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Francine Prose

Anne Frank

A história do Diário que comoveu o mundo

Tradução:

Maria Luiza X. de A. Borges


Para Howie
Sumário

Nota da autora

PARTE I A vida
1. O livro, a vida, a sobrevida
2. A vida

PARTE II O livro
3. O livro, parte I
4. O livro, parte II
5. O livro, parte III

PARTE III A sobrevida


6. A casa
7. A peça
8. O filme
9. Negação

PARTE IV Anne Frank nas escolas


10. O diário ensinado
11. Bard College, 2007

Notas
Bibliografia selecionada
Agradecimentos e fontes
Índice remissivo
Nota da autora

Uma das dificuldades de escrever sobre o diário de Anne Frank se deve ao


fato de ela ter dado pseudônimos às pessoas com quem partilhou o anexo
secreto. Ao longo de todo o texto, usei os nomes reais das figuras históricas
– por exemplo, a família Van Pels – em lugar dos nomes que receberam no
Diário – nesse caso, Van Daan. Exceções ocorrem quando estou citando o
Diário, ou quando estou me referindo aos personagens da peça e do filme,
em que os modelos da vida real são conhecidos exclusivamente pelos
pseudônimos.
Nos Países Baixos, a Casa de Anne Frank (isto é, o prédio em que o
anexo secreto se localiza) é conhecida como Museu Anne Frank. A
organização que sustenta o museu e os programas de direitos humanos
associados a Anne Frank e seu diário é chamada, em holandês, de Anne
Frank Stichting. Embora “Fundação” não seja uma tradução direta de
Stichting, usei esse termo para efeito de clareza. A Anne Frank-Fonds, na
Basileia, é uma organização independente.
PARTE I A vida
1. O livro, a vida, a sobrevida

Eu diria que o tema do Diário de Anne Frank é ainda mais misterioso


e fundamental que o de santo Agostinho, e o descreveria como a
conversão de uma criança em um adulto. … Perguntei-me com
espanto, quando deparei pela primeira vez com o Diário ou os extratos
publicados pela revista Commentary: por que esse processo não foi
descrito antes, sendo tão universal e tão universalmente interessante? E
a resposta me veio. Ele não é universal, porque a maioria das pessoas
não cresce em nenhuma medida que corresponda ao crescimento de
Anne Frank; e não é universalmente interessante, porque ninguém se
importa em lembrar o próprio crescimento ou é capaz disso. Foi
necessário, acredito, que uma pressão especial forçasse a conversão
criança-adulto, foram necessários excepcional consciência de si,
excepcional franqueza e excepcionais poderes de expressão para lançar
luz sobre essa mudança, seja ela estranha ou normal.
JOHN BERRYMAN, “The development of Anne Frank”

Ela foi uma jovem escritora maravilhosa. Era um assombro para uma
menina de 13 anos. Vê-la ganhar domínio sobre as coisas é como
assistir a um filme acelerado de um feto que vai ganhando rosto. … De
repente ela descobre a reflexão, há retratos de pessoas, esboços de
personagens, há episódios longos, cheios de acontecimentos,
intricados, tão lindamente narrados que parecem ter passado por uma
dúzia de rascunhos. E nenhum desejo venenoso de ser interessante ou
séria. Ela simplesmente é. … Seu ardor, seu espírito – sempre em
movimento, sempre começando coisas … ela é como uma irmãzinha
apaixonada de Kafka, sua filhinha perdida.
PHILIP ROTH, Diário de uma ilusão

DA PRIMEIRA VEZ QUE LI O DIÁRIO DE ANNE FRANK, eu era mais jovem que a
autora quando ela começou a escrevê-lo, aos 13 anos. Ainda posso me ver
sentada, de pernas cruzadas, no chão do quarto da casa em que cresci, lendo
até que a luz do dia declinasse e eu tivesse de acender o abajur. Perdi a
noção das coisas à minha volta e me senti como se estivesse entrando no
sótão em Amsterdam onde uma menina judia e sua família se esconderam
dos nazistas, e onde, com o apoio de seus “ajudantes” holandeses, eles
sobreviveram por dois anos e um mês, até serem denunciados às
autoridades, presos e deportados. Fiquei encantada com as vívidas
descrições que Anne fazia de seu adorado pai, Otto; de seus conflitos com a
mãe, Edith, e a irmã, Margot; de seu romance com Peter van Pels; de sua
irritação com Hermann e Auguste van Pels e com o dentista Fritz Pfeffer,
com quem os Frank partilhavam o anexo secreto. Lembro que quando
terminei o livro, voltei à primeira página e comecei de novo, e que li e reli o
diário até ficar mais velha que Anne Frank quando morreu, aos 15 anos, em
Bergen-Belsen.
No verão de 2005, li o diário mais uma vez. Começara havia pouco a
fazer anotações para um romance que, eu sabia, seria narrado na voz de
uma menina de 13 anos. Tendo escrito um livro em que sugiro aos
escritores que procurem orientação em uma leitura minuciosa e reflexiva
dos clássicos, resolvi seguir meu próprio conselho, e ocorreu-me que a
melhor obra já escrita sobre uma menina de 13 anos era o diário de Anne
Frank.
Como a maior parte dos leitores, eu interpretara o diário de Anne
Frank como as efusões inocentes e espontâneas de uma adolescente. Agora,
porém, relendo-o como adulta, convenci-me rapidamente de que estava em
presença de uma obra de literatura conscientemente elaborada. Compreendi,
como não poderia ter feito quando criança, quanta arte é requerida para dar
a impressão de simplicidade, quanto controle é necessário para parecer
natural, e que poucas coisas são mais difíceis para um escritor que encontrar
uma voz narrativa tão original e sem afetação quanto a de Anne. Valorizei,
como não fiz quando menina, sua competência técnica, as qualidades
romanescas do diário, a habilidade de transformar pessoas vivas em
personagens, a capacidade de observação, o olho para os detalhes, o ouvido
para o diálogo e o monólogo e o senso de ritmo que a conduz à medida que
entremeia seções de reflexão com cenas dramatizadas.
Detive-me a todo instante para me maravilhar com o fato de que um
dos melhores livros sobre o genocídio nazista tenha sido escrito por uma
menina entre seus 13 e 15 anos de idade – não uma faixa etária
normalmente associada a gênio literário. É espantoso que uma adolescente
possa ter escrito de maneira tão inteligente e comovedora sobre um assunto
que continua a assombrar a imaginação adulta. O que torna isso ainda mais
impressionante é que esse livro enganosamente despretensioso enfoca um
momento particular e pessoas específicas, e ao mesmo tempo fala, de
maneiras que parecem atemporais e universais, sobre adolescência e vida
familiar. Ele mostra a verdade sobre o desejo incontrolável de certas
pessoas de exterminar o maior número possível de outros seres humanos, ao
mesmo tempo que celebra a vontade de sobreviver e a determinação de
manter a própria decência e dignidade sob as circunstâncias mais
desumanizadoras.
Anne Frank pensava em si mesma não apenas como uma menina que
por acaso mantinha um diário, mas como uma escritora. Segundo Hanneli
Goslar, uma amiga de infância, a paixão de Anne pela escrita começou
quando ela ainda estava na escola: “Anne ficava sentada na classe entre as
aulas, encobria seu diário e escrevia sem parar. Todos lhe perguntavam: ‘O
que você está escrevendo?’ E a resposta era sempre: ‘Não é da sua conta.’”1
Em abril de 1944, quatro meses antes que o sótão onde os Frank
encontraram refúgio fosse invadido pelos nazistas, Anne Frank registrou
seu desejo de se tornar uma escritora: “E, se eu não tiver nenhum talento
para escrever livros ou artigos de jornal, bom, sempre posso escrever para
mim mesma. … Quero continuar vivendo depois da morte! E é por isso que
agradeço tanto a Deus por ter me dado esse dom, que posso usar para me
desenvolver e para expressar tudo o que existe dentro de mim!”2
Muito se falou sobre como vemos Anne Frank de uma maneira
diferente depois que a chamada “edição definitiva” de seu diário, publicada
em 1995, restaurou certas passagens que Otto Frank havia cortado da
versão lançada na Holanda em 1947 e nos Estados Unidos em 1952. De
fato, embora a edição definitiva seja quase um terço mais longa que a
primeira versão de O diário de Anne Frank, as seções que foram
restabelecidas – comentários mordazes sobre Edith Frank e os Van Pels,
entradas revelando a extensão da curiosidade de Anne sobre sexualidade e
sobre o próprio corpo – não mudam substancialmente a percepção que
temos a respeito da menina.
Por outro lado, há uma cena nas memórias de Miep Gies, Anne Frank:
O outro lado do diário, que realmente altera a imagem que temos de Anne.
Junto com os outros ajudantes, empregados da Opekta – a empresa de
condimentos e pectina de Otto Frank –, Miep arriscou sua vida para manter
oito judeus vivos durante dois anos e um mês, experiência que ela descreve
num livro que aguça e acentua nossa percepção do que os judeus
escondidos e seus salvadores holandeses suportaram. A cena começa
quando Miep, sem querer, interrompe Anne enquanto ela está trabalhando
no diário.

Vi que Anne escrevia concentrada e não me ouvira. Eu estava muito perto dela e prestes a me
virar para sair quando ela levantou os olhos, surpresa, e me viu parada ali. Em nossos muitos
encontros ao longo dos anos, eu vira Anne, como um camaleão, mudar de um humor a outro,
mas sempre com cordialidade. … Mas nesse momento vi em seu rosto um olhar que nunca vira
antes. Era um olhar de esforço doloroso, como se ela tivesse uma dor de cabeça latejante. O
olhar me transpassou, fiquei sem fala. Ali, de repente, ela era outra pessoa escrevendo àquela
mesa.3

A Anne que Miep observou era outra pessoa: uma escritora,


interrompida.
Em um ensaio de 1967, “The development of Anne Frank”, John
Berryman perguntava-se “se Anne Frank teve algum leitor sério, pois não
encontro nenhuma indicação em nada do que foi escrito sobre ela de que
alguém de fato a tenha levado a sério”.4 Isso não é mais totalmente
verdadeiro. No incisivo ensaio “Not even a nice girl”, publicado na New
Yorker em 1989, Judith Thurman comentou a habilidade com que Anne
construiu sua narrativa. Um pequeno número de críticos e historiadores
chamou atenção para o talento literário precoce da menina. Em sua
introdução à edição britânica de Contos do esconderijo, uma coletânea da
ficção de Anne e de suas composições autobiográficas, o autor britânico
G.B. Stern escreveu: “Uma coisa é certa: Anne era uma escritora em
embrião.”5 Mas seria uma “escritora em embrião” a mesma coisa que uma
escritora que emergiu, ao mesmo tempo recém-nascida e madura?
Persiste o fato de que só raramente se deu a Anne Frank o que lhe é
devido como escritora. Com poucas exceções, seu diário nunca foi levado a
sério como literatura, talvez por ser um diário, ou, mais provavelmente,
porque sua autora foi uma menina. O texto foi discutido como um
testemunho ocular, um documento de guerra, uma narrativa do Holocausto
ou não, um livro escrito durante o tempo de guerra que trata apenas
tangencialmente da guerra e um trampolim para conversas sobre racismo e
intolerância. Praticamente nunca, porém, foi visto como uma obra de arte.
Harold Bloom nos diz por quê:

O diário de uma menina, mesmo quando ela era uma escritora tão natural, raramente poderia ser
objeto de crítica literária. Como esse diário é emblemático de centenas de milhares de crianças
assassinadas, a crítica é irrelevante. Eu próprio não tenho nenhuma qualificação exceto como
crítico literário. Não se pode escrever sobre o O diário de Anne Frank como se Shakespeare, ou
Philip Roth, fosse o assunto.6

O romancista holandês Harry Mulisch atribuiu a popularidade do diá-


rio ao fato de sua jovem autora ter morrido logo após escrevê-lo: “A obra
dessa menina não é simplesmente uma obra de arte, mas em certo sentido é
uma obra de arte feita pela própria vida: é um objeto descoberto. Ele foi,
afinal de contas, literalmente descoberto no chão, entre os escombros,
depois que os oito personagens partiram…”7 Escrevendo na New Republic,
Robert Alter, um crítico e estudioso da Bíblia, concordou:

Não pretendo parecer impermeável à pungência do Diário. Apesar disso, muitos diários de
judeus que pereceram foram publicados e refletem a complexidade da perspectiva adulta e, em
alguns casos, um enfrentamento direto da barbaridade do nazismo; e essas coisas estão ausentes
do escrito de Anne Frank. … Anne pode ter sido uma menina inteligente e admiravelmente
introspectiva, mas não há muito em seu diário que seja emocionalmente impressionante, e suas
reflexões sobre o mundo têm o teor de banalidade que seria de esperar de uma menina de 14
anos. O que torna o Diário comovente é a sombra projetada sobre ele pela notícia da morte no
fim. Tente imaginar (como fez Philip Roth, por outras razões, em Diário de uma ilusão) uma
Anne Frank que tivesse sobrevivido a Bergen-Belsen, e, digamos, se estabelecido em
Cleveland, se tornado uma jornalista, se casado e tido dois filhos. Iria alguém se importar com
seu diário do tempo de guerra, exceto como um relato das circunstâncias materiais do esforço
para se esconder dos nazistas em Amsterdam?8

Ao mesmo tempo admirando os talentos de Anne e perturbada pela


sensação de que foram subestimados, comecei a pensar que poderia ser
interessante e talvez útil para estudantes recém-apresentados ao Diário e
para leitores que cresceram acostumados a vê-lo sob certa luz considerar a
obra de uma perspectiva mais literária. Que aspectos do livro ajudaram a
assegurar sua longa e influente sobrevida? Por que Anne Frank se tornou
uma figura tão icônica para tantos leitores, em tantos países? Que há em sua
voz que continua a absorver e comover o público? Como as várias
interpretações e versões de seu diário – a peça da Broadway, o filme de
Hollywood, as lições de sala de aula, os artigos de jornal que a mantêm sob
o olhar público – influenciaram nossa ideia de quem ela foi e do que
escreveu?
O livro que imaginei trataria dessas questões, sobretudo através de
uma leitura minuciosa do Diário. Exploraria os modos como a obra de
Anne encontrou um lugar duradouro na cultura e na consciência do mundo.
Eu argumentaria em favor do talento de Anne Frank como escritora. A
despeito de sua idade e de seu sexo, ela conseguiu criar algo que
transcendeu o que ela própria chamou de “os desabafos de uma menina de
13 anos” e que faz jus a um lugar entre as grandes memórias e confissões
espirituais, bem como entre os registros mais significativos da era em que
ela viveu.
Esse foi o livrinho simples que imaginei. Mas pouca coisa relacionada
ao diário se revelaria assim tão simples.

SEMPRE ACREDITEI QUE O DIÁRIO DE ANNE FRANK era uma versão impressa
(ligeiramente editada por seu pai) do livro com capa de pano xadrez que ela
ganhou quando fez 13 anos em junho de 1942, e no qual começou a
escrever pouco antes de se esconder com a família. Isso era o que eu
supunha, especialmente depois de, como o resto dos primeiros leitores de
Anne, ter sido tranquilizada pelo breve epílogo às primeiras edições do
livro, em que éramos informados de que “exceto por muito poucas
passagens, de pouco interesse para o leitor, o texto original foi
reproduzido”.
Eu sabia que tinha havido controvérsias sobre as páginas que Otto
Frank omitira no processo de dar forma ao diário. Mais recentemente, eu
me lembrava, mais páginas subtraídas vieram à tona, passagens em que
Anne especulava sobre as decepções no casamento de seus pais. Mas eu
pensava que essas questões tinham sido respondidas, e a maioria dos cortes,
restaurados na publicação de 1995 da edição definitiva, editada por Mirjam
Pressler.
Na verdade, como logo fiquei sabendo, no final de 1942 Anne já havia
enchido o famoso diário xadrez; as entradas no livro de capa de pano
vermelho, cinza e castanho cobriam o período de 12 de junho de 1942 a 5
de dezembro daquele ano. Depois, um ano – isto é, um ano de entradas
originais, não revisadas – está faltando. O diário recomeça num caderno de
exercícios de capa preta, que os ajudantes holandeses lhe deram. Iniciada
em 22 de dezembro de 1943, essa continuação do diário prossegue até 17 de
abril de 1944. Um terceiro caderno de exercícios começa em 17 de abril de
1944; a última entrada foi anotada três dias antes da prisão da escritora em
4 de agosto.
A partir da primavera de 1944, Anne voltou e reescreveu seu diário
desde o princípio. Essas revisões cobririam 324 folhas soltas de papel
colorido e preencheriam a lacuna de um ano entre o diário xadrez e o
primeiro caderno de exercícios. Ela continuou a atualizar o diário ao mesmo
tempo em que reescrevia as páginas anteriores. Anne desejava que seu livro
fosse notado, fosse lido, e passou seus últimos meses de relativa liberdade
tentando desesperadamente assegurar que esse desejo pudesse se realizar
algum dia.

EM 29 DE MARÇO DE 1944, os moradores do anexo secreto se reuniram em


volta do rádio clandestino para ouvir um programa de notícias da Holanda
transmitido de Londres. No decorrer do programa, Gerrit Bolkestein, o
ministro de Educação, Arte e Ciência do governo holandês no exílio,
reivindicou o estabelecimento de um arquivo nacional para abrigar os
“documentos comuns” – diários, cartas, sermões e assim por diante –
escritos por cidadãos holandeses durante a guerra. Esses papéis, disse o
ministro, ajudariam gerações futuras a compreender o que o povo da
Holanda havia sofrido e superado.
Enquanto ouviam, os oito judeus no anexo voltaram os olhos para a
jovem diarista entre eles. “Claro que todo mundo se lembrou imediatamente
do meu diário.”9 Claro. O diário de Anne era um fato da vida comum, como
as batatas que comiam, os arranjos que faziam para a hora do banho, as
alarmantes invasões do andar térreo, e inspirava curiosidade e comoção nas
pessoas sobre as quais ela escrevia. Já em setembro de 1942, Anne descreve
o instante em que fecha de estalo seu livrinho quando a sra. Van Pels entra
no quarto e lhe pede para ver o diário, no qual Anne acabara de escrever
sobre ela, de maneira nada lisonjeira. Um mês depois, durante um momento
de proximidade – Margot e Anne deitam-se na mesma cama –, Margot
pergunta se pode ler o diário de Anne, e esta responde: “Algumas partes.”
Durante a maior parte de sua permanência no anexo, o diário tinha sido
para Anne um amigo e uma consolação. Ela o escrevia em busca de
companhia, pelo prazer de escrever, como uma maneira de ajudar a
preencher as longas horas em que ela e os outros eram obrigados a
permanecer em silêncio e quase imóveis enquanto negócios estavam sendo
realizados no escritório da Opekta no térreo. Ela escrevia para se ajudar a
compreender a si mesma e às pessoas à sua volta. Como Philip Roth
observa em Diário de uma ilusão, o diário “lhe fazia companhia e a
mantinha sã de espírito”.10
Mas agora, nesse momento promissor, em que começara a parecer que
a guerra poderia acabar e as pessoas poderiam querer ler sobre as vidas de
suas vítimas e sobreviventes, os moradores do sótão concordaram que o
diário de Anne era exatamente o tipo de coisa que o ministro holandês
exilado tinha em mente. Anne tomou aquele discurso como uma instrução
pessoal. Na manhã depois do programa, ela estava imaginando uma
brilhante carreira para seu livro, um futuro mais sedutor que o proposto pelo
ministro Bolkestein: a posteridade no arquivo que viria a se transformar no
Instituto Holandês para a Documentação de Guerra.
“Imagine como seria interessante se eu publicasse um romance sobre o
Anexo Secreto. Só o título faria as pessoas acharem que é uma história de
detetives. Sério, dez anos depois da guerra, as pessoas achariam muito
interessante ler sobre como nós vivemos, o que comemos e sobre o que
falamos aqui.”11 O título que Anne tinha em mente, O anexo secreto, refere-
se ao fato de que os cômodos em que ela e sua família se escondiam
ficavam em cima do antigo local de trabalho de Otto Frank e escondidos da
rua pelos prédios à volta. Muitos velhos prédios holandeses tinham anexos
desse tipo, um labirinto de cômodos extras acrescentados aos fundos da
casa, com o propósito de ampliar o espaço acanhado ditado pela fachada
estreita da estrutura.
Alguns dias depois, Anne se deitou no chão e chorou até que a ideia de
si mesma como uma escritora a arrancou do desespero.

Finalmente percebi que devo fazer os deveres de escola para não ficar ignorante, para continuar
com a vida, para me tornar uma jornalista, porque é isso o que desejo! Eu sei que posso
escrever. Algumas de minhas histórias são boas, minhas descrições do Anexo Secreto são bem-
humoradas, boa parte do meu diário é vivo e interessante, mas … resta saber se realmente tenho
talento.12

No dia 14 de abril, ela sentiu sérias apreensões com relação às suas


habilidades. Mesmo assim, estava imaginando os ministros holandeses
como seu público potencial, e como seus críticos: “Meu texto está todo
misturado, estou pulando de uma coisa para outra, e às vezes duvido
seriamente se alguém se interessará por essas bobagens. Provavelmente vão
chamar de ‘Os pensamentos de um patinho feio’. Meus diários com certeza
não terão muita utilidade para o sr. Bolkestein ou o sr. Gerbrandy.”13
Em maio ela escreveu novamente que desejava se tornar uma jornalista
e uma escritora famosa – só que agora ela tinha uma ideia do livro que
poderia fazer sua reputação. “Teremos de esperar para ver se essas grandes
ilusões (ou desilusões) irão se cumprir, mas até agora não sinto falta de
assunto. De qualquer modo, depois da guerra, eu gostaria de publicar um
livro chamado O anexo secreto. Resta ver se conseguirei, mas meu diário
pode servir de base.”14
O resultado mais importante dessa nova consciência de vocação foi
que Anne começou a refinar e polir seu diário numa forma que, ela
esperava, poderia ser publicada um dia como O anexo secreto. Em 20 de
maio ela escreveu, numa passagem que seu pai apagou: “Finalmente, depois
de muita reflexão, comecei O anexo secreto; na minha cabeça ele está
praticamente pronto, embora na realidade não vá avançar assim tão
depressa, se é que isso acontecerá mesmo algum dia.”15
Em Diário de uma ilusão, o herói de Roth, Nathan Zuckerman,
observa que as cenas dramáticas do diário parecem ter passado por uma
dúzia de rascunhos. A verdade é que muitas delas realmente passaram por
pelo menos dois.
Ao voltar às páginas anteriores, Anne cortou, tornou mais claro,
expandiu suas entradas iniciais e acrescentou novas, que em alguns casos
antedatou, às vezes em anos. Assim o livro não é, estritamente falando, o
que entendemos por um diário – em que os acontecimentos são registrados
à medida que ocorrem, dia a dia –, mas uma obra de memórias na forma de
entradas de diário. A tradutora da edição definitiva para o inglês, Mirjam
Pressler, escreveu um dos poucos livros que reconhecem a importância das
revisões de Anne. Publicado nos Estados Unidos como Anne Frank: A
Hidden Life, e estranhamente rotulado como leitura para adultos jovens, o
livro mistura informação biográfica, uma meditação sobre Anne e os outros
no anexo e comparações esclarecedoras entre o diário original e a versão
que Anne reescreveu.
O diário de Anne Frank não é um diário mantido em ordem cronológica, do princípio ao fim,
como seria de esperar. A principal parte do livro consiste na segunda versão do diário original
de Anne, revisado com adições da própria Anne, com algumas histórias do livro de relatos em
que ela também escreveu.16

Judith Thurman compreendeu isso como poucos ao questionar até


mesmo que se tenha intitulado o livro, como fizeram os editores
americanos, de The Diary of a Young Girl.
Esse título ingênuo corresponde ao que é de fato uma autobiografia epistolar de excepcional
calibre. Ele dá a plena medida de um caráter complexo, em evolução. Tem a forma de um
drama literário. Foi escrupulosamente revisado por sua autora, que pretendia que o diário fosse
lido. Certamente não é uma obra de “arte descoberta”, como um crítico holandês sugeriu.17

Podemos compreender que a editora Doubleday achasse The Diary of


a Young Girl um título mais atraente que The House Behind. Embora Anne
Frank imaginasse O anexo secreto como um romance na forma de diário,
ele nos foi entregue como diário. Em Diário de uma ilusão, Philip Roth –
que, também romancista, seria naturalmente sensível à prerrogativa de um
escritor de dar a seu livro o título que quiser – só se refere ao livro de Anne
pelo título original, e à peça da Broadway por seu nome, O diário de Anne
Frank.

APESAR DAS APREENSÕES INICIAIS DE ANNE, a revisão de O anexo secreto


avançou muito rapidamente. Correlacionando a caligrafia das folhas soltas à
dos cadernos, os analistas forenses de caligrafia contratados mais tarde pelo
Instituto Holandês para a Documentação de Guerra concluíram que,
se tomarmos o dia 20 de maio de 1944 como a data inicial (com base no comentário na parte 3)
e 1º de agosto de 1944 como a data da última entrada, a entrada diária média teria de quatro a
cinco páginas. Estas devem ter sido escritas em adição às entradas no diário, parte 3. … Parece
que a escritora trabalhou mais intensamente nas folhas soltas, particularmente no período entre
15 de julho e 1º de agosto de 1944. Durante esse período, 162 páginas foram completadas, ou
cerca de dez páginas por dia.18

Trabalhando nesse ritmo espantoso, Anne reescreveu seu rascunho


inicial nas semanas que precederam sua prisão, fazendo mudanças maiores
e menores. Como qualquer memorialista temeroso de ferir sentimentos, ou
de ser acusado de deturpações, fez uma lista de pseudônimos para os judeus
e seus ajudantes. A família Frank se tornaria os Robin, os Van Pels seriam
chamados de os Van Daan, ao passo que o dentista, Fritz Pfeffer, apareceria
no livro como Albert Dussel. Talvez em benefício da fluência, ela
continuou a usar os nomes reais ao escrever seu segundo rascunho.
“Sou minha melhor e mais feroz crítica. Sei o que é bom e o que não é.
A não ser que você escreva, não saberá como é maravilhoso.”19 Quando fez
sua última anotação, no dia 1º de agosto de 1944, ela havia revisado as
passagens anteriores à transmissão de rádio de março e mantido o diário
atualizado num primeiro rascunho não revisado.
Depois da guerra, quando leu o trabalho da filha e se convenceu de que
ela pretendia que ele fosse publicado, Otto Frank preparou uma versão do
livro que combinava passagens do primeiro rascunho de Anne e de suas
revisões, em alguns casos usando versões anteriores de passagens que ela
havia revisado mais tarde. No todo, Otto Frank fez um admirável trabalho
de edição – omitindo detalhes desnecessários, escolhendo entre versões
alternativas de eventos, preservando a essência do diário e intuindo o que
tornaria o livro mais atraente para os leitores. Em muitos casos, isso
significou anular decisões de Anne sobre o que ela queria omitir – por
exemplo, as entradas intensamente emocionais do início de seu romance
com Peter van Pels, com quem ela se desencantara durante o tempo em que
reescrevia seu diário.
Talvez não deixe de haver uma relação entre o esfriamento do caso de
amor e o foco de Anne nas revisões. Depois que parara de pensar
semiobsessivamente no menino do andar de cima, Anne teve mais tempo e
energia para dedicar à sua escrita. Ela não teria sido a primeira artista a
descobrir que o fim de um romance pode inspirar um retorno ao trabalho
com energia renovada e concentração aguçada.

EM 1986, O INSTITUTO HOLANDÊS PARA A DOCUMENTAÇÃO DE GUERRA


publicou uma edição crítica de O diário de Anne Frank, um enorme volume
de mais de 800 páginas que inclui todos os rascunhos existentes feitos pela
autora; a edição inglesa apareceria três anos depois. Ausentes do livro
estavam as cinco páginas que Otto Frank e a família Frank optaram por
excluir, páginas que apareceram mais tarde em uma edição revista mais
recente, publicada em holandês em 2001 e em inglês em 2003. Tanto a
edição anterior quanto a posterior contêm um relato dos métodos e
conclusões dos especialistas forenses contratados pelo instituto, que
provaram que os diários, exceto por pequenas correções editoriais, foram
inteiramente escritos por Anne Frank. Sua meticulosa pesquisa demonstrou
como a evolução da caligrafia de Anne ao longo dos dois anos no
esconderijo teve a trajetória exata que se esperaria que a caligrafia de uma
menina – a mesma menina – seguisse entre as idades de 13 e 15 anos.
Na edição crítica, o rascunho original do diário de Anne é chamado de
a versão “a”. As revisões que ela fez nas folhas soltas constituem a versão
“b”. E o livro que seu pai produziu combinando esses dois primeiros
rascunhos é reimpresso como a versão “c”. Todos esses rascunhos são
reimpressos em faixas paralelas, de modo que é possível – trabalhoso,
demorado e por vezes enlouquecedor, mas possível – ler todas as três
versões e determinar o que Anne escreveu originalmente, o que reescreveu,
o que pretendia que aparecesse em O anexo secreto, e em que pontos seu
pai respeitou ou contrariou suas decisões. Judith Thurman observou:

O que uma comparação dos textos de fato revela é tanto a espontaneidade com que a escritora
compôs sua prosa quanto o esmero com que a depurou depois. Para fazer essa comparação, no
entanto, é preciso ter certo grau de motivação. As orientações dos editores sobre como ler a
edição crítica são mais ininteligíveis e difíceis de acompanhar do que instruções para a
montagem de uma asa-delta.20

O que torna a tarefa de comparar o rascunho original de Anne com


suas revisões e com a compilação de seu pai ainda mais desafiadora são
todas as questões não respondidas e irrespondíveis. Quando Anne disse que
tinha começado a escrever O anexo secreto, queria dizer que havia acabado
de começar? Longas lacunas em cada versão precisam ser preenchidas
mediante a consulta das outras. Até no diário de capa de pano há páginas
com numeração errada e com datas fora de ordem. Se Anne omitiu alguma
coisa de seu segundo rascunho, significava isto que pretendia excluí-la
completamente, ou que sentia que a primeira versão era suficiente? E
finalmente, para aqueles de nós que não lemos holandês, há o problema de
saber quanto estamos perdendo ao ler a obra numa tradução. Segundo
David Barnouw, um dos editores da edição crítica, somente leitores de
holandês podem apreciar quanto o estilo de Anne mudou durante aqueles
dois anos. Na versão publicada, explica Barnouw, as escolhas de palavra
incorretas de Anne e outros erros juvenis foram corrigidos, e as passagens
mais toscas, aplainadas. “De outro modo, teria parecido que o editor
cometeu um erro.”21
Uma das mais perspicazes especialistas no diário é Laureen
Nussbaum, que conheceu a família Frank desde a infância (depois da
guerra, Otto seria seu padrinho de casamento) e se tornou professora na
Universidade de Oregon. Ela foi a primeira a observar que o rascunho
revisado, ou “b” – a versão do texto da própria Anne – nunca foi publicado
como um volume independente.22 A edição definitiva de 1995, comentou
Nussbaum, apenas turvou ainda mais as águas, já que muitos dos cortes que
restaurou (as reflexões de Anne sobre sua sexualidade e suas explosões de
raiva com a mãe) eram seções que a própria Anne havia retirado do livro
que desejava publicar.

