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PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E ENSINO DE CIÊNCIAS: ANÁLISE

CRÍTICA DA FORMAÇÃO

ARTHUR HENRIQUE DE OLIVEIRA1


1
Graduado em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário São Camilo (2006); Graduado em
Pedagogia pela Universidade Nove de Julho/UNINOVE (2013); Graduado em Educação Física pela
Faculdade Brasil (2018); Especialista em Educação Ambiental pelo Centro Universitário SENAC
(2011); Especialista em Educação e Neurociências pela Faculdade Campos Salles (2020); Mestre em
História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2009); Professor
universitário na Faculdade de Santana de Parnaíba/FASP; professor de Biologia e Ciências na
EMEFM Professor Linneu Prestes.
RESUMO
O ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental é ministrado por professores
polivalentes, com formação em Pedagogia que também são responsáveis pelo ensino de
outros componentes curriculares. Sabe-se que a ciência apresentada nos currículos escolares
geralmente está desconectada do mundo real, não estabelece laços com a realidade,
consequentemente, tal situação acaba gerando desinteresse, além de transmitir uma visão
distorcida sobre a atividade científica. Estudos atuais indicam que existe uma intrincada
relação entre as concepções acerca da natureza da ciência que o professor possui e a sua
prática pedagógica. Portanto, se as concepções epistemológicas dos professores norteiam suas
ações, a mudança no ensino de Ciências somente ocorrerá a partir de uma mudança profunda
na epistemologia do professor. Objetiva-se com este artigo analisar as principais dificuldades
de um grupo de trinta e cinco (35) licenciandos do último semestre de Pedagogia em abordar
o ensino de ciência em sala de aula e desenvolver estudos, discussões e reflexões que resultem
na produção de conhecimentos capazes de impactar positivamente na melhoria do ensino e na
formação de professores. Nessa pesquisa de cunho quantitativo-qualitativo e descritivo,
ancorada no referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais, de
Moscovici (2003), tem-se como problema a ser investigado: os futuros professores que irão
atuar no processo de ensino e aprendizagem de Ciências da Natureza nas séries iniciais do
Ensino Fundamental sentem-se seguros e preparados? Os resultados evidenciaram a
insegurança dos futuros professores em abordar o currículo de ciências; a presença de
representações equivocadas acerca da natureza da ciência, do cientista e a necessidade de se
repensar a formação inicial.
Palavras-chave: Formação de Professores, Ensino de Ciências, Representação Social.
INTRODUÇÃO
1
Nas últimas décadas o ensino de ciências tem sido foco de uma série de discussões e
estudos, principalmente nas academias de ciências dos Estados Unidos e Europa. No
Brasil diversas publicações e artigos específicos da literatura da área têm apontado para uma
crise no ensino de ciências, principalmente pesquisas realizadas pela Academia Brasileira de
Ciências. O resultado de algumas pesquisas também têm demonstrado certo grau de
desinteresse dos estudantes pelas ciências e mesmo a recusa pela formação universitária na
área.
De modo geral, pode-se dizer que o ensino de ciências nas escolas tem se realizado
por meio de proposições científicas apresentadas na forma de definições, leis e princípios e
tomadas como verdades de fato, sem qualquer problematização e sem que se promova um
diálogo mais estreito com evidências do mundo real. Em tal modelo de ensino, poucas são as
oportunidades de uso de experimentos e de argumentação acerca dos temas e fenômenos em
estudo. A rejeição ao chamado “método de ensino tradicional” costuma aparecer de maneira
contundente no discurso, sobretudo, entre os professores que estão em formação, porém, as
aulas de Ciências atuais continuam ocorrendo como há cinquenta anos, ou seja, baseada no
binômio transmissão/recepção de informações pré-elaboradas.
A partir da contribuição de pesquisadores como Jean Piaget (1896-1980), Lev
Vygotsky (1896-1934), Jerome Bruner (1915-2016), Robert Gagné (1916-2002), David
Ausubel (1908-2008), entre outros, emergiram diversas teorias de aprendizagem e vários
métodos objetivando à melhoria da qualidade do ensino de Ciências foram postos em prática.
Entre essas teorias pode-se destacar as concepções construtivistas, sócio interacionistas,
aprendizagem significativa, ensino CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente),
aprendizagem por resolução de problemas e a aprendizagem por investigação, que leva em
consideração os conhecimentos empíricos que já foram construídos pelos estudantes.
Contudo, nada disso faz sentido se o professor efetivamente não rever suas próprias
concepções epistemológicas. Então temos aqui o primeiro problema a ser sanado antes de
qualquer outra ação: grande parte dos professores de ciências manifesta a crença de que só
pode ser considerado científico o conhecimento que pode ser verificado e “provado” pela
experiência, que a ciência é uma atividade que “busca a verdade”; que a ciência repousa sobre
um fundamento seguro adquirido por meio da observação e experimento; que existe um
método científico universal; que conhecimento científico é conhecimento provado, entre
outros. Um dos principais objetivos da educação
científica escolar é formar justamente cidadãos participativos, capazes de compreender e atuar
no mundo de maneira crítica apoiando-se na racionalidade humana e no discurso científico
como antídoto contra o “negacionismo”, a superstição, as pseudociências e toda forma de
obscurantismo. Neste aspecto, o ensino de ciências desde as séries iniciais do ensino
fundamental, ganha relevância na medida em que a formação científica consistente possibilita
aos cidadãos participar na tomada de decisões, em assuntos que estão relacionados a ciência e
tecnologia. Porém, os professores dessa importante etapa da escolarização chamados de
polivalentes ou generalistas parecem encontrar grandes dificuldades em abordar o currículo de
ciências em sala de aula e, por isso, privilegiam amplamente a leitura e a escrita e o ensino da
matemática em detrimento do ensino de ciências.
Como um processo natural, os docentes tendem a ensinar ciências da mesma forma
que a universidade os ensinou, e no final das contas as concepções dos estudantes, inclusive
dos futuros docentes, não se distanciam muito daquilo que podemos chamar de senso comum.
Diversos estudos como, Cachapuz et al (2005), Gil-Perez (2001), Goldschmidt, Júnior
e Loreto (2014), Tobaldini et al (2011), Colagrande e Arroio (2018), evidenciam que um dos
principais fatores que interferem no ensino de ciências corresponde justamente às
