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MOTO, ESTRADA E IRMANDADE: OS FATORES CULTURAIS E SUAS

INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DOS MOTOS CLUBES EM MATO GROSSO DO


SUL

Rogerio Marques de Oliveira


Diferenças e Alteridades

RESUMO

Este pré-projeto tem como objetivo investigar a formação dos moto clubes, com foco
na relação entre moto, cultura e irmandade, analisando os fatores culturais e elementos de
colonialidade que influenciaram esse fenômeno ao longo do tempo no estado de Mato Grosso
do Sul. Os moto clubes transcendem sua função como associações de motociclistas e se
apresentam como comunidades, compartilhando valores, tradições e rituais específicos,
estabelecendo laços vistos como profundos pelos seus integrantes. A pesquisa seguirá um viés
qualitativa, com realização de análise de documentos, observação participante, conversas
informais e entrevistas semiestruturadas para a produção de dados. A relevância desta pesquisa
consiste na valorização do patrimônio cultural dos moto clubes e na compreensão de sua
especificidade no contexto de Mato Grosso do Sul. A lacuna existente na literatura acadêmica
sobre esse tema torna essa investigação mais significativa.

Palavras chave: moto clube – estudos culturais - motociclismo

Introdução

A motocicleta, símbolo de liberdade e aventura, tem cumprido um papel significativo


na cultura contemporânea, deixando de ser um mero meio de transporte para se tornar um
verdadeiro ícone social.
Ao longo da história, os moto clubes emergiram como espaços de união e
pertencimento, tornando-se uma espécie de irmandade em torno dessa “paixão” compartilhada.
Contudo, por trás dessa fraternidade aparente, a formação e transformação dos moto clubes são
influenciadas por uma série de fatores culturais e históricos, incluindo elementos de legado
colonial, como Williams descreve:

Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios propósitos,
seus próprios significados. [...] A formação de uma sociedade é a descoberta
de significados e direções comuns, e seu desenvolvimento se dá no debate
ativo e no seu aperfeiçoamento, sob a pressão da experiência, do contato e
das invenções, inscrevendo-se na própria terra. A sociedade em
desenvolvimento é um dado, e, no entanto, ela se constrói e reconstrói em
cada modo de pensar individual. A formação desse modo individual é, a
princípio, o lento aprendizado das formas, dos propósitos e significados, de
modo a possibilitar o trabalho, a observação e a comunicação. Em segundo
lugar, mas de igual importância, está a comprovação destes na experiência,
a construção de novas observações, de comparações e de novos significados.
Uma cultura tem dois aspectos: os significados e direções conhecidos, em
que seus membros são treinados; e as novas observações e os novos
significados, que são apresentados e testados. Estes são os processos
ordinários das sociedades humanas e das mentes humanas, e observamos por
meio deles a natureza de uma cultura: que é sempre tanto tradicional quanto
criativa; que é tanto os mais ordinários significados comuns quanto os mais
refinados significados individuais. Usamos a palavra cultura nesses dois
sentidos: para designar todo um modo de vida — os significados comuns; e
para designar as artes e o aprendizado — os processos especiais de
descoberta e esforço criativo. (WILLIAMS apud CEVASCO, 2001, p. 52-
53)

Para entendermos as relações dos sujeitos no meio do motociclismo, devemos


compreender as diversas categorias a qual o indivíduo pode se identificar neste meio, como
observa em Hall:
O impacto das revoluções culturais sobre as sociedades globais e a vida
cotidiana local, no final do século XX, parece tão significativo e abrangente
que justifica a afirmação de que a substantiva expansão da "cultura" que hoje
experimentamos, não tem precedentes. Mas a menção do seu impacto na "vida
interior" lembra-nos de outra dimensão que precisa ser considerada: a
centralidade da cultura na constituição da subjetividade, da própria identidade
e da pessoa como um ator social. (HALL, 1997, p.23-24)

