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A DESCENDÊNCIA DE ABRAÃO:
uma introdução à doutrina do batismo infantil
A descendência de Abraão:
uma introdução à doutrina do batismo infantil
João Guilherme
Revisão e preparação
Yago Martins
Projeto gráfico e ilustrações
Le Magicien
N961d
Nozima, Helder
A descendência de Abraão, uma introdução à doutrina do
batismo infantil / Helder Nozima. - Brasília: Editora 371,
2019.
148 p. ; 14x21 cm.
Bibliografia: p. 110-112.
ISBN: 978.85.52900-20-7
CDU 27-558.3
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
I PACTO DE SANGUE
IV SACRAMENTOS
V A NOVA CIRCUNCISÃO
VI PAIS E FILHOS
VII A PROMESSA
CONCLUSÃO
OBRAS CITADAS
APÊNDICE
NOTAS
PREFÁCIO
O maravilhamento de (e com) uma
doutrina
Minha história com o presbiterianismo é ao mesmo tempo antiga e
nova. Apesar de ter nascido na igreja batista, depois de adulto e
casado, mudei para a igreja presbiteriana. Quando isso aconteceu,
minha mãe contou que havia nascido na presbiteriana e havia sido
batizada ainda criança. Aquilo me impressionou muito. Uma fala
despretensiosa da minha mãe atiçou em mim uma grande
curiosidade acerca desse meu passado presbiteriano. Além do
sentimento de que eu estava “voltando pra casa”.
É comum que as pessoas cheguem à igreja presbiteriana (ou
qualquer outra igreja reformada) e fiquem maravilhadas com as
chamadas doutrinas da graça. No meu caso, como havia
encontrado a teologia reformada previamente, o desafio foi lidar com
o batismo infantil. Eu precisei conciliar comigo mesmo várias
questões que iam muito além da dúvida acerca do que é mais
bonito, se mergulhar ou despejar um pouco de água na cabeça.
Afinal, as implicações em torno do tipo de batismo, se infantil ou de
crente professo, são profundas.
Busquei fazer todas as leituras que estavam ao meu alcance,
conhecer todos os argumentos em favor do batismo infantil e ouvir
pessoas que defendiam as duas vertentes. Curiosamente, esse
nunca foi assunto nas boas conversas com o autor deste livro, que é
meu amigo há cinco anos. Uma das conversas que tive foi com o
Rev. Joel Theodoro, pastor presbiteriano no Rio de Janeiro que foi
meu professor no Seminário Martin Bucer, em 2013. Como sempre
o admirei pelo seu rigor acadêmico e doutrinário, e também pelo seu
cuidado pastoral demonstrado para comigo, perguntei como ele
tratava dessa questão com pessoas que chegavam à sua igreja e
precisavam entender a doutrina do batismo infantil. Ele me mandou
alguns textos para leitura, que ele utilizava em sua igreja ao ensinar
os novos membros sobre esse assunto. Logicamente, dei especial
atenção.
Perscrutando os arquivos, qual não foi minha surpresa quando
me deparei com um trabalho de conclusão de curso de teologia, do
Seminário Presbiteriano de Brasília, que defendia o batismo infantil.
Esse trabalho foi escrito exatamente por Helder Nozima, o autor do
livro que você tem em mãos.
Entre as tantas voltas que a vida dá, tornei-me editor de livros
(essa é outra longa história). Nas minhas pesquisas e leituras em
torno do tema, eu não havia lido um texto que mexesse com meu
coração, que fosse além do convencimento argumentativo; nunca
havia encontrado algo suficientemente bom em português,
publicado em forma de livro. Vendo o potencial da monografia
escrita pelo Helder e conhecendo suas habilidades de escrita e
argumentação, o mais natural foi que eu o convidasse a transformar
sua monografia em livro. Felizmente, ele aceitou. Eis o resultado.