DEPOIS DE DEDICAR O TEMPO NECESSÁRIO a compreender o que a edição


crítica continha e as implicações das versões alternativas, compreendi que
escrever sobre Anne Frank como artista seria mais complicado que uma
leitura minuciosa direta de O diário de Anne Frank. Subitamente, era como
se Anne tivesse escrito dois livros – pelo menos – que precisavam ser
considerados.
O primeiro era o diário que teve, e continua tendo, um efeito tão
poderoso sobre os leitores, o livro que foi adaptado para a Broadway e
Hollywood, e que ainda é ensinado em salas de aula em toda parte. Essa é a
chamada versão “c”. Qualquer discussão sobre a influência de Anne, a
intensidade com que seu diário comoveu os fãs e as maneiras como sua
“mensagem” foi interpretada exige que vejamos a versão “c” (seja o que for
que possamos pensar dos sucessivos rascunhos, ou da edição de Otto Frank)
como se ela fosse a única versão do diário. O que, de fato, ela é – exceto
para os poucos leitores, entre milhões, que têm razões profissionais ou
privadas para estudar paralelamente o diário publicado e os rascunhos
alternativos.
Ao mesmo tempo, parecia uma injustiça contra Anne Frank como
escritora ignorar o que os rascunhos variantes fornecem: evidências de seu
processo criativo, seus dons para a revisão, suas primeiras ideias e suas
reconsiderações sobre como queria retratar a si mesma e aqueles que a
cercavam. O que foi acrescentado ao livro, e perdido dele, durante aqueles
meses finais em que Anne reescreveu febrilmente – nas folhas soltas
coloridas – as observações, reflexões e autoimagem de um eu anterior?
Mas isso era apenas parte das complexidades envolvidas. Quando
comecei a pensar em escrever sobre o diário, tinha apenas uma vaga noção
das controvérsias que ele inspirara. Sabia que a obra de Anne e sua
significação simbólica tinham incitado batalhas que se estendiam muito
além do próprio livro. Ouvira falar que a jornada do diário da página
impressa para o palco e para a tela havia sido cheia de percalços, mas não
tinha ideia de que envolvera processos, traições e alianças, acusações de
plágio e quebra de contrato, e paranoia obsessiva relacionada a
conspirações sionistas ou stalinistas. Poucos outros escritores geraram uma
emoção tão intensa, uma possessividade tão arrebatada, tantas discussões
sobre quem tem o direito de falar em nome dela, e sobre o que seu livro
representa e deixa de representar. Poucos tiveram tamanho efeito sobre o
mundo e inspiraram o tipo de devoção que envolve mais frequentemente a
figura de um líder religioso, ou um santo.

UMA DAS MARCAS DE UMA OBRA DE ARTE é a tenacidade com que ela se agarra
à nossa memória. O diário de Anne Frank faz jus a esse status como
consequência da impressão indelével que sua “trama” e seus “personagens”
deixam nos leitores. Décadas depois de sua publicação, o ingresso no anexo
continua sendo a porta através da qual novos leitores, muitos deles jovens,
penetrarão pela primeira vez no momento histórico em que ele foi escrito.
Quando o livro é ensinado em salas de aula no mundo inteiro, lições de todo
tipo – com frequência edificantes, ocasionalmente peculiares, e muitas
vezes bastante diferentes do que Anne Frank poderia ter pretendido – são
extraídas de suas páginas. O diário de Anne é um dos textos mais
comumente lidos e estudados por homens e mulheres encarcerados em
prisões dos Estados Unidos.
O livro foi traduzido para dúzias de línguas, há dezenas de milhões de
exemplares publicados. O grau em que a figura de Anne Frank permeou a
cultura mundial talvez possa ser visto no fato de que, no Japão (onde o livro
foi um enorme sucesso, vendendo 116 mil exemplares nos cinco primeiros
meses após a publicação), estar num “dia de Anne Frank” tornou-se
eufemismo para menstruação, um assunto que ela mencionou no diário.
Uma variedade de rosa batizada em homenagem a Anne Frank floresce
agora em todo o país.
Uma forma adicional de medir a aceitação do livro é avaliar o alvoroço
gerado por cada nova revelação sobre a vida de Anne ou sobre seu diário.
No dia 10 de setembro de 1998, o The New York Times publicou um ensaio
de 2 mil palavras, iniciando na primeira página, intitulado “Cinco páginas
preciosas reacendem disputas em torno de Anne Frank”23 e com o subtítulo
“Uma página há muito subtraída do diário de Anne Frank revela
dificuldades com sua mãe. ‘Eu não posso falar com ela, não posso olhar
com amor aqueles olhos frios, não posso. Nunca!’.” É difícil pensar em
outro texto literário – um soneto perdido de Shakespeare? Um versículo da
Bíblia anteriormente desconhecido? – cuja descoberta teria sido recebida
com uma cobertura tão chamativa, em especial se a passagem dissesse
respeito à opinião de uma menina sobre o casamento dos pais.
No entanto, outra importante notícia surgiu em 2005 quando um
conjunto de cartas foi descoberto no instituto YIVO de Nova York,
documentando as tentativas desesperadas de Otto Frank de conseguir asilo
para sua família nos Estados Unidos ou em Cuba. Essas cartas inspiraram
um congressista de Long Island a fazer uma campanha – em vão – em prol
da concessão de cidadania americana honorária para Anne Frank como uma
reparação parcial pela recusa do governo dos Estados Unidos a salvar os
Frank.
Uma série de filmes e peças de teatro tentou contar a história de Anne,
com variados graus de sucesso. Anne Frank Remembered, de Jon Blair,
ganhou o Oscar de melhor documentário de longa-metragem em 1996.
Filmes e docudramasa incluíram “recriações” em que atores representaram
os Frank e seus vizinhos, e um filme feito para televisão, Who Betrayed
Anne Frank?, transforma a história num policial com o tipo de trilha sonora
ameaçadora que associamos a espetáculos sobre o enigma do
desaparecimento dos maias. No New York Fringe Theater Festival de 2007,
Days and Nights: Page 121, Lines 11 and 12 apresentou atores
reconhecíveis como os personagens do diário de Anne, mas que – na peça
de Marc Stuart Weitz – passavam seu tempo no sótão recitando A gaivota
de Tchekhov. O filme hip-hop de 2003, Anne B. Real, gira em torno de uma
rapper que encontra inspiração na história de Anne Frank; o livro de
sucesso The Freedom Writers Diary e o filme subsequente, Escritores da
liberdade, descrevem como certa sala de aula numa região urbana
decadente foi revigorada por um diário escrito durante uma guerra sobre a
qual poucos alunos sabiam grande coisa. A história de Anne foi até
transformada num desenho animado japonês, Anne no Nikki.
Em 1998, a banda indie Neutral Milk Hotel lançou In the Aeroplane
over the Sea, um álbum de músicas parcialmente inspiradas pela vida e a
morte de Anne Frank. Dez anos depois, um musical adaptado a partir do
diário – The Diary of Anne Frank: A Song to Life – estreou em Madri. Um
espetáculo de marionetes baseado no diário foi apresentado para plateias
lotadas em Atlanta, enquanto um episódio do programa de TV 60 Minutes
denunciou que estudantes na Coreia do Norte estavam recebendo a tarefa de
ler o diário de Anne com instruções para pensar em George W. Bush como
Hitler e nos americanos como os nazistas que desejavam exterminar os
norte-coreanos.
Livros de não ficção e de ficção desenvolveram o que Anne confiou a
seu diário e foram inspirados por isso. Periodicamente, a indústria editorial
descobre o diário de guerra de algum jovem desafortunado e promove seu
autor como a Anne Frank da Sérvia, ou da Polônia ou do Vietnã, ou
qualquer lugar em que crianças tenham sido vítimas dos adultos. O romance
de 1979 de Philip Roth, Diário de uma ilusão, inclui uma longa meditação
sobre Anne Frank e seu diário, ocasionada pela fantasia de Nathan
Zuckerman de que a bela amante de seu ídolo literário é Anne Frank – que
não só teria sobrevivido aos campos mas ido para os Estados Unidos, onde
viveria sob pseudônimo e teria arranjado um emprego de arquivista para o
namorado. O personagem “Anne Frank” de Roth, Amy Bellette, reaparece,
mais velha e doente, em um romance de 2007, Fantasma sai de cena.
Também em 2007, jornais no mundo todo noticiaram que,
enfraquecida por idade e doença, a castanheira do lado de fora do anexo
secreto estava sob o risco de ser abatida. As emoções se exaltaram durante
o debate sobre se a frondosa mensageira que levara a Anne notícias sobre a
mudança das estações podia ser salva. No momento em que escrevo isto, a
velha e valente árvore luta no quintal do antigo armazém onde a família
Frank se escondeu, e planos estão sendo feitos para importar e plantar dez
mudas da árvore nos Estados Unidos.

a Docudrama é um neologismo criado para classificar um filme televisivo ou cinematográfico que


combine características da ficção e do documentário. Geralmente, aplica-se a obras ficcionais que
dramatizem ou ilustrem fatos, sejam estes recentes ou históricos. Dentre vários exemplos, pode-se
citar filmes como Boa noite e boa sorte (2005), de George Clooney, e United 93 (2006), de Paul
Greengrass. (N.T.)
2. A vida

UM PROBLEMA COM QUE TODO ESCRITOR de ficção ou não ficção se defronta é


a questão dos antecedentes. Quanto um leitor precisa saber para
compreender o que o autor está tentando transmitir? Numa entrada do diário
datada de 20 de junho de 1942, mas escrita quase dois anos depois, Anne
reconhece a necessidade de dar a Kitty, sua confidente imaginária,
informação suficiente para lhe permitir acompanhar a narrativa: “Não quero
anotar neste diário fatos banais do jeito que a maioria faz … Como ninguém
entenderia uma palavra de minhas histórias contadas a Kitty se eu
começasse a escrever sem mais nem menos, é melhor fazer um breve
resumo de minha vida.”1
Retornarei a esta entrada mais tarde, mas, de passagem, observemos a
frase: “Ninguém entenderia uma palavra de minhas histórias contadas a
Kitty se eu começasse a escrever sem mais nem menos.” Isto não só sugere
que se trata de algo mais do que uma menina fazendo confidências a seu
diário, como contradiz o que Anne diz na mesma entrada: “E como não
estou planejando deixar ninguém mais ler este caderno de capa dura que
costumamos chamar de ‘diário’, a menos que algum dia encontre um
verdadeiro amigo, menino ou menina, isso provavelmente não vai fazer a
menor diferença.”
O resumo que se segue, presumivelmente destinado a esse “verdadeiro
amigo”, e na verdade a um público mais amplo, dificilmente poderia ser
mais econômico ou conciso. Anne começa explicando que o pai tinha 36
anos quando se casou com a mãe, que tinha 25; que a irmã, Margot, nasceu
em 1926 em Frankfurt, e que ela mesma – Annelies Marie Frank – nasceu
três anos depois, em 12 de junho de 1929.
Em maio de 1944, Anne pergunta a Kitty se algum dia realmente lhe
falou sobre sua família e começa a detalhar seu resumo anterior. Explica
que seu pai nasceu em Frankfurt, onde o avô da menina, Michael Frank, era
dono de um banco. Quando rapaz, Otto frequentava bailes, e havia festas
toda semana. Cercado por moças bonitas, ele gostava de valsar e de jantares
opulentos. Depois da morte de Michael, grande parte do dinheiro se perdeu;
a guerra e a inflação levaram o que sobrara. Como Anne informa a Kitty,
sua mãe não era tão rica, mas ainda havia bastante dinheiro, e Edith muitas
vezes encantava as filhas com histórias sobre festas de noivado com 250
convidados.
A nostalgia pouco característica de Anne pela riqueza perdida e a
infância privilegiada dos pais foi precipitada pela deterioração das
condições de vida no anexo. Desde a prisão do cambista de cupons em
quem Miep confiava, os judeus escondidos ou passavam fome ou eram
obrigados a comer comida estragada. Como se sua dieta já não fosse
suficientemente atroz, Miep – com a melhor das intenções, como sempre –
tentou alegrá-los com uma história sobre uma festa de noivado a que
comparecera. Na celebração, os anfitriões haviam servido sopa de legumes
com almôndegas, queijo, pãezinhos, rosbife, bolos e vinho; esse invejável
menu inspirou, na faminta jovem escritora, uma piada pouco característica à
custa de seus queridos ajudantes (“Miep bebeu dez schnapps e fumou três
cigarros – será que era a mesma pessoa que conosco defendia a moderação?
Se Miep bebeu tudo isso, imagino quanto o seu marido conseguiu
entornar.”)2 que Otto eliminou do diário publicado.
Seja como for, a descrição de Miep levou Anne a comparar as delícias
fora do anexo com as privações lá dentro, e o presente com o passado.

Miep nos deixou com água na boca ao falar da comida … Nós, que só temos duas colheres de
mingau quente no café da manhã e estamos absolutamente famintos; nós, que só temos
espinafres meio cozidos (por causa das vitaminas!) e batatas podres dia após dia; nós, que só
colocamos alface cozida, alface crua, espinafre, espinafre e mais espinafre em nossos
estômagos vazios. Talvez terminemos fortes como Popeye, mas até agora não vejo o menor
sinal disso!
Se Miep nos tivesse levado à festa, não sobraria nenhum bolinho para os outros convidados.
Se estivéssemos lá, teríamos agarrado tudo, incluindo a mobília. … E estas são as netas de um
milionário. O mundo é um hospício!3

EMBORA NÃO EXATAMENTE O MILIONÁRIO que sua neta imaginava, Michael


Frank foi o fundador do Banco Michael Frank, sediado em Frankfurt, onde
Otto cresceu numa comunidade judaico-alemã muito unida, cercado por
arte e boa mobília. Por empregados. Festas toda semana.
Depois de um semestre em Heidelberg, Otto deixou a universidade e
viajou para Nova York com um colega de escola, Nathan Straus, cuja
família era proprietária da loja de departamentos Macy’s. Otto trabalhou na
loja até 1909, quando foi chamado de volta à Alemanha para cuidar das
finanças da família após a morte súbita do pai. Como os irmãos Herbert e
Robert, Otto serviu no exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial.
Tendo feito parte de uma unidade de telemetria, ele combateu num corpo de
infantaria composto principalmente por topógrafos e matemáticos. Até o
fim da guerra, chegara à patente de tenente, e em 1925 casou-se com Edith
Hollander, cujo pai dirigia um bem-sucedido negócio de ferro-velho.
Otto passou o início da sua vida adulta tentando salvar o banco da
família, o qual soçobrava gradativamente, debilitado por crises políticas e
pessoais: a guerra, a hiperinflação, a quebra da bolsa de valores, a Grande
Depressão, um escândalo em que Herbert, irmão de Otto, foi acusado de
realizar transações ilegais com títulos estrangeiros, e o fim da democracia
de Weimar.
Embora tenha sido acusado de se recusar teimosamente a compreender
as implicações da ascensão do Nacional Socialismo e a prever a ameaça que
isso representaria para sua subsistência e sua família, Otto tinha de fato
talento para avaliar a situação em que se encontrava e para agir sob estresse.
Muitos anos depois, o produtor e os teatrólogos que levaram o diário de
Anne para a Broadway observaram que Otto era não só o pai amoroso e
sofrido de uma menina assassinada, mas um homem de negócios
habilidoso, que compreendia as ramificações práticas e financeiras do
sucesso do diário.
Tendo aberto e depois liquidado uma sucursal do banco de Michael
Frank em Amsterdam, nos anos 1920, Otto conhecia e apreciava a capital
holandesa. Havia feito contatos ali que se provariam úteis quando, em 1933,
Hitler foi nomeado chanceler e as leis antijudaicas cada vez mais perversas
dos nazistas o convenceram de que a opção mais sábia seria deixar a
Alemanha e transferir a mulher e as filhas para a ilusória segurança da
Holanda.
Anne conclui a passagem sobre a festa de noivado descrita por Miep e
sobre a degringolada da família Frank: “Por isso, papai foi muito bem
criado, e teve de rir ontem porque, pela primeira vez na vida, raspou a
frigideira na mesa.”

A ENTRADA DATADA DE 20 DE JUNHO DE 1942 continua: “Como somos judeus,


emigramos para a Holanda em 1933 …”4 Como qualquer escritor
competente sabiamente determinado a omitir detalhes desnecessários, Anne
nos leva diretamente à emigração que se tornou urgente porque “somos
judeus”.
Em 1933, por volta do momento em que as tropas de assalto nazistas
iniciaram um boicote aos estabelecimentos comerciais judaicos, os Frank
deram adeus a Frankfurt. Otto fechou o banco de Michael Frank, deixou
Edith e as meninas com sua sogra em Aachen, e foi na frente para
Amsterdam. Ali, com a ajuda do cunhado Erich Elias, que havia emigrado
para a Basileia e trabalhava na sucursal suíça de uma empresa alemã
vendendo agentes gelificantes para geleias e compotas, Otto estabeleceu
uma filial do fornecedor de pectina Opekta, com um mercado limitado,
restrito a clientes privados. Alguns anos depois, Otto fundaria uma segunda
empresa, a Pectacon, que negociava temperos e condimentos. Ele fora
criado para gerir um banco, mas – negócios eram negócios – soube se
adaptar. Podia proteger e sustentar sua família, a qual sempre considerou
sua prioridade máxima.
Pouco tempo depois, Edith – que fizera várias viagens para ajudar Otto
a encontrar uma nova residência – juntou-se ao marido. Em dezembro,
Margot estava com os pais em Amsterdam. Em fevereiro de 1934, os Frank
decidiram que Anne deveria aparecer como uma surpresa de aniversário
para a irmã mais velha; segundo o relato familiar, a pequena Anne foi
colocada de súbito sobre a mesa, como um presente. Assim ela se reuniu ao
resto da família em sua casa na Merwedeplein 37, num distrito recém-
criado no sul de Amsterdam, o Bairro dos Rios, que se tornara um ímã para
refugiados judeus alemães.
A região, e a casa dos Frank, tornaram-se o centro de uma
comunidade. Os pais das meninas que brincavam com Anne os visitavam
nos fins de semana e feriados. No Purim, em 1938 ou 1939, quando as
notícias da violência dos nazistas contra os judeus se tornavam mais
perturbadoras, o pai de uma das amigas de Anne surpreendeu e divertiu os
outros pais fantasiando-se de Hitler e perfilando-se em posição de sentido
quando eles saíram para ver quem tinha tocado a campainha.
Já uma leitora, Anne foi matriculada no progressista jardim de infância
montessoriano, a uma curta caminhada do novo apartamento dos Frank.
Logo, muito mais rapidamente que a mãe, ela aprendeu a funcionar numa
nova língua.
Um bebê exigente e com frequência doente, Anne se transformou
numa criança difícil – volúvel, rabugenta, temperamental; ora sociável, ora
tímida. Artista nata, gostava de desencaixar o cotovelo para chamar a
atenção dos amigos. Era mandona, dramática e franca. Tinha apenas quatro
anos quando, ao embarcar num bonde lotado com sua querida avó Oma
Hollander em Aachen, perguntou: “Ninguém vai oferecer um assento para
esta velha senhora?”
Em Amsterdam, Anne ficou muito próxima de Hanneli Goslar, a
“Lies” com quem mais tarde teria um pesadelo que descreve no diário. (“Eu
a vi ali, vestida de trapos, o rosto magro e desgastado.”) Uma refugiada
alemã que chegara à Holanda mais ou menos na mesma época que Anne,
Hanneli a conheceu num armazém; suas mães ficaram satisfeitas por
encontrar alguém com quem podiam falar em alemão. Os Frank visitavam
os pais de Hanneli Goslar todas as noites de sexta-feira, e as duas famílias
celebravam a Páscoa judaica juntas. Em certo momento, Ruth, a mãe de
Hanneli, diria a respeito de Anne: “Deus sabe tudo, mas Anne sabe tudo
melhor.”5
No jardim de infância montessoriano, a teoria reinante era que os
adultos deveriam estimular as crianças a florescer, a crescer e ter voz na
decisão do que elas desejavam fazer – e do tipo de pessoa que queriam ser.
Otto e Edith Frank concordavam; mais tarde, no anexo, os Van Pels
criticariam muitas vezes os Frank por suas ideias “modernas” sobre a
educação das crianças.
Por natureza mais indulgente que a mulher, Otto era, talvez em
consequência, mais benquisto não só por suas filhas como também pelas
amigas das meninas. Bonitão, alto, paciente e cortês, Otto era o tipo de pai
que ensinava às crianças da vizinhança a andar de bicicleta. Como nos
apiedamos da convencional e ansiosa Edith Frank, insegura, rígida e
superada de longe pelo foguete que era a filha, a quem seu marido adorava.
Um dia depois de conhecer Anne num armazém, Hanneli ingressou no
jardim de infância montessoriano, onde, não conhecendo a língua nem
nenhuma das outras crianças, ficou extremamente aliviada ao ver Anne, de
costas, tocando música com sinos. Anne se virou, viu Hanneli, correu para
ela e abraçou-a. “Dali em diante fomos amigas.”6 As amizades de Anne,
como as de muitas meninas da sua idade, tinham a intensidade dos casos de
amor, com todos os ciúmes, brigas, separações e reconciliações
concomitantes. Sua alegria e generosidade afetuosa, impulsiva, punham-na
no centro de um grupinho muito unido que incluía Hanneli Goslar e
Susanne Lederman. Esse pequeno trio exclusivo era conhecido na
vizinhança como Anne, Hanne e Sanne.
Eva Geiringer-Schloss, que morava perto de Anne na Merwedeplein,
chegou de Viena, passando por Bruxelas, em 1940. Depois da guerra, sua
mãe, Fritzi, se casaria com o viúvo Otto Frank. Em suas memórias, Eva’s
Story, a ex-colega de classe de Anne descreve o trio “inseparável” Anne-
Hanne-Sanne como sendo mais sofisticadas, mais semelhantes a
adolescentes, que as outras meninas, a quem as três eleitas – conversando
entre risinhos sobre meninos, moda e revistas de cinema – viam com mal
disfarçado desdém. Elas eram notoriamente loucas por meninos,
especialmente Anne. Segundo uma amiga, Anne supunha que todos os
meninos queriam namorá-la. Hanneli Goslar observou que Anne estava
sempre “cuidando” de seu cabelo comprido. “Seu cabelo a mantinha
ocupada o tempo todo.”7
As lembranças de Eva da invejável elegância de Anne incluem esta
história reveladora:
Um vez, quando Mutti me levou à costureira local para mandar reformar um casaco, estávamos
sentadas esperando a nossa vez e ouvimos a costureira conversar com sua cliente dentro da
cabine de prova. A cliente estava muito decidida a ter tudo impecável.
“Ficaria melhor com ombreiras maiores”, pudemos ouvi-la dizer num tom de voz autoritário,
“e a barra deveria ficar um pouquinho acima, não acha?”
Em seguida ouvimos a costureira concordar com ela e fiquei ali, desejando que me
deixassem escolher exatamente o que eu queria vestir. Fiquei estupefata quando as cortinas se
abriram e lá estava Anne, completamente sozinha, tomando decisões sobre seu próprio vestido.
Ele era cor de pêssego, com um debrum verde.
Ela sorriu para mim. “Gosta?”, perguntou, dando uma voltinha.8

Entrevistada por Ernst Schnabel, um romancista e dramaturgo que


serviu na marinha alemã durante a Segunda Guerra Mundial e escreveu em
1958 o livro No rasto de Anne Frank, a mãe de uma amiga de Anne, Jopie
van der Waal (Schnabel aproveitou o pseudônimo que Anne usara em seu
diário para Jacqueline van Maarsen), também se lembrava de fazer vestidos
para Anne. Mas lembrava-se principalmente da personalidade forte da
menina, seu desejo de ser uma escritora e seu precoce senso de identidade.
A frase “Ela sabia quem ela era” repete-se, como um refrão, ao longo de
toda a conversa, durante a qual a sra. Van der Waal descreveu a cerimônia e
o teatro com que Anne chegava para passar o fim de semana: “Quando
Anne vinha ficar conosco, sempre trazia uma mala. Uma mala, imagine só,
quando morávamos tão pertinho. A mala estava vazia, é claro, mas Anne
fazia questão dela, porque só a mala lhe dava a impressão de que estava
viajando.”9

UM TREMOR DE FILME CASEIRO. Vinte e dois de junho de 1941. A coisa toda


dura dez segundos.
As bicicletas que passam fornecem a única indicação de que estamos
na Holanda. O prédio residencial de tijolos da Merwedeplein parece mais
um dormitório para estudantes casados de uma universidade estadual
americana que as singulares casas que associamos a Amsterdam, situadas à
margem dos canais do centro da cidade.
A câmera espera do lado de fora de uma porta, espreitando um vão de
escada. Em busca de alguma coisa para focalizar, ela acompanha o lado de
um edifício. Nas janelas abertas estão moradores vizinhos, meninas e
mulheres jovens, os cotovelos apoiados nos peitoris, esperando. As
mulheres nas janelas alteram o aspecto da rua, de modo que a cena começa
a se assemelhar mais a uma aldeia no sul da Europa.
O par recém-casado aparece, de braços dados, o noivo de cartola,
bengala, e traje formal, a noiva num atraente conjunto claro, um elegante
chapéu de feltro branco e luvas; ela carrega um buquê. Eles descem os
degraus e param como astros de cinema obsequiando paparazzi. Passantes
se apoiam em suas bicicletas, contemplando.
De repente a câmera enquadra o céu e encontra Anne Frank, olhando
de sua janela. Ela se vira e fala com alguém dentro do apartamento. Volta a
olhar para o casal, depois para outro lugar. A câmera parece perder o
interesse. Espia mais alguns espectadores, depois retorna à rua de
Amsterdam.
No site do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, você
pode ver esses poucos segundos de Anne num filme, num close-up
embaçado e granuloso. A linguagem corporal da menina é rápida, elétrica.
Uma brisa, ou talvez o movimento de seu corpo, levanta seu cabelo quando
ela se vira, e seus olhos se tornam pequenas manchas escuras enquanto ela
observa o casal de noivos embaixo.
Por mais que estejamos familiarizados com imagens de Anne Frank,
por mais que acreditemos estar acostumados com a visão de seu bonito
rosto, o filme penetra qualquer armadura que imaginemos ter desenvolvido.
É sempre chocantemente curto e sempre a mesma coisa, e no entanto nunca
ficamos de todo seguros do que vimos ou deixamos de ver. Menos do que
assistir a um fragmento de filme, é como ter um daqueles sonhos em que
vemos um ser amado ou um amigo que há muito perdemos. No sonho, a
pessoa não está de fato morta. Com certeza estávamos enganados.
Acordamos, e levamos alguns minutos para compreender por que o sonho
foi tão cruelmente enganoso.
O filme foi feito por um amigo do noivo, que ainda tinha a fita quando
Ernst Schnabel o entrevistou para No rasto de Anne Frank. O noivo,
identificado somente como dr. K., exibiu-o numa tela com um projetor de
cinema caseiro. Ele explicou que não conhecia Anne Frank, e que sua
mulher, a noiva no filme,
a conhecia apenas de seu tempo de menina na Merwedeplein, simplesmente como conhecemos
as crianças da vizinhança, de vê-las na rua e cumprimentá-las de manhã cedo. O amigo que
filmara o casamento também não conhecia Anne, e o doutor imagina que sobrara um pedacinho
de filme no rolo, com que não se poderia fazer nada, e assim seu amigo simplesmente havia
filmado qualquer coisa ao acaso. Ele certamente nunca imaginara que, graças ao acaso, captaria
em sua lente dez segundos de história.10

DA ENTRADA DE 20 DE JUNHO DE 1942:

Levávamos uma vida cheia de ansiedade, pois nossos parentes na Alemanha estavam sofrendo
com as leis de Hitler contra os judeus. Depois dos pogroms de 1938, meus dois tios (irmãos de
minha mãe) fugiram da Alemanha, refugiando-se na América do Norte. Minha avó idosa veio
morar conosco. Na época estava com 73 anos. Depois de maio de 1940, os bons tempos se
acabaram rapidamente: primeiro veio a guerra, depois a capitulação, em seguida, a chegada dos
alemães, e foi então que os sofrimentos dos judeus realmente começaram.11

