dentro de um sistema manipulado. Em paralelo
com as ações de repetição, uma das alunas lia depoimentos que colhemos de pessoas da cidade ao
serem perguntadas sobre "o que para elas seria teatro?". Como quinta ação, os alunos manifestaram
o desejo de ler textos e referências teóricas sobre a história do teatro. Em função disso, criamos o
“Escritório aberto de arte” que foi uma conversa pública com transeuntes que desejassem se sentar
conosco para discutir textos de arte. A sexta ação possuiu também uma linhagem de peça de
conversação. O nome da intervenção se chamou “Picnic Poesia”. Nela, os performers preparam um
picnic no meio da principal praça da cidade. Eles colocam um grande tapete sobre o chão com
comidas e livros de poesia e convidam as pessoas para se sentarem e dialogarem através de trechos
poéticosvi.

[Ação 6: Picnic Poesia na Praça Feliciano Sodré]

A sétima ação foi uma intervenção que realizamos dentro do recreio do Colégio Estadual de
Casimiro de Abreu, estabelecimento voltado para o ensino médio de jovens estudantes da cidade.
Criamos uma encenação performática na qual três atores desenvolvem um jogo corporal de fuga e
resistência com a utilização do conhecido poema “Intertexto” de Bertolt Brecht. O jogo funcionou

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da seguinte maneira. Três atores invadem o pátio do espaço escolar. O primeiro ator possui objetivo
de fugir do segundo, enquanto este deve criar um movimento de resistência para a contenção do
movimento do primeiro. Enquanto isso, o terceiro ator possui a função de recitar frase por frase do
poema de Brecht que é repetido consecutivamente pelo primeiro ator. Com isso, o movimento de
tentativa de fuga, de cansaço e de exaustão do corpo estimula diferentes atos de fala em relação à
poesia brechtiana que adquire variados sentidos performativos. Após o tempo determinado de dois
minutos, o terceiro jogador que recita o texto sinaliza em voz alta o comando de “troca” a partir do
qual as posições entre o primeiro e o segundo ator se invertem. Agora o segundo ator é responsável
pela fuga, enquanto o primeiro é responsável pela resistência e repetição do texto. Dessa forma, os
performers estavam ligados uns aos outros através de movimentos de fuga e resistência, criando um
corpo coletivo e performático. Trata-se se uma cena criativa permeada pela instalação de um jogo
cênico cujo propósito é atualizar o texto de Brecht através de uma concepção performática e
corporal. Posteriormente, inscrevemos este trabalho para o Festival de Cenas Curtas da Ocupação
Glauce com Vida, quando tivemos a oportunidade de levar o nosso grupo para o Rio de Janeiro e
apresentar o trabalho de encenação performática em outro contexto de recepção. Esta última ação
realizada permitiu o intercâmbio de experiências com outros grupos ao mesmo tempo em que
possibilitou o contato com a fruição estética de outros modelos de produção e criação de linguagens
teatrais.

[Encenação performática no Festival de Cenas Curtas da Ocupação Glauce com Vida]

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Todos esses trabalhos foram desenvolvidos em caráter de criação coletiva, motivo pelo qual todos
os participantes ficaram envolvidos em diferenciadas funções. Tal investigação prática consistiu em
diferentes perspectivas – alguns foram performers, enquanto que outros se ocuparam com a
documentação e registro (através de fotos e filmagem). Isso foi fundamental para o
desenvolvimento do trabalho, porque todos se sentiram incluídos de acordo com seus desejos e
necessidades. Esta estratégia permitiu um aprendizado sobre a macroperspectiva do trabalho
artístico. Nesse sentido, defendo que os alunos, além de criadores, são também produtores do seu
próprio trabalho, proporcionando o conhecimento sensível na capacidade de trabalhar e pensar em
grupo. Para isso, tomo como uma das minhas inspirações o princípio do dialogical learning,
bastante aplicado em estabelecimentos de ensino e universidades americanas, que pressupõe um
conhecimento criado e atravessado pelos diálogos e por uma pedagogia não diretiva. Isso permite o
estímulo para que cada aluno manifeste o seu desejo individual de pesquisa e descoberta sobre a
questão inicial que é proposta pelo professor. Outra questão fundamental é conceber as aulas como
encontros e laboratórios de criação, considerando os alunos como artistas e pesquisadores. Esta
indagação traz para o contexto de ensino não formal um caráter de pesquisa em arte, o que permite
que as práticas artísticas vivenciadas entre professores e alunos se tornem a própria pesquisa e
condução do processo de trabalho.

