Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CRÍTICA DA FORMAÇÃO
Não é preciso ser especialista para trabalhar com atividades científicas na escola
primária. O trabalho experimental de investigação pode ser simples e o
conhecimento colocado em prática acessível. O professor pode estimular e participar
do prazer e da curiosidade dos alunos e favorecer a exploração racional do mundo
que os cerca e que pode ser expressa por palavras, por imagens e por argumentos. O
universo das ciências, no qual atuam os cientistas cuja profissão é a descoberta e os
engenheiros que criam novos objetos ou produtos, está realmente ao alcance dos
professores polivalentes da escola e de seus alunos (ACADEMIA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS, 2005).
Nessa perspectiva, a educação científica escolar se constitui como um objetivo social
prioritário, pois em um mundo repleto de produtos que surgiram a partir das indagações
científicas, a educação científica converte-se em uma necessidade praticamente obrigatória
para todos os cidadãos. Todas as pessoas necessitam utilizar informações científicas para
realizar determinadas ações diárias, todas as pessoas necessitam desenvolver a capacidade de
participar e opinar em assuntos relacionados à aplicação das descobertas científicas, portanto,
mostra-se consensual a importância de se estabelecer uma analogia entre a alfabetização
básica e a educação científica e tecnológica (FOUREZ, 1997).
Diante da escolha massiva em prol das Ciências Humanas e Sociais em detrimento das
Ciências da Natureza e Matemática assinalada pelos profissionais que atuarão futuramente
como professores nas séries iniciais do ensino básico, como demonstrado no gráfico 1, a
situação é preocupante e embasa a necessidade de se investigar melhor as origens dessa
insegurança que a formação inicial demonstrou-se falha em sanar.
Desde a Conferência Mundial sobre Ciência para o Século XXI, organizada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cuja
declaração final estabelece que um país somente estará em condições de satisfazer as
necessidades fundamentais da sua população quando o ensino das ciências e da tecnologia for
um imperativo estratégico prioritário e:
Percebe-se pela leitura do referido gráfico que apenas 8,6% dos licenciandos
discordam totalmente da afirmativa contra 91, 4% que de alguma forma concordaram com o
enunciado, percentual idêntico ao gráfico anterior.
Para se trabalhar com atividades científicas em sala de aula não é necessário
ser especialista nem ter a disposição laboratórios e equipamentos sofisticados, no entanto,
ainda prevalece no imaginário dos professores em formação a ideia equivocada de que o
espaço representado pelo laboratório é o mais indicado para a construção do conhecimento
científico conforme ilustra o gráfico a seguir:
Gráfico 3 – Fonte: Autoria do próprio autor
Apesar do seu caráter polissêmico há uma caracterização muito bem aceita pela
comunidade científica acerca do conceito de representação social: “É uma forma de
conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que tem um objetivo prático e
concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001,
p. 36). O termo é comumente designado:
Como “saber do senso comum” ou ainda “saber ingênuo”, “natural”, esta forma de
conhecimento distingue-se, dentre outros, do conhecimento científico. Mas ela é tida
como um objeto de estudo tão legítimo quanto aquele, por sua importância na vida
social, pelos esclarecimentos que traz acerca dos processos cognitivos e as
interações sociais.
Reconhece-se, geralmente, que as representações sociais, como sistemas de
interpretação, que regem nossa relação com o mundo e com os outros, orientando e
organizando as condutas e as comunicações sociais. Igualmente intervêm em
processos tão variados quanto a difusão e a assimilação dos conhecimentos, no
desenvolvimento individual e coletivo, na definição das identidades pessoais e
sociais, na expressão dos grupos e nas transformações sociais (JODELET, 2001, p.
41).
Segundo Moscovici (2003, p. 40), “Todas as interações humanas, surjam elas entre
duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as
caracteriza”. As representações sócias, dessa forma, se apresentam como uma rede de ideias,
metáforas e imagens mais ou menos interligadas formando, de acordo com Sá (1996, p. 181):
Uma representação social, conforme destaca Abric (2001, p. 28), caracteriza-se por
possuir um conjunto bem engendrado de crenças, valores, atitudes, opiniões, conceitos, entre
outros, concernentes a determinado objeto ou situação cujo modus operandi "funciona como
um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com o seu meio
físico e social determinando seus comportamentos e suas práticas".