Otto Frank foi inteligente o bastante para abandonar a Alemanha bons


cinco anos antes da anarquia de vidraças quebradas, intimidação e violência
de gangues que ficaria conhecida como Kristallnacht. E chegou à Holanda
antes que os holandeses tivessem tido tempo de ficar alarmados pelo
número crescente de refugiados judeus que atravessavam a fronteira alemã.
Em 1939, quando a mãe de Edith finalmente deixou a Alemanha e foi
morar com os Frank, o influxo de judeus era tão intenso que o governo
holandês decidiu construir uma estação de reassentamento no centro do
país, um local a que a rainha Guilhermina se opôs porque era próximo
demais de sua propriedade. O campo proposto, que deveria ser financiado
por organizações judaicas, foi transferido para Westerbork, no nordeste
úmido, frio, arenoso e infestado por moscas. Mais tarde, com a simplicidade
com que se invertem as dobradiças de uma porta, o pestilento campo foi
transformado num centro de detenção para judeus que estavam sendo
expulsos do país pelos nazistas. Dezenas de milhares, inclusive os Frank e
os Van Pels, foram deportados de Westerbork para suas mortes no leste.
Os holandeses continuaram tão convencidos de que sua neutralidade
seria respeitada que, quando a invasão alemã começou, em 10 de maio de
1940, até jornalistas holandeses mais experientes ignoraram as evidências
que estouravam aos seus ouvidos:

Todos os correspondentes relatam estranhos ruídos que têm sido audíveis ao longo da fronteira
desde o cair da noite. O intenso ronco de motores, explosões e outros barulhos mais difíceis de
identificar. Também latidos irritados, aparentemente de cães de fazendas assustados, e os
mugidos de gado inquieto.12

A batalha durou cinco dias. Perto do fim, os nazistas ameaçaram


bombardear Roterdam se os holandeses se recusassem a se render, e quando
as negociações estancaram, os nazistas cumpriram a ameaça, matando 900
pessoas. Os holandeses capitularam rapidamente. A rainha Guilhermina
tentou se juntar à resistência no sul, mas foi convencida a fugir para a Grã-
Bretanha e formar um governo no exílio. Após tentar fugir de barco, mais
de 150 judeus cometeram suicídio em 15 e 16 de maio, quando os alemães
marcharam sobre Amsterdam. Foi então que, como Anne escreveu quatro
anos depois, na frase que a menina de 15 anos encontrou para expressar a
inocência de seu eu mais jovem, “os bons tempos se acabaram
rapidamente”.
Na verdade, os bons tempos duraram um pouquinho mais na Holanda
que em outros países ocupados pelos nazistas, em parte porque os invasores
desejavam preservar boas relações com os holandeses, companheiros
arianos que, segundo esperavam, poderiam apreciar a oportunidade de se
unir a uma Alemanha ampliada etnicamente pura. Mas, apesar do ritmo
gradativo com que os nazistas implementaram os regulamentos antijudaicos
na Holanda, suas intenções logo ficaram claras.
No outono, todas as empresas comerciais pertencentes a judeus foram
obrigadas a se registrar junto aos órgãos governamentais apropriados.
Durante os meses seguintes, os judeus foram exonerados de cargos
universitários e governamentais. Jornais judaicos foram fechados. Um
jornal estudantil ilegal anunciou que um “pogrom frio” havia começado.
Em janeiro de 1941, todos os judeus holandeses foram obrigados a se
registrar junto ao Estado e foram banidos dos cinemas. Isso deve ter sido
um grande desgosto para Anne, deslumbrada com os astros do cinema, que
omite esse fato como a razão para oferecer a seus amigos uma exibição
privada de um filme de Rin Tin Tin em sua festa de aniversário em junho de
1942. Naquela altura, as necessidades básicas da vida – alimentos,
transporte, moradia, segurança – haviam se tornado problemáticas para
famílias judias. Apesar disso, os Frank mandaram biscoitos para a escola de
modo que Anne pudesse comemorar seu aniversário ali também, e
encontraram uma maneira de agradar “muitos meninos e meninas”.
Otto e Edith faziam todo o possível para normalizar a existência diária
cada vez mais restrita da família. Se as crianças não podiam ir ao cinema,
podiam assistir a Rin Tin Tin em casa. Em sua primeira visita ao
apartamento dos Frank, Miep Gies observou brinquedos, desenhos e outros
sinais de que as crianças “dominavam a casa”. Mais tarde, percebeu que as
conversas dos adultos eram abruptamente interrompidas quando as meninas
apareciam, só recomeçando depois que elas tinham terminado seu bolo e
saído da sala.
Quando descreve como se diverte com seu clube de pingue-pongue nas
únicas sorveterias em que a entrada de judeus ainda era permitida, Anne
não menciona o incidente na Koco, um estabelecimento similar que foi
cenário de uma batalha entre a polícia alemã e fregueses judeus. O incidente
levou à execução do proprietário judeu-alemão da Koco, que se recusou,
sob tortura, a revelar o nome da pessoa que tivera a ideia de improvisar um
dispositivo para borrifar amoníaco nos nazistas.
Os judeus foram proibidos de doar sangue, sentar-se nos bancos dos
parques, assistir a corridas de cavalos ou viajar. Os jornais nazistas
celebraram a exclusão dos judeus das praias do país: “Nosso mar do Norte
não servirá mais para banhar gordos corpos judeus.”13
À medida que a violência política crescia, cidadãos holandeses
começaram a assistir ao arrebanhamento de judeus nas ruas. Em represália a
uma briga de rua em que um nazista holandês foi morto, 400 rapazes foram
detidos como “reféns” numa batida policial que começou na noite de 22 de
fevereiro de 1941 e continuou na manhã seguinte. Exasperados, os
sindicatos e movimentos de trabalhadores organizaram uma greve geral que
paralisou Amsterdam. Os nazistas impuseram um toque de recolher,
fuzilaram quatro grevistas e prenderam outros 22. A greve terminou dois
dias depois, ou, como Miep Gies recorda de forma otimista, durou “três dias
maravilhosos”.14 Os 400 reféns foram enviados primeiro para Buchenwald e
depois, como punição pelo fato de o Conselho Judaico ter pedido sua
libertação, para o campo de trabalhos forçados em Mauthausen, onde o
comandante deu ao filho, como presente de aniversário, 50 judeus para a
prática de tiro ao alvo, e onde quase todos os 400 reféns morreram.
Durante a primavera e o verão em que o filme de dez segundos dos
noivos foi feito, os judeus foram proibidos de frequentar parques,
zoológicos, cafés, museus, bibliotecas públicas e leilões. Não admira que
tantos moradores da Merwedeplein não tivessem nada para fazer num
ensolarado dia de junho senão observar um par de recém-casados descer um
lance de escadas.
Naquele outono, outra lei tornou ilegal para crianças judias frequentar
as mesmas escolas que crianças cristãs; durante todo o verão, os
funcionários do sistema educacional holandês haviam feito serão no
trabalho para assegurar que o sistema segregado estivesse em condições de
funcionar no início do período letivo do outono. Uma professora na escola
montessoriana que Anne foi obrigada a abandonar lembrou que eles
perderam 87 alunos em consequência do novo decreto. Até então, não
tinham se dado conta de que tantos de seus alunos eram judeus. Dessas 87
crianças, somente 20 sobreviveriam à guerra.
Várias breves reminiscências reunidas em Contos do esconderijo
dizem respeito à experiência de Anne no Liceu Judaico, para o qual ela e
Margot foram transferidas depois que a decisão foi aplicada. Em “Meu
primeiro dia no Liceu”, Anne descreve que teve mais medo de ter de
estudar geometria que da lei que a obrigara a mudar de escola. Ela conta
que sentia pouca simpatia por uma professora de cabelo grisalho, tímida,
que “torcia as mãos” quando dava avisos organizacionais. Talvez o gesto de
torcer as mãos tivesse a ver com uma premonição sobre as políticas
educacionais nazistas, um temor que teria parecido menos urgente para as
crianças que se adaptavam ao novo ambiente. Pesquisas feitas depois da
guerra mostraram que muitas crianças gostaram do tempo passado no Liceu
Judaico; houve reuniões de reencontro, em que sobreviventes recordaram
como se sentiam felizes por estar numa escola em que se achavam seguros,
ainda que temporariamente.
Qualquer ansiedade que Anne tivesse experimentado foi dissipada
quando conseguiu fazer com que sua amiga Lies (Hanneli Goslar) fosse
transferida para sua classe. “A escola – que já tinha me dado tantas
vantagens e tanto prazer – estava agora sorrindo para mim, e comecei, meu
coração se alegrando de novo, a prestar atenção no que a professora de
geografia estava dizendo.”15
Outros esboços retratam o professor de matemática, que chamava
Anne de senhorita Quac Quac, e a instrutora de biologia, cujo assunto
favorito era a reprodução, “provavelmente porque ela é uma solteirona”.
Numa série de respostas às perguntas que Anne escreveu no caderno de
exercícios e intitulada “Você se lembra?”, com o subtítulo “Lembranças de
meus dias de escola no Liceu Judaico”, a maior seção é dedicada a um
incidente em que Anne e Lies, acusadas de colar numa prova de francês,
explicaram que a classe toda estava colando, e mais tarde escreveram uma
carta aos colegas pedindo desculpas pela delação. O texto termina com a
esperança de Anne de poder um dia desfrutar novamente dos
despreocupados tempos de escola.
O historiador Jacob Presser lecionava história no Liceu Judaico. No
verão de 1942, numa cerimônia para celebrar o primeiro aniversário do
liceu, um colega geralmente reservado e circunspecto disse a Presser que a
guerra estava se agravando a cada hora. Mais tarde, Presser ficaria sabendo
que o professor acabara de ouvir falar da proposta de deportações em
massa. À medida que as batidas e arrebanhamentos se tornavam mais
frequentes, muitas vezes havia lugares vazios na sala de aula. Presser
lembrou a pantomina com que ele e as crianças admitiam essas ausências. O
professor fazia um aceno de cabeça para a carteira vazia, e os outros ou
faziam um rápido gesto de mão, significando clandestinidade, ou fechavam
o punho, significando prisão. Tudo isso era feito em silêncio. Hanneli
Goslar lembrou que Presser caiu em pranto durante uma aula sobre o
Renascimento; sua jovem esposa, que seria morta na guerra, tinha sido
levada na noite anterior.
Depois da guerra, em cooperação com o Instituto Holandês para a
Documentação de Guerra, Presser se dedicaria a escrever uma história
definitiva do período, Queda: a perseguição e o extermínio dos judeus
holandeses. Entre os aspectos notáveis do livro está sua documentação do
respeito bizarro pelos procedimentos legais – a preocupação de que tudo
fosse feito de acordo com a letra da lei – que acompanhava a brutalidade
dos nazistas. Cada ordem privando os judeus de sua dignidade, sua
liberdade e sua capacidade de se sustentar incluía cláusulas e subcláusulas
destinadas a tornar tudo “claro”. Caso se descobrisse que uma lei era
“falha” – por exemplo, ao se perceber que os judeus obrigados a entregar
seus rádios estavam abrindo mão de aparelhos velhos ou estragados e
conservando modelos melhores –, promulgava-se uma nova lei,
modificando e aperfeiçoando a anterior. Os judeus eram obrigados a assinar
uma declaração jurando não ter substituído aparelhos inferiores, e aqueles
que já haviam entregado seus aparelhos eram chamados de volta para
preencher uma declaração. Quando foi decretado que judeus não podiam
mais andar em veículos motorizados, fez-se uma exceção para funerais; o
cadáver podia ser transportado num carro fúnebre, mas os acompanhantes
do enterro tinham de seguir a pé.
Em janeiro de 1942, os Frank se alistaram para “emigração
voluntária”. E em abril o Conselho Judaico, estabelecido para controlar e
pacificar a população judaica, distribuiu mais de meio milhão de estrelas
amarelas, com instruções sobre como deveriam ser usadas por todos os
judeus de mais de seis anos de idade. As estrelas obrigatórias eram
entregues junto com uma fatura: cada estrela custava alguns centavos e um
vale para tecidos. Um professor do Liceu Judaico se recusou a usar sua
estrela porque, disse ele, não admitia ser conduzido como um cordeiro para
o matadouro. Quando seus alunos argumentaram que lhes fora dito que a
estrela era uma insígnia de honra – como diz Anne nas versões
dramatizadas de seu diário –, o professor replicou que os que pensavam
assim deviam usá-la. No fim das contas ele cedeu, e sua mulher, chorando,
costurou a estrela a seu paletó. Uma semana depois, decidiu enfrentar as
consequências e retirou a estrela.16
Tantos holandeses passaram a usar também as estrelas amarelas em
solidariedade que, como conta Miep Gies, a área em que moravam no sul de
Amsterdam passou a ser chamada, jocosamente, de Via Láctea. Mas os
alemães deixaram claro que aquilo não era uma brincadeira, e depois de
algumas prisões só os judeus permaneceram usando suas insígnias de seis
pontas.
MAIS ADIANTE, NA ENTRADA DO DIA 20 DE JUNHO DE 1942, a carta introdutória
que acrescentou a suas revisões para levar Kitty (e futuros leitores de O
anexo secreto) ao ponto em que pretendia que seu livro se iniciasse, Anne
arrola os regulamentos e proibições que a afetaram mais profundamente: os
judeus foram proibidos de andar de bonde. Foram obrigados a entregar suas
bicicletas, a fazer suas compras de armazém entre as três e as cinco horas da
tarde, a ficar em casa entre oito da noite e seis da manhã. Foram banidos de
teatros e cinemas, de piscinas e de campos esportivos públicos, e estavam
proibidos de visitar cristãos.
“Você não podia fazer isso nem aquilo, mas a vida continuava. Jacque
sempre me dizia: ‘Eu não ouso fazer mais nada, porque tenho medo de ser
algo proibido.’ Nossa liberdade estava estritamente limitada. Mesmo assim,
as coisas ainda eram suportáveis.”17 (A “Jacque” a que Anne se refere aqui
é sua amiga Jacqueline van Maarsen.)
Como se para restaurar seu senso de perspectiva, Anne passa
rapidamente para a coisa insuportável. “Vovó morreu em janeiro de 1942.”
Em seguida retorna ao assunto de como as leis nazistas afetaram a sua vida,
como foi obrigada a se despedir de uma professora favorita ao ser
transferida para o Liceu Judaico.
A entrada se encerra assim: “Nós quatro ainda estamos bem, e isso me
traz ao dia de hoje e à inauguração solene de meu diário.”

Nós quatro ainda estamos bem.


Em 1º de dezembro de 1940, quase sete meses antes que a Alemanha
invadisse a Holanda, a empresa Opekta se havia mudado para uma nova
sede, no número 263 da Prinsengracht, onde, como disse Otto a seus
empregados, teria espaço para crescer. O negócio ia bem, especialmente
depois que Hermann van Pels – um amigo de Otto que dirigira uma fábrica
de temperos para carnes antes de também deixar a Alemanha pela Holanda
– fora trazido para supervisionar a sucursal, Pectacon, negociando
condimentos usados para fazer salsichas e picles. Isso permitiu à Opekta,
cujos produtos para a fabricação de geleias só tinham demanda no verão e
no outono, obter lucros o ano todo. Otto Frank e Hermann van Pels
trabalhavam juntos, moravam perto um do outro e, quando os projetos dos
nazistas para os judeus emergiram, fizeram planos de se esconder com as
famílias no anexo atrás do escritório. Van Pels apresentou Miep Gies a um
açougueiro amigo, que mais tarde forneceria carne para os judeus
escondidos.
Em janeiro de 1942, 15 oficiais nazistas graduados, entre os quais
Adolf Eichmann e Reynhard Heydrich, chefe do Serviço Central de
Segurança do Reich, encontraram-se em Wannsee, um subúrbio de Berlim à
beira de um lago, para rascunhar “a solução final para a questão judaica”.
Mais de meio milhão de judeus alemães e austríacos já haviam emigrado
desde 1933, e, na Conferência de Wannsee, Heydrich propôs esse
engenhoso e ambicioso plano para liquidar os que restavam na Europa:
No curso da Solução Final e sob comando apropriado, os judeus deveriam ser postos para
trabalhar no leste. Em grandes colunas de operários de um único sexo, os judeus aptos para o
trabalho avançarão para o leste construindo estradas. Sem dúvida, a grande maioria será
eliminada por causas naturais. E, sem dúvida, qualquer remanescente final que sobreviva
consistirá dos elementos mais resistentes. Será preciso lidar com eles apropriadamente, porque
do contrário, por seleção natural, formariam a célula germinal de um novo renascimento
judaico.18

A reunião de Wannsee foi difícil, mas produtiva, e depois dela, como


descreveu Eichmann, que seria responsável pela implementação dos novos
protocolos, seus colegas desfrutaram de uma muito merecida oportunidade
para relaxar: “No final, Heydrich estava fumando e tomando conhaque
perto de uma estufa. Sentamo-nos todos juntos como camaradas … não
para falar de trabalho, mas para descansar, depois de longas horas de
esforço.”19 Durante esse bate-papo descontraído, Eichmann e Heydrich
discutiram os detalhes de como “a solução final” seria posta em prática.
Já em 1938, Otto havia solicitado em Roterdam um visto que teria
permitido à sua família emigrar para os Estados Unidos. No ano seguinte,
porém, havia 300 mil solicitantes na lista de espera. Segundo as cartas
descobertas no YIVO em 2007, Otto começou a escrever em abril de 1941
para seu amigo de faculdade Nathan Straus, o herdeiro da loja de
departamentos Macy’s, que servia então como chefe da U.S. Housing
Authority, uma agência do New Deal.
Digno e polido, extraordinariamente contido em face do crescente
desespero de sua situação, Otto pedia o auxílio financeiro e político que
permitiria aos Frank deixar a Holanda. Pedia desculpas ao ex-colega por
importuná-lo e assegurava-lhe que não o faria se não fosse pelo bem de suas
filhas. Escritas entre abril e dezembro de 1941, essas cartas não tiveram
êxito, apesar do apoio dos dois irmãos de Edith, que moravam em
Massachusetts e estavam dispostos a se responsabilizar pela família e a se
comprometer a pagar suas passagens.
No fim das contas, a política de imigração dos Estados Unidos provou-
se inflexível demais para ceder mesmo à pressão de Straus. Otto considerou
a possibilidade de emigrar para Cuba; concederam-lhe um visto em 1º de
dezembro de 1941, que foi cancelado quando, alguns dias depois, os
Estados Unidos declararam guerra às potências do Eixo. Em janeiro de
1942, Otto solicitou novamente permissão para deixar a Holanda. Nessa
altura, porém, essas solicitações só podiam ser apresentadas ao Conselho
Judaico, que era incapaz de providenciar emigrações para qualquer outro
lugar exceto Westerbork – e a Polônia.
Em 20 de junho de 1942 – a data que Anne pôs na entrada em que
escreveu como era “estranho” que uma menina comum como ela
mantivesse um diário, e batizou seu livrinho de Kitty –, Adolf Eichmann e
Franz Rademacher, um funcionário virulentamente antissemita no
Ministério das Relações Exteriores em Berlim, concordaram que 40 mil
judeus holandeses deveriam ser enviados para Auschwitz. Depois de muita
negociação, o Conselho Judaico concordou em propor 350 nomes por dia, e
foi decidido que as deportações começariam no dia 5 de julho. Até o fim de
julho, 6 mil judeus tinham sido deportados.
Entre os países europeus sob controle nazista, foi a Holanda que
perdeu a maior percentagem de judeus, depois apenas da Polônia; mais de
três quartos deles foram mortos. Vários fatores contribuíram para o sinistro
recorde da Holanda. Os Países Baixos estavam cercados por território
ocupado, o que tornava a fuga mais difícil. O território não possuía florestas
e áreas subpovoadas em que pessoas pudessem se esconder. A captura dos
judeus foi auxiliada pelos hipereficientes serviços de registro holandeses,
que tornaram fácil para os alemães encontrá-los, e pela incredulidade inicial
e persistente dos holandeses judeus e não judeus.
Para cada militante da Resistência e corajoso cidadão holandês que se
arriscou à prisão ou à morte para esconder judeus em perigo, outros se
mostraram incapazes ou indispostos a ajudar, e de fato fizeram tudo que era
necessário para apaziguar os alemães. Funcionários municipais carimbavam
jotas em documentos de identidade, apreendiam rádios e bicicletas de
judeus e enviavam os judeus desempregados para campos de trabalhos
forçados. Trabalhadores holandeses tratavam de assegurar que as bicicletas
confiscadas estivessem em perfeito estado e fossem equipadas com tubos e
pneus sobressalentes fornecidos pelos judeus que as entregavam. Segundo
um funcionário público holandês, “Muitas vezes fazíamos um esforço para
estar à frente dos alemães, para fazer o que supúnhamos que alemães iriam
fazer, ou pelo menos o que supúnhamos que os alemães iriam apreciar.”20
Quem pode dizer, com convicção, o que teria feito no lugar deles? O
povo holandês sabia que sua segurança e sustento e a sobrevivência de suas
famílias estavam em jogo. “Todos tinham uma família para sustentar: o
senso de responsabilidade em relação à família nunca foi maior que
durante os anos da ocupação”,21 foi o amargo comentário de um herói da
Resistência holandesa, Henk von Randwijk.
Como nunca houve mais de 200 policiais alemães em Amsterdam, a
maioria das batidas e detenções era efetuada pela polícia holandesa e por
civis que recebiam uma gratificação por delatar judeus. De julho de 1942 a
setembro de 1944, 107 mil judeus foram deportados. Segundo Adolf
Eichmann, os transportes holandeses funcionavam tão bem “que era um
prazer contemplá-los”.22

POR OUTRO LADO, HOUVE MIEP GIES. Originalmente Hermine Santrouschitz,


uma cristã austríaca que fora para a Holanda quando criança para fugir das
crises de escassez de alimentos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial
e foi posteriormente adotada pela família que a acolheu, Miep havia
recebido um nome holandês e se considerava uma holandesa.
Quando estudante, interessara-se por filosofia e literatura. Como Anne,
mantivera um diário. Diferentemente de Anne, porém, Miep abandonou
seus sonhos de escrever, deixou a escola e arranjou emprego num escritório.
Estava desempregada quando, em 1933, um vizinho que trabalhava como
caixeiro-viajante para a empresa de Otto Frank falou-lhe sobre uma vaga no
escritório da Opekta.
Miep e Otto Frank gostaram um do outro imediatamente. Depois de se
provar capaz de dominar as complexidades da fabricação de geleias e
gelatinas, Miep foi contratada como a única funcionária de uma espécie de
bureau de queixas que ajudava clientes que telefonavam para relatar
problemas no preparo doméstico de conservas. Foi sendo promovida, até
que seu cargo combinava as obrigações de secretária, administradora de
escritório e assistente de Otto Frank.
Miep e seu noivo, Jan Gies, eram frequentemente convidados para as
reuniõezinhas de sábado à tarde dos Frank, nas quais Otto os apresentava
como seus amigos holandeses. O crescente círculo social dos Frank iria se
ampliar para incluir Hermann van Pels, sua mulher Auguste e o filho do
casal, Peter. Miep conheceu também Fritz Pfeffer, o dentista que apareceria
no diário de Anne como Dussel, e de quem Miep se lembrava como tendo o
charme elegante de Maurice Chevalier. Pfeffer tornou-se seu dentista, e ela
continuou se tratando com ele mesmo depois que os cristãos foram
proibidos de consultar profissionais de saúde judeus.
Em 1938, Miep ficou chocada quando foi renovar o passaporte
austríaco e ele foi confiscado e substituído por outro alemão. Logo depois
ela foi recrutada por uma “moça muito loura”23 e solicitada a ingressar no
partido nazista, convite que recusou, como disse à recrutadora, por causa do
modo como os nazistas tratavam os judeus. Depois da invasão e da greve de
fevereiro, os alemães anularam seu passaporte e disseram-lhe que teria de
voltar para Viena a menos que ingressasse no partido nazista ou se casasse
com um holandês.
Miep e Jan – um assistente social nascido na Holanda com quem ela
partilharia o trabalho e o perigo de esconder oito pessoas em cima de uma
empresa comercial em funcionamento – já haviam decidido se casar; Hitler
apressou seu noivado. Um pânico causado pela dificuldade de localizar seu
registro de nascimento, necessário para o casamento, foi resolvido graças à
intercessão de um parente na Áustria.
Uma foto da família Frank os mostra – com exceção de Edith, que
ficara em casa com a mãe, então muito doente – em roupas de festa e
notavelmente bem-humorados (tendo em vista a escalada dos regulamentos
nazistas), a caminho do casamento de Miep em 16 de junho de 1941. Isso
foi quase um mês depois que a câmera capturou Anne observando outro par
de noivos da sua janela na Merwedeplein. A ocupação já completara 13
meses; um casamento deve ter parecido uma bem-vinda distração.
Em suas memórias e em filmes, Miep Gies dá a impressão de ser uma
dessas raras pessoas para quem independência, consciência e o impulso
para fazer a coisa certa são questões tanto de reflexo quanto de escolha. “Os
judeus eram uma parte tão estabelecida do tecido da vida da cidade”,
escreve ela, “não havia nada fora do comum neles. Era simplesmente
injusto que Hitler fizesse leis especiais para eles.”24
Depois que a lei impondo o uso de estrelas amarelas foi decretada, e
depois que os judeus foram proibidos de usar os transportes públicos – o
que significava que Otto, já na meia-idade, tinha de fazer a pé o longo
caminho de ida e volta até o trabalho –, Otto perguntou a Miep se ela
ajudaria sua família a ir para um esconderijo.
Ela não pediu, como teria sido razoável para qualquer pessoa, tempo
para refletir.
“Há um olhar entre duas pessoas uma ou duas vezes na vida que não
pode ser descrito por palavras. Esse olhar se passou entre nós.”25 Otto Frank
lembrou Miep de que ela poderia ser mandada para a prisão por ajudar a
escondê-los, mas ela já sabia disso. Miep e Jan, que trabalhava para a
Resistência, encontraram também esconderijos para sua senhoria judia e os
dois netos dela, outra boa ação que teria consequências inesperadamente
afortunadas para Otto Frank e os outros depois que os moradores do anexo
secreto foram enviados para Auschwitz.
Por razões de segurança, ninguém no sótão da Prinsengracht foi
informado quando Miep e Jan Gies esconderam um rapaz em sua própria
casa, um estudante holandês que se recusara a assinar um documento
prometendo não tomar medidas contra os alemães, e cuja rebeldia
adolescente o tornava um hóspede perigoso. Miep e Jan conheciam pessoas
que sabiam como sobreviver e conseguir as coisas, como forjar cupons de
ração e comprar açúcar extra. Esse tipo de informação estava disponível
para quem fosse considerado digno de confiança.