representações de Ciência que os professores possuem, por isso, melhorar o ensino de ciências
exige o cumprimento de um requisito básico: modificar as concepções inadequadas acerca da
natureza da ciência que os professores carregam e transmitem. Portanto, justifica-se a escolha
da temática em decorrência das deficiências formativas dos professores generalistas, da
prevalência de vários mitos e crenças no imaginário do professor como a necessidade de
laboratório, materiais e equipamentos sofisticados para ensinar ciências, da concepção de que
a disciplina Ciências da Natureza é difícil de ser ministrada, não apenas pelas limitações de
origem formativa mas, sobretudo, pela ideia de que a atividade científica somente pode ser
desenvolvida por pessoas especiais e “extremamente inteligentes”, pela importância da
educação científica na sociedade atual e, por fim, pelo interesse pessoal desse autor.
Atualmente um grande número de pesquisadores recomendam que alunos e
professores aprendam e ensinem não apenas Ciências, mas também realizem estudos sobre a
natureza da própria ciência (NDC). Infelizmente apesar do crescente número de publicações
(periódicos, livros, artigos, dissertações, teses, entre outros) enfatizarem a importância da
relação entre epistemologia e ensino de ciências, grande parte dessa produção não tem
chegado até os professores, alijando-os desse processo, portanto, objetiva-se com este artigo
conhecer e analisar as principais necessidades formativas de um grupo de graduandos do
último semestre de pedagogia de uma instituição privada em relação ao ensino de ciências;
identificar as suas principais representações acerca da natureza da Ciência e do trabalho do
cientista; conhecer e questionar as principais ideias docentes de senso comum sobre o ensino
e aprendizagem das Ciências da Natureza e propor um programa de Didática das Ciências
para suprir as necessidades formativas desse grupo de futuros professores.
No decorrer do desenvolvimento da pesquisa almeja-se responder a seguinte
indagação: O grupo de graduandos do último semestre do curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia/2020 pesquisado sente-se habilitado e seguro para ensinar Ciências para os alunos
das séries iniciais do Ensino Fundamental?
Nossa hipótese de pesquisa busca responder as indagações supracitadas à partir da
seguinte afirmativa: a insegurança em ministrar aula é algo natural decorrente da falta de
prática, no entanto, quando o futuro professor não domina os conteúdos e sente-se inseguro tal
fato pode se tornar um obstáculo à aprendizagem dos alunos.
Em relação ao referencial teórico e metodológico optou-se pelo instrumento de
investigação denominado Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP) que é muito
empregado em pesquisas sobre representações sociais. A base teórica está ancorada nas
investigações em psicologia social por meio da Teoria das Representações Sociais (TRS),
proposta pelo psicólogo social romeno radicado na França Serge Moscovici (1925-2014) a
partir da publicação do livro La Psychanalyse, son image et son public (1961), no qual ele
aborda às relação entre o indivíduo e a sociedade utilizando-se de conceitos como ancoragem,
objetivação, núcleo central e periférico e por pesquisadores que aprofundaram os estudos do
campo das representações sociais como Jodelet (2001), Abric (2001) e Arruda (2002). A
pesquisa caracteriza-se como quantitativa-qualitativa e descritiva cujo locus foi a instituição
privada de ensino superior Faculdade de Santana de Parnaíba/FASP, os participantes fazem
parte do grupo de trinta e oito alunos do último semestre do curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia/2020. A coleta de dados foi realizada a partir de questionário contendo nove
questões disponibilizado aos alunos por meio do Google Forms. A Técnica de Associação
Livre de Palavras (TALP) está embasada na perspectiva proposta por Merten (1992, p. 533),
que consiste em escrever as primeiras palavras que surgem na mente do sujeito quando este é
inquirido a respeito de algum tema “[...] descrição das ideias e imagens que surgem ao sujeito
e que o sujeito associa a uma palavra ou tema”.
A análise do discurso foi realizada a partir dos estudos de Bardin (2011) e os
dados obtidos por intermédio da TALP foram processadas via software gratuito OpenEvoc2.
1 A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA NA SOCIEDADE
2
O software OpenEvoc é um programa gratuito para coleta, análise e processamento de dados de pesquisa na
perspectiva estrutural da TRS desenvolvido e mantido pelo Professor Hugo Cristo Sant’Anna da Universidade
Federal do Espírito Santo.
Atualmente a ciência e a tecnologia estão presentes em quase todos os momentos do
dia a dia. Seja utilizando um forno micro-ondas para aquecer alimentos, seja no uso do
aparelho celular que nos conecta uns aos outros, quando se assisti televisão em tela ultra fina
com som e imagem de alta definição, quando realizamos exames, nos alimentamos, ingerimos
medicamento, ou seja, os resultados das pesquisas científicas compõem a vida das pessoas em
sociedade em praticamente todos os aspectos. Para que um país esteja em condições de
competir, produzir, consumir, exportar e satisfazer as necessidades fundamentais da sua
população, o ensino de ciências e a tecnologia é um imperativo estratégico. Hoje, mais do
que nunca, é necessário fomentar e difundir a alfabetização científica a fim de melhorar a
participação dos cidadãos na tomada de decisões e principalmente para se evitar a propagação
das chamadas fake News, ou seja, desinformação e informação falsificada que circulam pelas
redes sociais gerando muita confusão e prestando assim um desserviço à sociedade.
Desde que teve início a pandemia de Covid-19 não apenas as ciências ganharam
destaque nos noticiários midiáticos diários, mas também as fake news. Na internet e mídias
sociais surgiram diversos grupos que se opõem a ciência e se posicionam, por exemplo,
contra o uso da vacina são os chamados “negacionistas” que também negam a esfericidade do
planeta, a ocorrência do holocausto judeu, a existência do corona vírus, a teoria evolutiva,
entre outros. Nesta, como em tantas outras discussões sobre assuntos polêmicos, é
fundamental a participação da sociedade na elaboração das políticas públicas que envolvam a
ciência e tecnologia, bem como a aplicação adequada de recursos públicos. Portanto, não é
possível ignorar a necessidade de ampliação do nível de conhecimento científico da sociedade
para que ela possa se mobilizar e assumir posições bem definidas. Para tanto, não se deve
ignorar a importância do ensino de ciências na escola desde os anos iniciais levando em
consideração que:

