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Revista Tecné, Episteme y Didaxis: TED.

Año 2014, Número


Extraordinario. ISSN Impreso: 0121-3814, ISSN web: 2323-0126
Memorias, Sexto Congreso Internacional sobre Formación de
Profesores de Ciencias. 08 al 10 de octubre de 2014, Bogotá

A história da ciência e a biogênese: Uma análise dos livros


didáticos

Garcia Mara Cristina de Morais1, Santos Sayonara Martins dos2

Categoria 2. Trabalhos de investigação

Resumo

A inserção da história da ciência no ensino de ciências, como explicação da


natureza do conhecimento cientifico, pode contribuir para superação de visões
deformadas da ciência, como aquelas que a entendem como individual, elitista
e linear. O presente trabalho objetiva analisar a presença da História da Ciência
nos livros didáticos de ciências aprovados pelo Programa Nacional do Livro
Didático 2014 (PNLD). Frente a isto investigamos a seguinte questão: A teoria da
biogênese nos livros didáticos é contextualizada historicamente? A forma que
esta é apresentada pode contribuir com a superação das visões deformadas de
ciência?

Palavras chave

Livro didático; História da Ciência; Biogênese; Pasteur; Pouchet.

Objetivo

Analisar a presença ou ausência da história da ciência nos livros didáticos de


ciências das séries finais do ensino fundamental (ensino fundamental II)
aprovados pelo Plano Nacional do Livro Didático do Brasil.

Marco Teórico

Os referenciais teóricos que estudam o ensino de ciências apontam para uma


“crise” neste ensino visto que a ciência tem sido apresentada de forma linear,
elitista e descontextualizada (Pozo e Crespo, 2009, Fourez, 1997, Chapuz et al,

1 Mestranda no Programa de Educação em Ciências e Matemática (MECM) da


Universidade Federal de Goiás (UFG). Email: mcmgcelestino@hotmail.com
2 Mestranda no Programa de Educação em Ciências e Matemática (MECM) da

Universidade Federal de Goiás (UFG). Email: sayonaramds@hotmail.com

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2011). Esta crise perpassa décadas, reformulações de currículos, construção de


parâmetros curriculares e não se percebe significativa melhora. Em conformidade
com as avaliações internacionais, os jovens brasileiros não conseguem associar as
informações científicas na construção dos seus saberes. (Academia Brasileira de
Ciências, 2008).

Uma alternativa para responder a essa crise é a utilização da História da Ciência


(HC) nas aulas de ciências, já que a mesma pode ser utilizada em qualquer nível
de ensino. Matthews (1994) apresenta sete razões para a inclusão da HC no
ensino de ciências: promove a melhor compreensão de conceitos e métodos
científicos; conectam o desenvolvimento do pensamento individual com o
desenvolvimento das ideias científicas; familiariza o estudante com a valiosa
História; é necessária para o entendimento da natureza da ciência; neutraliza o
cientificismo e o dogmatismo presentes nos manuais de ensino; humaniza a
ciência; expõe a natureza interativa e interdependente das aquisições humanas.

Através da inserção da história da ciência no ensino de ciências poder-se-ia


combater a disseminação do mito de que uma descoberta ou uma teoria é obra
de uma única pessoa (Dupuis e Pavão, 2010). A construção do conhecimento
científico se torna mais fácil se a história das “descobertas” for descortinada.
Dessa forma, os alunos, se apropriando do conhecimento científico, ficam
naturalmente estimulados para novas descobertas, contribuindo para o
aperfeiçoamento da visão acerca do mundo e seus fenômenos. Além disso, a
história da ciência pode estimular o reconhecimento de que a Ciência é uma
produção humana e que está impregnada de valores e interesses sociais que
constantemente são revisados.

A História da Biogênese foi selecionada para a análise de sua presença nos livros
didáticos devido à sua relevância enquanto campo do saber da Biologia. No
século XIX houve um fervor de vários debates e experimentos que foram feitos
com a finalidade de comprovar a origem dos seres vivos. Costuma-se dizer que
foi Louis Pasteur (1822-1895) quem derrubou a teoria da Abiogênese e instaurou
definitivamente a teoria da Biogênese, baseando-se em uma série de
experimentos. Entretanto, uma história menos positivista revela que as coisas não
ocorreram dessa forma, ou seja, um experimento não foi capaz de resolver a
controvérsia sobre abiogênese e biogênese (Martins, 2009). Além disso, ainda hoje
são feitos questionamentos sobre o surgimento dos primeiros seres vivos no
planeta.