A IDEIA DO ESCONDERIJO NO SÓTÃO havia surgido com Johannes Kleiman, o


guarda-livros da Opekta e membro do conselho diretor da empresa. Ele e
Otto Frank eram amigos havia quase 20 anos, desde que Kleiman se
associara ao banco da família Frank que Otto tentara estabelecer em
Amsterdam. Quando a sucursal holandesa malogrou, Kleiman deixou Otto
usar seu endereço residencial como o do banco, de modo que Otto pudesse
evitar pagar aluguel num prédio comercial até saldar suas dívidas. Kleiman
voltou a ser útil quando os regulamentos nazistas proibiram Otto de possuir
uma empresa. O capital da Opekta foi registrado em nome de Kleiman, e
ele assumiu o controle oficial da firma, embora todas as decisões
importantes continuassem sendo supervisionadas por Otto. Kleiman
mencionou o porão como um possível refúgio para Otto Frank no verão de
1941, seis meses depois que a empresa se transferira para seu novo
endereço no número 263 da rua Prinsengracht, e um ano antes de os Frank
se esconderem.
Kleiman era casado e tinha uma filha. Estava frequentemente doente,
com graves problemas de estômago que se agravaram durante a guerra e
dos quais nunca se recuperou. Dizia-se que tinha uma presença calmante.
Anne, cujo pseudônimo para Kleiman foi Koophuis, afirmava que suas
visitas sempre a alegravam, e contou que sua mãe dizia: “Quando o sr.
Koophuis entra, o sol começa a brilhar.” No diário, nós o vemos espalhando
pó para matar pulgas, investigando um arrombamento, conseguindo pão
com um amigo que trabalhava como padeiro. Magro, de óculos,
desajeitado, ele aparece numa fotografia de depois da guerra, posando
constrangido em segundo plano com a segunda mulher de Otto, Fritzi,
enquanto Otto está parado diante do número 263 da Prinsengracht com os
teatrólogos e o diretor que logo levariam o diário de Anne para a Broadway.
Os cômodos do andar superior tinham sido usados como laboratório
pelo sr. Lewin, pseudônimo de Anne para Lewinsohn. Ali, o químico-
farmacêutico, amigo de Otto, havia feito experiências, inventando cremes
para as mãos e coisas do gênero. O espaço ficou vago quando as leis
antijudaicas proibiram Lewinsohn de praticar até mesmo sua humilde
modalidade de ciência. Mais tarde, Anne viria a temer as visitas do sr.
Lewinsohn ao escritório no andar térreo; tinha medo de que ele pudesse
decidir “dar uma espiada no velho laboratório”.
Junto com Viktor Kugler, um nativo da Áustria, cidadão holandês
naturalizado, que era casado com uma holandesa e havia trabalhado para
Otto Frank desde os primeiros dias da Opekta, Kleiman – com a ajuda de
seu irmão – preparou o anexo, instalando um banheiro, fazendo o trabalho
de encanamento e carpintaria, e reunindo as provisões necessárias para
tornar o lugar habitável. Levaram móveis, equipamento de cozinha e
alimentos para o escritório antes que os judeus fossem proibidos de
transportar artigos domésticos e sair à noite, horário em que era preciso
fazer a maior parte do trabalho para mantê-lo secreto. Entre as coisas nas
quais raramente pensamos sobre a vida no anexo secreto está o volume total
de comida – os sacos de batata e feijão, as quantidades de carne e leite –
necessário para alimentar oito pessoas, a três refeições por dia, durante dois
anos e um mês. Grande parte dessa responsabilidade e do trabalho árduo
caberia a Miep Gies, que Anne descreve como tendo tanta coisa a carregar
que parecia uma mula de carga.
Em nossa imaginação, o anexo está simplesmente ali. Na peça da
Broadway, o palco foi montado, esperando a entrada dos Frank. E é
essencialmente assim que ele aparece no diário de Anne. Só depois que ela
e os pais haviam fugido para sempre de seu apartamento os adultos lhe
contaram para onde estavam indo. Eles haviam estado, é claro, protegendo
a filha do perigo de saber demais, e ela logo tem uma chance de demonstrar
como herdou, ou absorveu, esse impulso atento, protetor. Menina curiosa,
Anne devia saber exatamente como o anexo havia sido preparado, mas o
diário nada revela sobre os detalhes da reforma e a identidade dos que a
executaram.
Em seu primeiro rascunho, Anne escreve: “Iríamos para o escritório do
papai, e acima dele um andar foi preparado para nós.”26 O rascunho inclui
um espantoso inventário de objetos (divãs, mesas, estantes, um guarda-
louça embutido) e um detalhe em particular – “havia 150 latas de vegetais e
outras provisões de toda espécie” – de que sentimos falta na revisão. Só ao
incluir a planta baixa, que torna claro quanto trabalho aquilo devia ter
envolvido, é que ela faz um sinal de reconhecimento – e não um sinal que
os pudesse incriminar terrivelmente – aos ajudantes holandeses. E apenas
na revisão ficamos sabendo que “o sr. Kugler, o sr. Kleiman, Miep e uma
datilógrafa de 23 anos que se chamava Bep Voskuijl … todos estavam
informados de nossa ida”.
Para evitar pôr em perigo mais pessoas que o necessário, Miep e Jan
Gies não foram informados até que o sótão ficasse pronto. Deve ter sido
preciso muito cuidado e engenhosidade para evitar que a inteligente e
observadora Miep – que trabalhava longas horas no escritório – suspeitasse
que grandes trabalhos de construção estavam sendo feitos quando a firma
estava fechada.
Depois que os Frank se esconderam, foi Johannes Kleiman quem
manteve uma correspondência cifrada com a família de Otto na Basileia;
era para ele que Anne mostrava suas histórias e foi a quem ela suplicou que
enviasse seus ensaios e contos para um jornal (Kleiman recusou, porque
seria perigoso demais); foi ele quem encontrou um remédio para a
bronquite de Margot, e quem contratou seu irmão empreiteiro para
consertar o teto do anexo depois que este foi danificado por uma
tempestade. Quando o prédio foi vendido, foi Kleiman que pensou
rapidamente e fingiu ter perdido a chave que teria permitido a entrada do
novo proprietário no anexo secreto.
A filha de Kleiman, Corrie, conhecia Anne. Quando a mulher dele
visitou o anexo secreto, Anne a importunou pedindo notícias da menina e
do mundo das adolescentes lá fora. Uma vez, por acidente, a filha de
Kleiman o ouviu mencionar Otto Frank.
Alguns dias depois, à mesa, Corrie estava contando uma história sobre a escola. Ela gaguejou e
pronunciou erradamente um nome difícil, e eu a corrigi. De repente ela olhou para mim e disse:
“Você às vezes confunde nomes, não é?”
Depois nunca mais voltou a falar sobre isso. Mas agora ela sabia, e se manteve em silêncio.
As crianças podem ser muito leais, para consigo mesmas e para com os outros, e Corrie era
profundamente afeiçoada a Anne.27

Como Kleiman, Viktor Kugler – que se tornou o diretor por


procuração da firma, rebatizada Gies & Co. depois que Otto foi proibido de
dirigi-la – desempenhou um papel decisivo na ajuda aos Frank. Foi ideia de
Kugler construir a estante que escondia a entrada do anexo. Enquanto os
judeus estavam escondidos, Kugler (que aparece no diário como Kraler)
visitava o esconderijo no anexo quase diariamente, levando revistas, jornais
e outras necessidades, e tentando manter o moral do grupo sendo otimista e
ocultando más notícias. Comprava também cupons de ração no mercado
negro.
“Fundamentalmente, contudo”, lembrou Otto,
o sr. Kugler vendia grandes quantidades de condimentos sem registrar a transação e assim era
capaz de transferir o dinheiro para nós. Isso foi extremamente importante porque ao longo do
período de dois anos que passamos escondidos nossas provisões foram se esgotando. A
responsabilidade que o sr. Kugler tomou para si era um fardo enorme, e ele estava sempre
estressado, especialmente porque, como sua mulher nada sabia sobre nós, não podia conversar
com ela sobre suas preocupações.28

O ANEXO AINDA ESTAVA SENDO PREPARADO para a chegada de seus moradores


na data estabelecida de 16 de julho quando, por volta das três horas da tarde
de domingo, 5 de julho de 1942, um mensageiro chegou à porta dos Frank
com uma carta registrada. Não era, como eles esperavam e temiam, uma
intimação para trabalho compulsório dirigida a Otto, mas sim à sua filha de
16 anos, Margot. Uma lista de instruções demoniacamente precisas –
exatamente o que ela deveria levar e como isso deveria ser embrulhado e
rotulado – acompanhava a ordem que a instruía a se apresentar na Estação
Central para ser transportada para Westerbork.
Otto estava fora, visitando internos no hospital judaico, o Joodse
Invalide, que a princesa coroada Juliana havia visitado no final dos anos
1930 em protesto contra o antissemitismo nazista, e do qual os nazistas
evacuariam os pacientes mais tarde em 1942. Quando voltou, Otto
tranquilizou sua família, garantindo-lhes que iriam se esconder no dia
seguinte, deixando para trás indícios de que tinham fugido para a Suíça. Foi
isso que disseram a Hanneli quando ela foi procurar Anne: eles estavam em
segurança na Suíça. Ela não teria razão para duvidar disso até que ela e
Anne se encontraram em Bergen-Belsen, pouco antes da morte de Anne.
Na manhã depois da chegada da sua intimação, Margot foi de bicicleta
com Miep debaixo de chuva para a Prinsengracht, número 263. Vestindo o
maior número de camadas de roupas possível e tentando parecer sem
pressa, Anne e os pais fizeram a longa caminhada da Merwedeplein até o
centro da cidade. Quando chegaram ao anexo, a realidade de suas novas
vidas e o perigo que haviam evitado por tão pouco paralisaram Margot e
Edith, deixando Otto e Anne para arrumar o sótão. “Durante o dia inteiro
tiramos as coisas das caixas, enchemos os armários, martelamos pregos e
arrumamos a bagunça, até cairmos exaustos à noite em nossas camas
limpas.”29 Essa frase é típica do modo como Anne conseguiu fazer uma
realidade insana e pavorosa – uma família prestes a passar dois anos num
sótão para evitar ser arrebanhada e morta – parecer (como seus pais teriam
desejado) simplesmente uma alteração inusitada no curso normal das
coisas.
Uma semana mais tarde, os Van Pels – Hermann, Auguste e Peter –
chegaram, trazendo notícias do quanto a vida se tornara perigosa em apenas
alguns dias. A frequência e a violência das detenções aumentaram, as
pessoas estavam sendo arrancadas de suas casas e levadas para um teatro, o
Hollandsche Schouwburg. Judeus eram apinhados em bondes, levados para
a Estação Central e despachados para Westerbork.
Até o outono seguinte, faziam-se batidas nas casas dos judeus durante
a noite. Em novembro, o mês em que o dentista de Miep chegou para se
tornar o oitavo morador, 2 mil judeus foram enviados para Westerbork.
Anne escreveu em seu diário:

À noite, quando está escuro, costumo ver longas filas de gente boa e inocente com crianças
chorando, andando sem parar, controladas por um punhado de homens que as empurram e
batem até elas quase caírem. Ninguém é poupado. Os doentes, os velhos, as crianças, os bebês e
as mulheres grávidas – todos são forçados a marchar em direção à morte. … E tudo porque são
judeus.30

MAIS CEDO OU MAIS TARDE, a experiência nos ensina como as circunstâncias


distorcem nossa percepção do tempo. Como as horas passam rápido na
presença de uma pessoa amada, como os segundos se arrastam lentamente
quando estamos num engarrafamento. É difícil imaginar como os
moradores do anexo atravessavam os longos dias durante os quais estavam
proibidos de se mexer, de tossir ou de puxar a descarga, as horas
assinaladas, a intervalos de 15 minutos, pelos sinos da igreja de
Westertoren. Embora sua mãe e irmã achassem os sinos exasperantes, para
Anne seu toque era “um amigo fiel”.
Divididos em quartos de hora, dois anos e um mês se passaram até
que, no dia 4 de agosto de 1944, o anexo foi invadido e seus ocupantes,
presos.
Ao longo das décadas que se passaram desde então, houve
considerável interesse em torno da identidade da pessoa que traiu os Frank.
Mais tarde, os ajudantes concordaram que alguém deve ter delatado os
judeus. Grande parte da suspeita caiu sobre um empregado do armazém
chamado W.G. van Maaren, contratado quando Johannes Voskuijl – um
empregado de confiança que fez a estante que escondia o anexo secreto –
ficou doente demais para trabalhar. Os ajudantes comunicaram sua
desconfiança de Van Maaren aos Frank.

Outro fato que não anima muito os nossos dias é que o sr. Van Maaren, o homem que trabalha
no armazém, está desconfiando da existência do Anexo. Uma pessoa com algum cérebro já teria
percebido que Miep diz às vezes que vai ao laboratório, Bep à sala dos arquivos e o sr. Kleiman
ao depósito da Opekta, enquanto o sr. Kugler afirma que o Anexo não pertence a este prédio, e
sim ao prédio vizinho.31

As suspeitas de Van Maaren aumentaram, e se tornaram ainda mais


inquietantes, depois que ele encontrou a carteira que Hermann van Pels
deixara uma noite por acidente no escritório do térreo. A filha de Johannes
Voskuijl, Elizabeth “Bep” Voskuijl, originalmente uma secretária que se
tornou administradora na Opekta e uma das ajudantes dos Frank, lembrou
que Van Maaren percebia todas as pequenas escorregadelas e erros que os
moradores do anexo cometiam, os lápis deixados sobre uma mesa, a tigela
de água de um gato enchida durante a noite. Bep ficou indignada quando foi
Van Maaren que levou para ela e Miep uma folha dos papéis de Anne que
ele salvara do sótão depois que os Frank foram presos.
Uma série de investigações sobre a suposta perfídia de Van Maaren
feitas depois da guerra concentrou-se em quais tinham sido precisamente as
palavras ou sinais trocados por ele e pelos policiais que chegaram no dia 4
de agosto e perguntaram onde os judeus estavam escondidos. Em 1964,
porém, a última das investigações sobre o comportamento de Van Maaren
durante a guerra foi encerrada por falta de “resultados concretos”.32 Outros
suspeitos incluíram a mulher de um dos assistentes de Van Maaren, um
homem chamado Lammert Hartog, que contou à mulher que tinha visto
uma grande quantidade de comida ser entregue no armazém, e um nazista
holandês que teria chantageado Otto Frank por expressar sentimentos
antinazistas.
Embora ele próprio sugerisse que Van Maaren era o mais provável
culpado, Otto optou por não concentrar suas energias em levar o traidor de
sua família à Justiça. Por natureza, e em consequência de sua trágica
experiência, preferia a conciliação à punição, a misericórdia à justiça. Que
importância tinha quem deu o telefonema que o oficial que efetuara a prisão
relatou ter recebido? De que teria valido a Otto Frank, ou a sua mulher e
filhas, ou a seus ajudantes holandeses, saber quem vendera oito vidas em
troca da gratificação que os nazistas pagavam pelos judeus fugitivos?

DEPOIS DA CAPTURA, os prisioneiros foram levados à sede da Gestapo na


Euterpestraat, e em seguida para a prisão, a Huis van Bewaring, na
Weteringschans, onde passaram três noites. Otto Frank foi interrogado com
relação ao paradeiro de outros judeus escondidos, mas insistiu que, depois
de 25 meses no anexo, não tinha nenhum contato com alguém que pudesse
estar numa situação como a sua – uma alegação tão claramente lógica que
até a polícia se deixou convencer.
No dia 8 de agosto, os oito judeus do anexo foram enviados de trem
para Westerbork. Durante grande parte da viagem, Anne contemplou pela
janela o dia de verão e o mundo que havia deixado para trás dois anos e um
mês antes. Ao chegarem a Westerbork, foram classificados como “judeus
criminosos” – judeus que se haviam escondido ou recusado de alguma outra
maneira a ser “voluntariamente” deportados. Receberam uniformes
especiais (macacões azuis, um peitilho vermelho, sapatos de madeira que
não serviam bem) e foram enviados para os galpões de punição.
A paródia de vida normal em Westerbork incluía hospitais bem
equipados, providos de excelentes médicos que tratavam dos prisioneiros de
modo que pudessem ser despachados para suas mortes. Havia artistas, um
cabaré, uma orquestra sinfônica, jogos de futebol – tudo sob as torres de
vigilância e nas miras de metralhadoras da SS. Uma revista musical era
encenada nas noites de terça-feira; mais cedo nesses dias, os comboios
semanais saíam de Westerbork para Auschwitz.
No diário que manteve durante toda a ocupação e continuou a escrever
em Westerbork, Elly Hillesum, uma jovem judia holandesa cerca de dez
anos mais velha que Anne, descreve bebês sendo arrancados de suas
caminhas e mulheres grávidas arrastadas para o comboio. Um menino
pequeno tentou fugir quando compreendeu que estava indo para a Polônia.
Para dissuadir outras crianças de entrarem em pânico no último momento,
50 prisioneiros adicionais foram acrescentados àqueles já escalados para ir
com ele. “Conseguirá o menino viver consigo mesmo depois que começar a
compreender exatamente o que causou?”, escreveu Hillesum. “E como
todos os outros judeus a bordo do trem reagirão a ele? Esse menino vai
passar um mau bocado.”33
No documentário de Willy Lindwer, The Last Seven Months of Anne
Frank, e no livro escrito a partir do filme, as mulheres que conheceram os
Frank em Westerbork lembravam de ver a família junta. Otto perguntou a
Rachel van Amerongen-Frankfoorder, designada para esfregar latrinas e
distribuir macacões e tamancos para os recém-chegados, se Anne podia
trabalhar com ela, mas isso se provou impossível. Janny Brandes-
Brilleslijper, uma judia que havia trabalhado com a Resistência holandesa e
mais tarde servido como enfermeira em Bergen-Belsen, lembrou que as
meninas Frank estavam entre as mulheres que trabalhavam limpando o
interior de baterias:

Era um trabalho muito sujo, e ninguém conseguia entender sua razão de ser. Tínhamos de abrir
as baterias com uma talhadeira e um martelo e em seguida jogar o alcatrão numa cesta e as
barras de carbono, que tínhamos de remover, numa outra cesta; tínhamos de retirar as placas
metálicas com uma chave de fenda, e elas iam para uma terceira cesta. Além de ficarmos
horrivelmente sujas com o trabalho, todas começávamos a tossir porque ele desprendia certo
tipo de pó.34
Outro prisioneiro de Westerbork lembrou que Anne e Peter estavam
sempre juntos, e que Anne, de início frágil e extremamente pálida, passou a
parecer radiante, até feliz. Edith Frank estava atordoada e muda; Margot
raramente falava.
Ronnie Goldstein-van Cleef viajou de trem com a família Frank de
Westerbork para Auschwitz no dia 3 de setembro de 1944, o último
comboio que tomaria essa rota. Os Frank combinaram que, se
sobrevivessem, tentariam se encontrar uns aos outros por intermédio da mãe
de Otto na Basileia.
Havia mais de mil pessoas no trem. A lista de passageiros incluía os
Frank, os Van Pels e o dentista Fritz Pfeffer, todos apinhados em vagões de
carga fechados. Viajaram por três dias e duas noites antes de chegar a
Auschwitz-Birkenau, onde, como de costume, foram “selecionados”
segundo sua idade e seu nível de saúde e aptidão física. Mais de 500 dos
recém-chegados foram direto para as câmaras de gás. Nenhum dos ex-
moradores do anexo secreto estava entre eles.
Segundo o protocolo do campo, homens e mulheres foram separados,
despidos e enviados para a “desinfecção”. O cabelo de que Anne tanto se
orgulhava – e que, segundo sua amiga de infância, a mantinha tão ocupada
– foi raspado. Números foram tatuados nos antebraços dos prisioneiros.
Anne, Margot e a mãe ficaram juntas no Bloco de Mulheres 29.
Janny Brandes-Brilleslijper se lembra das Kapos vestidas com suéteres
de angorá seguindo as prisioneiras por toda parte com chicotes. Uma foto
de um álbum doado recentemente ao Memorial do Holocausto dos Estados
Unidos e que outrora pertencera a um ajudante do comandante de
Auschwitz, mostra as guardas comendo mirtilos, iluminando uma árvore de
Natal, relaxando em espreguiçadeiras. Enquanto isso, as prisioneiras
trabalhavam em usinas de tecelagem e preparavam plástico para ser usado
em aviões, ou labutavam em tarefas mais inúteis e punitivas, desenterrando
pedras e removendo torrões de grama.
Horrivelmente infectada com sarnas, coberta de feridas, Anne foi
enviada para um recinto particularmente pavoroso, o chamado bloco dos
sarnentos, os galpões para prisioneiros com doenças de pele contagiosas.
Margot foi também, voluntariamente, para ficar com a irmã. Em Auschwitz,
as angústias debilitantes que haviam atormentado Edith no anexo secreto
desapareceram, assim como o mutismo e a quase paralisia que sofrera em
Westerbork. Tomada pela determinação de ajudar suas filhas a sobreviver,
Edith abriu um túnel por baixo da parede do bloco dos sarnentos, cavando
um buraco através do qual conseguia lhes passar um pedaço de pão.
Em outubro de 1944, quando o exército russo se aproximava de
Auschwitz, 8 mil mulheres, incluindo Anne e Margot Frank e Auguste van
Pels, foram transferidas para Bergen-Belsen, dentro da Alemanha e mais
longe do inimigo invasor. Edith Frank foi deixada em Auschwitz, onde as
câmaras de gás e crematórios foram explodidos para destruir as evidências
mais eloquentes do que havia acontecido ali. Edith Frank morreu de doença
e exaustão algumas semanas antes que o campo fosse libertado pelos russos
no fim de janeiro de 1945.
As irmãs Frank continuaram juntas em Bergen-Belsen. A mais recente
edição americana do diário em brochura, aquela que os estudantes leem,
conclui, como edições anteriores, com o posfácio adaptado do livro de 1958
de Ernst Schnabel, No rasto de Anne Frank. Schnabel descreve a
deportação de Anne Frank, sua prisão em Auschwitz, “um inferno
fantasticamente bem organizado e impecavelmente limpo”, e sua remoção
para o imundo e caótico campo de Bergen-Belsen.
“‘Anne, que já estava doente na ocasião’, lembrou um sobrevivente,
‘não foi informada da morte da irmã, mas depois de algumas dias percebeu,
e logo depois morreu, tranquilamente, sentindo que nada de mau estava lhe
acontecendo.’ Ainda não completara 16 anos.”35
Em anos subsequentes, outros relatos pintaram um quadro mais
mortificante dos últimos dias de Anne.
Originalmente um dos “melhores” campos, Bergen-Belsen havia
degenerado num inferno de caos e imundície. Ergueram-se barracas para
abrigar os recém-chegados no recinto superlotado, mas uma tempestade
derrubou os alojamentos improvisados, ferindo muitos dos prisioneiros,
matando alguns e deixando os demais expostos à chuva fria e ao granizo.
Em Bergen-Belsen, Anne encontrou Hanneli Goslar, que a descreveu
como uma “menina destruída”. Hanneli, a “Lies” que Anne vira numa
visão, desesperada e faminta, de fato fora poupada dos horrores de
Auschwitz e transferida diretamente de Westerbork para uma seção um
pouco menos terrível de Bergen-Belsen, em parte porque sua família tinha
passaportes paraguaios, comprados na Holanda.
No Museu Anne Frank, um monitor de vídeo exibe repetidamente uma
entrevista em que, 50 anos depois, Hannah Pick-Goslar se lembra de Anne
chorando ao contar que não tinha mais nenhum dos pais.
“Sempre penso”, reflete Hannah, “que se Anne tivesse sabido que seu
pai ainda vivia, poderia ter tido mais força para sobreviver.” Hannah
conseguiu jogar um pequeno pacote (“metade de um biscoito, uma meia,
uma luva”) por cima da cerca, à noite. Da primeira vez, outra prisioneira
furtou o pacote. Hannah descreve Anne gritando quando o pacote foi
furtado. Um segundo pacote chegou a ela – mas não foi capaz de impedir o
inevitável.
Em The Last Seven Months of Anne Frank, Rachel van Amerongen-
Frankfoorder relata que as debilitadas irmãs Frank
tinham pequenas brigas, causadas por sua doença … Sentiam um frio terrível. Tinham o lugar
menos desejável nos galpões, embaixo, perto da porta, que era constantemente aberta e fechada.
Nós as ouvíamos gritar constantemente: “Fechem a porta, fechem a porta”, e as vozes ficavam
mais fracas a cada dia … O mais triste, é claro, era que essas crianças eram tão jovens … Elas
exibiam os sintomas reconhecíveis do tifo – aquele definhamento gradual, uma espécie de
apatia, com períodos ocasionais de reanimação, até que ficaram tão doentes que não havia
nenhuma esperança … Um belo dia, não estavam mais ali.

Ela se corrige. “Na verdade, um mau dia.”36


Os cadáveres eram empilhados perto dos galpões, depois enterrados
em fossas comuns. Rachel van Amerongen-Frankfoorder acha que talvez
tenha passado pelos corpos das irmãs em seu caminho para a latrina. “Não
tenho nenhuma razão para supor que as coisas tenham sido diferentes para
elas que para as outras mulheres entre nós que morreram na mesma
ocasião.”
Este relato, de Janny Brandes-Brilleslijper, também aparece no livro
adaptado a partir do documentário de Lindwer:
Anne parou diante de mim, enrolada num cobertor … E me contou que tinha tamanho horror
dos piolhos e pulgas em suas roupas que tinha jogado todas elas fora. Estávamos no meio do
inverno … Recolhi tudo que pude encontrar para lhe dar, para que ela se vestisse de novo. Não
havia muita coisa para comer … mas dei a Anne parte de nossa ração de pão.
Coisas terríveis aconteciam. Dois dias depois, fui procurar as meninas. As duas tinham
morrido!
Primeiro, Margot caíra da cama no chão de pedra. Não conseguiu se levantar mais. Anne
morreu um dia depois. Tínhamos perdido toda a noção do tempo. É possível que Anne tenha
vivido mais um dia. Fora três dias antes de sua morte por tifo que ela havia jogado fora todas as
suas roupas durante horríveis alucinações.37

Algumas semanas depois, Bergen-Belsen foi libertado pelos britânicos.

A PEÇA O diário de Anne Frank, baseada no diário, começa e termina com


cenas de Otto Frank voltando depois da guerra, contando a Miep Gies que
sua mulher e suas filhas estão mortas, e encontrando o diário entre os
escombros do anexo. Nenhum dos dois pergunta ou explica o que aconteceu
com os outros com quem os Frank se esconderam, com os homens e
mulheres reais em quem os teatrólogos moldaram os personagens que nos
distraíram, exasperaram e comoveram na produção.
Em Auschwitz, os quatro homens do sótão foram enviados para o
mesmo galpão. Ali encontraram Max Stoppelman, um judeu holandês
vigoroso, de ombros largos, com 30 e poucos anos, embrutecido pelo modo
como as coisas funcionavam no campo e experiente nelas. Sua mãe tinha
sido a senhoria de Miep e Jan Gies em Amsterdam, e o casal fizera
preparativos para que ela e outros membros da família se escondessem.
Stoppelman sentia-se grato aos Frank, por associação. Assim, seria possível
dizer que Miep e Jan continuavam ajudando os Frank, ainda que de uma
grande distância.
Stoppelman afeiçoou-se aos quatro homens, especialmente a Peter.
Sob sua tutela e proteção, Peter conseguiu um trabalho na agência de
correio do campo. Menos pôde ser feito pelos homens mais velhos –
candidatos melhores, segundo a lógica nazista, para os brutais trabalhos ao
ar livre. Hermann van Pels morreu na câmara de gás no outono de 1944
depois que um ferimento no dedo minou sua capacidade de trabalhar e sua
vontade de sobreviver.
Enfraquecido e exausto, Otto acabou no hospital, onde foi cuidado por
Peter van Pels, que desenvolveu um zelo filial pelos três homens com quem
havia partilhado o anexo. Em outubro, Peter foi evacuado para Mauthausen,
onde morreu em maio de 1945. Um destino semelhante aguardava Fritz
Pfeffer, removido primeiro para Sachsenhausen e, depois, para
Neuengamme, onde morreu de doença e exaustão em dezembro de 1944.
Sua companheira, Charlotte Kaletta, continuou a esperá-lo e casou-se
postumamente com ele em 1950.
Como nos apiedamos de Auguste van Pels, que tanto prezava sua
frágil dignidade e escassos confortos, tão despreparada, como se alguém
pudesse estar preparado, para o que a aguardava em Auschwitz e depois em
Bergen-Belsen, onde esteve presa com Anne durante os últimos dias da
menina. Foi Auguste quem levou Anne, já doente, para se encontrar com
Hanneli Goslar. Auguste van Pels morreu na primavera de 1945, em algum
lugar perto de Thieresienstadt, durante uma das marchas forçadas que se
seguiram à evacuação dos campos.
Reduzido a 51 quilos, Otto permaneceu no galpão do hospital
enquanto a libertação se aproximava. Em certa altura, as SS ordenaram aos
pacientes que saíssem e quase os fuzilaram, mas a ameaça foi rescindida no
último minuto.
Em janeiro, Otto Frank estava entre os 7.650 prisioneiros que os russos
encontraram vivos nas dependências de Auschwitz. Ele levaria mais seis
meses para retornar à Holanda e ao diário da filha, salvo por Miep Gies –
que, enquanto escrevo isto, em 2008, está com 90 e muitos anos e só
recentemente tem estado com a saúde debilitada.b

b Em 11 de janeiro de 2010, Miep Gies faleceu, aos 100 anos de idade. (N.E.)
PARTE II O livro
3. O livro, parte I