As representações sociais se estruturam, de acordo com Moscovi (2003) e Abric
(2001), a partir de dois eixos: o Núcleo Central (NC) e o Sistema Periférico (SP). Os
elementos que constituem o núcleo central exercem sobre-eminência sobre o sistema
periférico, em outras palavras o núcleo central é quem dá sustentação, significado e
organização constituindo o elemento mais estável das representações. Ainda, de acordo com
Abric (2001, p. 163), o núcleo central das representações possuem duas funções importantes,
portanto, necessitam ser destacadas:
Função geradora: elemento pelo qual se cria ou se transforma a significação dos
outros elementos constitutivos da representação. É aquilo por meio do qual esses
elementos ganham um sentido, uma valência; Função organizadora: é o núcleo
central que determina a natureza dos vínculos que unem entre si os elementos da
representação. É, nesse sentido, o elemento unificador e estabilizador da
representação.
Esta breve, mas necessária digressão sobre o fenômeno chamado representação social
foi necessária para dar clareza e entendimento acerca da proposta da pesquisa que é conhecer
as representações que trinta e cinco graduandos do último semestre do curso de pedagogia
possuem a respeito da ciência e da atividade científica, pois o que se quer saber não é como o
indivíduo se apropria do conhecimento, mas como o indivíduo dentro de determinado grupo e
como o próprio grupo chega ao conhecimento. É preciso ressaltar que as visões, concepções e
ideias docentes de senso comum sobre a ciência, atividade científica, cientista e ensino de
ciências foram construídas gradualmente a partir das vivências diárias pessoais que ocorreram
dentro e fora da escola – contexto sociocultural, televisão, livros, materiais didáticos,
vivência, contato com professores, filmes, mídias, redes sociais, formação inicial e
continuada, etc. e para se conhecer essas representações optou-se por um modelo de coleta
constituído por oito perguntas das quais as quatro primeiras estão relacionadas às questões
formativas e as quatro posteriores tem por objetivo conhecer as representações que os futuros
professores possuem acerca da ciência e do cientista. A análise dos dados foi realizada por
meio do software “OpenEvoc” que de maneira resumida processa as informações a partir da
combinação estatística entre a ordem em que as palavras foram citadas e a quantidade de
vezes que foram evocadas constituindo-se assim o chamado Núcleo Central (NC) e o Sistema
Periférico (SP) que engloba as palavras secundárias ou que não surgiram de imediato nas
primeiras evocações dos pesquisados. Vejamos quais foram essas palavras, a ordem em que
aparecem e o número de evocações para a pergunta número 5: “Escreva abaixo as 5 palavras
que rapidamente aprecem em sua mente para o seguinte tema “o que é ciência”?
As palavras que mais apareceram nas respostas dos licenciandos, de um
total de 105, foram quinze: “estudo” (13), “conhecimento” (11), “pesquisa” (9),
“experimentos” (7), “experiência” (6), “natureza” (6), “meio ambiente” (6), “observação” (5),
“descoberta” (4), “descoberta” (4), “método” (3), “teoria” (3), “vida” (3), “química” (2),
“saúde’ (2), as que foram evocadas apenas uma única vez foram descartadas. As palavras
estudo, conhecimento, pesquisa, experimentos, experiência, natureza e meio ambiente
formam o Núcleo Central, pois estão acima da frequência média (FRmed) de 5,6 apontada
pelo sistema OpenEvoc que consiste na soma do número de vezes que as palavras apareceram
(84), dividido pelo número de vezes que as palavras foram evocadas (15). Vale ressaltar que a
palavra “estudo” além de fazer parte do núcleo central, também foi a mais evocada na
primeira posição pelos pesquisados. As palavras observação, descoberta, método, teoria, vida,
química e saúde estão abaixo da frequência média, portanto, fazem parte do Sistema
Periférico e, é preciso salientar que “os critérios de frequência e ordem de evocação se
complementam e fornecem dois indicadores coletivos para caracterizar a saliência de uma
palavra num corpus gerado a partir de um grupo” (WACHELKE; WOLTER, 2011, P. 522).
Nas respostas obtidas a partir da
pergunta número 6 “Em relação as palavras citadas na questão anterior, escreva uma única
frase ou um parágrafo contendo todas elas”, a estrutura das frases e seus elementos
constituintes foram investigados por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011)
cujo procedimento possibilitou agrupar e categorizar os termos mais comumente evocados
pelos professores pesquisados. A partir do cruzamento entre as evocações espontâneas e as
frases elaboradas foi possível conhecer as representações que o grupo de licenciandos possui
acerca dos respectivos temas (ciência e cientista). Analisa-se a seguir o
contexto geral das palavras evocadas e das frases construídas para que se possa conhecer as
representações que emergiram das falas dos licenciandos pesquisados. Foram selecionadas
apenas algumas frases, entre os critérios adotados para este fim estão aquelas que
apresentaram melhor clareza de ideia, coerência e coesão entre os termos evocados e a
composição da frase.
