Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Museus e Suas Tipologias
Museus e Suas Tipologias
artigo de revisão
webmuseu em destaque
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos*
Fábio Rogério Batista Lima**
O
montaram a rede de saber universal Academia de
s seres humanos sempre sentiram a Lince, em 1603. Com a fundação das sociedades
necessidade de gerar, de compartilhar científicas na França e na Inglaterra seis décadas
e de adquirir informação por meio dos depois, mais precisamente em 1660, aparece
mais variados tipos de assuntos e de formas o primeiro periódico científico, embora não
de expressão. O sonho de que este arsenal tratasse exclusivamente de assuntos científicos,
informacional ultrapasse fronteiras, perpassa mas também de resumos de livros publicados na
homens de diversas épocas, muito antes do Europa, algumas cartas e notas, etc.
aparecimento da Internet e está presente nos dias Estava evidente, por esse fato, a preocupa-
de hoje. ção com a disseminação da informação, o com-
Na Idade Média o conhecimento era partilhamento do conhecimento e o uso efetivo
destinado ao clero por meio dos monges
da tecnologia vigente na época. Nesse contexto,
copistas, com o passar do tempo a ideia de um
cabe a referência a Barreto (2008, p. 1), quando
livre acesso ao fluxo da informação gerada
afirma que “[...] o ideal compartilhado seria o de
pela humanidade ganhou força no século XVII
se construir uma sociedade do conhecimento não
só uma sociedade da informação [...]”, pois “[...]
1 Parte dos resultados alcançados na dissertação de mestrado, financiada pela a sociedade da informação é uma utopia de rea-
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Defendido
em Nov. 2012. PROCAD/CNPq – 2014.
lização tecnológica e a do conhecimento uma es-
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 57
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
58 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014
Museu e suas tipologias
Gonzales (2008) denomina de trânsito semiótico. Renascença. Assim, cada época tem tido
Nesse sentido, um espaço cultural que a caracteriza,
além de funcionar como um ponto de
[...] os meios tecnológicos absorvem encontro e reunião. Hoje, em nossa
e incorporam os mais diversos sociedade contemporânea e urbana, os
sistemas sígnicos, traduzindo as museus cumprem em parte essa função.
diferentes linguagens históricas para (VARGAS, 2008, p.63, tradução nossa)
o novo suporte. Essas linguagens
transcodificadas efetivam a colaboração
entre os diversos sentidos, possibilitando
Ainda segundo a autora, “[...] os antigos
o trânsito intersemiótico e criativo entre templos de inspiração, a antiga casa das Musas,
o visual, o verbal, o acústico e o tátil. estão se tornando os portais baseados em
(PLAZA GONZALES, 2008, p. 66) realidade virtual, de uma nova forma de levar o
conhecimento e o prazer estético [...]”. (VARGAS,
No interior da área de conhecimento 2008, tradução nossa).
Ciência da Informação, o museu pode ser Nos últimos tempos, os museus assumiram
definido como uma “[...] unidade de informação papéis estratégicos no mundo “[...] marcado
que trabalha com a organização, o tratamento, o pela desconstrução das noções tradicionais de
armazenamento, a recuperação e a disseminação tempo e de espaço, no qual identidades locais e
da informação produzida a partir de suas globais se relacionam em complementaridade”
coleções”. (YASSUDA, 2009, p. 15). (INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS, 2012,
A engrenagem que impulsiona o bom p. 4). Nesse sentido, os museus têm a sua frente
funcionamento dos museus é baseada nos um grande desafio: refletir sobre seu papel em
princípios gerais da comunidade internacional meio as transformações sociais em um mundo
de museus, pautada em princípios básicos da em constante movimento.