Curiosamente, o livro que Helder me entregou foi bem diferente do
que eu esperava. Quando o convidei, eu esperava algo mais
acadêmico, como um desenvolvimento da monografia, quase como
um tratado sobre batismo infantil. Bem, você pode notar que este
não é um tratado, nem pretende sê-lo. O que Helder me entregou é
um texto pastoral, amoroso, convincente - não pelos bons
argumentos, apesar de tê-los -, com ótimas ilustrações, utilizando
uma forma simples e profunda de explicar. Com singeleza, defende
uma doutrina que, depois de entendida, torna-se basicamente óbvia.
Como fiquei feliz com esse resultado. Com certeza, tem
potencial para alcançar muito mais pessoas que um tratado de tom
acadêmico. E por providência divina, enquanto Helder ainda
trabalhava seu texto e me pedia extensão de prazo para entregar o
manuscrito (o autor que nunca fez isso pode jogar a primeira pedra),
eu li um texto de internet, publicado em inglês, defendendo o
batismo infantil pela mesma ótica. Derek Radney, o autor desse
texto online dizia claramente que sua intenção não era convencer
quem pensava o contrário, era apenas relatar sua jornada rumo à
adesão do batismo infantil como a doutrina bíblica correta. Para ficar
claro, li o referido texto antes de ler o manuscrito do Helder. Então,
após terminar a leitura do manuscrito, não podia deixar de pensar
que seu livro combinava perfeitamente com aquele texto publicado
em inglês. Consegui que Derek Radney cedesse os direitos e
providenciei sua tradução. Agora ele consta como apêndice do livro
do meu amigo Nozima. Uma dobradinha perfeita.
Apesar de este livro ser muito bem escrito, possuir um
encadeamento lógico perfeito, de o autor demonstrar domínio do
tema e paixão pela teologia evangélica (como bom teólogo e
jornalista), não recomendo apenas por esses motivos. Minha
recomendação gira em torno principalmente do maravilhamento que
este livro me causou. Quando concluí a leitura, o que mais senti foi
alegria, aquela satisfação de ter lido algo tão bíblico e belo. Este
texto não agiu em mim apenas com convencimento, mas com
encantamento. Não posso deixar de me encantar com a verdade de
que Deus me concede o privilégio de educar meus filhos como
herdeiros da fé de Abraão, como pequenos integrantes da família do
pacto, ou, gosta de dizer meu pastor, Rev. Gustavo Villa, como
“cordeirinhos de Jesus”.
Aqui reside um ponto importante: o labor teológico não gira em
torno do convencimento apenas, mas da iluminação do Espírito
Santo, o maior dos encantamentos. É só pela luz do Espírito a
brilhar em nossos corações que podemos ser atraídos à salvação
que há em Cristo, não é meramente por uma argumentação
intelectual. Gosto de pensar que Deus não escreveu um livro de
teologia sistemática, ele escreveu (e ainda escreve) uma história. E
a doutrina do batismo infantil gira exatamente em torno da história
da família de Deus, do povo que ele decidiu chamar de seu.
Espero que ao concluir a leitura deste livro você esteja
encantado com a beleza da revelação, com a beleza do pacto, com
a beleza que é batizarmos nossos filhos em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo.
O mesmo dicionário afirma que esse esquema pode ser visto dentro
e até além do Novo Testamento.5 Analisando esses elementos,
percebe-se que uma aliança é mais do que um simples acordo entre
as partes. Há um aspecto solene, pois há um ritual formal a ser feito
para o estabelecimento da aliança. Há um forte aspecto relacional
entre os pactuantes. Eles possuem uma história juntos e se
comprometem a manter esse relacionamento no futuro. Há um
aspecto sagrado, porque cada parte da aliança invoca o seu próprio
deus para testemunhar o compromisso assumido. E, como algo que
foi levado diante dos deuses, há um forte aspecto moral. Cumprir a
aliança é algo moralmente desejável e abençoador. Mas a sua
ruptura era algo tão abominável que uma maldição deveria atingir
quem quebrasse o pacto.