EM AMSTERDAM, na manhã ensolarada e tranquila de sexta-feira, 4 de


agosto de 1944, um carro parou diante do armazém da Opekta no número
263 da Prinsengracht.
Basta escrever isso e o leitor já sabe que pessoas estavam escondidas
no sótão e que destino estava prestes a se abater sobre elas. Sabemos de
algo acontecido há mais de 60 anos, vivendo num momento histórico em
que frequentemente se comenta quão pouco da história é lembrada.
Sabemos a razão pela qual sabemos, mas vale a pena repeti-la para que não
desmereçamos o fato de que sabemos por causa do diário de uma menina.
De todos os recolhimentos, deportações e assassinatos cometidos durante
essa época, essa prisão foi o episódio mais rigorosamente investigado,
aquele sobre o qual memórias foram mais minuciosamente esquadrinhadas.
É o único que conhecemos, se é que conhecemos algum.
O carro chegou sem sirenes, sem pressa. Lá em cima, no sótão, Otto
Frank corrigia o ditado de inglês de Peter van Pels. Ninguém no escritório
no térreo se alarmou com o aparecimento do carro, até que um homem
gordo surgiu e, falando em holandês, ordenou a todos que ficassem quietos.
Um dos homens que saiu do carro usava o uniforme de sargento da
Seção de Assuntos Judaicos da Gestapo na Holanda. O oficial era austríaco,
e seus subordinados, civis holandeses empregados pelos nazistas. Eles
entraram no depósito de condimentos e pectina e seguiram para o escritório,
onde encontraram os funcionários da Opekta. Perguntaram quem era o
responsável. Victor Kugler respondeu que era ele. Depois de revistar os
depósitos, a polícia empurrou para um lado a estante que cobria a porta que
levava ao sótão onde, era óbvio que ela já sabia, havia judeus escondidos.
Kugler, o primeiro a subir a escada estreita, quase vertical, disse a
Edith Frank: “A Gestapo está aqui.” Ela ficou parada e não disse nada.
O oficial da Gestapo e seus homens entraram no anexo secreto e
encontraram os judeus, como esperavam, embora não tivessem como saber
– como sabemos hoje – quem estaria lá. Três homens, duas mulheres, um
rapaz, uma moça, uma menina.
Daqui a alguns anos, não existirá mais ninguém vivo que tenha
testemunhado a cena de um nazista prendendo um judeu. Houve, e
continuará havendo, outras prisões e execuções pelo crime de ter nascido
numa raça, religião ou tribo específica. Mas é improvável que a cena de
nazistas encurralando judeus aconteça de novo, embora a história nos
ensine a nunca dizer nunca. Essa cena de prisão, porém, é uma que as
gerações futuras poderão visualizar. Elas terão de se lembrar que isso
aconteceu com pessoas reais, embora essas pessoas tenham sobrevivido – e
continuem vivas – como personagens de um livro.
Na verdade essa cena não está no livro, mas a existência do livro é a
razão pela qual sabemos sobre a prisão. Sabemos que o nome do oficial
austríaco era Karl Josef Silberbauer. E sabemos que ele ficou perturbado
pelo detalhe do baú militar de Otto Frank, marcado como propriedade do
tenente Otto Frank, o que significava que ele teria sido superior ao sargento
Silberbauer quando ambos lutaram pela Alemanha durante a Primeira
Guerra Mundial.
Mais tarde Otto Frank recordaria que Silberbauer pareceu ficar em
posição de sentido. Para o austríaco, o antigo posto militar do judeu criava
uma perturbadora confusão no teatro ao mesmo tempo empolgante e
rotineiro da prisão.
Numa foto desse período, Silberbauer tem 33 anos, mas parece mais
jovem. Numa pose rígida, com o cabelo alisado para trás e as bochechas
estufadas, como se tivesse uma bola de tabaco em cada uma, ele usa uma
gravata e um paletó com uma pequena suástica presa na lapela. Miep Gies o
descreveu como uma pessoa que não parecia cruel nem irritada, mas
“alguém que poderia vir amanhã para ler seu medidor de gás ou furar seu
bilhete de bonde”.1
Silberbauer não pôde deixar de perguntar a Otto Frank por quanto
tempo aquelas pessoas tinham conseguido viver daquela maneira, apinhadas
num sótão atrás de uma estante. Ficou pasmo com a resposta: dois anos e
um mês. Como prova, Otto Frank apontou para a ombreira da porta, com
marcas feitas a lápis para registrar o crescimento de sua filha. “Olhe”, disse
ele, “minha filha caçula já cresceu acima da última marca.”
Um gesto comovente, talvez mais instintivo que incomum, já que as
filhas, Margot e Annelies, eram o centro da vida de Otto Frank. Aquelas
marcas, que ainda podem ser vistas na parede do Museu Anne Frank, eram
o que ele tinha para mostrar daqueles dois anos no esconderijo. Talvez Otto
Frank imaginasse que as linhas a lápis poderiam acender, no oficial nazista,
uma centelha de humanidade.
Como sabemos, isso não aconteceu.
Depois da guerra, Silberbauer voltou para a Áustria, onde ficou preso
por 14 meses sob a acusação de ter maltratado alguns comunistas em 1938.
Mais tarde, foi recontratado como inspetor júnior da polícia de Viena. Em
1963, Simon Wiesenthal localizou-o com a ajuda de um catálogo telefônico
de 1943 que listava os nomes e números de todos os funcionários da
Gestapo que haviam servido na Holanda durante a ocupação.
Guiado pelo palpite de que Silberbauer poderia estar trabalhando
novamente para a polícia vienense, Wiesenthal encontrou sua presa quando
o jornal oficial do Partido Comunista austríaco noticiou que ele estava vivo
e com saúde e, de fato, atuando como policial em Viena. As autoridades
austríacas iniciaram uma investigação para determinar se as atividades dele
durante a guerra tinham sido criminosas. A declaração de Otto Frank – de
que Silberbauer tinha “cumprido seu dever e agido de forma correta”, de
que atuara com profissionalismo e até cordialidade – praticamente encerrou
a investigação, arquivada por falta de evidências. É claro que se pode
questionar a opinião de que enviar oito judeus para um campo de
concentração, sete deles para a morte, só seria criminoso se fosse feito de
maneira não profissional.
Silberbauer dissera a Otto Frank que ele tinha uma filha encantadora.
Lembrava-se dela como mais bonita e mais velha do que parecia na foto
que, na época em que Wiesenthal o encontrou, já era conhecida no mundo
inteiro. Como Silberbauer não foi punido, não deixa de ser satisfatório
imaginar o momento em que descobriu que a menina que ele havia
prendido se tornara uma estrela.
O subitamente famoso Silberbauer queixou-se a um repórter holandês
de que sua suspensão temporária da polícia estava dificultando a quitação
da nova mobília que ele comprara em parcelamento, e que ele não podia
mais usar o passe que lhe permitia andar de bonde de graça. Perguntado se
havia lido o diário de Anne Frank, Silberbauer respondeu que o comprara
para ver se era mencionado. Por que pensou que poderia ser? Ele sabia o
que acontecera com Anne depois que a arrancara do sótão. Teria imaginado
que, doente e faminta, ela teria sido capaz de manter seu diário em
Auschwitz e Bergen-Belsen, interrompendo seu trabalho para registrar
impressões a respeito de Silberbauer?
O repórter sugeriu que Silberbauer poderia ter sido o primeiro a ler o
livro que fora lido por milhões de pessoas. Ao que o austríaco respondeu:
“Nunca pensei nisso. Talvez devesse tê-lo apanhado do chão.” Wiesenthal
conclui esse capítulo de suas memórias dizendo sobre Silberbauer:
“Comparado aos outros nomes em meus arquivos, ele não é ninguém, é um
zero. Mas o algarismo antes do zero era Anne Frank.”2

QUE PODERIA ANNE TER PENSADO quando seu pai mostrou ao sargento da
Gestapo as marcas na ombreira da porta? A menina, que normalmente
adorava ser o centro das atenções, sem dúvida teria preferido que o pai não
chamasse a atenção do policial para ela. Se tivesse tido a chance de
descrever a cena e transformado Silberbauer, como ele parece ter desejado,
num personagem de seu livro, ela poderia ter registrado o que aconteceu em
seguida, o detalhe da maleta, um evento que deve tê-la magoado mais do
que a qualquer outra pessoa na sala.
Fosse qual fosse a concepção que Silberbauer tinha de seu ofício, ele
não teria desejado pensar que o serviço militar envolvia assassinato e roubo
com o amparo do Estado. A procura por objetos de valor devia ser uma
parte simultaneamente desconfortável e estimulante de seu trabalho.
Naturalmente, havia curiosidade. Quanto dinheiro os judeus escondidos
tinham? Mas era também uma questão de dever. O dinheiro apreendido
nessas circunstâncias estava sendo utilizado sobretudo para financiar o
transporte dos próprios judeus para novas vidas, ou a morte, no leste.
Os policiais perguntaram aos judeus onde estavam os objetos de valor,
e Otto apontou o guarda-louça onde seu cofre era guardado. Ladrões mais
tarimbados, profissionais, teriam trazido um saco para os bens roubados.
Mas que impressão causariam os encarregados da justiça nazista se
carregassem sacos de aniagem para fazer a pilhagem? Devemos dar graças
ao fato de Silberbauer, obrigado a improvisar, ter passado a mão numa
maleta recheada de papéis.
Os judeus e seus ajudantes holandeses assistiam à cena. Todos eles
sabiam que era naquela maleta que Anne guardava seu diário.
No dia 9 de abril, houvera uma invasão no térreo. Os intrusos tinham
feito um buraco na porta antes de ser afugentados. Com medo de que a
polícia pudesse investigar, as famílias discutiram o que fazer se a captura
parecesse iminente. Temendo que o diário de Anne pudesse ser encontrado,
e que os ajudantes dos moradores do anexo fossem incriminados,
considerou-se brevemente a possibilidade de queimar o diário. “Esse
momento e o momento em que a polícia bateu na estante foram os que mais
me amedrontaram. Ah, o meu diário não; se o meu diário se for, eu vou
também!”
Um mês depois, Anne pensou que um vaso de cravos caído havia
ensopado seus papéis. Quase chorando, ficou tão perturbada que começou a
tagarelar em alemão, e mais tarde se lembraria pouco do que dissera.
Segundo Margot, ela “balbuciava alguma coisa como ‘unübersehbarer
Schaden’ [perda incalculável]”. O estrago não foi tão grave quanto Anne
temera, e ela pendurou as folhas de papel úmidas num varal para secar.
Perda incalculável é uma expressão que qualquer escritor poderia ter usado
diante da possibilidade de que um manuscrito tivesse sido arruinado, o que
representava mais uma indicação de como Anne levava seu trabalho a sério.
Finalmente, foi decidido que a maleta contendo o diário estaria entre
as coisas que a família levaria consigo caso um incêndio ou alguma outra
emergência os obrigasse a uma fuga apressada. Mas agora ela estava sendo
usada para outro fim. Silberbauer despejou os papéis no chão, junto com
alguns cadernos, e entregou a maleta para que seus colegas a enchessem
com joias e dinheiro.
O detalhe da maleta poderia ter saído de um daqueles contos de fadas
que aconselham reflexão, paciência, moralidade – valores sem os quais
terminaríamos como a pessoa imprevidente e cobiçosa (geralmente a
esposa) que confunde cristais comuns com diamantes, ou que cozinha a
galinha dos ovos de ouro para o jantar. Com o passar do tempo, Silberbauer
compreendeu que enchera a maleta com papelão e espalhara rubis pelo piso
do sótão.
Mas poderia o sargento imaginar que o que havia descartado – folhas
de papel soltas, cadernos – era não apenas uma obra de literatura, não
apenas uma fortuna disfarçada, não apenas um registro dos tempos nos
quais ele e a escritora viviam, mas um testemunho que levaria à
evidenciação do seu papel na guerra dos nazistas contra os judeus, ainda
que tantos como ele tenham retornado às antigas vidinhas?
Não havia como ele saber o que a maleta continha. Como poderia
alguém suspeitar que, entre as capas de pano xadrez do diário de uma
menina, existia uma obra-prima?

QUASE TRÊS HORAS SE PASSARAM entre a chegada de Silberbauer e a do


caminhão fechado que transportou os judeus e dois de seus cúmplices
holandeses para o quartel-general da Polícia de Segurança.
Só Miep Gies ficou para trás. Durante mais de dois anos ela levara
comida e provisões para os judeus e os mantivera animados, ajudando-os a
conservar alguma forma de contato com o mundo exterior. Agora,
justamente quando o progresso da invasão dos Aliados começara a oferecer
esperança, a catástrofe que eles temiam ocorrera.
No documentário de Jon Blair, Anne Frank Remembered, Miep dá a
impressão de ser uma mulher sensível, digna, excessivamente modesta com
relação a seu inglês. Intuímos que nunca lhe teria ocorrido se vangloriar do
heroísmo que, durante dois anos, foi parte do cotidiano para ela e o marido.
Suas memórias, O outro lado do diário, começam assim: “Não sou uma
heroína.”3 Ela escreve que foi apenas uma pessoa na “longa, longa fileira de
bons holandeses que fizeram o que eu fiz ou mais – muito mais”.
Heroico ou não, o esforço teve um preço. As doenças – uma
hemorragia gástrica, desmaios, febres – que atormentaram os ajudantes dos
Frank são um assunto recorrente no diário, que também destacava seu
inabalável bom humor. “Nunca disseram uma única palavra sobre o fardo
que devemos representar para eles, nunca reclamaram dizendo que
causamos problemas demais. Sobem todos os dias e falam com os homens
sobre negócios e política, com as mulheres sobre comida e dificuldades dos
tempos de guerra, e com os jovens sobre livros e jornais.”4 Depois que Miep
esteve numa festa em que havia dois policiais entre os convidados, Anne
escreveu: “Você pode ver que Miep está sempre pensando em nós, porque
anotou os nomes e os endereços deles, no caso de precisarmos de contatos
com bons holandeses.”5 O heroísmo de Miep e dos outros não deve ser
ofuscado pela acusação – uma das muitas controvérsias relacionadas ao
diário – de que o foco sobre os ajudantes dos Frank serviu para afastar a
atenção do histórico pouco exemplar de resistência do povo holandês à
campanha antijudaica dos nazistas.
Numa cena de Anne Frank Remembered, uma voz em off,
presumivelmente do diretor do filme, lê uma carta em que Otto Frank,
morto em 1980, agradece aos amigos holandeses que o salvaram. Talvez
para efeito de maior dramaticidade, a voz anuncia que Miep estava ouvindo
a mensagem pela primeira vez. É um reconhecimento comovente, mas
decerto essa mulher inteligente devia saber que seu ex-patrão compreendia
que nem ele, nem os escritos de sua filha, poderiam ter sobrevivido sem sua
ajuda.

DEPOIS QUE OS JUDEUS E OS DOIS FUNCIONÁRIOS holandeses do escritório


foram levados, Miep encontrou o diário de capa xadrez que Anne mantivera
de junho a dezembro de 1942. Espalhados pelo chão estavam também os
cadernos de exercícios em que a menina escrevera versões subsequentes, o
livro de relatos no qual compusera as histórias, ensaios, contos de fadas,
reminiscências e fragmentos de novela que seriam reunidos e publicados no
volume intitulado Contos do esconderijo, e, por fim, as centenas de folhas
de papel colorido em que ela estivera revisando o diário desde a primavera
de 1944.
Pouco antes de ser preso com os judeus, Johannes Kleiman disse a
Miep Gies que, como era tarde demais para ele e os demais serem salvos,
ela devia tentar resgatar o que fosse possível do sótão. Junto com Bep
Voskuijl, Miep recolheu os diários de Anne e as folhas soltas e os levou
para o escritório no térreo. Ali, colocou-os na gaveta inferior de sua
escrivaninha para que ficassem em segurança até que, como esperava, Anne
voltasse para recuperá-los. Astutamente, deixou a gaveta destrancada. Os
nazistas não tinham nenhum interesse pelos papéis de uma criança, mas, se
voltassem, poderiam se perguntar por que eles mereceriam estar guardados
sob chave.
Claro que Miep não estava apenas resguardando a privacidade de
Anne, mas protegendo a si mesma e a seus colegas de trabalho. Mais tarde
ela diria que, se tivesse lido os diários, talvez se sentisse compelida a
queimá-los, por preocupação com os colegas. Teria sido mais seguro para
ela destruir aquilo, assim como teria sido mais seguro não esconder oito
judeus e, certamente, não ir à sede da polícia na Euterpestraat na segunda-
feira após a prisão. Mesmo comparada às suas ações dos dois anos
precedentes, a tentativa de Miep de subornar Silberbauer para que libertasse
os prisioneiros foi um ato de extraordinária coragem, incrivelmente
perigoso, que demonstrou a força de sua afeição pelos Frank.
Quando os caixeiros-viajantes da Opekta foram informados de que os
Frank tinham sido levados, um deles (um homem que, de fato, era membro
do Partido Nazista holandês) chamou Miep para um canto e lembrou-lhe
que a guerra estava quase terminada, os alemães estavam exaustos, e
procurariam sair da Holanda com os bolsos cheios. Ele próprio faria uma
vaquinha entre os muitos amigos e sócios comerciais que gostavam de Otto
Frank, e Miep poderia ir à polícia e fazer ao oficial responsável pela prisão,
também austríaco, uma oferta irresistível.
Quando Miep telefonou para Silberbauer, ele a instruiu a ir à delegacia
na segunda-feira; mas, chegando lá conforme o combinado, foi solicitada a
esperar até o dia seguinte. Na terça-feira, o sargento disse que não tinha
autoridade para tomar uma decisão como aquela e a mandou para o andar
superior, onde alguns oficiais ouviam rádio em língua inglesa, o que era
ilegal. É possível que estivessem monitorando as más notícias sobre o
progresso dos Aliados. Mandaram-na sair da sala. De todo modo, porém,
não havia nada que Miep pudesse fazer: os prisioneiros já haviam sido
enviados para a cadeia em Weteringschans, de onde seriam removidos para
Westerbork.
Antes que o pessoal da mudança chegasse ao número 263 da
Prinsengracht para despojar os pavimentos superiores de quaisquer móveis
que pudessem ser enviados a famílias alemãs necessitadas, Miep disse a um
dos empregados do armazém – o mesmo que, segundo a suspeita de vários
ajudantes, teria traído os Frank – que recolhesse todos os papéis ainda
espalhados pelo chão. Foi tudo feito às pressas, e não há como se saber se
algum escrito de Anne foi perdido.

VICTOR KUGLER FOI LEVADO junto com Johannes Kleiman para a sede da SS
na Euterpestraat. Após um breve interrogatório, ambos foram transferidos
para a prisão na Amstelveenseweg, e mais tarde para o campo de
Amersfoort. Em meados de setembro, Kleiman sofreu uma hemorragia no
estômago e foi libertado mediante intercessão da Cruz Vermelha. Kugler foi
enviado para uma série de campos de trabalhos forçados. Fugiu na
primavera de 1945, e permaneceu escondido até o fim da guerra.
Quando Kleiman voltou ao escritório, Miep não permitiu que ele ou
Bep lesse os diários. Os livros e cadernos ficaram na gaveta da escrivaninha
por quase um ano.
Em junho de 1945, Otto Frank fez seu caminho de volta para
Amsterdam. Libertado de Auschwitz, ele viajou de trem para a Rússia, de
onde seguiu de navio para Marselha, e acabou chegando de trem e
caminhão aos Países Baixos, onde passou a morar com Miep e Jan. Um mês
após o retorno a Amsterdam, Otto, que já ficara sabendo da morte de sua
mulher por uma prisioneira que conhecera no trem para Odessa, foi
informado – primeiro pela Cruz Vermelha e, depois, por uma holandesa que
conhecera Margot e Anne em Bergen-Belsen – de que suas filhas também
haviam morrido.
No filme Anne Frank Remembered, Janny Brandes-Brilleslijper lembra
como deu a Otto Frank a triste notícia:
Ele parou na varanda e tocou a campainha. Perguntou: “A senhora é Janny Brandes?” … Sendo
um cavalheiro muito educado, entrou no vestíbulo e, permanecendo de pé ali, disse: “Eu sou
Otto.” Eu mal conseguia falar, porque era muito difícil contar a um homem que suas filhas não
estavam mais vivas. Eu disse: “Elas não estão mais entre nós.” Ele ficou mortalmente pálido e
desabou numa cadeira. Limitei-me a envolvê-lo com o braço.6

Como Otto, Miep abrigava a esperança de que Anne tivesse


sobrevivido. Planejando devolver o diário à dona, Miep não revelou sua
existência a Otto até o dia em que ele soube que as meninas haviam
morrido em Bergen-Belsen.
É doloroso imaginar a cena em que Otto Frank leu pela primeira vez o
diário da filha. Mesmo quando filhos já se transformaram em prósperos
adultos, um pedaço de papel coberto com letra infantil pode produzir nos
pais uma punhalada de saudade dos anos que, talvez, tenham sido os mais
felizes de suas vidas. Qual deve ter sido a intensidade da dor ocasionada por
páginas como essas, escritas por uma criança assassinada tão recentemente?
Em suas memórias, Miep Gies recorda que Otto Frank foi para sua
antiga sala na Opekta e fechou a porta. Pouco tempo depois, ela lhe levou
os papéis e o livro de capa xadrez.
Pude perceber que ele reconheceu o diário. Ele o dera para a filha havia apenas três anos, no
aniversário de 13 anos dela, pouco antes de irem para o esconderijo. Ele o tocou com a ponta
dos dedos. Empurrei tudo em suas mãos; depois saí da sala, fechando a porta silenciosamente.
Pouco depois o telefone na minha mesa tocou. Era a voz do sr. Frank. “Miep, por favor,
cuide para que eu não seja perturbado.”
“Já fiz isso”, respondi.7

DURANTE OS MESES SEGUINTES, Otto Frank tentou, com pouco sucesso, se


restabelecer nos negócios. Nesse meio-tempo, esquadrinhou o diário, os
cadernos de exercícios e o livro de relatos em que Anne havia registrado
seus segredos e nos quais, como ele diria mais tarde, descobriu uma filha
que nunca conhecera de fato. As mesmas palavras que haviam consolado
Anne talvez tenham proporcionado algum conforto a Otto, ou pelo menos
distração, à medida que ele datilografava trechos do manuscrito, traduzia-os
para o alemão e os enviava para sua mãe na Suíça.
Baseando-se principalmente no rascunho que Anne revisara, mas
também fazendo empréstimos da versão original e das histórias e alguns
fragmentos que seriam publicados em Contos do esconderijo, Otto
datilografou um segundo original, muito maior, do diário. A essa altura,
estava convencido de que Anne desejara que o material fosse publicado sob
o título O anexo secreto, e sentiu-se na obrigação de tratá-lo não como um
registro pessoal, mas como algo que poderia ser lido por estranhos. Otto
mudou os nomes, segundo a intenção original da autora, mas manteve os
nomes verdadeiros de sua própria família, embora Anne tivesse desejado
transformar os Frank em os Robin: Frederik e Nora, e suas filhas Betty e
Anne. Conservou, também, o primeiro nome de Peter van Pels, apesar de
Anne haver especificado que seu jovem vizinho do andar de cima deveria
aparecer em O anexo secreto como Alfred van Daan.
Durante o último meio século, Otto Frank foi acusado de puritanismo,
de ser demasiado propenso a perdoar os alemães, de censurar e desenraizar
Anne, de antissemitismo, de sentimentalismo e covardia, de cobiça e
ambição pessoal. De fato, o que parece mais provável é que sua edição
tenha sido guiada pelos instintos de um pai consternado, desejoso de dar ao
leitor a mais completa compreensão de como era a sua filha. Otto cortou
várias das críticas mais ácidas de Anne aos seus vizinhos, seja movido por
um desejo de fazê-la parecer mais amável, seja para proteger as
sensibilidades dos vivos – por exemplo, a namorada do dentista, Charlotte
Kaletta, que já ficou suficientemente infeliz com as passagens que restaram.
(Ela ficou ainda mais contrariada quando a peça da Broadway baseada no
diário retratou seu marido como um bobo, tão ignorante de sua herança
religiosa que precisou que lhe explicassem o significado do Chanuká.)
É verdade que Otto optou por eliminar os raros lampejos de maldade
de Anne e abrandar sua impaciência com relação à mesquinharia e à
hipocrisia. Mas, se procurarmos pelo ponto em que a jovem dotada de uma
visão complexa e madura da política, da história e da natureza humana foi
reduzida a uma alegre adolescente, se tentarmos determinar o momento no
qual a consciência de estar sendo submetida a todo aquele sofrimento por
conta de sua religião foi transformada em uma identificação mais
generalizada com a humanidade sofredora, descobriremos que essas
mudanças não foram resultado da edição de Otto Frank, mas sim do modo
como as adaptações do diário para a Broadway e Hollywood representaram
sua autora. No palco e na tela, o adorável foi enfatizado em detrimento do
humano, o particular foi substituído pelo chamado universal, e universal foi
associado a americano – ou, de qualquer forma, não judaico, já que judaico
significaria um público menor, lucros mais limitados e, o que é mais
perturbador, um tema que poderia afastar um público não judaico.

RECÉM-ENVIUVADO, ainda de luto pela mulher, é compreensível que Otto


Frank relutasse em ver seu casamento publicamente julgado e considerado
insatisfatório por sua filha. Mais tarde, as especulações de Anne sobre a
relação dos pais se tornariam uma grande revelação quando as cinco
páginas “suprimidas” do diário fossem encontradas. No entanto, a
controversa conclusão a que Anne chegou – que a união dos pais não era
nem apaixonada nem romântica – era provavelmente óbvia para os parentes
de Frank, para os amigos deles em Amsterdam, e para qualquer pessoa
entendida ou mesmo curiosa sobre o modo como homens e mulheres se
comportam na presença ou na ausência de amor e desejo. Certamente essas
questões eram “de grande interesse para Anne. Em fotografias dos Frank, o
carismático e vistoso Frank e sua mulher relativamente feiosa parecem ter
ido parar acidentalmente no mesmo enquadramento. Os instantâneos que
Otto tirava das filhas são vastamente mais numerosos que os de Edith.
Mas, embora tenha cortado as referências mais ásperas de Anne a
Edith, ao seu casamento e à relação belicosa de sua mulher com a caçula do
casal, Otto escolheu não eliminar os relatos que Anne faz de seus próprios
momentos mais sombrios. Conservou as observações pessimistas da filha
sobre a natureza assassina de seus semelhantes, bem como seus protestos
mais enraivecidos e desesperados contra o antissemitismo que obrigara ela
e sua família a se esconderem. De maneira semelhante, deixou a passagem
em que Anne pergunta por que Deus havia decidido que os judeus
sofressem: “Mas se depois de todo esse sofrimento ainda sobrarem judeus,
o povo judeu, em vez de ser condenado, servirá de exemplo.”8
Depois de completar a edição preliminar, Otto pediu a um amigo, o
teatrólogo Albert Cauvern, para verificar o manuscrito em busca de erros de
gramática e vocabulário. O texto datilografado existente sugere que pelo
menos mais uma pessoa além de Cauvern tenha feito uma atenta leitura
crítica do texto. Entre seus primeiros leitores esteve também Kurt
Baschwitz, um professor de psicologia e jornalismo que, numa carta à filha,
chamou o diário de “o mais comovente documento que conheço sobre
aquele tempo” e “uma obra-prima literária”.9
Pessoas que estiveram com Otto Frank durante esse período lembram
um homem bonitão e distinto com a postura e a reserva de um oficial
prussiano – mas cujos olhos estavam perpetuamente vermelhos de choro.
Ele levava o manuscrito consigo aonde quer que fosse, e, por vezes,
lágrimas lhe escorriam pelo rosto quando lia algumas páginas em voz alta,
ou instava amigos e estranhos a lê-lo.
O texto datilografado passou de mão em mão e por escrivaninhas que
incluíram as de Jan Romein e sua mulher, Annie, dois eminentes
intelectuais holandeses que acharam que o livro devia ser publicado, mas
não conseguiram convencer ninguém que tivesse o poder de fazê-lo. O
manuscrito foi rejeitado por todos os editores que o leram; nenhum deles
imaginava que leitores comprariam o diário íntimo de uma adolescente que
fora morta na guerra. Além disso, os holandeses não tinham nenhum desejo
de ser lembrados do sofrimento que haviam suportado tão recentemente, e,
malgrado o que o ministro cultural holandês no exílio prometera em sua
transmissão radiofônica, supunha-se que haveria pouco interesse num relato
em primeira pessoa de uma das jovens vítimas dos nazistas.
Por sorte, o livro teve defensores tenazes. Em abril de 1946, Jan
Romein escreveu sobre o diário no jornal Het Parool, outrora o periódico
clandestino da Resistência holandesa. O ensaio de Romein, intitulado “A
voz de uma criança”, foi ao mesmo tempo apaixonado e contido. Mais do
que todas as evidências apresentadas nos julgamentos de Nuremberg,
escreveu ele, o diário é uma denúncia da “barbaridade insana” do fascismo
e de crimes que, apenas um ano depois do fim da guerra, seus compatriotas
já estavam esquecendo. Romein louvou os talentos de Anne – “uma
percepção das fraquezas da natureza humana, sem excluir as dela própria,
tão infalível que nos espantaria num adulto, que dirá numa criança” – e
descreveu eloquentemente o modo como a literatura pode nos afetar.
Quando terminei era noite, e fiquei espantado ao constatar que as luzes ainda funcionavam, que
ainda tínhamos pão e chá, que não se ouvia nenhum avião zumbindo no céu nem botas militares
avançando pesadamente pela rua – eu me deixara absorver por minha leitura e fora assim
transportado de volta para aquele mundo irreal, de quase um ano atrás.10

Depois que o ensaio de Romein foi publicado no Het Parool, Otto


Frank foi procurado por várias editoras, entre as quais a Contact, situada em
Amsterdam. Seu diretor administrativo estava interessado no livro, mas
fazia objeção a passagens em que, a seu ver, Anne escrevia livremente
demais sobre sexo e sobre seu corpo. Otto concordou com a supressão.
Talvez tenha ficado aliviado com a omissão dessas entradas, que a própria
Anne havia excluído ao revisar o diário. Eliminadas da edição holandesa,
essas seções seriam reintroduzidas quando publicada a edição em língua
inglesa.
No verão de 1946, cinco trechos selecionados do diário foram
publicados numa revista com que os Romein tinham ligação. O processo de
edição continuava em andamento. A pedido do editor holandês, cerca de 25
páginas foram cortadas do manuscrito, inclusive uma referência à
menstruação e outra a um episódio em que Anne e uma amiga tocaram os
seios uma da outra.
O diário foi publicado nos Países Baixos em 1947 numa edição de
1.500 exemplares, com um subtítulo que dizia: Diário em forma de cartas,
12 de junho de 1942-1º de agosto de 1944. A introdução escrita por Annie
Romein fazia uma avaliação um tanto mais moderada dos méritos do livro
que a entusiástica crítica do marido, que ajudara a promover a publicação.
Seu texto foi a primeira de muitas reações ao diário que elogiaram o livro
ao mesmo tempo em que o reduziam à condição de rabiscos ingênuos e
toscos de uma menina notavelmente bem-dotada.
Esse “diário de uma criança normal crescendo em circunstâncias
excepcionais … desapontará quem estiver em busca de ‘assombro’ … este
diário não é a obra de um prodígio”. O diário “não é o trabalho de uma
grande escritora, mas o despertar de uma alma humana é retratado de
maneira tão pura, precisa e descomprometida que raramente vemos algo
semelhante nas memórias dos maiores escritores”. “Como as crianças em
Um ciclone na Jamaica, de Richard Hughes”, escreveu Romein, “Anne
Frank vê o mundo, e em especial a si mesma, com uma franqueza honesta,
realista e isenta de julgamentos morais.”11
Sem saber que estava se pronunciando sobre uma questão que logo se
tornaria controversa – se o diário de Anne era ou não, estritamente falando,
um documento do Holocausto –, Romein observou: “Este diário é também
um documento sobre a guerra, sobre a perseguição aos judeus. A vida
daqueles que se esconderam é belamente descrita por essa menina que
tinha, em todo caso, uma qualidade essencial para um grande escritor: ela
permanecia imparcial, era incapaz de se acostumar com o modo como as
coisas são e, por isso, de se influenciar por elas.”
A outra coisa que Romein parecia não saber era o cuidado com que
Anne revisara seu diário. Tampouco deve ter levado a sério a reflexão de
Anne, após o pronunciamento pelo rádio do ministro holandês, sobre como
seria interessante se o romance O anexo secreto fosse publicado.
“O diário é pura conversa consigo mesma. Não há um só pensamento
perturbador sobre futuros leitores, um só pálido eco do … desejo de
agradar.”
Bem-visto pela crítica, o livro de Anne teve sucesso razoável, se não
excelente, nos Países Baixos. Foi reimpresso no fim no ano, duas vezes em
1948, uma vez em 1949 e, depois, só em 1950 – e ficou, então, fora de
catálogo até 1955, quando seu sucesso nos Estados Unidos criou uma nova
demanda. Embora modesta, a recepção do livro na Holanda ajudou a
interessar editores em outros países da Europa. A edição holandesa estava
em sua sexta impressão quando o diário foi publicado na Alemanha em
1950.
Numa tentativa de captar a voz de Anne, a tradução alemã errou o tom
em algumas passagens, e, por medo de repelir seu público projetado, omitiu
referências ao sentimento antigermânico no anexo secreto. As proibições de
ouvir estações de rádio alemãs e falar alemão – um problema para a sra.
Frank e a sra. Van Pels, que nunca haviam se tornado inteiramente fluentes
em holandês – não aparecem em parte alguma da edição, e uma referência
ao ódio entre judeus e alemães foi alterada, substituindo-se alemães em
geral por “esses alemães”.
Numa entrevista publicada em abril de 1959 na Der Spiegel, a
tradutora original do holandês para o alemão, Anneliese Schütz, explicou:
“Um livro destinado, afinal de contas, a ser vendido na Alemanha não pode
ofender os alemães.”12 Essa relutância em ofender leitores num país cujos
líderes haviam assassinado a autora do livro foi um indicador da rapidez
com que o diário já se tornara uma mercadoria que o público poderia ou não
escolher comprar. Apesar das alterações feitas na edição, a primeira
impressão não foi um sucesso comercial na Alemanha.