Licenciando 9: O cientista tem que ser persistente nas suas pesquisas, ter auto domínio
para não desistir, e investigar o improvável, fazer experimentos.
Licenciando 14: Os cientistas são profissionais que tem uma dedicação imensa com
seu trabalho, tendo curiosidade, inteligência e capacidade de esclarecer dúvidas.
Licenciando 24: Todo cientista inteligente é pouco maluco. Mas estudioso e tem o
raciocínio lógico aguçado.
A ciência não começa com proposições de observação porque algum tipo de teoria
as precede; as proposições de observações não constituem uma base firme na qual o
conhecimento científico possa ser fundamentado porque são sujeitas a falhas. [...]
contudo não quero afirmar que as proposições de observação não deveriam ter papel
algum na ciência [...] Estou simplesmente argumentando que o papel que os
indutivistas atribuem às proposições de observação na ciência é incorreto.
Um fato interessante que merece destaque é que em nenhum momento apareceu na
fala dos pesquisados a palavra “hipótese”, o que é um fator preocupante, pois são as hipóteses
que orientam a coleta dos dados empíricos na investigação de um fenômeno ou problema, são
elas que conduzem a pesquisa científica, sem as hipóteses a pesquisa:
[...] é cega – não tem rumo nem objetivo. São as hipóteses que definem que
observações e experimentos devem ser realizados, sendo tais procedimentos testes
para as hipóteses. O ato puro e simples de observar, experimentar e coligir dados,
sem suporte teórico, não leva a lugar nenhum, é desperdício de tempo. É que,
considerados isoladamente, os dados não são relevantes ou irrelevantes na
investigação científica (SILVA, 2014 p.27).
As palavras “inteligente” (6), “sábio” (5), “conhecedor” (3) e “estudioso” (3) denotam
a ideia prevalente no imaginário das pessoas que cientistas são pessoas com inteligência
acima da média, são gênios dedicados e especiais, o que reforça a ideia equivocada propagada
pelo senso comum de que ciência não é para qualquer pessoa.
A superação de visões deformadas ou equivocadas sobre a natureza da ciência
e do trabalho desenvolvido pelo cientista é imprescindível para a melhoria do ensino de
ciências, autores como Fernandez (2000), Fernandez et al (2002), Gil-Perez et al (2001),
Kominsky e Giordan (2002), Koren e Bar (2009), Faria et al. (2014) e Colagrande,
Martorano, e Arroio (2015) desenvolveram atividades com alunos e professores a partir do
uso de desenhos, e figuras para conhecer suas representações a respeito da ciência e do
cientista.
O uso de imagens é uma prática muito comum que vem sendo discutida e utilizada no
ensino de diferentes áreas do conhecimento, no ensino de ciências geralmente o uso de
imagens é utilizado para ensinar conceitos e não para resgatar concepções sobre ciência o que
confere à atividade aqui proposta um caráter diferenciado. Geralmente, a resposta a uma
imagem está ligada à percepção que a pessoa tem sobre seu ambiente ou sobre um evento
específico. Ao observar uma imagem, processos cognitivos, crenças e as experiências do
observador influenciarão a maneira de interpretar o que é visto. O uso do recurso de imagens
foi utilizado na última pergunta conforme ilustra a Figura 1. As figuras mais assinaladas pelos
pesquisados foram as figuras 1 e 10, como se observa no Gráfico 5.
Pergunta nº 9: "As figuras a seguir estão numeradas, ou seja, cada figura equivale a um número.
Observe as figuras e indique qual ou quais melhor descreve(m) a imagem de um cientista”
Figura 1
Figura 10
5%3% Figura 9
8% 19%
Figura 6
Figura 3
8%
Figura 2
Figura 5
8%
19% Figura 7
8% Figura 8
Figura 4
10% 11%
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deveria fazer todo sentido supor que, tendo obviamente uma formação acadêmica, os
professores polivalentes que atuam nas séries iniciais do ensino básico estivessem preparados
para abordar os conhecimentos teóricos, conceituais e metodológicos acerca do ensino das
ciências naturais, ou seja, o que deveriam minimamente “saber” e “saber fazer” para
efetivamente ensinar e transmitir uma visão mais adequada a respeito da natureza da ciência,
porém, infelizmente na prática isto não tem ocorrido. Contudo, é necessário salientar que as
deficiências não suprimidas durante o processo de formação inicial docente gera um grande
descompasso entre a execução do currículo de ciências e a práxis pedagógica em sala de aula
e, que esta falta de preparo e insegurança, como enfatizado pelos licenciandos pesquisados
não decorre devido à falta de capacidade intelectual, mas está relacionada ao fato de que o
ensino de ciências na universidade reduziu-se basicamente a apresentação de conhecimentos
pré-elaborados, descontextualizado e que provavelmente não tem a didática das ciências como
núcleo organizador.