Se o conceito de Moto Clube é a união de pessoas que compartilham o mesmo ideal,


por que há tantos moto clubes e, até, confronto entre eles? Esse universo oferece um terreno
fértil para o estudo interdisciplinar, pois envolve uma interação multifacetada entre a cultura
popular contemporânea, tradições históricas e processos de identificação coletiva.
Apesar desses ideais que os unem, esses grupos também são marcados por diferenças
e disputas. Pode ser as disputas de territórios simbólicos, onde determinado moto clube ocupa
fisicamente com a sua sede e lá exerce determinada dominação ou quando está em maior
número de integrantes em determinados eventos de motos, demonstrando a sua influência no
meio. Outra questão é a divergências de ideias dentro do grupo que, para Thompson, o povo faz
e refaz sua própria cultura (THOMPSON, 2001, p.211), levando muitas vezes a dissidência e,
consequentemente, a formação de outro grupo que compartilham as mesmas ideias. Em sua
maioria, esses grupos são criados já com rivalidades por ter sidos compartilhantes dos mesmos
ideais, mas divergentes de políticas internas do moto clube.
Outro ponto a destacar é a posição de subordinação que os membros são submetidos
dentro dessa comunidade. Existem hierarquias dentro dos MCs e, com isso, os membros devem
respeitá-las (nos mesmos moldes militares de patentes). Essa hierarquização faz com que o mais
alto escalão, aqui representados pelas patentes de presidente, vice, diretor ou chefe de facção,
tenham decisões monocráticas na maioria das vezes, impondo determinada regra ou norma para
os demais. Já a figura das mulheres tanto como membros de MCs ou ‘garupas’ (aquelas que
acompanham o marido ou namorado), são subalternizadas, enfrentando barreiras e dificuldades
em relação a sua posição em um clube, totalitariamente, de homens. Não é um espaço de fala
nem de manifestações hierárquicas, sendo levadas a subalternidade como evidencia Spivak, em
Pode o Subalterno Falar?, o subalterno não pode falar. Não há valor algum atribuído à
"mulher" como um item respeitoso nas listas de prioridades globais. A representação não
definhou. A mulher intelectual como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não
deve rejeitar com um floreio. (SPIVAK, 2010, p.126).
A cultura não é estática e temos em Canclini esse conceito que aborda a maneira como
as culturas se relacionam e se transformam diante da globalização e das interações culturais, a
exemplo do conceito Importar, traduzir, construir o próprio (Canclini, 1989, p.75), que é um
processo onde a cultura moderna está cada vez mais permeada pelo processo de importação e
tradução cultural. A partir desse conceito, a mídia, também tem seu papel influenciador na
construção desses imaginários que permeiam os Motos Clubes, seja por meio de filmes com
Easy Riders, Motoqueiro Fantasma, Diário de uma Motocicleta ou séries como Mayans MC e
Sons of Anarch, como Kellner traz:

As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os


mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria
dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela
mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se
inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma
nova forma de cultura global. (KELLNER, 2001, p.09)

Desse modo, essas iconografias permitem a construção dos imaginários que permeiam
esses MC, fazendo com que a importação desses conceitos, traduzidos pelos indivíduos que
compõe essa cultura e façam a construção do seu próprio espaço cultural, uma nova identidade.
Este estudo buscará contextualizar o surgimento desses espaços de interpretações e os
agentes envolvidos nestas comunidades no estado de Mato Grosso do Sul, partindo da
investigação das primeiras manifestações motociclísticas e como essas coletividades se
transformaram ao longo dos anos. Levaremos em consideração à influência de elementos
culturais locais, regionais e globais, bem como as permanências de elementos da colonialidade.