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Frente a importância da utilização da HC no ensino e sua utilização como


fundamento normativo no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) (Brasil,
2013), analisaremos neste artigo a presença da HC nos livros didáticos das séries
finais do ensino fundamental aprovados pelo PNLD para o ano de 2014. Mais
precisamente, analisaremos a História da Biogênese, com a finalidade de
averiguar se a história presente é não linear e contextualizada, que vá além de
nomes e datas, conforme exigência do PNLD. Encontramos esse conteúdo nos
livros do sétimo ano das séries finais do ensino fundamental.

Metodologia

Foram analisados oito livros de ciências das séries finais do ensino fundamental
aprovados na avaliação do Ministério de Educação e Cultura (MEC) do território
brasileiro para o ano de 2014. Estas amostras foram selecionadas vistas serem as
que foram disponibilizadas o acesso em uma instituição de ensino do município
de Goiânia. O período de analise foi de janeiro a março de 2014. Foram
analisadas as seguintes obras:

(1) Canto, E. L. (2012). Ciências naturais: aprendendo com o cotidiano: ciências,


7º ano: ensino fundamental. 4 ed. São Paulo: Moderna.

(2) Moretti, R. (2012). Ciências nos dias de hoje: ciências, 7º ano: ensino
fundamental. 1 ed. São Paulo: Leya.

(3) Gowdak, D. O.; Martins, E. L. (2012). Ciências novo pensar – Edição renovada:
seres vivos, 7º ano: ensino fundamental. 1 ed. São Paulo: FTD.

(4) Usberco, J., [et al.] (2012). Companhia das ciências: ciências, 7º ano: ensino
fundamental. 2 ed. São Paulo: Saraiva.

(5) Costa, A.; Scrivano, C. N. (2012). Oficina do saber: ciências, 7º ano: ensino
fundamental. 1 ed. São Paulo: Leya,.

(6) Aguilar, J. B. (2012). Para viver juntos: ciências, 7º ano: ensino fundamental. 3
ed. São Paulo: Edições SM.

(7) Projeto Araribá: ciências (2010). Organizadora Editora Moderna; obra coletiva
concebida, desenvolvida e produzida pela editora moderna; editora responsável:
Vanessa Shimabukuro – 3 ed. São Paulo: Moderna.

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(8) Gewandsznajder, F. (2011). Projeto Teláris: ciências 7º ano: ensino fundamental.


1. ed. São Paulo: Ática.

Analisamos o capitulo referente à origem da vida, em especial à teoria da


biogênese. Para a análise dos dados utilizamos a metodologia da análise de
conteúdo proposta por Bardin (1994).

Resultados

Para a análise da HC presente nos oito livros didáticos aprovados pelo PNLD que
tivemos acesso, construímos e utilizamos quatro categorias de análise: (1)
ausência da história; (2) presença de nomes e datas; (3) presença de história
linear; (4) presença da história contextualizada. Essas categorias emergiram do
processo de análise, exploração e interpretação dos capítulos dos livros didáticos
que abordavam ou deveriam abordar a Biogênese no conteúdo da Origem dos
Seres Vivos.

A categoria 1, ausência da História, compreende a falta de qualquer comentário


sobre a HC ao longo do texto didático.

A categoria 2, presença de nomes e datas, em relação à HC, compreende a


citação do nome do cientista que realizou determinado experimento e/ou
descoberta bem como a data em que os mesmos foram realizados.

A categoria 3, presença de história linear (quase-história), compreende a


caricatura da História. É a História contada como se todos os acontecimentos
tivessem ocorrido de forma sequencial, sem interrupções, graças à genialidade
de um cientista que de maneira simples chegou a uma conclusão que modificou
os caminhos da ciência.

Finalmente, a categoria 4, presença da história contextualizada, compreende a


História real. É a HC contada a partir do contexto das descobertas científicas.
Aborda o histórico das descobertas, as controvérsias que permeavam o momento
e os paradigmas adotados pela Academia Científica da época (Praia et al,
2007).

Os livros que compõem nossa amostra foram enumerados de 1 a 8 e, em relação


à História da Biogênese, foram classificados da seguinte maneira:

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Os livros 1, 2, 3 e 5, foram incluídos na categoria 1 por não apresentarem a HC.