ética profissional do trabalho museológico, Sendo o museu descrito como uma
descritos no Código de Ética para Museus, instituição que permite conhecimento e lazer
elaborado pelo ICOM em 2006, com versão para seu público, ele também mantém um
em língua portuguesa, que diz que os museus diálogo com a sociedade ao manter vivo
tem “[...] o dever de adquirir, preservar e momentos e partes de culturas passadas, com
valorizar seus acervos, a fim de contribuir para o intuito de contribuir para o desenvolvimento
a salvaguarda do patrimônio natural, cultural e sócio, cultural e artístico. Logo, o caminho
científico [...]” (INTERNATIONAL COUNCIL conjunto com a evolução tecnológica é
OF MUSEUMS, 2008, p.12). Schweibenz (1998) impulsionado pela sociedade e torna possível a
complementa dizendo que o museu “[...] é efetivação desse diálogo.
um lugar que se deve visitar para conhecer A existência simultânea de museus
os trabalhos artísticos [...]”, ou seja, é em tradicionais/concreto e museus em ambientes
espaços informacionais dessa natureza que se virtuais é marca do cenário artístico-cultural
concentram grande parte das discussões, dos contemporâneo. Apesar da aproximação
debates, da aprendizagem e do entretenimento entre eles no que permeia suas funções
relacionados à arte e à cultura. museologicas de preservar e de disponibilizar
Desde a antiguidade necessitamos de tais conteudos informacionais no campo das
espaços culturais para conhecer as artes e as artes, o distanciamento arquitetônico e de
culturas passadas. Vargas (2008, tradução nossa) acesso físico/presencial é latente. Baseado nos
aponta que: tipos arquitetônicos de museu descrito por
Oliveira (2007), apresentamos no Quadro 1
O templo foi para as sociedades antigas suas categorias, formas e tipos de acesso. Vale
o que foi o teatro para os gregos, o a pena ressaltar que, no ciberespaço também
coliseu para os romanos, os mosteiros existe uma arquitetura que se distingue entre
e os castelos para a sociedade da Idade si, entre modelos e formas e entre a arquitetura
Média, o mesmo que os palácios para a tradicional.
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 59
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
Estrutura criada em um
Museum bus carro, com mobilidade. Presencial
Parques temáticos e
zoológicos. Estruturas
Para-museus Presencial
possíveis de serem museus.
60 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014
Museu e suas tipologias
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 61
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
princípio, digitalmente destinada para a tela reúnem, por meio de reproduções / imagens
do computador [...]”. (ASCOT, 1996, p.4-6, digitais, obras que existem concretamente e estão
tradução nossa). Esse museu trabalha com dispersas em diferentes museus ou coleções.
obras de arte criadas com uso de software Quanto aos Websites de museus, a autora
de criação de imagens e são hospedadas no os classifica, considerando sua diversidade, em
ambiente virtual. dois diferentes grupos:
E por fim, o museu de terceiro tipo, que
é descrito pelo autor como sendo uma arte que [...] o primeiro grupo é representado
existe apenas na rede, para a rede e pela rede. por webmuseus que possibilitam
o acesso a obras que existem (ou
O museu de terceiro tipo, por sua vez, seria
existiram) fisicamente. Seus “acervos”
um ambiente com obras digitais feitas com são, portanto, constituídos por
programas de criação de imagens, mas sua reproduções digitais de obras de arte,
característica mais marcante seria a de permitir e sua propriedade mais evidente é a
de permitir a reunião em um mesmo
a interação entre o ambiente, a obra e o usuário, ambiente “virtual” de obras dispersas no
pois esse tipo de museu faz bom uso das novas espaço e no tempo. O segundo grupo,
ferramentas Web, quando várias mídias se por sua vez, é integrado por webmuseus
cujos “acervos” são constituídos por
convergem em um único ambiente interativo de obras de arte geradas originalmente
exposição de obras na proposta da inteligência por processos sintéticos, totalmente
coletiva, pois segundo Ascott, dependentes de hardware e software
específicos quer para sua criação,
quer para sua visualização, quer para a
[...] o museu da emergência, é uma interação e participação do seu receptor-
plataforma de operações, uma operador. Embora tenha sido observada
sementeira, um recurso planetário, a uma tendência de que tais formas se
um lugar de negociação, de interação manifestem isoladamente, cabe admitir
cultural e de criatividade colaborativa, a possibilidade de webmuseus (que
antes de ser uma vitrine, um palco ou poderíamos denominar “híbridos”), os
um repositório. Fará mais história do quais “reuniriam” reproduções digitais
que a registrará. [...] A arte que ele de acervos físicos e obras de arte criadas
abrigará ou fará nascer será uma arte a partir de matrizes digitais (LOUREIRO,
híbrida que requer mais do que apenas 2004, p.87).
as habilidades do autor. (ASCOTT, 1996,
p. 6, tradução nossa).
