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Fernando Arrabal é um dramaturgo espanhol com vasta obra dramática escrita,

encenada e editada. Nasceu em Melilla (no Marrocos espanhol) em 1932, cidade onde o

pai se encontrava em serviço militar. Com a guerra civil de Espanha, o pai de F. Arrabal

é preso, por não ceder aos interesses franquistas, e condenado à morte (mais tarde a

pena foi alterada para prisão por trinta anos). Como resultado, a mãe de Arrabal regressa

a Espanha com os filhos: uma irmã mais velha que o nosso autor e um irmão mais novo.

Toda a infância de Arrabal (e a vida até à atualidade) vai ser marcada por este incidente.

Nunca mais viu o pai e tem dele apenas breves imagens difusas enquanto brincavam na

areia da praia. A mãe do autor, munida de um carácter intransigente, prepara os filhos

para a vida profissional com tónica particular na disciplina a ponto de iniciar F. Arrabal

num treino intenso para o fazer ingressar na Academia Militar. Esse plano sai frustrado

uma vez que Arrabal, menino livre e dotado de uma imaginação fértil, consegue sempre

contornar os horários e fazer o que bem lhe apetece. Este factor não a impede de

continuar a tentar o que, até aí, lhe parecia ser um projeto válido, i. e., impor disciplina

aos filhos afastando-os das questões mundanas e prazenteiras. Até esta altura, Arrabal

tinha frequentado inúmeras instituições de aprendizagem e o seu elevado nível

intelectual levou-o a ganhar um prémio de sobredotado aos dez anos de idade. Aos 17

anos e antes de partir para Paris com uma bolsa ganha para estudar Direito, F. Arrabal

descobre um pacote com memórias e fotografias do pai com o rosto recortado. Este

evento leva-o a partir para Paris, desencadeando uma relação tensa com a família e

decidido a procurar o progenitor (projecto que mantém até hoje).

Depois de se instalar no campus universitário, e talvez pelas privações

alimentares que a guerra civil tinha provocado, Arrabal desenvolve uma tuberculose que

o obriga a ser internado num sanatório. Começa aqui o seu exílio (nas suas próprias

palavras): em primeiro lugar fisiológico, depois artístico (odiava a literatura que se fazia

1
em Espanha) e mais tarde político (foi preso em Madrid pelas tropas de Franco por

causa de uma dedicatória, considerada blasfema, para aquele ditador, que inscrevera

num exemplar da sua novela Arrabal Celebrando a Cerimónia da Confusão). A sua

libertação deveu-se a um movimento de autores internacionais, célebres, onde se

encontravam, entre outros, Samuel Beckett, Milan Kundera, Arthur Miller, Juan

Goytisolo, Camilo José Cela e Eugène Ionesco.

Em 1962, funda, juntamente com Topor e Jodorowsky, o movimento Pânico

(evocação do deus grego Pan), que pressupõe o teatro total (nota-se a possível influência

de Artaud), a pureza e a moral universal não imposta.

Ainda nos anos 60, em Paris, a esposa de Arrabal, Luce Moreau-Arrabal,

começa a traduzir os textos do dramaturgo, iniciando-se assim a publicação em francês

das suas peças, num número que ultrapassa, hoje, em quase cinquenta por cento as

publicações castelhanas (publicações teatrais em França – 58 obras; teatro publicado em

castelhano – 31 obras).

Apesar de viver em França há mais anos do que em Espanha (sendo considerado

franco-espanhol) Arrabal escreve sempre sobre a sua pátria (pelo menos no seu teatro),

com excepção dos últimos textos – Conversation avec H. et son chien, uma entrevista a

Michel Houel-Lebecq e Claudel y Kafka1, peça sobre o encontro de Claudel e Kafka,

no paraíso.

A relação directa da obra dramática com a sua biografia levou muitos

intelectuais a considerarem-no um autor inferior e a ignorarem-no, mas a maioria

procura (ainda hoje) rotulá-lo e vamos encontrar várias etiquetas como: absurdo,

surrealista, obsceno, pornográfico, escatológico, fársico e até (sendo este o rótulo que o

próprio prefere) realista.

1
Redigida em 2000

2
A ironia de Arrabal e a capacidade de conciliação de vários “mundos” no mesmo

espaço dramático, assim como o recurso a situações onde impera uma linguagem mais

quotidiana, proporcionaram-lhe a aceitação no grupo surrealista dos anos sessenta,

dirigido por André Breton. Foi o primeiro dramaturgo a ser publicado na revista daquele

grupo renascido nos anos 60.

Arrabal é um autor apolítico, pois todas as incursões ou manifestações em causas

de cariz social são circunstanciais e têm, sobretudo, como objectivo, a apologia da não

imposição de sistemas. Podemos assim considerá-lo um anarquista na acepção de

alguém que acredita num amor e numa moral universais, não impostos.

É interessante o facto de ter sido o primeiro autor do séc. XXI a ser considerado

Sátrapa do Colégio da ‘Patafísica’2.

Arrabal acredita que todos os códigos sociais de conduta são objecto de

fabricação, tal como o são os códigos teatrais e tem um prazer especial em divulgar esse

seu ponto de vista.

É um apaixonado pela inovação, pelo factor móvel da vida, pela substituição de

uns padrões ou modelos por outros, por Einstein, por tudo o que torna evidente o

relativismo dos momentos sociais, das mentalidades, das ideologias. Esta paixão levou-

o a criar uma vasta obra nos campos: dramático, cinematográfico, da ficção, poético e

das artes plásticas. A mesma é, no entanto, assumida com sabor amargo uma vez que,

como o próprio afirma, “...um escritor coloca-se sempre do lado dos vencidos, pois

escrever é uma forma passiva de intervir na mudança.”3

2
Este Colégio, criado por Alfred Jarry, premeia quem contribui com o inútil para o inútil. A patafísica é a
ciência das soluções imaginárias. Opera a desconstrução do real e a sua reconstrução no absurdo.
3
Alain Schifres, Entretiens avec Arrabal, p. 21, Paris: Ed. Pierre Belfond, 1969. T. M.

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