Uma vez que Deus fez uma aliança com o povo de Israel no
Antigo Testamento e com a Igreja no Novo Testamento, todo esse
contexto precisa estar na nossa mente quando estudamos qualquer
assunto teológico. Não é apenas Deus que assumiu compromissos
conosco, mas, de certa maneira, nós também temos deveres e
obrigações para com o Senhor (preâmbulo). Mesmo que você tenha
se convertido ontem, a verdade é que a sua história com Deus já é
antiga. Esse relacionamento já existia antes da criação do mundo,
quando fomos escolhidos para sermos santos e irrepreensíveis
diante do Senhor (Ef 1.4) e predestinados para ele, para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo (Ef 1.5). Não
apenas Deus nos conheceu, como estabeleceu as condições do
nosso futuro relacionamento com ele: fomos predestinados para
sermos filhos. O nosso relacionamento com Deus não é privado,
mas público, e, por isso, precisamos confessar publicamente a
nossa aliança com o Senhor, com a nossa boca (Rm 10.9). Aquele
que permanecer na aliança e perseverar até o fim será salvo (Mt
24.13), mas Deus não tem prazer naqueles que retrocedem (Hb
10.38).
No caso específico do batismo, independente de sermos
católicos, batistas ou presbiterianos, há vários vínculos com os
conceitos acima. Em todas as correntes cristãs, o batismo é um rito
de iniciação em que a aliança entre Deus e o batizando é
formalizada publicamente. É ali que, de uma maneira direta ou
indireta, o cristão verbaliza a sua intenção de entrar em aliança com
o Senhor. E, caso o cristão abandone esse compromisso, as
maldições da aliança são invocadas sobre ele. Afinal, como diz
2Pedro 2.21: “Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o
caminho da justiça do que, após conhecê-lo, volverem para trás,
apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado”.
Um pacto de sangue
Há, porém, um elemento adicional que resta mencionar sobre as
alianças no contexto bíblico: elas eram “pactos de sangue”. De
Abraão em diante, todas as grandes alianças entre Deus e o seu
povo envolviam algum tipo de sacrifício, com derramamento de
sangue. Por exemplo, quando o autor de Hebreus fala da aliança
feita com Israel por meio de Moisés, ele se recorda que animais
foram sacrificados para formalizar aquele pacto:
Nem mesmo o Dilúvio foi tão terrível. Sim, Deus quase eliminou
toda a vida nos dias de Noé, mas em Adão o Senhor amaldiçoou
toda a criação. Tente imaginar qualquer desgraça. Poluição,
terremotos, enchentes, erupções vulcânicas: todos os desastres
naturais podem ser colocados na conta do fruto proibido.
Deficiências físicas, transtornos mentais, enfermidades, acidentes,
mutilações, nada disso acontecia no Éden. Vergonha, explosões de
raiva, agressões físicas e brigas eram algo inimaginável até
sentirmos o gosto do fruto do conhecimento do bem e do mal. Em
resumo, segundo Romanos 3.23, o resultado da Queda é que “todos
pecaram e carecem da glória de Deus”. De um modo ou de outro,
Deus cumpriu a sua promessa. A morte tornou-se a nossa única
certeza, afinal, ela é “o salário do pecado” (Rm 6.23).
“E aos seus descendentes”
Aqui há algo que deve chamar a nossa atenção: as maldições
do Pacto das Obras não alcançaram somente Adão e Eva. Além da
natureza ter sido afetada, todos os descendentes de Adão foram
amaldiçoados por causa do erro dele. A maldição não alcançou
somente o indivíduo Adão, mas sim toda a espécie humana. Tudo o
que estava debaixo da autoridade de Adão foi corrompido pela
Queda.
Um texto crucial para entender isso é Romanos 5.12-21. Nessa
seção de Romanos, Paulo explica que Adão é um tipo de Cristo
Jesus. Um “tipo” é uma figura que representa outra, como se fosse a
sombra de um objeto. O tipo possui traços em comum com aquilo
que ele representa, mas não é idêntico a ele. Adão e Cristo
possuem em comum o fato de que suas ações têm consequências
cósmicas e geracionais. O que Adão fez afetou toda a sua
descendência, da mesma maneira que as ações de Jesus afetam
toda a sua “descendência”.