Não é preciso ser especialista para trabalhar com atividades científicas na escola
primária. O trabalho experimental de investigação pode ser simples e o
conhecimento colocado em prática acessível. O professor pode estimular e participar
do prazer e da curiosidade dos alunos e favorecer a exploração racional do mundo
que os cerca e que pode ser expressa por palavras, por imagens e por argumentos. O
universo das ciências, no qual atuam os cientistas cuja profissão é a descoberta e os
engenheiros que criam novos objetos ou produtos, está realmente ao alcance dos
professores polivalentes da escola e de seus alunos (ACADEMIA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS, 2005).
Nessa perspectiva, a educação científica escolar se constitui como um objetivo social
prioritário, pois em um mundo repleto de produtos que surgiram a partir das indagações
científicas, a educação científica converte-se em uma necessidade praticamente obrigatória
para todos os cidadãos. Todas as pessoas necessitam utilizar informações científicas para
realizar determinadas ações diárias, todas as pessoas necessitam desenvolver a capacidade de
participar e opinar em assuntos relacionados à aplicação das descobertas científicas, portanto,
mostra-se consensual a importância de se estabelecer uma analogia entre a alfabetização
básica e a educação científica e tecnológica (FOUREZ, 1997).

1.1 O ambiente da pesquisa e processo de investigação

A pesquisa de investigação foi realizada no dia 10 de novembro de 2020 com um


grupo de 35 licenciandos do último semestre do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia de
uma instituição privada localizada no município de Santana de Parnaíba, estado de São Paulo,
Brasil. Os graduandos em formação, que já haviam cursado a disciplina “Metodologia do
Ensino de Ciências” cuja carga horária foi de 72 horas, foram convidados a responder um
formulário de coleta de informações por meio do Google Forms constituído por oito
perguntas:

Gráfico 1 – Fonte: autoria do próprio autor

Diante da escolha massiva em prol das Ciências Humanas e Sociais em detrimento das
Ciências da Natureza e Matemática assinalada pelos profissionais que atuarão futuramente
como professores nas séries iniciais do ensino básico, como demonstrado no gráfico 1, a
situação é preocupante e embasa a necessidade de se investigar melhor as origens dessa
insegurança que a formação inicial demonstrou-se falha em sanar.
Desde a Conferência Mundial sobre Ciência para o Século XXI, organizada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cuja
declaração final estabelece que um país somente estará em condições de satisfazer as
necessidades fundamentais da sua população quando o ensino das ciências e da tecnologia for
um imperativo estratégico prioritário e:

Como parte dessa educação científica e tecnológicas, os estudantes deveriam


aprender a resolver problemas concretos e a satisfazer as necessidades da sociedade,
utilizando as suas competências e conhecimentos científicos e tecnológicos [...]
Hoje, mais do que nunca, é necessário fomentar e difundir a alfabetização científica
em todas as culturas e em todos os setores da sociedade, [...] a fim de melhorar a
participação dos cidadãos na tomada de decisões relativas à aplicação dos novos
conhecimentos (CACHAPUZ ET AL, 2005 p. 20).

No Brasil, o ensino de Ciências Naturais até a promulgação da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação (LDB/1961) era ministrado somente nas duas últimas séries do antigo
curso ginasial:

A Lei nº. 4024, de Diretrizes e Bases da Educação, de 21 de dezembro de 1961,


ampliou bastante a participação das Ciências no currículo escolar [...] No curso
colegial, houve também substancial aumento da carga horária de Física, Química e
Biologia. Reforçou-se a crença de que essas disciplinas exerceriam a função de
desenvolver o espírito crítico através do exercício do “método científico”
(KONDER, 1998, p. 4).

Dez anos depois, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Base (LDB/1971) o


ensino de ciências tornou-se obrigatório em todas as séries do antigo “Primeiro Grau” e a sua
perspectiva de valorização seria novamente reiterada posteriormente com a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997. Os PCNs apresentam uma nova proposta
metodológica para o ensino de ciências que embasados no Artigo 22 A da Lei de Diretrizes e
Base da Educação (LDB/1996) estabelece que a “educação básica tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
Naturalmente, de acordo com Ferreira e Oliosi (2013), tal concepção não exclui o
conhecimento científico que contribui de maneira significativa para a formação de cidadãos
consciente, críticos e participativos capazes de utilizar com competência os conhecimentos
científicos em situações concretas e simuladas. Portanto, em uma sociedade na qual o saber
científico é reconhecido como algo relevante não somente para os eventuais futuros
pesquisadores, mas também para todo e qualquer cidadão comum que convive diuturnamente
com a supervalorização do conhecimento científico e tecnológico é impossível conceber à
formação de um sujeito crítico que esteja à margem do conhecimento científico produzido
historicamente. Contudo, paradoxalmente os cursos de licenciatura em Pedagogia parecem
destinar uma carga horária demasiadamente reduzida para o estudo das Ciências Naturais
como corrobora o gráfico a seguir:

