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Fernanda Caroline de Souza

NUNES, César Aparecido. Desvendando a Sexualidade. 1. ed. Papirus


Editora. 101 p.

“Desvendando a sexualidade” é um livro que perpassa questões


históricas e dogmáticas da sexualidade, estabelece-se levando em conta que o
ser humano é um ser social e ao conviver em grupos ou sociedades, desperta
sentimentos e vontades distintas e análogas, que se fundem tanto às
necessidades fisiológicas e primárias, quanto aos conceitos históricos e
evolutivos da humanidade.
O sexo visto como algo natural, inerente ao ser humano, derruba
fronteiras e preconceitos, entende e aceita o ser humano, indiferente do sexo
ou opção sexual, como única espécie crítica e pensante, diferente dos demais
animais, que veem no ato, apenas um momento para procriação. O humano
historicamente vê na sexualidade e no ato sexual, uma oportunidade de ligação
e intimidade, momentos de prazer e diferença, em alguns relatos históricos o
sexo também foi narrado como diferença, dominação e grande oportunidade de
negócio. Na incessante busca pelo perfeito e belo, a sexualidade desnuda os
seres e cria uma dimensão de interligação e troca, derrubando ou acentuando
as diferenças na história das civilizações.
Entender a sexualidade como fator de prazer, de troca, de
autoconhecimento, muda paradigmas e derruba toda uma sociedade baseada
na virilidade masculina, sexo passa a ser encontro, sentimento e admiração
pelo corpo e pelo ato, algo que transpassa o feio ou apenas o mecânico para
buscar o fato de que somos seres capazes de distinguir a procriação e a
fisiologia do prazer, tornando a sexualidade erma, não proibida e não
pornográfica, uma dança envolvendo seres humanos, sentimentos e
mecanismos do corpo; energias e sensações que oferecem êxtase e
contentamento, sendo assim encarado como algo belo e natural, permitido aos
seres humanos. Nesta perspectiva, cai por terra o machismo e a servidão, a
pornografia, a identidade de gênero e escolha sexual. Destruindo paradigmas
enraizados historicamente em nossa sociedade, são apenas corpos que se
unem por prazer e sentimento.
Acaba assim a necessidade do homem de provar sua virilidade mo início
da adolescência, como relatado pelo autor, onde jovens tinham suas primeiras
relações em prostíbulos ou até mesmo com a própria mãe; assim como perde a
razão a cobrança da sociedade, ainda hoje, patriarcal, que obriga mulheres a
se guardarem virgens e puras, como se ela ainda fosse uma moeda de troca
ou um bom negócio para o pai, que a trocava por um bom dote.
A sexualidade e o ato sexual precisam ser encarados como ato único e
exclusivo da pessoa, que tem poder de decisão sobre seu corpo e suas
escolhas, quanto mais natural for o ato, mais tabus se rompem, incertezas são
esclarecidas, o desejo precisa ser saciado de forma sadia, sem medos e
julgamentos. A conscientização, educação, observação e principalmente
conhecimento do contexto social existente são indispensáveis para buscar uma
educação sexual mais exitosa e menos traumática, voltada apenas para
explicações vastas sobre sistemas reprodutores diferentes, com funções
meramente copulatórios, com termos totalmente erotizados e proibidos, esses
termos pouco ou nenhum sentido agregam, em sociedades e contextos mais
rígidos, termos biológicos criam barreiras e geram atitudes escondidas e
vergonhosas, tendo a descoberta sexual como algo pecaminoso e sem sentido.
O ser humano, a sociedade, suas crenças e culturas são complexas e
repletas de “entrelinhas” que tornam o sexo e a sexualidade algo que diverge
de sua essência, que “remete” às culturas e ideais dominantes, deixando
prazer, satisfação e desejo à margem, com estruturas ideológicas voltadas ao
que se acha certo ou errado, diminuindo, na grande maioria das civilizações o
poder da mulher e colocando no ápice de uma pirâmide imaginária, o prazer
masculino .
Analisando os estudos do professor e autor, Cesar Nunes, destaca-se
que por muito tempo as sociedades caracterizavam-se como matriarcais, aos
homens cabia apenas a função da caça e às mulheres, a responsabilidade total
da comunidade, como engenheiras, médicas, educadoras, produtoras rurais e
outros desígnios que com o cessar da caça, o homem se apodera e submete
inclusive a mulher à sua vontade.
A pesquisa sobre a sexualidade perpassa grandes filósofos e
estudiosos, como Focault, Marx, Marilena Chauí, Reich, Georges , Politzer,
Marcuse e Godelier, não deixando de lado compositores como Chico Buarque
ou mitos como o “do Sol e a Lua”, que recontam ou tentam explicar a
dominação masculina sobre as mulheres.
A Bíblia e outros manuscritos deixados como fonte histórica, sempre
valorizam o homem como ser superior, colocando a mulher como servil,
desvalorizando seu poder de gerar vidas, onde tanto homens como mulheres
saem de um ventre feminino, que desmistifica mitos e escritos nunca
comprovados cientificamente. Mulheres são apedrejadas quando há prova de
traição, enquanto ao homem há reforço na condição do uso de sua
sexualidade, seja homossexual ou heterossexual , como na Grécia Antiga, que
permitia a liberação do prazer, desde que esse homem sustentasse sua casa e
seus rebentos e não apresentasse traços afeminados.
A história das sociedades não é igual ou linear, em algumas, a mulher
pertence ao marido, em outras, mantém-se na casa dos pais, relaciona-se com
diversos parceiros e ao marido, cabe apenas dar o sobrenome às crias. Ainda
hoje, existem sociedades poligâmicas, onde homens casam-se com o número
de esposas que conseguirem sustentar. Se voltarmos na história, temos o dote,
que muitas vezes para manter o poder e a riqueza da família, o casamento era
feito entre os próprios irmãos.
Todo estudo e investigação feitos pelo autor, trazendo elementos e
informações pré-históricas, chegando ao modelo atual de sociedade,
identificando o homem com seu tempo e sua forma de agir.
Há quem diga que houve um aumento da homossexualidade, mas
voltando ao comportamento humano, sempre houve homossexualidade e foi
camuflada pela virilidade masculina e a submissão feminina e hoje com a
facilidade na disseminação das informações e maior espaço para a expressão,
essa conduta aparece como parte da sociedade atual e não como uma
“doença” da sociedade atual, uma vez que os relatos comprovam essa
conduta. Exige-se educação e certo comportamento do homossexual, pela
tradição preconceituosa e velada. Precisamos urgente de uma educação
sexual crítica para colocar a sociedade em marcha para uma nova
compreensão da sexualidade e da homossexualidade. O livro leva o leitor à
reflexão sobre conceitos e condutas enraizados e muitas vezes internalizados
por nós sem questionamento ou criticidade. Desvendar a sexualidade, desnuda
pensamentos e grandes pensadores que estudaram e pesquisaram nossa
formação enquanto sociedade ocidental, uma leitura que vale a reflexão e a
pesquisa, analisando a dimensão pedagógica da sexualidade, sem
fragmentação e sem conceitos distorcidos e irreais. Ver o conceito positivo da
sexualidade, não mais sustentada em mecanismos de doutrina, exploração e
até mesmo de morte.

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