Mas há diferenças. Adão teve descendentes físicos, Jesus tem
uma descendência espiritual. Adão é o pai de uma humanidade
caída, e Jesus de uma nova humanidade. E, o mais importante:
Adão trouxe morte e pecado para todos os homens, enquanto Jesus
trouxe graça e justificação. Resumindo, em Adão:
Isso pode até soar herético, mas a verdade é que não há nenhuma
grande mudança do Antigo para o Novo Testamento neste aspecto.
As promessas de Deus não são apenas para indivíduos isolados,
mas sim para suas famílias. Todavia, o valor do indivíduo também é
reconhecido nas Escrituras. E, se alguém optar por abandonar o
Senhor, ele perderá as bênçãos pactuais. Por outro lado, como diz a
parábola do filho pródigo (Lc 15.11-32), ainda que o filho se desvie
gravemente, ainda há lugar para ele, se houver arrependimento. E,
sendo sincero, a história de Israel no Antigo Testamento nada mais
é do que uma parábola do filho pródigo repetida incontáveis vezes.
III. Um ou dois povos?
E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra,
paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus.
(Gálatas 6.16)
A presença dos sinais em muitos dos pactos bíblicos também enfatiza que
as alianças divinas unem as pessoas. O símbolo do arco-íris, o selo da
circuncisão, o sinal do sábado, são todos sinais pactuais que reforçam o
caráter vinculativo da aliança. [...] Assim como o noivo e a noiva trocam os
anéis como uma ‘prova de amor’ de sua ‘constante fidelidade e
permanente amor’, os sinais da aliança simbolizam a permanência do
vínculo entre Deus e o seu povo.8
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados,
mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer
dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros,
mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por
todas, tendo obtido eterna redenção. Portanto, se o sangue de bodes e de
touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os
santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo,
que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus,
purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus
vivo! (Hb 9.11-14)
Visto sabermos que alguns que saíram de entre nós, sem nenhuma
autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando a vossa
alma, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, eleger alguns homens
e enviá-los a vós outros com os nossos amados Barnabé e Paulo, homens
que têm exposto a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais pessoalmente vos dirão
também estas coisas. Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não
vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos
abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da
carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas
fareis bem se vos guardardes. Saúde. (At 15.23-29)
Nele também vocês foram circuncidados, não com uma circuncisão feita
por mãos humanas, mas com a circuncisão feita por Cristo, que é o
despojar do corpo da carne. Isso aconteceu quando vocês foram
sepultados com ele no batismo, e com ele foram ressuscitados
mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.
Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo
Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na
morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os
mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de
vida.
Juntando isso ao que diz o versículo 13, fica ainda mais clara a
abrangência de significados do batismo.
Colossenses 2.11-15
ARA NVI
no qual também fostes Nele também vocês foram
circuncidados com a circuncisão circuncidados, não com uma
não feita por mãos no despojar circuncisão feita por mãos
do corpo da carne, a saber, a humanas, mas com a circuncisão
circuncisão de Cristo; tendo feita por Cristo, que é o despojar
sido sepultados com ele no do corpo da carne. Isso
batismo, no qual também fostes aconteceu quando vocês foram
ressuscitados pela fé no poder sepultados com ele no batismo, e
de Deus, que o ressuscitou com ele foram ressuscitados
dentre os mortos; e a vós, mediante a fé no poder de Deus
quando estáveis mortos nos que o ressuscitou dentre os
vossos delitos e na mortos. Quando vocês estavam
incircuncisão da vossa carne, mortos em pecados e na
vos vivificou juntamente com incircuncisão da sua carne,
ele, perdoando-nos todos os Deus os vivificou juntamente com
delitos; e havendo riscado o Cristo. Ele nos perdoou todas as
escrito de dívida que havia transgressões, e cancelou a
contra nós nas suas escrita de dívida, que consistia
ordenanças, o qual nos era em ordenanças, e que nos era
contrário, removeu-o do meio contrária. Ele a removeu,
de nós, cravando-o na cruz; e, pregando-a na cruz, e, tendo
tendo despojado os principados despojado os poderes e as
e potestades, os exibiu autoridades, fez deles um
publicamente e deles triunfou espetáculo público, triunfando
na mesma cruz. sobre eles na cruz.
Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus, o
qual também nos selou e nos deu como penhor o Espírito em nossos
corações. (2Co 1.21-22)
no qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da
vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito
Santo da promessa (Ef 1.13)
E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o
dia da redenção. (Ef 4.30)
A razão pela qual o sinal da aliança deve ser aplicado aos infantes antes
que exista qualquer fé da parte deles não é decorrente de uma visão
inferior do batismo ou uma visão mais fraca da necessidade da fé
salvadora. É porque a promessa da aliança de Deus da justificação pela fé
para todos os que crêem sempre foi também para seus descendentes.
Assim como Deus fez o pacto com Abraão e a sua descendência, também
é importante observar que, quando Deus promete circuncidar os corações
de seu povo, Ele também promete circuncidar ‘o coração de seus
descendentes’ (Dt 30.6; cf. Ez 37.25, Is 65.23). Essa é a razão pela qual o
sinal da Nova Aliança em Cristo também deve ser aplicado aos filhos dos
crentes.16
Vez após vez, Davi teve descendentes que não andaram em seus
caminhos e faziam o que era mau aos olhos do Senhor. Eles
rejeitaram o Deus de seus pais e seguiram a ídolos. Por essa razão,
acabaram sendo castigados por Deus e, com certeza, vários deles
estão no inferno agora. Contudo, o Senhor nunca descarregou
completamente a sua ira sobre eles. Por quê? Porque eles eram
descendentes de Davi.
Herança espiritual
Até os anos 1960, pais normais sempre desejavam acumular algum
patrimônio para legar a seus filhos. Ter uma herança para passar
adiante não era motivo de vergonha, e sim de orgulho. Bons pais
conseguiam deixar algo para os seus filhos. O que não nos passa
pela cabeça é que existem outras heranças, além da material, que
podemos passar aos nossos descendentes. Uma delas é a herança
espiritual.
Essa herança pode ser vista quando lemos 1Coríntios 7.14:
“Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a
esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra
sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos”.
No capítulo 7 de 1Coríntios, Paulo está tratando da questão do
divórcio dentro da Igreja. Ele explica que, no caso de casais em que
apenas um dos cônjuges é cristão, a parte cristã não deve procurar
o divórcio. Entre os motivos apresentados, Paulo fala que o cônjuge
incrédulo é, de alguma maneira, santificado pelo convívio com o
cônjuge cristão. Uma consequência é que os filhos desse casal
também são santos.
Os credobatistas contra-argumentam afirmando que o versículo
implicaria também na possibilidade dos cônjuges incrédulos serem
batizados. Mas há outras questões a serem consideradas. Primeiro,
o texto efetivamente ensina que até mesmo o cônjuge incrédulo é
santificado, mas a Bíblia não iguala santificação a salvação. Em
segundo lugar, o texto mostra uma diferença real entre o filho de um
cristão (santo) e o de pagãos (impuro). Por fim, o cônjuge, ao
contrário do filho, já é adulto e pode manifestar a sua vontade. Ele
não é igual à criança. Embora o cônjuge colha algum benefício
espiritual de seu casamento, ele, espontaneamente, rejeita a graça
oferecida, ao contrário dos filhos, que ainda não podem exercer a
sua fé, e, como em tudo no início da vida, são dependentes de seus
pais. Os credobatistas não enxergam esta diferença.