Gráfico 2 – Fonte: Autoria do próprio autor

Percebe-se pela leitura do referido gráfico que apenas 8,6% dos licenciandos
discordam totalmente da afirmativa contra 91, 4% que de alguma forma concordaram com o
enunciado, percentual idêntico ao gráfico anterior.
Para se trabalhar com atividades científicas em sala de aula não é necessário
ser especialista nem ter a disposição laboratórios e equipamentos sofisticados, no entanto,
ainda prevalece no imaginário dos professores em formação a ideia equivocada de que o
espaço representado pelo laboratório é o mais indicado para a construção do conhecimento
científico conforme ilustra o gráfico a seguir:
Gráfico 3 – Fonte: Autoria do próprio autor

No gráfico 3 observa-se a intrínseca correlação estabelecida pelos graduandos entre


melhoria da compreensão dos conceitos científicos e atividades científicas experimentais.
Praticamente, 94,2% dos licenciandos concordaram que as aulas práticas são superiores às
aulas predominantemente expositivas, somente 5,7% discordaram. Entretanto, é preciso
ressaltar que o ensino de ciências na escola ou no ensino superior deve ser capaz de
proporcionar o rompimento da passividade para que o estudante se sinta estimulado a
interagir, explorar e se colocar na posição de alguém que investiga algo ou algum fenômeno,
mas não de maneira isolada ou restrita a algum tipo de manipulação meramente mecânica.
Nessa perspectiva a aprendizagem de procedimentos ultrapassa a execução pura e simples de
tarefas que na maioria das vezes são executadas mediante a forma de “receitas prontas” que
acaba inviabilizando as oportunidades de desenvolvimento de novos significados. Uma
atividade didática investigativa deve necessariamente possuir um componente essencial
particular que motive o estudante a participar ativamente da elaboração dos meios necessários
para solucioná-la sem utilizar nenhum recurso de caráter algoritmo. Tal fato não significa
desmerecer à necessidade de determinados recursos, certos tipos de materiais, equipamentos
básicos ou espaços adequados que de fato são muitas vezes importantes, porém, não significa
que tais elementos sejam prioritários e imprescindíveis, pois o ambiente a nossa volta por si
só pode fornecer diversas oportunidades desafiantes para o ensino das ciências da natureza
(CACHAPUZ, ET AL, 2005). Os dados do gráfico 4 evidenciam a nítida insegurança
dos futuros professores em ministrar o conteúdo de ciências. Essa constatação pode ser algo
muito preocupante, pois tal fato pode significar que este professor polivalente no futuro
poderá enfatizar muito pouco o ensino de ciências em relação ao conteúdo programático dos
demais componentes curriculares.

Gráfico 4 – Fonte: autoria do próprio autor

A partir da pergunta número cinco do questionário são colocadas as perguntas abertas


e a resposta para cada uma delas foi obtida a partir da técnica de associação livre de palavras
(TALP) que, segundo Abric (2001), possibilita identificar de maneira espontânea e natural as
representações que subjazem ao discurso, ou seja, o conteúdo que permeia a linguagem de
maneira não explicita. Tal técnica permite conhecer as representações que indivíduos e
grupos possuem a respeito de determinado tema. Uma representação social, conforme
esclarece Jodelet (2001, p. 27), caracteriza-se como um saber empírico capaz de interligar um
indivíduo a um objeto:

A representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém


(sujeito). As características do sujeito nela se manifestam; A representação social
tem com seu objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação
(conferindo-lhe significações). Estas significações resultam de uma atividade que
faz da representação uma construção e uma expressão do sujeito.

Apesar do seu caráter polissêmico há uma caracterização muito bem aceita pela
comunidade científica acerca do conceito de representação social: “É uma forma de
conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que tem um objetivo prático e
concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001,
p. 36). O termo é comumente designado:

Como “saber do senso comum” ou ainda “saber ingênuo”, “natural”, esta forma de
conhecimento distingue-se, dentre outros, do conhecimento científico. Mas ela é tida
como um objeto de estudo tão legítimo quanto aquele, por sua importância na vida
social, pelos esclarecimentos que traz acerca dos processos cognitivos e as
interações sociais.
Reconhece-se, geralmente, que as representações sociais, como sistemas de
interpretação, que regem nossa relação com o mundo e com os outros, orientando e
organizando as condutas e as comunicações sociais. Igualmente intervêm em
processos tão variados quanto a difusão e a assimilação dos conhecimentos, no
desenvolvimento individual e coletivo, na definição das identidades pessoais e
sociais, na expressão dos grupos e nas transformações sociais (JODELET, 2001, p.
41).

Segundo Moscovici (2003, p. 40), “Todas as interações humanas, surjam elas entre
duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as
caracteriza”. As representações sócias, dessa forma, se apresentam como uma rede de ideias,
metáforas e imagens mais ou menos interligadas formando, de acordo com Sá (1996, p. 181):

Um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no


curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade,
aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais. Podem, também, ser
vistas como a versão contemporânea do senso comum.

Uma representação social, conforme destaca Abric (2001, p. 28), caracteriza-se por
possuir um conjunto bem engendrado de crenças, valores, atitudes, opiniões, conceitos, entre
outros, concernentes a determinado objeto ou situação cujo modus operandi "funciona como
um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio
físico e social determinando seus comportamentos e suas práticas".
As representações sociais se estruturam, de acordo com Moscovi (2003) e Abric
(2001), a partir de dois eixos: o Núcleo Central (NC) e o Sistema Periférico (SP). Os
elementos que constituem o núcleo central exercem sobre-eminência sobre o sistema
periférico, em outras palavras o núcleo central é quem dá sustentação, significado e
organização constituindo o elemento mais estável das representações. Ainda, de acordo com
Abric (2001, p. 163), o núcleo central das representações possuem duas funções importantes,
portanto, necessitam ser destacadas:
Função geradora: elemento pelo qual se cria ou se transforma a significação dos
outros elementos constitutivos da representação. É aquilo por meio do qual esses
elementos ganham um sentido, uma valência; Função organizadora: é o núcleo
central que determina a natureza dos vínculos que unem entre si os elementos da
representação. É, nesse sentido, o elemento unificador e estabilizador da
representação.

