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Curadorias educativas: ampliando contatos com arte e cultura*

Curadoria é criação! O curador inventa, pesquisa, seleciona, organiza e cria


conceito-chave capaz de impulsionar leituras do público, embora também se discuta o
quanto pode determinar caminhos restritos aos artistas para adequá-los à sua própria
criação. Um professor-curador assume essa ação quando seleciona obras,
espetáculos, músicas que serão apresentados aos aprendizes ou quando planeja
visitas a instituições culturais, organiza exposições, e apresentações de seus alunos e
abre espaços para intervenções poéticas.

Selecionar e combinar são propostas para criar uma curadoria ou uma coleção que
provoque diálogos não só entre o público e as obras, mas também entre as obras.

Como em toda curadoria, a escolha das imagens faz trabalhar o olhar, um


olhar escavador de sentidos.​ Olhar mais profundo e ao mesmo tempo sem
pressa, ultrapassando o reconhecimento, o fim utilitário das imagens, e que se
torna um leitor de signos. Nesse movimento do olhar, segundo o filósofo
francês Georges Didi-Huberman (1998), não só olhamos a obra como ela
também nos olha. Atento aos sentidos das imagens, tal qual um arqueólogo
que escava a procura do desconhecido, o professor-pesquisador é um leitor de
imagens que elege aquelas que vão adentrar na sala de aula para o deleite e
investigação dos alunos.

Nessa tarefa de leitura, as sandálias de professor-pesquisador imantam


imagens para compor uma ​seleção,​ uma combinação de imagens. Seleção é
dizer sim e não, sempre é ênfase e exclusão. ​Combinação é recorte. Todo
recorte ​é comprometido com um ponto de vista que se elege, exercendo a
força de uma idéia, de um conteúdo que é desejo explorar ou de uma temática
possível de desencadear um trabalho junto aos alunos.
Selecionar e combinar são, então, uma ​interpretação do
professor-pesquisador. Não uma interpretação que cria a armadilha de
responder questões, mas a interpretação que vai propor aos alunos um
processo instigante de novas e futuras escavações de sentido. Interpretação
entendida como um encontro "entre um dos infinitos aspectos da forma e um
dos infinitos pontos de vista da pessoa” como diz Pareyson (1984, p. 167).
Pontos de vista que, se socializados num grupo, proliferam em múltiplos
sentidos​.1

1
​Material educativo preparado para a 4ª Bienal do Mercosul, como coordenadora da Ação
Educativa (INVENTÁRIO dos achados: o olhar do professor-escavador de sentidos. Supervisão
geral Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais
do Mercosul - Ação Educativa, 2003. p. 8. Disponível em:
<http://www.bienalmercosul.art.br/4bienal/site/pdf/4BM_Caderno.pdf>. Acesso em: set. 2016.
Compomos curadorias educativas para problematizar, ampliar, provocar
encantamentos e estranhamentos, enfim, aproximar todos da arte, pois acreditamos
no outro, como Marcel Duchamp (1986, p. 74) que afirma: “O ato criador não é
executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o
mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma,
acrescenta sua contribuição ao ato criador”.

Aprendizes também criam suas próprias curadorias educativas quando escolhem


imagens oferecidas pela ​web ​para suas pesquisas. Nessa tarefa, tornam-se capazes
de descobrir que qualquer tema pode gerar múltiplas conexões transdisciplinares; de
aprender que as imagens precisam ter qualidade de reprodutibilidade; de perceber a
necessidade da busca das autorias e citá-las devidamente; de gerar critérios e
conceitos que fundamentem as escolhas das obras e de entender a importância do
modo como as apresentam.

Dessa forma, a curadoria educativa impulsiona a ampliação de repertório, pois é um


gatilho para novas conexões entre artistas de épocas e espaços diversos, entre
linguagens da arte, entre áreas de conhecimento, entre nossas escolhas e a de
nossos aprendizes na relação direta com o cotidiano, trazendo a contemporaneidade
para a escola, mesmo que estejamos tratando de épocas passadas, ultrapassando a
linearidade cronológica que tende a nos perseguir.

Nem sempre percebemos o teor de nossas escolhas ou mesmo as fronteiras que


surgem com tais escolhas. Às vezes, são traçadas barreiras que impedem acesso
para um universo desconhecido da arte contemporânea, de outros povos, do que nos
é estranho e sobre o qual ainda temos poucas informações. Ficamos presos ao que já
conhecemos, repetindo “biografias” para apresentar artistas, como se essa fosse a
nossa tarefa de educadores de arte? Quais espaços oferecemos para provocar reais
encontros ​com​ a arte?

* Este texto é parte do artigo ​Arte e horizontes potenciais na escola contemporânea​,


de Miriam Celeste Martins2, que integra os materiais do ​Curso Arte na Escola
Contemporânea​, que também é realizado em EaD pelo Instituto Arte na Escola.
 

2
​ ​A arte tem sido minha trilha na Educação, somando, contaminando, provocando, promovendo
encontros com arte e cultura, especialmente na formação de educadores. Pesquisas e
publicações, assim como orientações e compartilhamentos em Grupos de Pesquisa caminham
nessa trilha, desde meu mestrado na Escola de Comunicações e Artes e no doutorado na
Faculdade de Educação, ambos na Universidade de São Paulo, nas passagens pelas ações
educativas de importantes exposições, nas ações junto ao Programa de Pós-graduação em
Educação, Arte e História da Cultura/Universidade Presbiteriana Mackenzie e na luta por mais
arte na Pedagogia. Grupos de Pesquisa: GPAP – Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia e
GPeMC – Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: contaminações e provocações estéticas.

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