No que consiste essa santidade dos filhos? Ela se refere ao
lugar que estes filhos ocupam na relação pactual entre Deus e os
homens. A passagem visa resolver uma dificuldade prática, sobre
qual a posição espiritual dos filhos quando somente um dos pais era
cristão. Elas seriam santas ou não? Se as crianças estivessem
excluídas da igreja por não poderem exercer a sua fé, seria
irrelevante tratar desta questão, pois, obviamente, elas estariam na
mesma situação dos filhos dos descrentes.19
Essa diferença pode ser vista na insistência e na misericórdia
divinas, mesmo diante dos erros dos descendentes de seus filhos.
Citando um famoso versículo, “Saberás, pois, que o SENHOR, teu
Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até
mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos”
(Dt 7.9). Mas o mais interessante é ler esse versículo dentro do seu
contexto imediato. Moisés está lembrando ao povo de Israel que
Deus os libertou da escravidão no Egito, porque eles eram filhos de
Abraão, Isaque e Jacó e herdeiros das promessas feitas a eles:
“Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis
mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos
os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o
juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão
poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó,
rei do Egito” (Dt 7.7-8).
Na verdade, assim como os filhos de Davi escaparam da
destruição por causa da piedade de seu pai, toda a nação de Israel
escapou do mesmo destino por causa do seu parentesco com
Abraão, Isaque e Jacó. Em Êxodo 32, enquanto Moisés recebia a
Lei no Monte Horebe, o povo de Israel fazia um bezerro de ouro e o
adorava. Deus decidiu então destruir a nação israelita. Por que ele
não o fez? Porque Moisés, atuando como uma sombra de Cristo
Jesus, intercedeu pelo povo, lembrando da aliança feita com
Abraão, Isaque e Jacó: “Lembra-te de Abraão, de Isaque e de Israel,
teus servos, aos quais por ti mesmo tens jurado e lhes disseste:
Multiplicarei a vossa descendência como as estrelas do céu, e toda
esta terra de que tenho falado, dá-la-ei à vossa descendência, para
que a possuam por herança eternamente” (Ex 32.13).
A igreja ainda é beneficiária de todas essas promessas. O
Salmo 18.50 fala dos benefícios à posteridade de Davi. Jesus é o
Filho de Davi, mas também é o “Segundo Adão” e o nosso
representante pactual (Rm 5.12-21). Abraão é o pai espiritual de
todos os que crêem (Rm 4.11-12). Nós fazemos parte das mil
gerações que são depositárias da misericórdia divina.
Sei que isso pode parecer estranho, especialmente para
cristãos que estejam passando por momentos de profunda provação
ou de intensa disciplina, devido a pecados anteriormente cometidos.
Contudo, lembre-se que os filhos de Abraão foram escravos no
Egito por quatrocentos anos. Lembre-se também de tudo que o
próprio Jesus sofreu nesse mundo. Teria a misericórdia de Deus nos
abandonado? Certamente que não! Na verdade, mesmo quando
Deus derramou o pesado juízo da destruição de Jerusalém e do
exílio na Babilônia, no sexto século antes de Cristo, ainda ali Deus
foi misericordioso, preservando um remanescente (Is 1.9; Rm 9.29).
Quando o Senhor manda duras provas e disciplinas, ainda assim é
a misericórdia de Deus prometida aos filhos de Abraão que nos
alcança.
O poder da mãe que ora
Outra objeção que os credobatistas levantam contra o batismo
infantil é o fato de que a cerimônia acontece por iniciativa dos pais.
São eles que assumem um compromisso diante de Deus em nome
dos filhos. Bom, isso já acontecia na circuncisão, mas há uma
história que mostra isso de modo mais espetacular.
Em 1Samuel 1 e 2, lemos sobre Ana. Ela era uma das esposas
de Elcana, mas era estéril. Mesmo sendo a preferida de seu marido,
ela era provocada por Penina, a outra mulher de Elcana, pois
Penina tinha filhos enquanto Ana não os tinha. Isso causava uma
enorme tristeza na vida de Ana. Até que, um dia, ela resolveu fazer
um voto ao Senhor: “E fez um voto, dizendo: SENHOR dos
Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e
de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres
um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua vida, e
sobre a sua cabeça não passará navalha” (1Sm 1.11).