Entre as conclusões mais relevantes que o desenvolvimento desse artigo possibilitou
pode-se destacar a preocupante insegurança e inabilidade dos professores em formação em
abordar o currículo das Ciências da Natureza o que denota certa preocupação e embasa a
necessidade de se investigar melhor as origens dessa deficiência; que a carga horária
destinada a metodologia do Ensino de Ciências é insuficiente; a prevalência da concepção
empírico-indutivista na qual o conhecimento científico é construído a partir de uma base
segura fornecida pela observação; que os cientistas são pessoas com inteligência acima da
média, gênios dedicados e especiais reforçando assim a ideia equivocada propagada pelo
senso comum de que ciência não é para qualquer pessoa e, por fim, a caracterização do
cientista como aquele que veste “jaleco” branco e realiza prioritariamente atividades em
laboratórios. Em relação a hipótese inicial proposta o estudo não forneceu
uma base segura para corroborá-la, portanto, recomenda-se novos estudos objetivando testar
novamente a hipótese de que a insegurança em abordar o currículo de ciências pode se
transformar em obstáculos à aprendizagem.
Quanto ao problema fundamental que norteou a pesquisa
o estudo demonstrou que os licenciandos pesquisados do último semestre do curso de
Pedagogia não se sentem preparados para ministrar o conteúdo programático do currículo de
ciências e, como um processo natural tendem a ensinar ciências da mesma forma como a
universidade os ensinou, e no final das contas as concepções desses futuros professores sobre
ciência não se distanciam muito daquilo que se pode chamar de senso comum.
Talvez o aumento na carga horária do programa
curricular do curso de Pedagogia e a inclusão de disciplinas abordando estudos sobre História
e Filosofia da Ciência (HFC) e Natureza da Ciência (NDC) tendo como núcleo norteador a
Didática das Ciências possam suprir as necessidades formativas dos futuros professores e
melhorar a qualidade do ensino. Atualmente um grande número de pesquisas em educação
têm recomendado que os professores aprendam e ensinem não apenas Ciências, mas também
sobre a natureza da própria ciência. Infelizmente apesar do crescente número de publicações
(anais de congressos, periódicos, livros, artigos, dissertações, teses, entre outros) enfatizarem
a importância dessa relação grande parte dessa produção não tem chegado até os professores,
alijando-os desse processo.
Por fim, diante de tudo que foi exposto sobre o tema é possível depreender o quanto a
dimensão histórico-filosófica se encontra omitida durante a formação inicial dos professores.
Dessa forma, a temática HFC se apresenta como um importante instrumento capaz de
estimular e promover um verdadeiro debate a respeito da Natureza da Ciência (NDC).
Outro aspecto a ser pensado é que não se transforma aquilo que não se nota, conhece,
ou que não está evidente, por isso o primeiro passo consiste em realizar uma “catarse
intelectual” para, a partir daí iniciar o processo de transformação que consiste em modificar
as concepções epistemológicas inadequadas que ainda estão muito arraigadas ao fazer
pedagógico do professor. Portanto, torna-se importante, seja durante a formação inicial ou
continuada, a reflexão e a clara compreensão acerca da concepção de ciência que fundamenta
a prática docente.
Apesar da presente pesquisa não ser conclusiva em relação a este aspecto, diversos
autores enfatizam o quanto as ideias prévias de estudantes e professores – senso comum,
concepções não científicas, alternativas – podem se tornar um fator complicador para a
aprendizagem de Ciências e apontam para a ineficiência dos currículos, mesmo aqueles
pensados cuidadosamente e bem fundamentados, se os professores não estiverem bem
preparados para colocá-los em prática. A constatação de que as concepções dos professores
exercem grande influência na imagem da ciência que será construída pelos alunos durante a
vida escolar transformou o estudo das referidas concepções em uma importante linha de
pesquisa evidenciando que determinadas estratégicas metodológicas podem sim adquirir
importância e sentido em função justamente da orientação epistemológica do seu autor.
REFERÊNCIAS