No Brasil, indo para além de webmuseu
O computador nesse caso, não seria exclusivamente de arte, temos um exemplo
apenas um meio para visualizar as obras, mas do que Loureiro (2004) chamaria de primeiro
sim, segundo a pesquisadora e museóloga Maria grupo: o ‘Era virtual’, pois corresponde ao
Lucia N. M. Loureiro (2003, p. 137), uma “[...] tipo de museus que, embora possa ser visitado
interface, que possibilita ao receptor manipular virtualmente, existe no mundo concreto.
e transformar as mensagens e a tornar-se, Tratando-se especificamente de
enfim, participante do processo criativo [...]” webmuseu de arte, observamos aquele que
conforme defende em sua tese Museus de Arte Loureiro (2004) chamaria de webmuseu
no Ciberespaço: uma abordagem conceitual, ‘híbrido’, pois reúne em seu acervo tanto
baseada na tipologia descrita por Roy Ascott no obras criadas sinteticamente por programas
artigo “The Museum of the third kind”. computacionais, quanto por obras
A autora constrói um quadro-síntese constituídas por processos artesanais com
para ilustrar que não considerou o que Ascott tintas e pigmentos orgânicos, em que temos
chama museus de primeiro tipo, mas apenas os como exemplo o Museo Virtual de Artes El
museus que não têm equivalência no mundo Pais - MUVA. A autora elenca alguns sites de
físico/concreto, acrescentando uma tipologia. webmuseus: o Americam Museum of Photography,
Na tipologia proposta ressalta os museus que La Citta De’LLarte, Museu Virtual de Arte
não têm existência fora do ciberespaço, e que Brasileira - MVAB, Net Art Museum, Museum
62 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014
Museu e suas tipologias
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 63
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
64 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014
Museu e suas tipologias
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 65
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
66 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014
Museu e suas tipologias
Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014 67
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos e Fábio Rogério Batista Lima
1, jul./dez., 2008. Disponível em: < http:// virtual. 2008. Available in: <http://
www.cchla.ufpb.br/ppgc/smartgc/uploads/ discursovisual.cenart.gob.mx/anteriores/
arquivos/b29c8438c920100526091245.pdf>. dvweb08/art15/art15.html>. Access: 07 set. 2013.
Acesso em: 24 de jun. de 2011.
VELEZ JAHN, G. Museos virtuales: presente
PLAZA GONZALES, J. Tradução intersemiótica. y futuro. In: CONFERENCIA VENEZOLANA
São Paulo: Perspectiva, 2008. SOBRE APLICACION DE COMPUTADORAS
EN ARQUITECTURA- FAU-UCV, 1., 1999,
SCHWEIBENZ, W. The “virtual museum”: new Caracas. Anais eletrônicos... Espanha:
perspectives for museums to present objects and Cumincades, c2004. Disponível em: <http://
information using the Internet as a knowledge cumincades.scix.net/data/works/att/6132.
base and communication system. 1998. Available content.pdf>. Acesso em: 22 maio 2012.
in: < http://is.uni-sb.de/projekte/sonstige/
museum/virtual_museum_isi98>. Access: 07 set. YASSUDA, S. N. Documentação museológica:
2013. uma reflexão sobre o tratamento descritivo do
objeto no Museu Paulista. 2009. 180 f. Dissertação
SUANO, M. O que é museu. São Paulo: (Mestrado em Ciência da Informação) -
Brasiliense, 1986. Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Marília, 2009.
VARGAS, L. R. Museos de arte y
nuevastecnologías: las musas en la realidad
68 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.2, p. 57-68, maio/ago. 2014