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Em tempos remotos, porém não tão distante, o pé de cajá não dava frutos, impedindo
assim que os animais pudessem se alimentar do seu florescer. A raposa muito
esperta convidou o jaboti para se enterrar dentro de um buraco, numa competição
para ver quer aguentava por mais tempo dentro do vão ardente em brasa no solo do
Piauí, para verem se o pé de cajá daria frutos. O jaboti, inocente que era, se enterrou
por completo, já a raposa trapaceira se enterrou apenas do pescoço para baixo,
ficando com a boca e o focinho de fora, possibilitando assim que ela conseguisse
respirar. O camarada jaboti já sem fôlego entoava o som para que a raposa ouvisse:
A raposa logo responde avisando ao jaboti que o pé de cajá ainda não dava frutos:
- Qualá
O Jaboti questiona:
- Qualá
A raposa mentirosa finge que está em apuros, mas na verdade via tudo por cima do
solo com a respiração perfeita:
O jaboti já sem respiração emitia sussurros desesperados que não eram mais ouvidos
pela raposa. O jaboti sem conseguir respirar desfaleceu no buraco fervoroso e
tampado, emitindo vozes ignoradas pela raposa que só se importava com o própria
ar e ganância em ver o pé de cajá brotar só para ela. A raposa anunciava o prenúncio:
O jaboti já não mais escutava, a raposa saiu do seu buraco com vida, e ao procurar
desenterrar o jaboti se depara com um corpo morto que emitiu sussurros que
clamavam por socorro, mas que foram tampados pela ganância que morava na
barriga da raposa.
Tal qual a raposa, vivem os homens que preferem enterrar as vozes questionadoras
em prol do próprio rei que habita suas barrigas e corações. Meus avós são ambos de
famílias pobres, naturais da caatinga piauiense, onde o sol brilha na cabeça de cada
rei e rainha que habita esse território. O meu avô, dono de algumas poucas vacas,
trabalha até seus oitenta anos na função importante de cuidar e tirar o leite das vacas
para ser vendido aos transeuntes da cidade. Ele é um homem bruto e odeia receber
ordens, menos as ordens emitidas pelo dinheiro, criação feroz dos homens que não
são pobres como ele, muito pelo contrário. Esses homens que manipulam o dinheiro
no brasil têm extensão de terras incontáveis, onde criam vacas inúmeras que
produzem leite capaz de encher o oceano de ganância e miséria ao mesmo tempo,
assim como fazem cos as terras pisoteadas pelos gados.
Meu avô acredita que o trabalho dele tem um valor incomensurável, capaz de rebaixar
todos os outros pela sua avidez, dedicação e esforço no que faz. Não lembra ele que
a comida na mesa e os filhos que ele usou como mão de obra na roça não brotaram
por si só, mas estão envoltos numa teia de trabalho, cuidado, carinho e amor nutridos
pela minha avó, que tem em si vários espíritos que habitam o seu corpo, capazes de
lhes conferir saberes múltiplos capazes de produzir o inimaginável, tanto
materialmente quanto para além do campo palpável, abstração jamais sentida pelo
meu avô que ama mais o dinheiro do que os próprios filhos, netos e esposa, a qual
ele não reconhece o esforço e trabalho conjunto.
No auge dos oitenta anos, Antônio de Deus vive uma vida tranquila, passa o dia
assistindo televisão ou sentado na calçada conversando com os vizinhos ou
divagando na própria cabeça, incapaz de expressar o que sente. Ele ainda vai a roça
tirar o leite das vacas. Devido a industrialização e o desenvolvimento do comércio,
ele já não consegue mais vender o que produz, apesar de não ser muita coisa.
Antônio se queixa constantemente de dores espalhadas pelo seu corpo, que corroem
o seu bem estar. Vivendo a base de remédios, ao surgir qualquer outra pancada que
lhe cause incômodo ele suplica a ajuda de um médico iluminado, que não pensa muito
além de si mesmo, assim como meu avô, mas que estudou bastante para passar
remédios precisos e certeiros a quem clama de dores agudas.
Maria de Jesus levanta cedo e já se põe disposta na cozinha, pronto para alimentar
a família inteira que já não vive mais ao seu redor, os únicos que permanecem em
sua casa são um de seus filhos e o seu marido, Antônio de Deus, homem que ele
nutre um rancor e ódio fugaz, capas de explodir em febre ardente em direção a esse
último homem cujo qual jamais foi capaz de reconhecer e dar o devido
reconhecimento ao trabalho desenvolvido por ela, seja no campo material quanto no
campo afetivo, local desconhecido por ele, ou pelo menos inexpressivo.