Esta breve, mas necessária digressão sobre o fenômeno chamado representação social
foi necessária para dar clareza e entendimento acerca da proposta da pesquisa que é conhecer
as representações que trinta e cinco graduandos do último semestre do curso de pedagogia
possuem a respeito da ciência e da atividade científica, pois o que se quer saber não é como o
indivíduo se apropria do conhecimento, mas como o indivíduo dentro de determinado grupo e
como o próprio grupo chega ao conhecimento. É preciso ressaltar que as visões, concepções e
ideias docentes de senso comum sobre a ciência, atividade científica, cientista e ensino de
ciências foram construídas gradualmente a partir das vivências diárias pessoais que ocorreram
dentro e fora da escola – contexto sociocultural, televisão, livros, materiais didáticos,
vivência, contato com professores, filmes, mídias, redes sociais, formação inicial e
continuada, etc. e para se conhecer essas representações optou-se por um modelo de coleta
constituído por oito perguntas das quais as quatro primeiras estão relacionadas às questões
formativas e as quatro posteriores tem por objetivo conhecer as representações que os futuros
professores possuem acerca da ciência e do cientista. A análise dos dados foi realizada por
meio do software “OpenEvoc” que de maneira resumida processa as informações a partir da
combinação estatística entre a ordem em que as palavras foram citadas e a quantidade de
vezes que foram evocadas constituindo-se assim o chamado Núcleo Central (NC) e o Sistema
Periférico (SP) que engloba as palavras secundárias ou que não surgiram de imediato nas
primeiras evocações dos pesquisados. Vejamos quais foram essas palavras, a ordem em que
aparecem e o número de evocações para a pergunta número 5: “Escreva abaixo as 5 palavras
que rapidamente aprecem em sua mente para o seguinte tema “o que é ciência”?
As palavras que mais apareceram nas respostas dos licenciandos, de um
total de 105, foram quinze: “estudo” (13), “conhecimento” (11), “pesquisa” (9),
“experimentos” (7), “experiência” (6), “natureza” (6), “meio ambiente” (6), “observação” (5),
“descoberta” (4), “descoberta” (4), “método” (3), “teoria” (3), “vida” (3), “química” (2),
“saúde’ (2), as que foram evocadas apenas uma única vez foram descartadas. As palavras
estudo, conhecimento, pesquisa, experimentos, experiência, natureza e meio ambiente
formam o Núcleo Central, pois estão acima da frequência média (FRmed) de 5,6 apontada
pelo sistema OpenEvoc que consiste na soma do número de vezes que as palavras apareceram
(84), dividido pelo número de vezes que as palavras foram evocadas (15). Vale ressaltar que a
palavra “estudo” além de fazer parte do núcleo central, também foi a mais evocada na
primeira posição pelos pesquisados. As palavras observação, descoberta, método, teoria, vida,
química e saúde estão abaixo da frequência média, portanto, fazem parte do Sistema
Periférico e, é preciso salientar que “os critérios de frequência e ordem de evocação se
complementam e fornecem dois indicadores coletivos para caracterizar a saliência de uma
palavra num corpus gerado a partir de um grupo” (WACHELKE; WOLTER, 2011, P. 522).
Nas respostas obtidas a partir da
pergunta número 6 “Em relação as palavras citadas na questão anterior, escreva uma única
frase ou um parágrafo contendo todas elas”, a estrutura das frases e seus elementos
constituintes foram investigados por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011)
cujo procedimento possibilitou agrupar e categorizar os termos mais comumente evocados
pelos professores pesquisados. A partir do cruzamento entre as evocações espontâneas e as
frases elaboradas foi possível conhecer as representações que o grupo de licenciandos possui
acerca dos respectivos temas (ciência e cientista). Analisa-se a seguir o
contexto geral das palavras evocadas e das frases construídas para que se possa conhecer as
representações que emergiram das falas dos licenciandos pesquisados. Foram selecionadas
apenas algumas frases, entre os critérios adotados para este fim estão aquelas que
apresentaram melhor clareza de ideia, coerência e coesão entre os termos evocados e a
composição da frase.

Licenciando 8: A ciência é conhecimento que explica os fenômenos obedecendo a leis