Note: Ana fez o voto sozinha. Ela sequer consultou o seu
marido. Ela orou e assumiu, diante de Deus, um compromisso que
dizia respeito ao seu filho, o de que ele seria do Senhor “todos os
dias da sua vida”. Para nós, que vivemos no século 21, quando pais
querem que os filhos escolham até o seu gênero sexual, é chocante
ver uma mãe determinando o curso espiritual de toda a vida de seu
filho. Mais do que isso, o compromisso de não passar navalha na
cabeça era, na verdade, um voto especial de consagração ao
Senhor, o voto de nazireu. O que Deus achou dessa ousadia de
Ana? Ele achou ótimo, pois deu a ela Samuel e ainda lhe
acrescentou três filhos e duas filhas (1Sm 2.21).
A oração de Ana e a vida do profeta Samuel são uma resposta
demolidora para todos os que argumentam que o batismo infantil
não é válido, porque o compromisso foi assumido pelos pais. Ana foi
muito além de circuncidar. Ela fez um voto substancial, com
consequências reais, e que foi aceito por Deus. O poder e a
influência espiritual de uma única mãe (e, por tabela, de um pai)
sobre seus filhos é enorme. Eles têm como determinar o legado
espiritual que desejam que seja transmitido a seus filhos.
E aqui há mais um detalhe que chama a atenção. Samuel era
do Senhor desde o dia em que foi concebido, já que foi dado “todos
os dias de sua vida” e Deus aceitou a oração de Ana. A implicação é
que Samuel já era salvo no ventre de sua mãe. A doutrina
credobatista exige que uma certa idade seja atingida para que a
criança possa ter fé e receber o batismo. Mas, e se a criança nascer
com algum tipo de deficiência intelectual? E se ela morrer ainda no
ventre materno, ou na primeira infância? Os pedobatistas não se
atrevem a tentar descrever que condições devem existir para que a
fé surja ou para que Deus salve alguém. Basta que ele o queira, e
isso pode acontecer a qualquer tempo, até mesmo antes do
nascimento. Afinal, é possível crer em Jesus, reconhecê-lo e ser
cheio do Espírito Santo no ventre da mãe, como aconteceu com
João Batista:
Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem
bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre
materno. (Lc 1.15)
Ouvindo esta a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu
no ventre; então, Isabel ficou possuída do Espírito Santo” (Lc
1.41).
“A Escritura ensina que Jesus vai dividir famílias e alerta que ser
nascido em uma família temente a Deus não deveria criar a ideia de
que somos salvos?”
Sim. Mas a razão específica por que Jesus ensina isso é que seus
discípulos devem amá-lo e odiar suas famílias devido ao fato de que
nossas lealdades às nossas famílias são naturalmente tão fortes
que elas podem comprometer a fidelidade a Jesus. Ele está falando
do perigo inerente a essa profunda realidade sociológica de que os
filhos tendem a crescer na fé (seja ela qual for) de seus pais.
E sim, é verdade que nós não deveríamos simplesmente
assumir que somos cristãos só porque nossos parentes são crentes,
sendo que nós pessoalmente não cremos em Jesus e fazemos o
que queremos. Mas veja que a pessoa que professa publicamente
sua fé como adulta e é batizada não deveria assumir que é nascida
de novo se continua impenitente. Em outras palavras, a Bíblia
constantemente alerta contra a presunção quando uma pessoa diz
que conhece a Deus porque pertence à comunidade visível do
pacto, mas permanece longe de Deus no coração e desobediente
em suas ações. A Bíblia não rejeita a ideia de que filhos de crentes
sejam cristãos. Ela alerta a todos que não presumam sobre Deus
quando seus corações estão longe dele.