NOS ESTADOS UNIDOS, o diário de Anne Frank foi inicialmente rejeitado por
quase todas as editoras importantes. “É um documento interessante”,
admitiu um editor na sucursal americana da firma internacional Querido,
sediada em Amsterdam, “mas não acredito que haverá neste país suficiente
curiosidade pelo assunto para tornar a publicação aqui um negócio
lucrativo.”13
Ernst Kuhn, um amigo de Otto que trabalhava no Manufacturers
Hanover Bank em Nova York, tomou para si o desafio de tentar encontrar
uma editora americana para o diário. Exatamente como na Europa, o livro
era visto como demasiadamente específico, doméstico, judaico, enfadonho
e, acima de tudo, tendente a lembrar aos leitores o que eles desejavam
esquecer. Os americanos não queriam ouvir falar sobre a guerra. “Na
presente disposição de espírito do público americano”, escreveu um editor
da Vanguard, “não podemos publicar um livro com a guerra como pano de
fundo.”
A Alfred A. Knopf devolveu o manuscrito sob a alegação de que ele
era “muito tedioso”, um “registro maçante de típicas altercações de família,
aborrecimentos triviais e emoções adolescentes”. As vendas seriam
pequenas porque os principais personagens não eram nem familiares para
os americanos nem especialmente atraentes. “Ainda que a obra tivesse
vindo à luz cinco anos atrás, quando o assunto era oportuno … não acredito
que ela tivesse tido alguma chance.” Embora reconhecendo que “tão poucos
livros ou documentos contemporâneos (sejam) tão genuínos ou espontâneos
quanto este”, a Viking decidiu que aquele momento era inapropriado para
que o diário aparecesse. “Se os tempos estivessem normais, eu faria uma
edição e tradução”, escreveu um editor, “mas os tempos não estão normais.”
Na Grã-Bretanha, a reação foi semelhante. Na Secker and Warburg,
pensou-se que “o público leitor inglês afastaria a visão de uma história tão
penosa, a qual lhes traria de volta todos os eventos funestos que ocorreram
durante a guerra”. Como prova, um editor dali observou que The Wall,
romance de John Hersey sobre o levante do gueto de Varsóvia, “não estava
sendo tão bem-sucedido quanto se esperava”.
Em uma de suas “Letters from Paris” que eram publicadas na New
Yorker, Janet Flanner mencionou a popularidade que estava tendo o livro de
uma “precoce e talentosa judiazinha de Frankfurt”. Contudo, apesar da
menção na New Yorker e da recepção do livro na França, o diário de Anne
estava na pilha das obras rejeitadas no escritório de Frank Price, o diretor
do departamento estrangeiro da Doubleday, quando uma jovem assistente
chamada Judith Jones – que mais tarde se tornaria uma editora legendária
na Knopf, trabalhando com autores como Julia Child – o encontrou. Em
suas memórias, The Tenth Muse, Jones recorda:
Um dia, quando Frank saiu para um almoço literário no coração de Paris, comecei a trabalhar
com uma pilha de obras propostas que ele queria rejeitar. Enquanto avançava, fui atraída pelo
rosto na capa de um livro que Calmann Lévy estava prestes a publicar. Era a edição francesa de
O diário de Anne Frank. Comecei a lê-lo – e não consegui parar. Passei a tarde toda enroscada
no sofá, partilhando da vida de Anne no sótão, até que a última luz se apagou e ouvi a chave de
Frank na porta da frente. Surpreso por me encontrar ainda lá, ficou ainda mais surpreso ao ouvir
que fora Anne Frank quem me mantivera ali. Mas finalmente se deixou convencer por meu
entusiasmo e me deixou enviar o livro para a Doubleday em Nova York, instando-lhes que o
publicassem.
Não precisei insistir muito, e recebemos autorização para oferecer um contrato.14

Entre aqueles que desde o início reconheceram a importância do livro


estava Robert Warshaw, um editor da Commentary, revista de interesse
judaico altamente conceituada que imprimiu trechos do diário antes de sua
publicação americana. “Permita-me dizer de novo”, escreveu Warshaw a
Otto Frank, “que não li nenhum documento da experiência judaica na
Europa que tenha me parecido tão expressivo, tão comovente e de tão alto
nível literário quanto o extraordinário diário de sua filha.”15
Mas, apesar do entusiasmo de Warshaw e de outros primeiros leitores,
as ambições da Doubleday para o livro foram modestas. Os editores
concordaram em pagar a Otto Frank um adiantamento de 500 dólares, e
uma pequena tiragem foi encomendada.
A editora americana do livro foi uma jovem chamada Barbara
Zimmerman, mais tarde Barbara Epstein, mais tarde ainda uma fundadora
da New York Review of Books, e que tinha então mais ou menos a idade que
Anne Frank teria se estivesse viva. Sua correspondência com Otto Frank é
um modelo de afeição pessoal, profissionalismo e fé na importância do
projeto em que estavam colaborando. Em 5 de novembro de 1951,
Zimmerman escreveu a Otto Frank: “Gosto do livro e sinto que ele tem para
mim um valor que vai além de questões de negócio.”16
Todas as decisões referentes à promoção e ao lançamento da edição
americana do diário, que foi publicado no que teria sido o 23º aniversário de
Anne, revelaram-se inspiradas. Sorte e felizes coincidências pareceram, a
cada estágio, promover o sucesso do relato de Anne nos Estados Unidos.
Parte do mérito foi da Doubleday, e parte foi de Otto Frank, que muito
depressa compreendeu o negócio editorial como um todo, e o da
publicidade em particular. Ele percebeu que o diário da filha não era de fato
a relíquia de um santo, a obra póstuma do que Ian Buruma, escrevendo na
New York Review of Books, chamou de “a Joana d’Arc judia”,17 mas
simplesmente um livro. Mortificado de início pelos efeitos colaterais
desagradáveis da comercialização, Otto aprendeu a endurecer seu coração
diante do desconforto de ver a filha ser discutida como se fosse um
personagem de ficção. Como sempre, estava determinado a sustentar sua
família, que logo incluiria sua segunda mulher, Elfriede “Fritzi” Markovits
Geiringer, com quem se casou em novembro de 1953.
Quando ficou claro para ele que o diário estava se tornando não só
uma mercadoria, mas uma mercadoria lucrativa, Otto decidiu destinar parte
dos lucros que a obra gerava para as causas humanitárias que se tornariam
para ele uma religião, tanto quanto o judaísmo reformado que praticou após
a guerra. Assim que percebeu o que o diário podia realizar, Otto se tornou
bastante obstinado – prático, concentrado, e pelo menos parcialmente imune
a reconsiderações ou distrações.

DEVE TER SIDO UMA ESCOLHA ÓBVIA pôr o rosto de Anne na capa, e Otto
Frank mandou para seus editores um retrato de sua fotogênica filha. Antes
da guerra, ele fora um apaixonado fotógrafo amador. Com sua câmera
Leica, uma das primeiras a serem comercializadas, ele documentava
nascimentos, aniversários, festas da família e férias, assinalando cada
estágio do desenvolvimento de suas filhas com dúzias de retratos formais e
instantâneos das meninas escovando os dentes, penteando o cabelo,
brincando com amigos, tomando sol, construindo castelos de areia. Um
grande número de fotos sobreviveu à guerra, imagens visuais expressivas
que contribuiriam para a celebridade de Anne Frank.
Para a edição americana, Otto escolheu uma imagem feita em 1939.
Na foto, um dos mais serenos retratos de Anne, seu bonito rosto transmite
uma inteligência melancólica e uma doçura pungente. Era a foto que Anne
colara em seu diário, com uma anotação observando que um retrato como
aquele talvez aumentasse suas chances de chegar a Hollywood e
acrescentando que, na vida real, ela costumava parecer muito diferente.
Provavelmente estava certa, se admitirmos que a maioria de suas fotos – em
que é mostrada rindo ou com um sorriso travesso, mais animada e
engraçada do que convencionalmente bonita e serena – forneciam uma
imagem mais fiel. Mas ela preferia ser vista como uma menina séria,
encantadora, e, ao escolher a fotografia de que ela própria gostava, Otto
talvez tenha se sentido mais uma vez realizando seus desejos. Em versões
posteriores do diário, na atual edição americana em brochura e em outros
livros sobre Anne, imagens mais alegres foram usadas.
Numa crítica publicada no New Statesman em maio de 1952, Antonia
White reagiu, como tantos outros, à foto: “O que ela nos deixou foi um
livro de extraordinário interesse humano e histórico, tão vivo quanto o rosto
na fotografia que encara o leitor de meia-idade com a mesma impertinência
sagaz que tantas vezes deve ter sido dirigida a seus pais e aos Van Daan.”18
É impossível superestimar o poder que essa imagem de Anne Frank
teve. Ela é instantaneamente identificável, quer vejamos seu rosto num livro
ou projetada (para coincidir com uma visita da exposição itinerante sobre
Anne Frank) numa torre na Grã-Bretanha onde judeus foram torturados
durante a Idade Média. É pouco dizer que ela é a vítima mais comumente
conhecida e facilmente reconhecível da campanha nazista contra os judeus,
ou de qualquer genocídio antes ou depois. As paixões que ela invocou não
podem ser separadas do fato de que sabemos como era sua aparência.
A foto de Anne era o sonho de qualquer editor. Na Doubleday, Donald
B. Elder escreveu a Otto para agradecer pela imagem “muito
encantadora”.19 Satisfeita com o retrato, Barbara Zimmerman deve ter
sentido suas esperanças com relação ao livro aumentarem
consideravelmente quando conseguiu obter um breve ensaio introdutório de
Eleanor Roosevelt.
Mais de 50 anos depois, esse prefácio ainda introduz o livro, embora
os americanos tenham desde então descoberto e esquecido que muitos
judeus – inclusive a família de Otto Frank – não conseguiram encontrar
refúgio nos Estados Unidos em parte por causa das políticas do marido da
sra. Roosevelt. Nesse meio-tempo, a fama da autora adolescente do livro
pode ter superado por uma ampla margem a da introdutora; nas escolas
americanas de hoje, é provável que muito mais crianças tenham ouvido
falar de Anne Frank que de Eleanor Roosevelt.
O ensaio de pouco mais de uma página começa assim: “Este é um livro
extraordinário. Escrito por uma jovem menina – e os jovens não têm medo
de dizer a verdade –, é um dos comentários mais sábios e comoventes que
já li acerca da guerra e de seu impacto sobre seres humanos.” O texto
enfatiza o triunfo do espírito que o diário documenta e os modos como as
preocupações de sua autora se assemelham às de qualquer adolescente.
“Apesar do horror e da humilhação de suas vidas cotidianas, essas pessoas
nunca se renderam … Anne escrevia e pensava durante grande parte do
tempo sobre coisas que adolescentes muito sensíveis e talentosos sem a
ameaça da morte escreverão – sua relação com os pais, a crescente
autoconsciência, os problemas de se tornar adulto.”20
As palavras “judeu” ou “judaico” nunca são mencionadas. Já se
observou que Eleanor crescera num ambiente impregnado do que o
biógrafo de Roosevelt Geoffrey C. Ward chamou de uma “espécie de
antissemitismo jocoso”. Em 1923, depois que um amigo dos Roosevelt
pescou um grande mero numa expedição de pesca, Eleanor gracejou, para
diversão do marido: “Pensei que tínhamos saído de Nova York para nos
livrar dos judeus.”c 21
Comovido pelo prefácio da ex-primeira-dama, Otto Frank escreveu
para a sra. Roosevelt agradecendo-lhe por suas palavras amáveis: “A leitura
da sua introdução me dá conforto e a convicção de que o desejo de Anne
está realizado: continuar vivendo após a morte e ter feito alguma coisa pela
humanidade.”22
Como tantas outras coisas relacionadas ao diário de Anne, esse
prefácio foi objeto de controvérsia, neste caso envolvendo a acusação de
que a editora americana tenha escrito o texto e pedido que a sra. Roosevelt
o assinasse. Se isso aconteceu de fato, porém, não foi o que Barbara
Zimmerman disse a Otto Frank, a quem ela transmitiu seu encantamento
com o prefácio da esposa do ex-presidente. E a carta de agradecimento de
Otto para a sra. Roosevelt (que o estimularia a permitir que uma versão para
o palco ou para o cinema fosse feita a partir do diário, de modo que a
mensagem de Anne pudesse alcançar um público mais amplo) foi
genuinamente sincera. Ele contou ter seu sentimento de “missão ao publicar
as ideias de Anne, pois sinto que elas ajudam as pessoas a compreender …
que somente o amor e não o ódio podem construir um mundo melhor”.23 É
uma correspondência comovente, tal como uma troca de cartas posterior,
em que Otto recusa um convite para se encontrar com a primeira-dama
durante sua estada no Park Sheraton em Manhattan, alegando ter sofrido
recentemente um colapso nervoso e precisar de um pouco de repouso.
Menos doce foi a rapidez com que a sra. Roosevelt acreditou nas
acusações feitas numa carta que recebeu posteriormente de um escritor. Ele
dizia, entre outras coisas, que Otto tinha se mudado para a Suíça para evitar
os elevados impostos holandeses. O autor dessa carta foi um romancista
americano chamado Meyer Levin, que havia feito uma crítica laudatória do
diário, publicada na primeira página do The New York Times Book Review.
O LIVRO FOI UMA SENSAÇÃO INSTANTÂNEA. A crítica de Meyer Levin o
promoveu com grande eficácia.
Desde que Zelda Fitzgerald criticou (sob pseudônimo e
negativamente) um livro de seu marido, nunca a contratação de uma crítica
literária – feita, aceita ou, neste caso, solicitada – envolvera questões de
conflito de interesse de maneira tão flagrante. Meyer Levin não só era um
grande amigo de Otto Frank, como estava agindo como seu conselheiro e,
informalmente, como o agente do diário. Além disso, ele estava convencido
de que era a escolha perfeita para adaptar a obra para o palco.
No entanto, ele pediu permissão para escrever o ensaio, e o editor
Francis Brown concordou, e depois lhe deu mais espaço para linhas e linhas
de elogios. “Pois a pequena Anne Frank, vivaz, mal-humorada, espirituosa,
insegura, conseguiu comunicar numa forma praticamente perfeita, ou
clássica, o drama da puberdade.” Ao mesmo tempo em que reconhecia o
assunto penoso, Levin antecipava as reservas dos seus leitores, e as
dissipava, assegurando-lhes que “esta não é uma história lúgubre de gueto,
não é uma compilação de horrores … O diário de Anne Frank está
simplesmente repleto de diversão, amor, descoberta … Essas pessoas
poderiam morar na casa ao lado; suas emoções no seio da família, suas
tensões e satisfações são as da natureza e do desenvolvimento humano, em
qualquer lugar.”24
As versões variantes do diário, inclusive as revisões de Anne, não
estariam disponíveis em inglês por mais 30 anos, e Levin fomentou o mito
– ou verdade parcial – mais comum sobre a obra: “Como não foi escrito em
retrospecto, o diário contém a vida pulsante de cada momento.”
Outros críticos foram igualmente entusiásticos. A revista Time chamou
o livro de Anne de “uma das histórias mais comoventes que qualquer
pessoa, em qualquer lugar, conseguiu contar sobre a Segunda Guerra
Mundial”.25 Na mesma página de uma crítica do primeiro romance de
Flannery O’Connor, Sangue sábio, a revista católica Commonweal elogiou
o diário como “extraordinário pela franqueza e sensibilidade da autora, em
relação tanto a seu ambiente quanto a seu desenvolvimento interior”.26
A data oficial da publicação foi 12 de junho, e em 23 de junho Barbara
Zimmerman escreveu para Otto Frank contando que a primeira edição se
esgotara; uma segunda e uma terceira impressão de 10 mil exemplares cada
haviam sido encomendadas. A editora decidira não poupar recursos em
anúncios e promoção. Ela estava certa de que o livro seria um enorme best-
seller, e a calorosa resposta do público havia renovado sua fé no povo
americano. “ANNE FRANK é um extraordinário sucesso …”, escreveu
Zimmerman. “É um dos livros mais importantes a serem publicados nos
Estados Unidos desde muito tempo. Simplesmente trabalhar com esse livro
foi uma experiência maravilhosa para mim porque estou francamente
apaixonada por ele! E é tão bom encontrar tantas centenas de outras pessoas
que concordam!”27
Parte do que torna as cartas de Barbara Zimmerman para Otto Frank
tão simpáticas e tão comoventes é que elas permitem imaginar o que era ter
20 e poucos anos, conseguir seu primeiro emprego de verdade no ramo da
editoração em Nova York, e um dos primeiros livros cuja edição lhe é
confiada calhar de ser O diário de Anne Frank.

c Jogo de palavras intraduzível para o português. Em inglês, o peixe mero é chamado jewfish, e os
judeus, jews. (N.T.)
4. O livro, parte II

DIFERENTEMENTE DAQUELES LIVROS de que gostávamos quando crianças e


aos quais retornamos com a perplexidade de alguém que visita o local de
uma casa da infância demolida para dar lugar a uma via expressa, o diário
de Anne Frank nunca nos faz perguntar: quem era aquela pessoa que
gostava deste livro? Ao contrário, como todo clássico – esta pode ser uma
definição de clássico literário –, ele recompensa a releitura. Cada leitura
(refiro-me aqui à versão “c” do diário, que Otto Frank montou combinando
o primeiro rascunho de Anne e suas revisões, a edição que os escolares
leem e com que a maioria de nós se deparou pela primeira vez) revela
aspectos da obra que podem nos ter escapado e que nos permitem ver o
livro à luz de nossa própria experiência, de tudo que aprendemos,
lembramos e esquecemos desde a primeira vez que o lemos.
Embora a maioria dos jovens leitores talvez não saiba definir ou
mesmo identificar a fonte do fascínio que o livro exerce, a primeira coisa
que nos atrai para o diário é a voz de Anne Frank, aquele misterioso
amálgama de talento, instinto, trabalho árduo e incontáveis pequenas
decisões autorais que fazem parecer que as palavras saem da página e falam
conosco. A energia confiante, contagiante dessa voz nos torna desejosos,
até ávidos, de ouvir uma menina nos contar que presentes ela ganhou em
seu aniversário de 13 anos e como seus amigos assistiram a um filme de
Rin Tin Tin em sua festa. Ouvimos com paciência, até encantamento,
enquanto a criança tagarela sobre quem é sua melhor amiga agora em
contraposição a que menina costumava ser sua melhor amiga antes, por
qual menino ela tem uma queda, com que menino pretende se casar.
Um dos equívocos com relação a O diário de Anne Frank é a ideia de
que, desde o início, Anne chamou seu diário de Kitty. Na verdade, nos
primeiros rascunhos, ela formulou algumas entradas como cartas para
amigas – algumas reais, algumas imaginárias –, com quem mantinha uma
correspondência animada, ainda que unilateral. Numa nota comovente,
Anne conta a uma amiga que aquela será a última carta que poderá lhe
enviar. Outras cartas foram endereçadas a personagens dos romances Joop
ter Heul, de Cissy van Marxveldt, uma série muito popular, da qual Anne
gostava muito.
A série, escreve Mirjam Pressler,

acompanha as peripécias de um “clube” de meninas desde a escola até o casamento e a


maternidade. Os temas desses livros não são muito diferentes dos de livros para meninas
publicados no mundo todo naquela época – histórias com um caráter quase educacional,
preparando meninas para seus futuros papéis como esposas e mães. No estilo, contudo, são
muito diferentes – mais coloquiais e divertidos; é tentador dizer mais modernos … Podemos
supor com segurança que Cissy van Marxveldt teve alguma influência no estilo da própria
Anne.1

Em setembro de 1942, durante um período em que menciona ter lido


os livros Joop ter Heul, Anne endereça suas cartas no diário (mais tarde
cortadas ou alteradas em suas revisões) a Conny, Marianne, Phien, Emmy,
Jettje e Poppie – membros do “clube”.
Uma das heroínas de Van Marxveldt era Kitty Francken, e foi por Kitty
que Anne se decidiu quando, durante os últimos meses que passou no sótão,
começou a revisar o diário e se concentrou numa ouvinte imaginária.
Embora Anne tivesse tido uma amiga real com esse nome, Käthe “Kitty”
Egyedi, é comumente aceito que ela tenha escolhido o nome a partir dos
personagens de Van Marxveldt. É possível que Anne tenha imaginado O
anexo secreto como um romance no estilo Joop ter Heul.
O que importa é que esse artifício – o diário na forma de cartas para
Kitty – deu a Anne uma maneira de se dirigir a seus leitores de forma
íntima e direta, chamando-os simplesmente de você. Talvez isso a ajudasse
a escrever com mais fluência ao lhe fornecer um público imaginário. Muitas
pessoas já se sentiram impedidas de manter um diário por incerteza e
confusão quanto a quem ou para quem exatamente o diarista estaria
escrevendo.
Lendo o diário de Anne, tornamo-nos o amigo, o companheiro mais
inteligente e compreensivo que alguém poderia desejar. Tagarela,
engraçada, impertinente, Anne está escrevendo para nós, falando do fundo
do coração para o confidente ideal; nós atendemos ao desafio e nos
tornamos esse confidente. Ela nos transforma no ouvinte consumado,
captando os sinais que ela espera estar transmitindo para o ar fresco fora da
prisão do sótão. Se seu diário é uma mensagem numa garrafa, somos
aqueles que a encontram reluzindo numa praia.
Em poucas páginas, a transparência do estilo de Anne nos convence de
que ela está falando a verdade ao descrever o mundo à sua volta e dirigir o
olhar para si, como se seu eu privado fosse um país estrangeiro cuja
geografia e costumes ela está se esforçando para compreender de modo a
poder viver ali. Entre os temas que percorrem todo o livro está o urgente
desejo de Anne de descobrir quem – que tipo de pessoa – ela é.
O tema da verdadeira natureza de Anne a absorve, e a nós, desde as
primeiras passagens até a entrada final do diário, em que a menina afirma
que é “partida em duas”, um lado despreocupado, superficial, que fica à
espreita para emboscar seu eu “mais puro, mais profundo e melhor”.
Consciente da frequência com que esconde suas boas qualidades porque
teme ser mal compreendida ou objeto de zombaria, ela acusa a si mesma de
ser intolerante, arrogante e rabugenta. “Fico irritada, e depois triste, a parte
má do lado de fora e a boa do lado de dentro, e tento achar um modo de me
transformar no que gostaria de ser e no que eu poderia ser se… se não
houvesse mais ninguém no mundo.”2 À beira de um horror do qual está
penosamente consciente, Anne Frank se aflige por não conseguir ser mais
amável com sua mãe.
Lendo o diário, somos lembrados, muitas vezes de maneira chocante,
de perguntas semelhantes que podemos ter feito a nós mesmos quando
adolescentes, dos mistérios fascinantes que o tempo solucionou, ou cuja
urgência a idade apagou. É quase impossível recordar que perguntávamos
quem éramos nós, quem realmente éramos, bem como nossas preocupações
com as diferenças entre nossos eus autênticos e as máscaras que todos
tomavam pela nossa face verdadeira. Tentar lembrar as contorções
psicológicas e espirituais a que nos submetíamos, quando éramos jovens, é
tão difícil quanto tentar evocar nosso espanto diante da rapidez com que
nossos corpos se modificavam.
Talvez mais do que qualquer outro livro, o diário de Anne nos faz
lembrar como eram essa perplexidade e esse anseio. Ao mesmo tempo, as
entradas do diário tornam-se uma espécie de espelho em que adolescentes,
meninos e meninas, podem se ver – uma descrição extremamente
condensada da alienação, da solidão e das torrentes de sofrimento sem
causa concreta que definem a adolescência na cultura ocidental do século
XX. Leitores mais velhos reconhecerão ecos familiares, mas esquecidos, de
seus próprios passados à medida que Anne descreve sua incapacidade de
abrir uma brecha no muro que a separa dos outros. Leitores mais jovens
podem experimentar uma afinidade quase alarmante com uma menina que
morreu tanto tempo atrás, mas que está dizendo o que ninguém expressou
tão sucintamente. Ela está escrevendo, é claro, sobre oito judeus obrigados
pelos nazistas a passar dois anos num sótão. Mas está também descrevendo
como é ser jovem.
Entre as fascinações do diário está a oportunidade que ele oferece para
observarmos a protagonista e a narradora de Anne – ela mesma – revelada
em toda a sua complexidade, e testemunharmos o que John Berryman
chamou de transformação da criança no adulto. Anne Frank era
imensamente observadora, e despudoradamente curiosa em relação a tudo,
desde os acontecimentos do momento até a vida sexual dos gatos, passando
pelas sutilezas da natureza humana e os problemas de ser uma estrela de
cinema. Ela também tinha um senso de humor extremamente desenvolvido,
que lhe era muito útil nos piores momentos no esconderijo. Quando Pfeffer
chega ao sótão trazendo notícias dos destinos “horríveis e medonhos” de
seus amigos e vizinhos judeus, Anne promete a si mesma que “voltaremos a
brincar e a pregar peças como antes. Não fará nenhum bem a nós ou aos
que estão lá fora se continuarmos tão tristes como estamos agora. E qual
seria o sentido de transformar o Anexo Secreto num Anexo Melancólico?”
A forma do diário – cartas com quebras, como quebras de capítulo,
dando margem a lacunas no tempo e mudanças de assunto – permite a Anne
passar suavemente da meditação para a ação, da narração e da reflexão para
o diálogo e a cena dramatizada. Parte do que nos mantém lendo com tão
embevecida atenção são as mudanças regulares, mas imprevisíveis, entre
opostos de tom e conteúdo – entre domesticidade e perigo, entre o privado e
o histórico, entre metafísica e alta comédia. Uma das mais intrigantes
dessas oposições é a tensão entre o extraordinário e o banal, o extremo e o
normal, o jovem gênio e a adolescente típica. Numa entrada, Anne pode
fazer as observações mais incisivas ou poéticas; na seguinte, ela se queixa
de estar sendo azucrinada, discriminada, criticada injustamente; os adultos
não a compreendem, tratam-na como a criança que ela parece ser nessas
passagens. Mesmo quando os perigos se tornam mais prementes e suas
reflexões, mais transcendentes, ela continua insistindo em o quanto é uma
pessoa comum, e apesar das evidências em contrário acreditamos nela, e ao
mesmo tempo não acreditamos, porque é verdade e não é.
Sua voz é tão reconhecível e evocativa que podemos tomá-la pela de
qualquer menina, até que lemos com mais atenção e compreendemos que
seu timbre, seu ritmo e sua escolha do que focalizar é unicamente de Anne.
Qualquer pessoa que algum dia tenha tentado escrever de maneira
autobiográfica saberá como é difícil fazê-lo sem parecer afetado, forçado e
falso. Somente um escritor natural poderia soar não como se estivesse
escrevendo, e sim pensando na página.
“Tenho uma característica notável que pode ser óbvia para qualquer
pessoa que conviva comigo há algum tempo: eu me conheço bastante. Em
tudo que faço, posso me ver como se fosse uma estranha.”3 O autoescrutínio
de Anne a impele a escrever sobre si mesma na terceira pessoa, como se
estivesse descrevendo uma experiência extracorpórea durante a qual está
observando a si mesma enquanto interage com outros ou simplesmente
permanece deitada na cama. “Um certo alguém fica acordado durante 15
minutos, escutando os ruídos da noite. Em primeiro lugar, para ouvir se há
algum ladrão lá embaixo, e depois escutando as várias camas – lá em cima,
no cômodo ao lado e em meu quarto – para saber se os outros estão
acordados ou dormindo.”4
O que torna esses momentos de isolamento mais impressionantes é que
eles estão muitas vezes associados ao desejo de escapar do estado
semiconstante de terror em que ela e sua família vivem. Entre as passagens
mais líricas do diário de Anne está uma em que ela, que acaba de se
sobressaltar com um ruidoso toque de campainha à porta, imagina o frágil
poleiro em que ela e os outros estão amontoados:

Vejo nós oito no Anexo como se fôssemos um retalho de céu azul rodeado por nuvens negras e
ameaçadoras. O trecho perfeitamente redondo onde estamos ainda é seguro, mas as nuvens se
aproximam, e o círculo que nos separa do perigo que se aproxima está se apertando cada vez
mais. Estamos rodeados por escuridão e perigo, e, em nossa busca desesperada por uma saída,
vivemos nos chocando uns contra os outros. Olhamos as lutas lá embaixo e a paz e a beleza lá
em cima. Enquanto isso somos cortados pela massa de nuvens …5

Ao mesmo tempo em que abre caminho através dessa massa de


nuvens, Anne é notavelmente comedida ao calibrar o tamanho do medo que
admite no diário. Os ataques aéreos, as invasões e a brutalidade descritos
pelos ajudantes e entrevistos pela janela aparecem a intervalos regulares, de
modo que o leitor nunca pode relaxar completamente. A sincera compaixão
de Anne é tão poderosa e contagiante que ela nos faz partilhar de seu
sentimento pela judia idosa e aleijada que Miep viu sentada na soleira de
uma porta, onde a Gestapo ordenara que esperasse enquanto providenciava
um carro para levá-la embora.
Até o final de 1943, quando seu medo e ansiedade chegam ao clímax,
Anne tende a subestimar a gravidade de sua situação e muitas vezes conclui
uma seção perturbadora com uma piadinha consoladora. Parece estar
tranquilizando Kitty, e, ao mesmo tempo, a si mesma. Seu otimismo, tal
como é, parece o puro produto da juventude e inspira uma ternura que
poucos leitores sentem ao ler os diários de guerra mantidos por Mikhail
Sebastian, Viktor Klemperer e Etty Hillesum, entre outros. Escritos no todo
ou em parte enquanto seus autores estavam vivos – a seção final do livro de
Hillesum é composta de cartas escritas em Westerbork –, esses brilhantes
testemunhos envolvem numerosos locais e grandes elencos de personagens,
poucos dos quais são tão memoráveis quanto os Frank, os Van Daan e
Dussel. Mais abrangentes que o de Anne, oferecendo visões de seu tempo
que tendem mais para o panorama que para o buraco de fechadura, esses
diários foram escritos por adultos complicados, e cada livro, por diferentes
razões, pode facilmente despertar admiração, mas dificilmente será mais
amado do que aquele escrito pela não menos complicada menina.