que foram verificadas por métodos, pesquisas, experimentações e observações (palavras
evocadas: conhecimento, método, pesquisa, experimentação e observação).
Licenciando 9: Para a ciência a pesquisa é essencial para novas descobertas, os
experimentos fazem parte dos estudos, e a dedicação faz com que o cientista tenha paciência,
pois muitas descobertas cientificas podem demorar décadas (palavras evocadas: pesquisa,
experiências, estudos, dedicação e determinação).
Licenciando 11: Ciência é o conjunto de conhecimentos baseados na observação, na
reflexão, na prática da experimentação (Palavras evocadas: observação, experimentação,
conhecimento, reflexão e prática).
Licenciando 16: O conhecimento, a experiência, a observação e a pesquisa são
essenciais para a descoberta do fenômeno científico (palavras evocadas: conhecimento,
experiência, observação, pesquisa, fenômeno).
Licenciando 17: Não há ciência sem experiência nem tão pouco sem descoberta, pois
tudo se complementa à hipótese e a observação em pró do conhecimento (Palavras evocadas:
experiência, descoberta, hipótese, observação, tudo).
Licenciando 27: A ciência é um estudo de pesquisas que compreende experiências e
observações sobre a vida humana e a natureza (palavras evocadas: pesquisas, experimentos,
empírico, estudos, conhecimento).
Observa-se nas frases supracitadas a presença de pelo menos uma das seguintes
palavras: experiência, experimento ou experimentação, o que denota a ideia equivocada que
associa o trabalho científico quase que exclusivamente ao trabalho desenvolvido em
laboratório no qual o cientista observa e faz experimentos transmitindo assim uma visão
predominantemente empírico-indutivista da ciência. Convém assinalar que essa concepção,
que atribui a essência da atividade científica à experimentação, coincide também com a ideia
equivocada e muito difundida de “descobrimento”, como se o conhecimento científico
estivesse praticamente pronto e aguardando a presença do seu futuro descobridor, ignorando-
se a importância da construção coletiva das pesquisas e do intercâmbio entre pesquisadores,
como se o empreendimento chamado “ciência” fosse obra exclusiva de gênios isolados em
seus laboratórios (CACHAPUZ, et al, 2005).
A palavra “pesquisa” que em algumas frases surgiu associada a palavra
“descoberta” ignora o caráter social do desenvolvimento científico e que apoiada em uma
visão estereotipada, individualista e elitista contribui para uma leitura descontextualizada,
(a)problemática, (a)histórica e neutra da atividade científica.
Muito embora não se considere a existência de uma única e correta visão sobre o que é
ciência Gil-Perez et al (2001) e Lakatos e Marconi (1986), concordam que quando se fala em
conhecimento científico o primeiro passo consiste em diferenciá-lo das demais formas de
conhecimentos existentes.
De acordo com Chalmers (1999), dada à importância e o status que a Ciência desfruta
nos tempos modernos é de fundamental importância tentar compreender suas características,
pois a todo o momento somos bombardeados por expressões como “tal produto foi
cientificamente testado”, “a ciência possui um método”, “a eficácia de tal método foi
cientificamente comprovado”, “a ciência busca a verdade”, “a ciência prova que...”, “está
cientificamente provado que...”, “a ciência começa pela observação”, etc. que acabam
transmitindo uma visão deturpada sobre a ciência e para se evitar esses e outros equívocos é
preciso entender o que é Ciência. Para ensinar ciências é preciso saber o que é Ciência, eis o
primeiro passo. Para o professor de ciências o domínio da origem histórica do seu objeto de
ensino é uma experiência enriquecedora que abre várias possibilidades para a reflexão.
Obviamente que definir ciência não é uma tarefa fácil, mas discutir aspectos importantes do
ensino e da aprendizagem dos conteúdos científicos sem ter uma visão, mesmo que parcial
desse empreendimento é querer colocar a carroça na frente dos bois. Muitos pensadores como
Aristóteles, Bacon e Descartes, entre outros, achavam que havia um método científico capaz
de construir um conhecimento isento de falhas, porém, o tempo incumbiu-se de mostrar
justamente o contrário. Em relação a
pergunta número 7 “Quais são as cinco palavras que surgem na sua mente quando você pense
em um cientista”, as palavras que mais apareceram nas respostas dos licenciandos, de um
total 91, foram: “pesquisa” (14), “curioso” (8), “experimentação” (7), “inteligente” (6),
“descoberta” (6), “investigação” (5), “sábio” (5), “resultado” (4), “inovador” (4), “científico”
(3), “conhecedor” (3), “cura” (3), “dedicação” (3), “estudioso” (3), “tecnologia” (3), “louco”
(3), “maluco” (3), “capacidade” (2), “ciência” (2), “especialista” (2), “evolução tecnológica”
(2), “futuro” (2), “Laboratório” (2), “método” (2), “metodologia científica” (2), “natureza”
(2), “profissional” (2), “raciocínio” (2), “vacina” (2). As palavras descoberta, investigação,
inteligente, experimentação e pesquisa foram as mais evocadas nas primeiras posições pelos
pesquisados, as demais que foram evocadas apenas uma única vez foram excluídas do estudo.
Entre as palavras que compõem o núcleo central das representações as mais citadas e
evocadas nas primeiras posições foram “experimentação”, “pesquisa”, “inteligente” e
“curioso”. Na sequência analisa-se algumas frases elaboradas pelos pesquisados
obtidas a partir das respostas da pergunta nº 8 “Escreva uma frase ou um parágrafo contendo
as cinco palavras citadas na questão anterior”, com o objetivo de identificar as principais
representações que emergiram das suas respectivas falas. Foram descartadas as frases que não
apresentaram clareza de ideia, coerência e coesão entre os termos evocados.

Licenciando 8: Cientista é um profissional ou especialista, que executa atividades


sistemáticas na procura de resultados e inovações. A formação é longa e precisa de total
dedicação.

Licenciando 9: O cientista tem que ser persistente nas suas pesquisas, ter auto domínio
para não desistir, e investigar o improvável, fazer experimentos.

Licenciando 14: Os cientistas são profissionais que tem uma dedicação imensa com
seu trabalho, tendo curiosidade, inteligência e capacidade de esclarecer dúvidas.

Licenciando 16: O cientista, além de ser um investigador e conhecedor da ciência é


curioso em estar em constante pesquisa para seus estudos.
Licenciando 17: A principal função de um cientista é a de realizar pesquisas de modo
empírico, na busca de compreensão e inovação.

Licenciando 18: O Cientista precisa ser decisivamente; pesquisador, explorador,


percursor, inovador e Curioso.

Licenciando 24: Todo cientista inteligente é pouco maluco. Mas estudioso e tem o
raciocínio lógico aguçado.

Licenciando 28: Os cientistas realizam pesquisas sobre a vida e o universo,


compreendendo a natureza humana e ambiental, e sem eles os avanços na medicina e na
tecnologia não deram possível.

Licenciando 33: Pesquisas, experimentos e descobertas.

Licenciando 34: O cientista tem a responsabilidade de fazer as descobertas através das


experiências, obtendo o conhecimento para resolver os problemas que afetam a sociedade.

Licenciando 35: O trabalho de um cientista é árduo e imprescindível, pois envolve


muita pesquisa e descobertas em busca de inovação.