Dessa forma, não contemplaram dois dos critérios de avaliação do livro didático
segundo o PNLD, a saber, que trata da produção do conhecimento científico
como sendo uma obra coletiva no que se refere a pessoas e instituições e o que
exige a presença da HC além de nomes e datas, com a exploração do contexto
em que ocorreu a produção.

Os livros 4, 6, 7 e 8, foram incluídos nas categorias 2 e 3. Neles observamos a


presença de uma quase-história. Apesar da quase-história ir além da presença de
nomes e datas, ela é uma falsificação da história, já que se apresenta como uma
história genuína que procura sustentar uma determinada versão de metodologia
científica na qual as figuras históricas são retratadas à luz da metodologia
ortodoxa atual. Na construção do conhecimento do aluno, essa quase-história
forma visões distorcidas da ciência.

A produção de uma história simplificada, que leve em consideração a faixa


etária dos alunos e todo o currículo a ser desenvolvido é necessária, mas isso não
significa a disponibilização de uma história caricaturesca, de uma quase-história
que se resume a aspectos cronológicos. Os textos didáticos dos livros dessas
coleções mencionam Pasteur como sendo aquele que “provou
conclusivamente” que a geração espontânea não existe. Nestes textos, os
autores afirmam que, depois dos experimentos de Pasteur, todos aceitaram suas
conclusões. Pouchet, outro importante cientista da época, não foi mencionado
em nenhum livro. Dessa forma, os estudantes ficam com a impressão errônea de
que tudo estava perfeitamente claro na época e que os únicos experimentos
existentes eram contrários à geração espontânea. Trechos de dois livros
demonstram essa quase-história:

Foi apenas no início da década de 1860 que o cientista


francês Louis Pasteur (1822-1895) conseguiu provar que os
microrganismos também só poderiam surgir de outros
microrganismos. [...] Com essa experiência, Pasteur derrubou
definitivamente a teoria da geração espontânea. (livro 4,
pág. 72)

Em 1862, o químico francês Louis Pasteur realizou novos


experimentos. [...] então concluiu que os microrganismos
estavam no ar [...] desde então prevalece a teoria de que,
nas atuais condições terrestres, um ser vivo só se origina a

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partir de outro, processo chamado de biogênese. (Livro 7,


pág. 65)

Outros fatores que contribuem para que os alunos continuem com a visão
equivocada da ciência em relação à Biogênese é a ausência dos fatores
históricos, por exemplo, em relação à publicação da teoria evolucionista de
Darwin que ocorreu na mesma época; a posição política de Pasteur perante o
Imperador Napoleão III; o poder da Igreja Católica; e a posição da Academia de
Ciências naquele momento. Então, os autores dos livros didáticos deixaram de
lado os fatores extra científicos como as crenças políticas, religiosas e filosóficas
dos cientistas envolvidos na história real.

Nenhuma outra História se fez presente nos livros didáticos e, portanto, nenhum
livro didático foi incluído na categoria 4. Nesse sentido observamos que, apesar
da HC ser ressaltada no PNLD como categoria de aprovação dos livros didáticos,
a história contextualizada não se fez presente nos livros analisados.

Considerações Finais

A História da Biogênese é diferente da história presente nos livros didáticos. A


avaliação dos livros didáticos, mesmo seguindo os critérios do PNLD, apresentam
falhas graves em relação à presença da HC. Falhas puderam ser claramente
observadas nos livros do sétimo ano, das séries finais do ensino fundamental,
quando analisados à luz das categorias de análise empregadas.

Apontamos que a inserção da HC pode contribuir com a contextualização do


conhecimento científico, entretanto a forma que a historia se faz presente nos
livros didáticos analisados não contribui para tal. Ressaltamos a necessidade de
maior rigor nas avaliações dos livros didáticos de ciências por parte dos órgãos
responsáveis quanto à presença da história do conhecimento cientifico, já que o
programa vigente não alcança os objetivos propostos.

Salientamos que o professor pode auxiliar no processo de contextualização do


conhecimento cientifico, estimulando a pesquisa vinculada da Historia da
Ciência por permitir o acesso a importantes aspectos que ficam ocultos na
abordagem tradicional e possibilita elucidar diferentes visões distorcidas da
ciência.

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Disponível em: http://www.abfhib.org/FHB/FHB-v04.html. Acesso em: 30 de
agosto de 2013.

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