No que eu poderia ser se… se não houvesse mais ninguém no mundo.


Ninguém planejou, ou poderia ter planejado, que Anne Frank terminasse
seu livro dessa maneira – assim como ninguém poderia ter planejado que
ela ganhasse o diário como presente de aniversário e começasse a escrever
quase na mesma hora, de modo que o livro começa não no confinamento do
sótão, onde as restrições e privações já estão se fazendo sentir, mas à luz
brilhante que naqueles anos passava por normalidade. À luz do dia
podemos ver que tipo de pessoa Anne era – quem ela era antes do
encarceramento no sótão e quem poderia ter se tornado não fosse por isso.
A primeira entrada do diário (isto é, na versão editada por seu pai)
quase salta da página, impelida pela alegria que uma menina dramática,
amante da vida, sente no raiar de seu aniversário de 13 anos. Quase não
cabendo em si de entusiasmo, está acordada às seis da manhã para ver seus
presentes. Mas deve continuar na cama até as sete, quando tem permissão
para se levantar e desembrulhar o que ganhou: rosas, um vaso de planta,
algumas peônias, livros, um quebra-cabeça, um broche, dinheiro, doces.
Ela lista seus novos livros – Sagas e lendas dos Países Baixos, O
passeio de Daisy na montanha – e um que pretende comprar com o dinheiro
ganho no aniversário, Os mitos da Grécia e de Roma. Podemos discernir
que tipo de menina é: uma leitora, uma fã de lendas e histórias de aventura,
de fantasia e imaginação. O primeiro presente que menciona, é claro, é o
“melhor” de todos, o diário que mais tarde receberá o nome de que a
história se lembra: Kitty.
Nossa confiança em Anne como narradora se provará cada vez mais
importante à medida que ela descreve a vida diária num círculo
enganosamente suave do inferno que, sem ela como nosso Virgílio,
dificilmente poderíamos imaginar. Nas primeiras entradas do diário,
insinuações de pavor e perigo (transmitidas pelo catálogo de coisas
cotidianas que os judeus estão proibidos de fazer) se alternam com
atividades igualmente cotidianas – jogos de pingue-pongue, flertes, dramas
na sala de aula – que Anne ainda pode desfrutar. A imagem que fazemos
dela como uma “tagarela incorrigível” a quem seu professor exasperado
manda escrever uma redação intitulada “Quaquaquá, tagarelou a dona pata”
dará forma à nossa percepção de sua personalidade e aumentará nossa
simpatia por seus vizinhos no sótão, que terão de suportar a pressão (que
Anne seria a última a notar) de sua falação irreprimível. Muitas vezes,
nessas primeiras entradas do diário, as descrições de prazeres simples e dos
regulamentos punitivos e humilhantes aparecem num único parágrafo,
como esta amedrontadora variação do tema de um pai preocupado com o
atraso de um filho:
Na tarde de segunda-feira, Hello veio conhecer papai e mamãe. Eu tinha comprado um bolo e
alguns doces, e nós servimos chá e biscoitos, a mesma coisa de sempre, mas nem Hello nem eu
estávamos com vontade de ficar sentados e comportados em nossas cadeiras. Por isso, fomos
dar uma volta, e ele só me trouxe para casa às oito e dez. Papai ficou furioso. Ele disse que era
muito errado eu não chegar em casa na hora porque é perigoso para judeus estar na rua depois
das oito. Eu tive de prometer que no futuro estaria em casa às dez para as oito.6

Por vezes as contradições de tentar viver normalmente em


circunstâncias anormais são condensadas em uma frase: “Nós que jogamos
pingue-pongue gostamos muito de sorvete, principalmente no verão,
quando sentimos calor durante as partidas, então costumamos terminar os
jogos com uma visita à sorveteria mais próxima que aceita judeus: a Oasis
ou a Delphi.”7

OUTRO FATOR QUE CONTRIBUI para a capacidade do diário de nos comover e


nos fazer lembrar tantas coisas que Anne conta a Kitty é o olho da autora
para detalhes, para o gesto ou a fala que forma e refina os retratos que ela
traça de sua família e vizinhos, transformando-os em personagens
tridimensionais de uma obra de arte.
Em “The development of Anne Frank”, John Berryman oferece um
exemplo da observação imparcial de Anne, uma passagem em que ela se
refere ao pai pelo seu apelido, Pim:
Ela era animada, mas intensamente séria, devotada, mas brincalhona … imaginativa, mas
prática, apaixonada, mas irônica e implacável. A maioria das qualidades que estou
mencionando não precisa de ilustração para um leitor do Diário; talvez “implacável” possa ter
um exemplar: “Pim, sentado no único raio de sol que entrava pela janela, tinha de ficar
mexendo a cadeira de um lado para o outro, para sair do caminho. Seu reumatismo devia estar
incomodando, porque ele estava ligeiramente encurvado e vigiava o sr. Van Daan com uma
expressão agoniada no rosto. Ele me lembrou um daqueles inválidos idosos que a gente vê nos
asilos.” Isso com relação à imagem do homem – seu pai adorado – que ela mais ama no mundo.
Ela era egocêntrica, mas desprovida de autopiedade, caridosa, mas sarcástica, diligente, mas
sonhadora, corajosa, mas sensível.8

O diário de Anne está repleto de detalhes esclarecedores – de cenário,


de ação e repouso, de comida e vestuário, de humores, de conversa e
resposta. Caso tenhamos dificuldade em visualizar a arquitetura de seu
esconderijo, Anne o mapeia para nós e nos ajuda a entender onde cada
cômodo – cada espaço público que servirá também como aposento privado
para trabalhar e dormir – se situa em relação aos outros.
Numa entrada datada de 4 de agosto de 1943, Anne começa um relato
hora a hora do que, após pouco mais de um ano, passou a constituir um dia
como qualquer outro numa existência em que “as coisas são muito
diferentes, comparadas a uma época normal e pessoas comuns”. Cada
aspecto da rotina diária no anexo é aproveitado pelo que revela das manias
e personalidades das pessoas obrigadas a seguir os passos intricados da
coreografia angustiantemente restritiva.
Anne começa seu horário às nove horas da noite, quando a cacofonia
dos preparativos para a noite alcança um crescendo na trovoada produzida
pela cama da sra. Van Pels ao ser empurrada contra a janela, “para que Sua
Majestade, vestida com a camisola cor-de-rosa, possa sentir o ar da noite
em suas delicadas narinas”.
Ao se lavar no banheiro, Anne percebe uma pulga minúscula flutuando
na água. Quando o canhonaço explode na escuridão lá fora, ela acorda de
um sonho tão profundo que fica pensando em “verbos irregulares
franceses”, até que compreende o que está ouvindo e vai furtivamente, em
busca de conforto, para a cama do pai.
Na hora do almoço, quando os empregados do armazém saem e os
moradores do anexo podem relaxar brevemente, a sra. Van Pels liga o
aspirador de pó e cuida de “seu lindo e único tapete”, enquanto Otto vai
para um canto, refugiar-se nos romances de seu querido Dickens.
Finalmente o dia de trabalho termina, os ajudantes chegam ao sótão, um
programa de rádio silencia até a loquaz sra. Van Pels. Depois de uma sesta,
é hora de se reunirem para o jantar, cena que Anne documenta
minuciosamente.
Duas semanas depois, continuando a descrever “um dia típico no
Anexo”, Anne retorna ao assunto do amor do pai por Dickens, e dessa vez
usa esse detalhe para transmitir algo aparentemente banal – mas de fato
revelador – sobre o casamento de seus pais.
Otto tenta interessar a mulher no que esteve lendo, mas ela insiste que
não tem tempo. Com se falta de tempo fosse problema no anexo secreto!
Quando ele faz mais uma tentativa, ela subitamente se lembra de alguma
coisa que precisa dizer a uma das filhas – e um momento potencialmente
amistoso entre marido e mulher termina em impasse.
O revelador foco de Anne nas minúcias da vida diária lembra ao leitor
como os moradores do sótão precisam ser cuidadosos com relação a coisas
banais, e como a necessidade dessa vigilância deve ter aguçado o olhar
dela. “Apesar de fazer calor, temos de acender a lareira de vez em quando
para queimar as cascas de legumes e o lixo. Não podemos jogar nada em
latas de lixo, porque os empregados do armazém poderiam ver. Podemos
ser facilmente traídos por um pequeno descuido!”9
Dias antes, Anne havia dirigido seu olhar atento para o declínio no
padrão de vida – as “boas maneiras” deles, como as chamava – no anexo. O
oleado que vinham usando na mesa comum estava sujo. Os Van Pels
vinham dormindo o inverno todo com a mesma colcha de flanela. As calças
de Otto estão gastas, e sua gravata está puída. A cinta de Edith arrebentou e
não pode mais ser consertada, e Margot está usando um sutiã dois números
abaixo do seu.
Em janeiro seguinte, Anne confia a Kitty esta queixa inspirada e
devastadora sobre como está cansada da conversa dos adultos – um relato
aparentemente sereno que capta o tédio embrutecedor da vida social num
lugar cujos moradores não conseguem mais encontrar nada de novo para
dizer:

Se a conversa na hora das refeições não é sobre política ou boa comida, então mamãe ou a sra.
Van Daan desfiam as velhas histórias da juventude, que já ouvimos milhares de vezes, ou
Dussel fala de belos cavalos de corrida, do enorme guarda-roupa de sua Charlotte, de barcos a
remo que vazam, de garotos que nadam aos quatro anos, de músculos doloridos ou de pacientes
apavorados. O negócio é o seguinte: sempre que um de nós oito abre a boca, os outros sete
podem terminar a história. Sabemos o desfecho de cada piada logo no início, de modo que a
pessoa que conta fica rindo sozinha. Os vários leiteiros, quitandeiros e açougueiros das duas ex-
donas de casa foram elogiados ou execrados tantas vezes que, em nossa imaginação, eles
ficaram tão velhos quanto Matusalém; não há qualquer chance de se discutir alguma coisa nova
no Anexo.10

Anne define as pessoas a seu redor registrando suas diferentes


soluções para um problema, ou suas diversas respostas para uma mesma
pergunta. Logo no início do diário, os arranjos para o banho – atividade que
cada morador do sótão encara de uma maneira distinta – fornecem uma
série de indícios de suas personalidades e da medida em que se ajustaram às
suas novas vidas. Peter, conta Anne, prefere tomar banho na cozinha,
embora ela tenha uma porta de vidro, e é tão recatado que, antes de cada
banho, vai até cada um dos moradores do anexo e avisa que não deve passar
perto da porta da cozinha durante a próxima meia hora. O sr. Van Pels preza
sua privacidade o bastante para carregar água quente escada acima. Indecisa
quanto à melhor maneira de realizar essa delicada e exigente atividade, a
sra. Van Pels simplesmente evitou tomar banho até descobrir o lugar mais
conveniente e confortável. Otto se lava em seu escritório particular, Edith
na cozinha, atrás de um biombo, enquanto Margot e Anne se retiram para o
escritório da frente. Peter sugeriu a Anne usar o espaçoso banheiro do
escritório, onde pode acender a luz, trancar a porta e ficar em paz. “Usei
meu lindo banheiro pela primeira vez no domingo e, por mais que pareça
estranho, gostei mais do que de qualquer outro lugar.”
No jantar, durante sua descrição de “um dia típico”11 no sótão, Anne dá
a volta à mesa, diferenciando seus personagens por meio do relato de o que
e como cada pessoa come. O sr. Van Pels serve-se em primeiro lugar e
generosamente, enquanto oferece sua “definitiva” opinião sobre todos os
assuntos. Sua mulher revira a comida, pegando as batatas mais pequeninas,
os bocados mais gostosos, sorrindo com charme e supondo que todo mundo
está interessado no que tem a dizer. O filho deles come uma enormidade e
mal abre a boca para falar. Margot também é silenciosa, embora “coma
como um passarinho”. Mamãe: “tem bom apetite e participa da conversa”.
Otto certifica-se de que os outros se sirvam antes dele, e que as melhores
porções sejam para as crianças. Pfeffer (“Serve-se, fixa os olhos na comida
e não fala”) provoca em Anne uma diatribe que vai das “enormes porções”
que consome até seu hábito de se apossar do banheiro quando outros
precisam usá-lo.
Quando a permanência no anexo completa um ano, os moradores
começam um jogo. Se fossem libertados, o que fariam primeiro? Como
qualquer autor que aprendeu que uma boa maneira de criar um personagem
é indicar o que essa pessoa espera e teme, Anne relata as fantasias de
libertação de cada pessoa. Margot e o sr. Van Pels sonham com um banho
quente, de pelo menos meia hora. A sra. Frank anseia por um café de
verdade. A sra. Van Pels quer bolos de sorvete. Peter deseja ir ao centro da
cidade e ao cinema. Anne quer uma casa, a capacidade de se movimentar
livremente, e ter alguma ajuda com seu trabalho, referindo-se à escola; esse
último desejo é um pouco estranho e talvez até irrefletido, pois sabemos que
Otto tem supervisionado as lições das meninas e, teoricamente, lhes dado
toda a ajuda de que precisam.
Quando chega a vez de Otto, ele diz que escolheria visitar o sr. Vossen,
o pseudônimo de Anne para o pai de Bep, sr. Voskuijl. Um mês antes, os
moradores souberam que Johannes Voskuijl, que fizera a estante que
camuflava a entrada do anexo, recebera um diagnóstico de câncer estomacal
e provavelmente não se recuperaria. Todos deviam estar pensando muito
nele. Sabemos também que na tarde em que Margot recebeu sua intimação,
Otto estava visitando o hospital judaico para idosos indigentes. Confortar os
pobres e velhos era algo que Otto fazia; era uma das razões por que era tão
admirado. Mas quando, no jogo, ele faz essa escolha, o leitor pode imaginar
como, de vez em quando, talvez fosse uma provação para sua mulher e suas
filhas viver com esse pilar de perfeição moral. Não podia ele ter escolhido o
banho quente e depois a visita ao hospital?
O último levantamento desse tipo ocorre em março de 1944, quando
Anne pede a opinião de seus vizinhos sobre sua dieta desalentadoramente
deficiente. A essa altura, conhecemos suas personalidades tão bem que
podemos quase prever suas respostas. A sra. Van Pels se queixa
amargamente da dificuldade de cozinhar com ingredientes limitados e da
ingratidão que recebe em troca de seus esforços. Seu marido afirma que
consegue suportar a comida ruim, contanto que tenha cigarros suficientes.
Edith responde que a comida não é tão importante para ela, mas adoraria
uma fatia de pão de centeio e, a propósito, acha que a sra. Van Pels deveria
colocar um ponto final no tabagismo do marido. Otto diz não só que não
precisa de nada, mas que parte de sua ração deveria ser poupada para Bep.
E a fanfarronada exasperante de Pfeffer se extingue pouco a pouco em
elipses…

SE TENTARMOS COMPREENDER como chegamos a conhecer essas pessoas tão


bem, uma boa explicação seria a cuidadosa descrição que Anne faz de suas
ações e gestos, moldando a visão que temos deles. Podemos rastrear cada
personagem ao longo do livro, observando seu retrato emergir como
imagens aparecendo numa bandeja de revelação fotográfica. Muitas vezes
parece que Anne tem consciência de quem vem incluindo ou ignorando, de
quem conquistou ou perdeu sua atenção temporariamente. Quando
percebemos que um dos moradores do sótão se silenciou, ou passou
despercebido por um breve tempo, esse personagem é quase imediatamente
reintroduzido no centro do palco para reafirmar a opressiva realidade de sua
presença constante.
Como não é de surpreender, dada a idade de Anne, seus pais são objeto
de um escrutínio quase tão intenso quanto o que ela devota à exploração do
mistério de seu eu essencial. Ela usa repetidamente um dos pais para definir
o outro: papai é bondoso e paciente, mamãe é irascível e sarcástica; papai é
transparente e sensível, mamãe, opaca e obtusa.
Um diário mantido por Edith Frank ou Auguste van Pels poderia ter
traçado uma imagem ligeiramente distinta de Otto Frank, mas a perspectiva
de Anne é a única que temos. Otto – “Pim” – é invariavelmente digno e
justo, defendendo suas filhas quando estão sendo caluniadas, mas
perfeitamente imparcial quando precisa resolver uma disputa. Ele é o
educador, o pacificador, o líder a quem os outros levam suas insatisfações,
medos e queixas. Numa passagem que Otto cortou, nós o vemos
desentupindo a latrina comum. Quando há um roubo, Otto e Peter são
aqueles que descem para investigar. “Devemos nos comportar como
soldados”, diz ele à apavorada sra. Van Pels.
Instando Anne a ser mais amável com a mãe, Otto parece não auferir
nenhuma satisfação de ser o mais querido – de fato, adorado – dos dois.
Anne venera o pai, e em nossa época tão desgastada e desconfiada, seu
diário é um útil lembrete de como uma filha adolescente pode abrigar
sentimentos apaixonados pelo pai sem que a relação dos dois toque as raias
do incestuoso ou inadequado. Essa também pode ser uma razão pela qual o
diário continuou sendo apreciado por jovens leitores – sua sinceridade com
relação a emoções que adolescentes aprenderam a manter em segredo.
Antes que o romance de Anne com Peter siga seu curso e ela se canse
do rapaz, tem início um incidente dramático quando Otto lhe pede para não
passar serões sozinha com Peter no quarto dele. O pai de Anne, podemos
sentir, tem razão ao se preocupar. Sua filha é uma adolescente precoce,
Peter é alguns anos mais velho. Uma gravidez seria desastrosa. Furiosa com
o que interpreta como falta de confiança nela por parte do pai, Anne decide
o que quer dizer para ele. Escreve um bilhete dizendo que chegou a um
estágio em que pode viver de maneira inteiramente independente. Seu pai
não pode mais aconselhá-la a não ir ao andar de cima. Ou ele a proíbe de
ficar sozinha com Peter, ou confia nela plenamente – e a deixa em paz.
Depois enfia a carta no bolso de Otto.
Otto responde que recebeu muitas cartas na vida, mas essa foi a mais
dolorosa. O resto de sua resposta, que Anne relata em diálogo direto, é um
modelo de paciência e compreensão, tão plenamente impregnado de uma
mágoa indutora de culpa (como pôde Anne maltratar os pais amorosos que
nunca fizeram nada senão ajudá-la e defendê-la?) que ela desmorona sob o
remorso, exatamente como se pretendia que acontecesse. “Foi a pior coisa
que fiz em toda a vida … acusar Pim, que é tão bom e que fez tudo por mim
– não, foi crueldade demais … O que mais me envergonha é a maneira
como papai me perdoou.”
Menos de uma semana depois, a tensão se dissipou, e vemos os
moradores do sótão comemorando o aniversário de Otto, pelo qual ele
recebe, entre outros presentes, um livro sobre a natureza e uma biografia de
Lineu. Anne deixa claro que seu amor pela literatura é parte do que tem em
comum com seu pai, e ele sugere que suas filhas façam uma lista de todos
os livros que leram no esconderijo. Na rotina diária de Anne, havia tempo
destinado à leitura, e aos sábados os ajudantes holandeses levavam mais
livros, o que os moradores do sótão aguardavam com ansiedade. Além de
livros sobre história e geografia, biografias, uma história da arte em cinco
volumes, uma Bíblia infantil, compêndios de mitologia e o que hoje
chamaríamos de “romances para jovens adultos”, Anne menciona obras de
Oscar Wilde, Thackeray, os irmãos Grimm e Alphonse Daudet.
Anne transmite a personalidade da mãe, assim como o do pai,
principalmente através de diálogo e ação suplementados por comentários.
Uma das primeiras menções de Anne sobre Edith ocorre numa entrada
datada de 29 de outubro de 1942, quando ela descreve presentes literários
recebidos de ambos os pais. Otto lhe deu as peças de Goethe e Schiller, o
qual pretende ler para ela todas as noites, a começar por Don Carlos.
“Encorajada pelo exemplo de papai” – observe-se a ironia mordaz dessa
frase, que sublinha a significação da passagem –, “mamãe pôs em minhas
mãos seu livro de orações. Li algumas orações em alemão, só para ser
educada. Elas certamente são lindas, mas significam muito pouco para mim.
Por que será que ela me faz agir de modo tão religioso e devoto?”12
Independentemente do grau em que a edição de Otto tenha modulado
as críticas de Anne, sua aversão à mãe é um tema constante, que se reflete
na novela em que ela começa a trabalhar no início de 1944, A vida de Cady,
parte da qual aparece em Contos do esconderijo. O livro começa quando
Cady, que foi atropelada por um carro, se queixa a uma amiga enfermeira
sobre a falta de tato da mãe. Anne usa a licença da ficção para ser ainda
mais implacável do que é no diário sobre uma difícil relação mãe-filha.
“Ela fala de maneira tão insensível sobre os assuntos mais delicados”,
queixa-se Cady. “Não compreende nada do que está se passando dentro de
mim, mas, apesar disso, está sempre dizendo que tem muito interesse por
adolescentes. … Ela pode ser uma mulher, mas não é uma mãe de
verdade!”13 Em resposta, a sábia irmã Ank (de maneira muito parecida com
a “Anne bondosa” que Anne afirma manter escondida) responde: “Talvez
ela seja diferente porque passou por muita coisa e agora prefere evitar tudo
que possa ser penoso.”
Uma entrada no final do diário (que Otto omitiu da versão editada)
inclui um resumo do final de A vida de Cady. Esse resumo se segue à
passagem muito conhecida em que Anne menciona seu desejo de se tornar
uma jornalista e seus planos de publicar O anexo secreto. Na narrativa que
Anne esboça, Cady se casa com um “próspero fazendeiro”, embora
continue apaixonada por seu ex-namorado, Hans, com quem rompeu
inicialmente porque ele simpatizava com os nazistas. A entrada conclui:
“Não é uma bobagem sentimental: baseia-se na história de vida de papai”14
– frase que foi interpretada como significando que Anne sabia, ou pelo
menos acreditava, que o amor da vida de Otto era uma mulher que ele havia
conhecido antes de Edith, e seu casamento com Edith tinha tido mais a ver
com a conveniência do que com paixão.
Quando tenta descobrir a fonte de sua antipatia pela mãe, Anne traz à
tona uma lembrança de Edith proibindo-a de acompanhá-la numa ida às
compras com Margot. Refere-se também aos exasperantes sermões
maternos que a fazem lembrar como ela e a mãe têm pouco em comum.
Mas, diferentemente da sra. Van Pels, cujos hábitos e traços de
personalidade irritantes são documentados pelas muitas coisas importunas
que ela diz e faz, “Mamãe Frank, a defensora das crianças”, se comporta de
maneira bastante admirável em quase todos os momentos críticos.
Observamos Edith defendendo suas filhas de Pfeffer e dos Van Pels,
mantendo a paz, verificando se as filhas comem bem, e assim por diante.
Parte do que faz o diário parecer tão autêntico é que, apesar de todas as
suas resoluções de melhorar seu personagem, a adolescente Anne faz
apenas o esforço mais pro forma para ser justa e imparcial em relação à
mãe. Edith não ganha nenhum reconhecimento quando insiste (contra as
objeções de Otto) que se acenda uma vela para tranquilizar Anne, que ficou
apavorada com o estrépito de uma metralhadora. “Sua resposta decidida aos
murmúrios dele foi: ‘Afinal de contas, Anne não é um ex-soldado!’ E isso
terminou com a história.”15 Edith também não desperta piedade quando a
frieza de Anne a faz chorar. Anne culpa a mãe pela distância entre elas,
fosso que foi alargado por comentários irrefletidos e piadas indiscretas de
Edith, presumivelmente à custa da filha. “Do mesmo modo que fico com o
coração apertado todas as vezes que ouço suas palavras duras, ela ficou com
o coração apertado ao perceber que não havia mais amor entre nós. Chorou
durante metade da noite e não dormiu nada.”16
Miep Gies observou que Edith Frank muitas vezes parecia deprimida e
distante; quando Miep deixava o anexo, Edith costumava descer as escadas
com ela e ficar ali parada, esperando. Finalmente, Miep compreendeu que
Edith queria falar com ela em particular. Diferentemente dos outros, que
gostavam de discutir o que planejavam fazer quando a guerra terminasse,
Edith tinha medo de que ela nunca tivesse fim.
No diário, Edith não consegue fazer nada para sensibilizar Anne, cujo
desprezo pela mãe tem tanto a ver com o que ela faz quanto com o que ela
é. Anne fica horrorizada diante da ideia de crescer com os horizontes,
ambições e expectativas limitados das mulheres que a cercam, e lamenta
sua própria incapacidade de respeitar a mãe ou de vê-la como um modelo.
Escreve que espera passar um ano em Paris ou Londres, estudando línguas e
história da arte – ambição que compara, com mal disfarçado desdém, com o
desejo de Margot de ir para a Palestina e se tornar parteira.
Num ensaio intitulado “Reading Anne Frank as a Woman”, uma
interpretação feminista de Anne como “uma mulher que foi censurada por
editores do sexo masculino”, Berteke Waaldijk, uma professora de Estudos
da Mulher na Universidade de Utrecht, chama atenção para uma passagem
longa e quase inteiramente ignorada que Otto Frank cortou da seção final
do diário. Talvez Otto supusesse que uma longa dissertação sobre os
direitos da mulher poderia perturbar o leitor que rumava para as páginas
finais, em que Anne, sem o saber, está se aproximando de seu próprio fim.
Num momento em que estava simultaneamente escrevendo novo material e
revisando rapidamente, Anne dedicou uma notável quantidade de espaço à
questão de por que as mulheres são tratadas como inferiores aos homens:
Aparentemente, os homens dominaram as mulheres desde o início por causa da força física; são
os homens que ganham a vida, geram crianças e fazem o que querem… Até bem pouco tempo,
as mulheres aceitavam isso em silêncio, o que era algo estúpido, já que quanto mais as coisas
demoram a mudar, mais entranhadas ficam. Ainda bem que a educação, o trabalho e o
progresso abriram os olhos das mulheres. Em muitos países … as mulheres querem o direito de
ser completamente independentes.17

O tempo todo, percebemos que a raiva que Anne sente da mãe e da sra.
Van Pels tinha a ver com a incapacidade delas de ser – ou mesmo de parecer
– tão corajosas, sensíveis e competentes quanto os homens. Só no final do
diário Anne compreende que há uma pessoa real atrás do símbolo abstrato
da limitação e da servidão feminina que ela tanto desprezou. Sua divagação
sobre os problemas das mulheres e o desrespeito que elas recebem termina
com a sugestão de que aquelas pessoas que passaram pelo parto, só por isso,
já merecem gratidão e consideração. Anne parece ter percebido que sua
mãe não é inteiramente culpada pelas maneiras como foi condicionada a se
comportar, e por suas limitadas ambições e expectativas.
Quase um ano e meio depois de ter escrito uma passagem
particularmente furiosa em que se descreve obrigando-se a manter a calma e
tendo de reprimir o desejo de esbofetear a mãe, Anne reconsiderou sua
inclusão em O anexo secreto. Nesse meio-tempo, ela sofreu a mudança que
John Berryman considerou o momento decisivo de sua conversão de
criança em adulto, o qual se seguiu imediatamente à sua visão da amiga
Hanneli e da avó morta. “Ontem à noite foi muito triste de novo. Vovó e
Lies me apareceram de novo. Vovó, minha doce vovó. Não entendemos
direito como ela sofreu, como foi sempre gentil … E Lies? Será que ainda
está viva? O que estará fazendo? Meu Deus, cuide dela e a traga de volta
para nós. Lies, você me faz lembrar qual poderia ter sido o meu destino.”18
Numa entrada datada de três dias depois, 2 de janeiro de 1944, Anne
observa que esteve relendo seu diário e ficou chocada com as seções
“exaltadas” sobre sua mãe. Põe a culpa de seu rancor em “estados de
ânimo” que a impediam de ver uma situação do ponto de vista de outra
pessoa e de compreender que ela poderia ter ferido a mãe ou a deixado
infeliz. Sua mãe respondera na mesma moeda, e o resultado fora “um
círculo vicioso de ofensas e tristezas”.
Depois de sua visão de Hanneli, Anne jura que vai melhorar. Promete
a si mesma que vai parar de fazer a mãe chorar. Ela mesma ficou mais
madura, e sua mãe não está mais tão ansiosa. Alguns dias depois, porém,
Anne não consegue deixar de voltar ao tema de como é difícil respeitar sua
mãe e de quão pouco deseja seguir seu exemplo.
O inverno de 1944 marcou o início de um período intensamente
introspectivo durante o qual Anne olhou para trás e avaliou a pessoa que se
tornara em contraste com a menina que fora:
Quando penso em minha vida em 1942, tudo parece irreal. A Anne Frank que desfrutava uma
vida celestial era completamente diferente da que ficou ajuizada dentro destas paredes. Sim, foi
celestial. Admiradores em cada esquina, umas 20 amigas, a preferida da maioria dos
professores, completamente mimada por mamãe e papai, sacolas cheias de doces e dinheiro
para gastar. Que mais eu poderia pedir? … Vejo aquela Anne Frank como uma garota
agradável, divertida, mas superficial, que não tem nada a ver comigo.19

Se tivesse sobrevivido, ou se tivesse podido permanecer em contato


com o mundo mais amplo, Anne poderia ter encontrado consolo na
descoberta de que muitas meninas adolescentes, senão a maioria delas,
entram em conflito com as mães. Isolada no sótão, ela só podia examinar
sua própria história e consciência, e tentar localizar a fonte de sua tristeza e
raiva.