Quando apresentei uma comunicação sobre este projeto no 24 Seminário Nacional de Arte e
Educação, em outubro de 2014, na cidade de Montenegro (Rio Grande do Sul), muitas das pessoas
presentes no auditório comentaram que ficaram bastante interessadas nesse tipo de projeto, mas
alegaram que infelizmente isso não seria viável para os seus contextos de ensino devido às
limitações, restrições e resistências de diversos níveis: falta de espaço, de estrutura, de aceitação e
de liberdade. Isso me provoca pensar que este tipo de pesquisa requer risco, ousadia e
experimentação que são dados essenciais para qualquer trabalho de nível performático. Com isso, o
trabalho pedagógico implicado pelo professor se torna uma proposição de repensar os
estabelecimentos de ensino e criar espaços de ruptura não somente no trabalho com os alunos, mas
também com os outros profissionais que estão envolvidos no contexto formal e burocrático. Trata-
se mais de questionar o sistema de ensino e romper com as convenções e padrões que os outros
profissionais possuem em relação ao nosso trabalho. Logo, o nosso papel também caminha no
sentido de ressignificar os espaços e provocar os sistemas de ensino. Nesse sentido, defendo que os
elementos da performance contribuem para o espaço de ensino, trazendo os temas transversais dos
Novos Parâmetros Curriculares Nacionais, como a ecologia, questões de genro, etnias, ética,
pluralidade cultural, atualidades políticas etc.

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Em geral, as performances estão associadas com ambientes urbanos, principalmente com a imagem
das grandes metrópoles contemporâneas. Em nosso caso, isso se deu de forma diferenciada porque
concentramos nossas ações nas regiões do interior do estado do Rio de Janeiro. Visto isso, as
performances realizadas trouxeram para a cidade um caráter de estranheza além do que se poderia
esperar de outros trabalhos de performances dos quais já estamos acostumados em cidades grandes.
Nossas ações performáticas criaram tanto para os alunos como também para os transeuntes uma
despadronização do espaço da rua e diferentes curtos circuitos de tensionamentos e percepções em
relação ao espaço público. Por isso, identificamos que a arte da performance possui o viés político
na medida em que ela também se torna uma crítica ao uso funcionalista que fazemos do espaço
urbano. Muitas vezes, nós passamos pela realidade sem conseguir percebê-la. Enquanto isso, a arte
tem o papel de tomar a realidade e encená-la através de outros pontos de vista. Logo, penso que a
arte é responsável pela produção de perceptos e afectos (DELEUZE & GUATARRI, 1992, p.211-
257) que provocam no espectador uma dilatação da observação sobre a sua própria realidade. Além
disso, levar os alunos para as ruas provoca o aprendizado ao nível da experiência e da vivência, pois
o professor deve estar vulnerável para lidar com questões que transcendam a sala de aula. Nesse
sentido, o professor deve inventar modos de ser docente e acreditar na sua atuação como um
professor que é simultaneamente artista, pesquisador e observador. Tal prática artivista reflete
criticamente sobre a compreensão do docente como parte integrante do circuito da arte
contemporânea.

Em suma, concluo que é fundamental estimular projetos artísticos e sociais que possam estimular
jovens a pensar e desenvolver trabalhos artísticos, principalmente quando estão inseridos numa
dimensão de experimentação e investigação que pressupõe o contato direto com questões da arte
contemporânea. Penso que as análises desenvolvidas dentro desse projeto possam servir como
estímulo para professores, arte educadores e artistas que se proponham a criar um trabalho
articulado entre as dimensões artísticas, sociais e pedagógicas. Da mesma forma, é necessário cada
vez mais pensar um movimento estético e político dentro do âmbito da arte educação que se
diferencie das demandas curriculares associadas aos imperativos do mercado. A experiência
analisada através deste texto revela que é possível pensar uma produção artística criada e realizada
por jovens que podem experimentar o contexto da rua como um lugar de criação, produção e
aprendizado. Dessa forma, o nosso papel é refletir sobre o corpo da juventude em contato com a
cidade com o objetivo de apontar novos caminhos para compreender a arte como um campo da
experiência, do encontro e o compartilhamento mútuo de afetos e subjetividadesvii.