Justificativa

A proposta desse tema é relevante na atualidade, pois além de a motocicleta ser o meio
de transporte mais utilizado, os motos clubes representam um tipo específico de organização
sócio-cultural a partir da relação dos seus integrantes com a motocicleta.
Torna-se importante compreender como noções de afeto, família, respeito, honra,
fraternidade e irmandade foram estabelecidas e como se transformaram ao longo do tempo .
Isso ganha mais luz quando se pensa a especificidade desse processo no Estado de Mato Grosso
do Sul, visto como um estado do agronegócio.
A pesquisa buscará mostrar a trajetória da história da motocicleta e sua relação
inseparável da cultura do motociclismo. A motocicleta se tornou um ícone de liberdade,
aventura e rebeldia, influenciando o desenvolvimento de uma subcultura motociclista única,
que se consolidou nos moto clubes. Identificar como esses elementos culturais se permeiam é
fundamental para compreender a formação identitária desses grupos e sua relevância na cultura
contemporânea.
O estudo visa contribuir para o campo dos estudos culturais ao revelar como a cultura
biker são moldadas por fatores que transcendem as fronteiras temporais e geográficas em Mato
Grosso do Sul. A compreensão dessas influências culturais e de colonialidade pode fornecer
uma visão mais profunda das motivações e valores que os sustentam, bem como promover um
diálogo enriquecedor sobre a diversidade cultural e suas manifestações contemporâneas e as
relações com a sociedade em geral. Não se limitam ao universo dos motociclistas; eles
interagem através de ações sociais ou eventos beneficentes. Portanto, entender a cultura dos
moto clubes é fundamental para compreender seu impacto na sociedade em Mato Grosso do
Sul.
Um outro fator que nos leva a desenvolver esse projeto é a escassez de estudos
acadêmicos dedicados a essa temática em Mato Grosso do Sul. A literatura acadêmica existente
sobre o tema é bastante reduzida e não aprofunda as questões aqui levantadas. Com essa
pesquisa, espera-se preencher essa lacuna e contribuir com os debates sobre as especificidades,
complexidades e contradições que envolvem os moto clubes.

Objetivo geral

Analisar especificidades, complexidades e contradições da organização moto clubista


em Mato Grosso do Sul.

Objetivo especifico

Analisar a história da motocicleta e sua relação com a cultura do motociclismo;


Analisar os valores, tradições e rituais presentes nos moto clubes;
Analisar os elementos culturais que se perpetuam e são transmitidos ao longo das
gerações de membros;
Analisar os sujeitos envolvidos nos motos clubes, suas motivações e como ocorre a
agregação desses indivíduos;
Analisar as questões de gênero presente nessas organizações;
Analisar as relações de poder e as disputas existentes dentro dos motos clubes.

Metodologia

Para alcançar o resultado esperado, utilizaremos como metodologias de trabalho:


pesquisa bibliográfica em sites de domínio público e banco de teses e dissertações das
universidades brasileiras, registro fotográfico das visitas aos Moto Clubes para a confecção do
quadro de imagens, entrevistas semiestruturadas e conversas informais com membros de Motos
Clubes realizadas em eventos.
Para a construção dessa rede de informações utilizaremos a metodologia ‘snowball’,
conhecida como amostragem de bola de neve sendo uma técnica de coleta de dados utilizada
em pesquisas qualitativas, sobretudo quando o acesso a uma população-alvo é desafiador ou
difícil de ser definida previamente. Essa abordagem é comumente empregada em estudos que
envolvem grupos sociais ou comunidades que são fechados ou têm características particulares.
Para iniciar a metodologia ‘bola de neve’, deve-se haver um intermediário inicial que
indicará pessoas para a pesquisa. As pessoas indicadas, consequentemente, indicarão outras
pessoas e assim sucessivamente. Dessa forma, a pesquisa que seria de difícil acesso expande-
se satisfatoriamente. Segundo Baldin e Munhoz (2011, p. 5):
A snowball sampling ou “Bola de Neve” prevê que o passo
subsequente às indicações dos primeiros participantes no estudo é
solicitar, a esses indicados, informações acerca de outros membros
da população de interesse para a pesquisa (e agora indicados por
eles), para, só então sair a campo para também recrutá-los.