Analisando as frases apresentadas pelos futuros professores prevalece a ideia


estereotipada que vincula a atividade científica ao uso de equipamentos e laboratórios, na
busca por novas descobertas ou soluções úteis para os problemas enfrentados pela sociedade
como evidencia a fala dos licenciandos 17, 28, 34 e 35.
A palavra “experimentação”, a segunda mais citada, surge no contexto das
falas atrelada a concepção de que sem o aspecto empírico da atividade científica não existe
ciência, pois os experimentos são utilizados para corroborar as teorias. Novamente se
apresenta aqui o problema da indução. Para o indutivista a ciência como conhecimento surge
a partir de dados empíricos, as teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa a partir de
dados obtidos por meio da observação e do experimento. De acordo com o indutivista o
conhecimento científico é construído a partir da base segura fornecida pela observação, no
entanto, de acordo com alguns autores como Chalmers (1999, p. 58):

A ciência não começa com proposições de observação porque algum tipo de teoria
as precede; as proposições de observações não constituem uma base firme na qual o
conhecimento científico possa ser fundamentado porque são sujeitas a falhas. [...]
contudo não quero afirmar que as proposições de observação não deveriam ter papel
algum na ciência [...] Estou simplesmente argumentando que o papel que os
indutivistas atribuem às proposições de observação na ciência é incorreto.
Um fato interessante que merece destaque é que em nenhum momento apareceu na
fala dos pesquisados a palavra “hipótese”, o que é um fator preocupante, pois são as hipóteses
que orientam a coleta dos dados empíricos na investigação de um fenômeno ou problema, são
elas que conduzem a pesquisa científica, sem as hipóteses a pesquisa:

[...] é cega – não tem rumo nem objetivo. São as hipóteses que definem que
observações e experimentos devem ser realizados, sendo tais procedimentos testes
para as hipóteses. O ato puro e simples de observar, experimentar e coligir dados,
sem suporte teórico, não leva a lugar nenhum, é desperdício de tempo. É que,
considerados isoladamente, os dados não são relevantes ou irrelevantes na
investigação científica (SILVA, 2014 p.27).

As palavras “inteligente” (6), “sábio” (5), “conhecedor” (3) e “estudioso” (3) denotam
a ideia prevalente no imaginário das pessoas que cientistas são pessoas com inteligência
acima da média, são gênios dedicados e especiais, o que reforça a ideia equivocada propagada
pelo senso comum de que ciência não é para qualquer pessoa.
A superação de visões deformadas ou equivocadas sobre a natureza da ciência
e do trabalho desenvolvido pelo cientista é imprescindível para a melhoria do ensino de
ciências, autores como Fernandez (2000), Fernandez et al (2002), Gil-Perez et al (2001),
Kominsky e Giordan (2002), Koren e Bar (2009), Faria et al. (2014) e Colagrande,
Martorano, e Arroio (2015) desenvolveram atividades com alunos e professores a partir do
uso de desenhos, e figuras para conhecer suas representações a respeito da ciência e do
cientista.

1.1.1 Imagens como estratégia de atividades

O uso de imagens é uma prática muito comum que vem sendo discutida e utilizada no
ensino de diferentes áreas do conhecimento, no ensino de ciências geralmente o uso de
imagens é utilizado para ensinar conceitos e não para resgatar concepções sobre ciência o que
confere à atividade aqui proposta um caráter diferenciado. Geralmente, a resposta a uma
imagem está ligada à percepção que a pessoa tem sobre seu ambiente ou sobre um evento
específico. Ao observar uma imagem, processos cognitivos, crenças e as experiências do
observador influenciarão a maneira de interpretar o que é visto. O uso do recurso de imagens
foi utilizado na última pergunta conforme ilustra a Figura 1. As figuras mais assinaladas pelos
pesquisados foram as figuras 1 e 10, como se observa no Gráfico 5.
Pergunta nº 9: "As figuras a seguir estão numeradas, ou seja, cada figura equivale a um número.
Observe as figuras e indique qual ou quais melhor descreve(m) a imagem de um cientista”

Figura 1
Figura 10
5%3% Figura 9
8% 19%
Figura 6
Figura 3
8%
Figura 2
Figura 5
8%
19% Figura 7
8% Figura 8
Figura 4
10% 11%

Gráfico 5 – Fonte: Autoria do próprio autor


Figura 1 – Fonte: Autoria do próprio autor

A Figura 1 apresenta dez (10) imagens numeradas de 1 a 10 para que os pesquisados


indiquem qual ou quais melhor descreve(m) a imagem de um cientista. Após a tabulação dos
dados e construção do gráfico constatou-se que as figuras mais assinaladas pelos pesquisados
foram as figuras 1 e 10, ou seja, entre os trinta e cinco (35) pesquisados, vinte e três (23)
escolheram ambas as figuras. A alusão às duas imagens revela a presença marcante do
estereótipo do cientista como aquele que veste “jaleco” branco e realiza prioritariamente
atividades em laboratórios. Pesquisas desenvolvidas por Farías et al (2014), por exemplo,
destaca que ideias caricatas e estereótipos acerca da atividade científica há muito tempo
fazem parte do imaginário das pessoas e são reforçadas pelos livros, cinema, televisão, mídia,
entre outros. Desenhos animados que no passado fizeram parte da infância de toda uma
geração de crianças como “O Laboratório de Dexter” e “Jimmy Nêutron”, que não são
considerados desenhos educativos, tem-se como protagonistas garotos prodígios super
inteligentes que utilizam suas invenções desenvolvidas em laboratórios para resolver diversos
problemas do cotidiano tendo como pano de fundo situações relacionadas à ciência e a
tecnologia. Observa-se assim que: “fatos e conceitos relacionados à ciência são veiculados via
televisão, e crianças e jovens acabam sendo influenciados em suas idéias [sic] a respeito do
tema” (MESQUITA; SOARES, 2008 p. 420).
Dexter e Jimmy são meninos que vestem jalecos brancos, realizam
experimentos, trabalham isolados em seus laboratórios sem a cooperação de pares, como
cientistas se apresenta como pessoas solitárias em suas atividades o que reforça a
representação individualista, sexista e elitista da ciência. Diante dessa perspectiva que
envolve a presença e influência televisiva dos desenhos animados na aprendizagem de
ciências observa-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN):