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Referências Bibliográficas

ARAÚJO, A. & ALICE, T. A ação disruptiva no espaço urbano: um treinamento ativista. BRAGA,
Bya (Org.). Treinamentos e Modos de Existência. Rio Grande do Norte: EDUFRN, 2013, p.10-
20.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. O que é a filosofia?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

FEIX, Tania Alice. O Re-Enactment como prática artística e pedagógica no Brasil. E-misférica,
New York, v.8.1, s/n, 2010, p.81.

HELGUERA, Pablo. Education for socially engaged Art. New York: Jorge Pinto Books, 2011.

LARROSA, Jorge. Notas sobre experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de


Educação, São Paulo, v.1, n. 19, jan, 2002, p.20-28.

ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental, Transformações contemporâneas do desejo. São


Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.

i
O presente artigo amplia e revisa questões que já foram desenvolvidas num estudo anterior intitulado “A performance
como prática pedagógica, intervenção artística e projeto social” que foi publicado nos anais do 24 Seminário Nacional
de Arte e Educação da FUNDARTE (Montenegro, Rio Grande do Sul).
ii
Professor de teatro do Instituto de Arte TEAR e da Fundação Cultural de Casimiro de Abreu; UNIRIO – mestrando
em Artes Cênicas. Bolsista FAPERJ.
iii
Idealizado e coordenado por Ana Kfouri, reconhecida diretora de experimentação da cidade do Rio de Janeiro, o
centro possuía oficinas que eram ministradas pelos atores de seus grupos Alice 118 e Cia. Teatral do Movimento.
iv
Posso incluir aqui alguns desses artistas: Alessandra Grácio, Amanda Dórea, Ana Paula Penna, André Rodrigues,
Cadu Santoro, Clarisse Monteiro, Lucas Nascimento, Natali Pazete e Tatiane Santoro.
v
Aqui cito alguns dos trabalhos criados e realizados pelos alunos. Deixe seu recado, concebido por Beatriz Lemos,
consiste em convidar os transeuntes para escreverem mensagens ao longo do corpo da performer. Escuto seus
problemas é a proposta de Gabriela Heringer para ouvir qualquer pessoa que desejasse contar uma questão que
atualmente lhe incomoda. Indo e Vindo é uma ação conjunta das alunas Allen Lohany e Bruna Benevenuto que propõe
gestos de repetição e imitação dos corpos das pessoas que cruzam a rodoviária. Massagem de trânsito, criada por Queila
Serafim Souza, oferece um banco vazio para que transeuntes possam se sentar, receber uma massagem e contar algum
episódio de sua vida.
vi
Esta performance faz parte do meu repertório particular de peças de conversação. No caso, “Picnic Poesia” já foi
realizado outras duas vezes em diferentes contextos. A primeira versão aconteceu em Paquetá como uma das minhas
proposições para a disciplina de pós-graduação da Unirio “Arte Relacional”, ministrada pela minha orientadora Tania
Alice. A última variação se deu no Museu da República no Catete dentro da Festa ÁrvoreSer do Instituto de Arte Tear.
Nesta última versão, o “Picnic Poesia” prestou homenagem comemorativa para o poeta Manoel de Barros.
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O Grupo de Estudos e Investigação sobre Processos de Criação Performáticos e Cênicos iniciou formalmente o seu
trabalho em abril de 2014 e desde então vem realizando atividades dentro e fora da cidade de Casimiro de Abreu.
Coloco aqui os nomes de todos aqueles que já estiveram presentes e participaram dos nossos encontros de criação e
investigação: Alberico Dolabella, Aline Leite Nunes, Allen Lohany, Alessandra Gripp, Arthur Martins, Beatriz Lemos,
Bruna Benevenuto, Gabriela Heringer, Isabella Cristina, Jefferson Lopes, Jéssica Morais, João Branco, Juliana
Azevedo, Juliana Lima Amaral, Juliana Manhães, Patrick Lyan, Vanilson Veloso, Larissa Cunha, Leandro Triervailer,
Letícia Gravitol, Lenilce Oliveira, Lívia Barros, Lorrayne Lopes, Queila Souza, Vanessa Sabrina e Victtoria Shinkawa.

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