Em um primeiro momento, farei a revisão de literatura. Para isso, utilizaremos


pesquisa bibliográfica em sites de domínio público e banco de teses e dissertações das
universidades brasileiras e autores relacionados na bibliografia deste trabalho.
Depois dessa etapa, passaremos a fase de observação participante. Essa etapa consiste
em observação em eventos de motociclistas. Será observado os agrupamentos, quais MC estão
em maior número, as correlações entre eles, de qual região do Brasil pertencem, se há grupos
de outros países. Mesmo fazendo parte dessa comunidade, tomarei precauções quanto ao
isolamento, não em total desprendimento das minhas experiencias, mas para que eu possa ter
uma visão panorâmica em busca de detalhes que ficam em segundo plano ou não percebidas
quando em contato.
Nestes eventos, farei a abordagem a membros de MC, com a intenção da ‘troca de
adesivos’, uma prática comum que é trocar adesivo do clube com outro clube, e nesta
abordagem abrir uma conversa informal. Em eventos, as conversas fluem com histórias que
acontecem na estrada, viagens e outros eventos e, também, troca de informações sobre mecânica
de motos e modificações.
Após essas abordagens, iniciarei o contato com o Diretor Regional do Sicários do
Brasil MC, utilizando a metodologia snowball (bola de neve), onde será aplicado um
questionário semiestruturado. Ao final, ele deverá indicar outro membro de outro MC para ser
aplicado o mesmo questionário. Se, ao caso, o indicado do posterior já tiver sido entrevistado,
iniciarei com outro contato e continua a metodologia.
Após a produção dos dados e as leituras, serão analisados e comparados com os textos
consultados nos bancos de dados de domínio público, as imagens registradas e será criado um
banco de dados para consultas das informações obtidas e, assim, fazer parte da redação da
dissertação proposta neste pré-projeto.

Resultados esperados

Espera-se que esta pesquisa proporcione uma compreensão aprofundada das


especificidades, complexidades e contradições da organização dos moto clubes em Mato
Grosso do Sul, bem como a construção da identidade desses grupos.
Com base nos resultados obtidos, pretende-se identificar as relações desses indivíduos,
seus valores, tradições e rituais destacando sua importância para os membros. Uma análise dos
elementos culturais que se perpetuam ao longo das gerações de membros dos moto clubes,
mostrando como esses elementos são transmitidos e mantidos.
A analise dos resultados poderá oferecer uma reflexão aprofundada e abrangente das
questões de gênero presentes nessas organizações, destacando as experiências de mulheres e
homens nos moto clubes.
Os resultados proporcionarão uma visão abrangente das dinâmicas dos moto clubes
em Mato Grosso do Sul, contribuindo para o entendimento mais amplo dessa cultura e das
relações sociais dentro dessas organizações. A relevância desse trabalho com a sociedade
implicará para a promoção da diversidade, inclusão e respeito dentro dessas organizações, bem
como fornecer subsídios para políticas e práticas mais inclusivas e equitativas nesse contexto.

Cronograma

Ano 2023
Atividades mar abr mai jun jul agos set out nov Dez
Cumprimentos X X X X X X X X X X
dos créditos
Pesquisa X X X X X X X X X X
bibliográfica
Leituras X X X X X X X X X X
Entrevistas X X X X X X X
Visitas aos X X X X X X X
clubes
Participação X X X X X X X X X X
em eventos
Organização X X X X X X
das
informações
2024
Organização X X X
da estrutura
da dissertação
Relatório de X X X X X
qualificação
Qualificação X
Primeiro X X X
capítulo
Segundo X X X
capítulo
Terceiro X X X
capítulo
Finalização da X
dissertação
2025
Jan fev mar
Revisão X
ortográfica
Ajustes finais X
Defesa X
dissertação

Referências bibliográficas

BALDIN, Nelma; MUNHOZ, Elzira M. B. Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica
para pesquisa em educação ambiental comunitária. In: Congresso Nacional de Educação, 10.,
2011. Anais... Curitiba: PUCPR, 2011. Disponível em: https://docplayer.com.br/1714932-
Snowball-bola-de-neve-uma-tecnica-metodologica-para-pesquisa-em-educacao-ambiental-
comunitaria.html. Acesso em: 10 jun. 2023.

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da


modernidade . Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP,
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FERNANDES, Hiram Souza. A relação entre as identidades territoriais e a “nova urbanidade”:


o caso das manifestações identitárias dos grupos de motociclistas em Salvador, Bahia Salvador,
2012. 106 f.: il. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências. Disponível em:
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19345.

HALL, Stuart. Quando foi o pós-colonial? Pensando no limite. In: ___. Da diáspora:
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KELLNER, D. A cultura da mídia. Bauru, SP: EDUSC, 2003

MALDONADO-TORRES, Nelson. Pensamento crítico desde a subalternidade: os estudos


étnicos como ciências descoloniais ou para a transformação das humanidades e das Ciências
Sociais no século XXI. Afro-Ásia, 2006, n.º 34.
SPIVAK, G. Pode o Subalterno Falar?. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos
Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2010, p. 126.

WILLIAMS, R. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. São Paulo: Editora


Unesp , 2015.

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