A programação convencional de televisão, que em princípio não tem finalidade


educativa, pode ser utilizada como fonte de informação para problematizar os
conteúdos das áreas do currículo, por meio de situações em que o veículo pode ser
um instrumento que permite observar, identificar, comparar, analisar e relacionar
acontecimentos dados, cenários, modos de vida etc. Por exemplo, é possível propor
estudos comparativos de personagens e ambientes de novelas, desenhos, seriados
[...] Propostas desse tipo favorecem o desenvolvimento de habilidades relacionadas
à linguagem oral e escrita, e de uma atitude mais crítica diante da televisão como
veículo de informação e comunicação. (BRASIL, 1997 p. 143)
Corroborando tal premissa esclarece Kominsky e Giordan (2002, p. 11) “acreditamos
que as visões do mundo dos estudantes também devem ser influenciadas pelo pensamento
científico e pelas expressões de sua cultura, cujos traços são parcialmente divulgados na
mídia”, portanto, muito antes de ingressarem na educação formal os estudantes já construíram
diversas representações equivocadas sobre a ciência, a tecnologia e os cientistas que
infelizmente são reforçadas pela educação formal mediada pela ação docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deveria fazer todo sentido supor que, tendo obviamente uma formação acadêmica, os
professores polivalentes que atuam nas séries iniciais do ensino básico estivessem preparados
para abordar os conhecimentos teóricos, conceituais e metodológicos acerca do ensino das
ciências naturais, ou seja, o que deveriam minimamente “saber” e “saber fazer” para
efetivamente ensinar e transmitir uma visão mais adequada a respeito da natureza da ciência,
porém, infelizmente na prática isto não tem ocorrido. Contudo, é necessário salientar que as
deficiências não suprimidas durante o processo de formação inicial docente gera um grande
descompasso entre a execução do currículo de ciências e a práxis pedagógica em sala de aula
e, que esta falta de preparo e insegurança, como enfatizado pelos licenciandos pesquisados
não decorre devido à falta de capacidade intelectual, mas está relacionada ao fato de que o
ensino de ciências na universidade reduziu-se basicamente a apresentação de conhecimentos
pré-elaborados, descontextualizado e que provavelmente não tem a didática das ciências como
núcleo organizador.
Entre as conclusões mais relevantes que o desenvolvimento desse artigo possibilitou
pode-se destacar a preocupante insegurança e inabilidade dos professores em formação em
abordar o currículo das Ciências da Natureza o que denota certa preocupação e embasa a
necessidade de se investigar melhor as origens dessa deficiência; que a carga horária
destinada a metodologia do Ensino de Ciências é insuficiente; a prevalência da concepção
empírico-indutivista na qual o conhecimento científico é construído a partir de uma base
segura fornecida pela observação; que os cientistas são pessoas com inteligência acima da
média, gênios dedicados e especiais reforçando assim a ideia equivocada propagada pelo
senso comum de que ciência não é para qualquer pessoa e, por fim, a caracterização do
cientista como aquele que veste “jaleco” branco e realiza prioritariamente atividades em
laboratórios. Em relação a hipótese inicial proposta o estudo não forneceu
uma base segura para corroborá-la, portanto, recomenda-se novos estudos objetivando testar
novamente a hipótese de que a insegurança em abordar o currículo de ciências pode se
transformar em obstáculos à aprendizagem.
Quanto ao problema fundamental que norteou a pesquisa
o estudo demonstrou que os licenciandos pesquisados do último semestre do curso de
Pedagogia não se sentem preparados para ministrar o conteúdo programático do currículo de
ciências e, como um processo natural tendem a ensinar ciências da mesma forma como a
universidade os ensinou, e no final das contas as concepções desses futuros professores sobre
ciência não se distanciam muito daquilo que se pode chamar de senso comum.
Talvez o aumento na carga horária do programa
curricular do curso de Pedagogia e a inclusão de disciplinas abordando estudos sobre História
e Filosofia da Ciência (HFC) e Natureza da Ciência (NDC) tendo como núcleo norteador a
Didática das Ciências possam suprir as necessidades formativas dos futuros professores e
melhorar a qualidade do ensino. Atualmente um grande número de pesquisas em educação
têm recomendado que os professores aprendam e ensinem não apenas Ciências, mas também
sobre a natureza da própria ciência. Infelizmente apesar do crescente número de publicações
(anais de congressos, periódicos, livros, artigos, dissertações, teses, entre outros) enfatizarem
a importância dessa relação grande parte dessa produção não tem chegado até os professores,
alijando-os desse processo.
Por fim, diante de tudo que foi exposto sobre o tema é possível depreender o quanto a
dimensão histórico-filosófica se encontra omitida durante a formação inicial dos professores.
Dessa forma, a temática HFC se apresenta como um importante instrumento capaz de
estimular e promover um verdadeiro debate a respeito da Natureza da Ciência (NDC).
Outro aspecto a ser pensado é que não se transforma aquilo que não se nota, conhece,
ou que não está evidente, por isso o primeiro passo consiste em realizar uma “catarse
intelectual” para, a partir daí iniciar o processo de transformação que consiste em modificar
as concepções epistemológicas inadequadas que ainda estão muito arraigadas ao fazer
pedagógico do professor. Portanto, torna-se importante, seja durante a formação inicial ou
continuada, a reflexão e a clara compreensão acerca da concepção de ciência que fundamenta
a prática docente.
Apesar da presente pesquisa não ser conclusiva em relação a este aspecto, diversos
autores enfatizam o quanto as ideias prévias de estudantes e professores – senso comum,
concepções não científicas, alternativas – podem se tornar um fator complicador para a
aprendizagem de Ciências e apontam para a ineficiência dos currículos, mesmo aqueles
pensados cuidadosamente e bem fundamentados, se os professores não estiverem bem
preparados para colocá-los em prática. A constatação de que as concepções dos professores
exercem grande influência na imagem da ciência que será construída pelos alunos durante a
vida escolar transformou o estudo das referidas concepções em uma importante linha de
pesquisa evidenciando que determinadas estratégicas metodológicas podem sim adquirir
importância e sentido em função justamente da orientação epistemológica do seu autor.
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