ASSIM COMO ANNE DESCOBRE um jeito de exprimir de forma sintética suas


complexas relações com os pais registrando sua reação aos gostos deles em
matéria de leitura – Goethe versus o livro de orações –, apresenta os Van
Pels com a mesma técnica, descrevendo sua chegada ao anexo secreto com
o urinol da sra. Van Pels numa caixa de chapéu, e seu marido carregando
uma mesa de chá dobrável debaixo do braço. Os Van Pels começam suas
novas vidas com uma briga ruidosa do tipo que Otto e Edith nunca teriam
tido, e certamente nunca teriam permitido que fosse ouvida por outros.
Grosseiros, egoístas em relação a pequenas coisas, não se envergonhando
de discutir por causa de louça e lençóis, mas no fundo solidários, um gesto
após o outro dos Van Pels despertam, no leitor, diversão e afeto, misturados
com aborrecimento. Eles são personagens.
Sendo os Van Pels tão mais transparentes que os Frank, podemos
observar mais facilmente seu enfraquecimento e desintegração. Na altura do
último verão, a sra. Van Pels está falando sobre enforcamento, suicídio,
prisão, bala na cabeça. Ela “briga, xinga, sente pena de si mesma, ri e
começa tudo de novo”.20
A maneira como Anne via a sra. Van Pels é muito diferente das
lembranças que os ajudantes têm de sua versão da vida real, que Miep Gies
descreveu como “uma pessoa muito simples, ansiosa e alegre ao mesmo
tempo”. Miep acabou por achar a sra. Van Pels não só realista mas
presciente. “Se alguém teve uma premonição de como tudo iria terminar
mal, foi ela.”21 Anne parece não saber que, no aniversário de Miep em
fevereiro de 1944, Auguste van Pels – que, no diário, vemos agarrando-se
cobiçosamente a cada bem – deu a Miep um anel antigo de diamante e ônix
como “uma maneira de exprimir o inexprimível”.22
O sr. Van Pels vai ficando mais irascível à medida que seu estoque de
cigarros diminui. Ele comete descuidos que põem os judeus e seus
ajudantes em perigo. Mais uma crise, marcada por mais uma briga, irrompe
quando o dinheiro dos Van Pels acaba e eles precisam vender o casaco de
pele da sra. Van Pels. É um tributo à energia da escrita de Anne o fato de
que os leitores podem lembrar o drama que envolveu a perda desse casaco
décadas depois de ler o diário. Em toda a Europa, famílias estavam
decidindo o que vender, guardar ou trocar em sua luta para sobreviver. Mas
de todas aquelas conversas penosas, a única sobre a qual ouvimos falar em
detalhes é a que Anne descreve em poucas linhas. A discussão irrompe a
propósito de um casaco de pele de coelho que a sra. Van Pels usou durante
17 anos, e pelo qual seu marido recebeu a impressionante soma de 325
florins. Tendo alimentado a esperança de guardar o dinheiro para comprar
roupas novas depois da guerra, a sra. Van Pels fica furiosa quando o marido
insiste que o dinheiro está sendo desesperadamente necessário para a
manutenção da casa.
“Você não pode imaginar a gritaria, as batidas de pés e os
xingamentos. Foi terrível. Minha família ficou prendendo a respiração, no
pé da escada, para o caso de ser necessário apartá-los.”23
Como era humilhante para os Van Pels ter uma briga tão sórdida com
outra família escutando, e não só uma família, mas os perfeitos Frank. Sob
muitos aspectos, os Van Pels são os mais bem-desenhados e bem-acabados
dos dois casais no anexo secreto, já que – diferentemente do angélico Pim e
(na visão de Anne) da insensível mamãe – os Van Pels são alternada e por
vezes simultaneamente exasperantes e comoventes.
O canhonaço que apavora Anne aterroriza sua vizinha: “A sra.
Beaverbrook,d a fatalista, praticamente caiu no choro e disse, numa vozinha
tímida: ‘Ah, é tão horrível. Ah, os canhões fazem tanto barulho!’ – o que é
outra maneira de dizer: ‘Estou tão apavorada!’”24 Há algo de comovente na
hipocondria do seu marido, no “enorme estardalhaço” que ele faz por causa
de um pequeno resfriado, friccionando-se com eucalipto e gargarejando
com chá de camomila. O retrato dual de Anne capta tanta coisa que, ao
mesmo tempo que a intimidade forçada a enfurece, podemos ver o encanto
e a vulnerabilidade dos Van Pels transparecendo.
Uma coisa parece indiscutível: Anne foi capaz de tornar os Van Pels
tão reais e presentes para nós que sofremos ao pensar no ferimento que fez
Hermann perder a vontade de sobreviver em Auschwitz, assim como é
quase insuportável pensar se Auguste lamentou a perda de seu querido
casaco de pele durante aquela marcha enregelante de Bergen-Belsen para
sua morte.

SE A CARACTERIZAÇÃO DOS VAN PELS é uma maravilha em matéria de retrato


literário, a imagem de seu filho Peter é uma outra questão. Se ele nos parece
um personagem interessante, uma leitura mais atenta revela que isso ocorre
em grande parte porque ele é iluminado pelo brilho tendencioso do interesse
de Anne. Quando a fascinação dela míngua e desaparece, como fica claro
nas revisões do texto que examinaremos no próximo capítulo, somos
deixados apenas com o que realmente o vemos fazer e dizer. Ele acompanha
Otto para investigar a invasão, carrega os pesados sacos de feijão, e teria
gostado de não ser judeu. Jovens leitoras podem desenvolver uma queda
por Peter, mas em função da queda que Anne tem por ele. Sua atração
transforma Peter numa figura romântica. No entanto, sem essa intensidade –
que, mais uma vez, é de Anne –, Peter é um menino comovente, mas
bastante comum. Mal-humorado, volúvel, inquieto, não muito perspicaz, é
uma tela em que a menina isolada pode projetar sua solidão e nostalgia.
A opinião inicial de Anne sobre Peter era tão negativa que um prazer
da leitura do livro é observar essa antipatia se inverter. Na versão “a” do
diário, Anne conta que ganhou uma barra de chocolate de Peter pelo seu
aniversário de 13 anos, antes que as famílias fossem para o esconderijo. A
partir da descrição da chegada dos Van Pels ao sótão, porém, é difícil inferir
que eles já se conhecem; Anne descreve Peter como “um garoto tímido e
sem graça, cuja companhia não vai fazer muita diferença”. Os autores da
peça devem ter pensado que ficaria mais simples fazer com que o jovem
casal se encontrasse pela primeira vez no anexo, que é a impressão que a
maioria dos leitores e espectadores registra.
Nos meses seguintes, Anne enfatiza como Peter é maçante, preguiçoso
e hipersensível; a hipocondria que ele partilha com o pai é menos cativante
numa pessoa jovem. A primeira cena dramatizada em que ele aparece
envolve uma briga por causa de um livro que seu pai não quer que ele leia.
Peter é elogiado por enfrentar o sr. Van Pels, mas cai em desfavor por causa
da qualidade rabugenta e amuada de sua resistência. Percebemos que Peter
sente dificuldades com o inglês e tem uma cômica inclinação a usar
palavras estrangeiras que não compreende.
No final de setembro de 1942, Anne está contando aos Van Pels que
Peter frequentemente lhe dá tapinhas na bochecha, e que ela gostaria que
ele não o fizesse. Horrorizada com a reação deles – poderia ela vir a
“gostar” de Peter? ele certamente “gostava muito de mim” – Anne lhes diz
que acha Peter “meio estranho”. Pouco a pouco, porém, uma camaradagem
se desenvolve; Peter gosta de vestir as roupas de sua mãe tanto quanto
Anne, as de seu pai. Em seu aniversário, em novembro, Peter ganha um
aparelho de barbear, um jogo Banco Imobiliário e um isqueiro – em
contraste com os Frank, que costumam dar livros entre si. Na verdade,
como Anne nos conta, Peter “raramente lê”.
Peter finalmente ocupa o centro do palco como o herói de uma
aventura que envolve o transporte de grande quantidade de feijão. Passados
quatro meses, nós o vemos mordido por um dos grandes ratos que infestam
o sótão, e não muito depois é ele quem desce até o térreo com Otto quando
eles ouvem um barulho.
É só em janeiro de 1944 que percebemos – antes de Anne – o que está
começando a acontecer entre os dois adolescentes: “Eu tinha uma sensação
esquisita cada vez que olhava em seus olhos azul-escuros, e ele ficava ali
sentado, com aquele sorriso brincando em torno dos lábios … e com todo o
meu coração quase lhe implorei: ah, diga-me o que está se passando dentro
de você, ah, não consegue ver além desta ridícula tagarelice?”25 Até o mês
seguinte, Anne e Peter já estão tendo as conversas íntimas que alimentarão
o anseio de Anne por alguém a quem amar, bem como sua convicção de que
esse alguém é Peter.
Mas ao mesmo tempo que Anne acha essas trocas infinitamente
arrebatadoras, o leitor pode sentir que as contribuições de Peter para as
conversas são menos fascinantes que as dela. Peter expressa seu desejo de ir
para as Índias Orientais Holandesas e viver numa plantação, bem como sua
esperança de passar por cristão depois da guerra. Quando ele revela seu
complexo de inferioridade e afirma se julgar menos inteligente que os
Frank, um observador imparcial poderia concordar. No entanto, no início de
março, Anne registra seu desejo de fazer alguma coisa com relação à
solidão de Peter e à sua sensação de não ser amado; depois, num pós-escrito
à entrada de 6 de março, ela admite que começou a viver de um dos
encontros dos dois para o seguinte.
Eles conversam, abstratamente, sobre beijos; descobrem quanta coisa
têm em comum, como mudaram durante seu tempo no sótão, como as
ideias de um sobre o outro evoluíram. Discutem o fato de nenhum deles
poder confiar nos pais, frustração que leva Anne a chorar até adormecer à
noite enquanto Peter se retira para sua água-furtada e pragueja. Consideram
como eram diferentes quando chegaram ao anexo, e como mal podem
reconhecer as pessoas que eram em 1942. Maravilham-se com o fato
espantoso de terem podido não gostar um do outro de início, de Peter ter
pensado que Anne falava demais, enquanto ela se irritava por ele não se dar
o trabalho de flertar com ela. Quando Peter se refere à sua tendência de se
isolar dos outros, Anne lhe diz que seu silêncio é, de certa forma, como a
tagarelice dela. Por incrível que pareça, ela também gosta de paz e silêncio.
Eles admitem o quanto estão felizes por estarem juntos, por terem um ao
outro. E Anne diz a Peter que gostaria de poder ajudá-lo.
“‘Mas você sempre me ajuda!’, disse ele. ‘Como?’, perguntei boquiaberta. ‘Sendo alegre.’ Foi a
melhor coisa que ele me disse durante toda a noite. Foi maravilhoso. Ele deve ter passado a me
amar como uma amiga, e por enquanto isso basta…
“Sempre que ele me olha com aqueles olhos, com aquele sorriso quando pisca, é como se
uma luz acendesse dentro de mim.”

Efusões como essa serão familiares (talvez até demais) a quem quer
que tenha se apaixonado algum dia. Mas elas são inteiramente novas para
Anne e, mais uma vez, é um tributo à sua capacidade de escrever honesta e
convincentemente, e de encontrar o tom certo para que o que ela está
contando a Kitty (e a nós) nos pareça novo. Anne anseia por um beijo, eles
não se beijam, eles se beijam. Como seria fácil para outro escritor fazer isto
soar banal.
No dia 19 de maio, Anne escreve: “Depois de minha conquista
laboriosa, me distanciei um pouco da situação, mas você não deve achar
que meu amor esfriou.” No dia 13 de junho, ela diz a Kitty: “Peter é gentil e
bom, e mesmo assim não posso negar que ele me decepcionou de muitas
maneiras.” Três semanas depois, Peter brinca com a possibilidade de se
tornar um criminoso ou um apostador em jogos de azar, e Anne teme que
ele esteja se tornando dependente demais dela: “Coitado, nunca soube como
é fazer alguém feliz, e tenho medo de não conseguir lhe ensinar … fico
magoada cada vez que o vejo tão sozinho, tão cheio de desprezo e tão
infeliz.”
Ao chegar o dia 15 de julho, o encantamento de Anne com Peter está
muito abalado: “… Agora ele está agarrado a mim como se eu fosse um
salva-vidas. Sinceramente, não vejo um modo eficaz de sacudi-lo e trazê-lo
de volta sobre os próprios pés. Logo percebi que ele jamais seria uma alma
gêmea, mas, mesmo assim, tentei ajudá-lo a romper seu mundo estreito e
expandir seus horizontes adolescentes.” Esta é a última menção a Peter no
diário.
Nas versões teatral e cinematográfica do diário, Anne e Peter estão na
água-furtada, contemplando o céu extasiados, quando a Gestapo chega para
prendê-los. Mas não foi isso que aconteceu. Anne estava com a mãe e a
irmã. Otto estava no andar de cima com Peter, ajudando-o com as lições de
inglês que, como sabemos por Anne, eram tão difíceis para ele.

DOIS PERSONAGENS RELATIVAMENTE MENOS IMPORTANTES, o dentista Pfeffer e


Margot Frank estão entre os mais nuançados e bem-delineados. Com todos
os seus tiques minuciosamente monitorados, Fritz Pfeffer torna-se a
extraordinária criação literária que é Albert Dussel. Das oito pessoas no
anexo, sua caracterização é provavelmente a que menos se assemelha a seu
modelo na vida; segundo todos os depoimentos, Pfeffer era extremamente
atraente para as mulheres. Mas seus encantos não impressionaram Anne.
O dentista chega mais tarde e traz más notícias. Os nazistas têm ido de
porta em porta, acossando judeus. Amigos foram arrebanhados e
deportados, caminhões repletos passam ruidosamente, e colunas de pessoas
maltratadas andam pelas ruas. Essas verdades preocupantes, misturadas
com a gratidão por ter sido poupada do destino de seus pares judeus,
amenizam a relutância que Anne de outro modo poderia ter sentido ao saber
que Pfeffer – que é da idade de seu pai, mas a quem, diferentemente do que
faz com Otto, chama de velho – vai partilhar seu quartinho.
Em sua excelente biografia de Anne Frank, Melissa Müller escreve:
A decisão de Otto e Edith de pôr Pfeffer no mesmo quarto com Anne em vez de com o menino
de 16 anos, Peter, corrobora a queixa de Anne de que ela era de fato vista como uma criança.
Não só Otto como também Edith Frank não fizeram caso de sua crescente necessidade de
privacidade e era óbvio que ignoraram o pudor da filha, que estava se tornando cada vez mais
agudo à medida que ela amadurecia sexualmente.26

Talvez a caracterização que Anne faz de Pfeffer pudesse ter sido um


pouquinho mais favorável se ela não tivesse passado noite após noite
acordada ouvindo o sono de um homem de meia-idade. Em contrapartida,
Miep Gies gostava muito de seu dentista, como muitos de seus leais
pacientes.
A noiva cristã de Pfeffer, Charlotte Kaletta, era muito devotada a ele,
que era 19 anos mais velho e tinha um filho de um casamento anterior, o
qual terminara em divórcio. O casal havia morado na Alemanha até que as
leis raciais de Hitler os obrigaram a fugir na vã esperança de que pudessem
se casar na Holanda. No diário, “Lotje” é citada como esposa de Dussel, e,
numa seção eliminada da versão “a”, Anne menciona ter ganhado um tubo
de dropes da “sra. Pfeffer” em seu aniversário de 13 anos. Quando seu
noivo foi para o esconderijo, Charlotte continuou se correspondendo com
ele, cartas de amor que Miep entregava sem revelar onde ele estava.
Depois da guerra, a amizade de Charlotte com Otto Frank terminou,
possivelmente porque ela ficou contrariada com o retrato de Pfeffer que
Anne traçou no diário e mais tarde por sua caracterização na peça. É fácil
entender que a mulher que amava Fritz Pfeffer a ponto de alimentar
esperanças por sua volta, mesmo depois que ficara claro que ele morrera em
Neuengamme, poderia não gostar que o leitor tivesse um vislumbre quase
final de Pfeffer depois de uma briga com os Frank por causa da “divisão da
manteiga. Capitulação por parte de Dussel. Amizade íntima entre este
último e a sra. Van Daan, paqueras, beijos e sorrisinhos amigáveis. Dussel
está começando a sentir falta de companhia feminina.”27
A paciência de Anne se esgota especialmente aos domingos, quando
Pfeffer faz os exercícios que ela descreve em estarrecidos detalhes: “Depois
de terminar os exercícios para os braços com alguns giros vigorosos, Sua
Alteza começa a se vestir.”28 Embora todos se comportassem como se
nenhuma pessoa decente devesse pensar duas vezes sobre um homem
adulto partilhando um quarto com uma menina adolescente, o desconforto
sexual impregna a visão que Anne tem de Pfeffer. Ela fica repugnada
quando cai de cama com gripe e ele faz o papel de médico, pousando a
cabeça oleosa sobre o peito nu da menina.

Não somente seus cabelos pinicavam, mas eu ficava com vergonha, mesmo sabendo que ele
frequentou a escola há 30 anos e tem uma espécie de diploma médico. Por que deveria encostar
a cabeça em meu coração? Afinal de contas, ele não é meu namorado! Por sinal, ele não poderia
dizer a diferença entre um som saudável e um som doentio. Antes, teria de limpar os ouvidos, já
que está ficando com uma surdez incrível.29

Em julho de 1943, uma guerra é deflagrada entre os companheiros de


quarto quando Pfeffer rejeita o “pedido razoável” dela de usar a mesinha do
quarto para trabalhar, duas vezes por semana, das quatro às cinco e meia.
Ele zomba de toda a sua ideia de trabalho (mitologia! tricô!). Ela pede
conselho a Otto, e ela e o dentista tentam uma trégua. Pfeffer reage
repreendendo Anne por seu egoísmo e insistência teimosa em conseguir o
que quer. Só chegam a um acordo quando Otto intercede: Anne pode
trabalhar no quarto comum, duas tardes por semana, mas só até as cinco
horas. “Dussel ficou muito irritado, não falou comigo durante dois dias, e
fazia questão de ocupar a mesa das cinco às cinco e meia – tudo muito
infantil, claro.”
Quer precise ou não dela, Pfeffer insiste em ter o tempo que lhe cabe
da mesa em disputa. Raramente na literatura vimos uma ilustração mais
precisa da mesquinharia humana e da incapacidade de transigir com
dignidade.
Anne não é a única pessoa que Pfeffer está exasperando. Uma noite,
quando os moradores do anexo violam a proibição não oficial contra a
cultura teutônica e ouvem um programa de rádio, “a música imortal dos
mestres alemães”, o dentista fica virando os botões até que Peter explode e
Pfeffer responde, com seu “tom de voz mais arrogante”,30 que está tentando
obter o som perfeitamente correto. Anne nos permite, contudo, ver um
outro lado de Pfeffer quando registra o que cada morador deseja que a
liberdade lhe traga: “Dussel só consegue pensar em ver a sua Charlotte.”31
No diário, Pfeffer ganha muitas falas, muito menos que a sra. Van Pels,
mas muito mais que a bem-comportada Margot, que raramente aparece em
cena, e que Anne interpreta para nós, intercedendo e nos contando como é a
irmã. Grande parte do que descobrimos sobre Margot é resultado de
projeção feita por Anne, à medida que ela tenta repetidamente intuir as
reações da irmã à vida no sótão.
Depois que seu romance com Peter começa, Anne teme que a irmã
possa também nutrir sentimentos pelo único homem jovem viável do anexo.
Anne diz: “Acho horrível saber que você é que está sendo prejudicada”,32
ao que sua irmã responde, “com certa amargura”, que está acostumada. Que
significa isso? Anne não pergunta, e Margot não diz ou Anne não nos conta.
A primeira análise direta que Anne faz da irmã surge num momento
em que Margot foi apresentada (mais uma vez, segundo Anne) como um ser
humano exemplar. “Confesso que não tenho qualquer desejo de ser como
Margot. Ela é muito fraca e muito passiva para o meu gosto. Deixa-se levar
pelos outros e sempre recua quando é pressionada. Eu quero ter mais
brio!”33
Mais de um ano depois, os hábitos de Margot de comer “como um
passarinho” são submetidos a exame juntamente com os das outras pessoas
reunidas em volta da mesa. “Só come legumes e frutas. Mimada, na opinião
dos Van Daan. Falta de exercício e ar puro, na nossa.”34
Mais adiante no diário, Anne permite sensatamente que Margot fale
por si mesma e revele uma faceta de seu caráter muito diferente da quase
santidade que lhe é frequentemente atribuída. Anne inclui uma carta em que
Margot continua uma discussão que as duas vêm tendo sobre a
possibilidade de Margot estar com ciúme do envolvimento dela com Peter.
Anne introduz a carta como “uma prova da bondade de Margot”, como se
não percebesse o insulto mal disfarçado à inteligência de Anne que Margot
não consegue deixar de introduzir em sua explicação de por que nunca
poderia se sentir próxima de Peter:
“Gostaria de sentir que ele me entende plenamente, mesmo se eu não
dissesse muita coisa. Por isso teria que ser alguém que eu sentisse ser
intelectualmente superior a mim, o que não é o caso de Peter. Mas imagino
que você se sinta íntima dele.”
Não “completamente feliz” com a carta da irmã, Anne inclui em sua
resposta uma frase que parece destinada a provocar uma centelha de ciúme
sexual, apesar da afirmação de Margot de que não sente nenhum: “No
momento Peter e eu não confiamos um no outro tanto quanto você parece
achar. Apenas acontece que as pessoas, quando estão perto de uma janela ao
crepúsculo, podem dizer mais coisas umas às outras do que se estivessem à
luz do sol.”35
Em tudo que já se falou sobre a significação simbólica e histórica de
Anne, seu desenvolvimento espiritual, seus atritos com a mãe, sua
descoberta do primeiro amor, pouca menção se faz a o quanto seu diário nos
conta sobre como é ter uma irmã.

NUMA ENTRADA DATADA DE 30 DE OUTUBRO DE 1943, Anne descreve uma briga


de família do tipo que já aconteceu em todos os lares em que há mais de um
filho. Margot deixa um livro de lado, Anne o pega, Margot pede o livro de
volta, Anne quer ficar com ele, seus pais tomam o partido de Margot. Essa
cena, que pode ser o mais perto que chegamos de acreditar plenamente em
Anne quando ela afirma ser comum, é tão familiar que mal percebemos
quão raramente é descrita, ou bem descrita, em literatura:

Eu queria olhar mais um pouco. Margot foi ficando cada vez mais furiosa, e mamãe se
intrometeu: “Margot estava lendo esse livro; devolva para ela.” Papai entrou e, sem nem mesmo
saber o que estava acontecendo, viu que Margot estava sendo contrariada e partiu contra mim:
“Só queria ver o que você faria se Margot estivesse lendo um de seus livros!” Desisti
imediatamente, larguei o livro e, de acordo com eles, saí do quarto ofendida. Eu não estava nem
ofendida nem chateada, mas simplesmente triste.36

Anne é capaz de transmitir um momento em que todos estão falando


ao mesmo tempo, agindo ou reagindo, um exemplo de caos mal contido que
representa um desafio até para o escritor tarimbado. Inversamente, há
descrições que nos mostram os personagens em poses quase estáticas que
comunicam quem eles são, individual e coletivamente, e os níveis de
tensão, resignação ou aceitação a que chegaram.
Entre essas entradas de diário há uma que John Berryman admirava
especialmente. Otto Frank está preocupado com uma reunião de negócios
que está ocorrendo no escritório do térreo. É sugerido que ele escute, com a
cabeça encostada no chão. Ele faz isso, junto com Margot, a manhã toda e
pela tarde adentro até que, semiparalisado – o homem está na metade da
casa dos 50 –, se levanta. Anne toma o seu lugar, mas o zumbido das vozes
a faz adormecer e ela desperta sem lembrar uma palavra do que ouvira.
Escreve Berryman: “Raramente, mesmo na literatura moderna, li uma
cena mais penosa. Anne Frank, uma escritora concisa, precisa de 13 frases
para descrevê-la.”37
Alguns dos incidentes mais dramáticos são os alarmes reais e falsos, as
invasões verdadeiras e os pavores ocasionados por ruídos que os
trabalhadores e ajudantes fazem, sem pensar que os sons podem ser
interpretados como a chegada da polícia secreta. Datada de 11 de abril de
1944, a entrada mais longa da versão publicada diz respeito a uma invasão.
Uma pacífica cena doméstica (um jogo de Banco Imobiliário, uma visita de
Peter, uma discussão com Pfeffer por causa de uma almofada) é
interrompida: alguém estava invadindo o andar térreo. Os homens
surpreendem os ladrões no ato de abrir um buraco na porta. Fingindo ser a
polícia, eles espantaram os intrusos e cobriram o buraco com uma tábua,
mas alguém a chutou do lado de fora. Um casal que passava apontou uma
lanterna acesa para a abertura, iluminando o armazém. Silêncio, depois
mais barulho no térreo. Depois silêncio de novo. Os moradores são
deixados no escuro e no frio; o medo lhes embrulha os estômagos, de modo
que todos foram ao banheiro. Na atmosfera fétida, os judeus esperam que os
ajudantes voltem e lhes contem como o perigo foi grave. A polícia fora
investigar o arrombamento, mas partira sem suspeitar que havia judeus ali
em cima.
Obviamente, a entrada do diário foi escrita depois que a crise passara.
A essa altura, porém, a habilidade narrativa de Anne está tão desenvolvida
que ela é capaz de recriar o terror em que ela e os outros estavam
mergulhados como se ainda o estivesse experimentando, e sem o efeito
interposto de saber que o incidente tivera um fim (relativamente) feliz.
Há interlúdios cômicos, como a ruptura do saco de feijão que Peter
está carregando para o andar superior. De início Peter fica apavorado, mas
depois começa a rir quando vê Anne de pé na base da escada, “como uma
ilha num mar marrom, com ondas de feijão batendo em meus tornozelos”.38
Anne e Peter tentam apanhar os feijões, que lhes escapam, rolando para os
cantos e os buracos do piso. “Agora, cada vez que subimos para o andar de
cima, nos abaixamos e procuramos, para presentear a sra. Van Daan com
um punhado de feijões.” Em O outro lado do diário, Miep Gies lembra que
Otto Frank, ao voltar ao escritório pela primeira vez depois da guerra, se
abaixou para apanhar um grão de feijão.
Ocasionalmente, o horror se mistura à comédia, mais uma vez de
maneiras que aprofundam nossa compreensão dos “personagens” de Anne e
de suas inter-relações. Uma noite, Anne ouve um som tão alto que tem
medo de que uma bomba incendiária tenha caído nas proximidades. Os
Frank vão ao andar superior e encontram os Van Pels à janela, olhando um
fulgor vermelho lá fora. A sra. Van Pels está convencida de que o armazém
está pegando fogo. Os moradores voltam para suas camas – só para ser
despertados por mais tiros:
A sra. Van Daan pulou da cama e desceu ao quarto de Dussel, em busca do apoio emocional
que não conseguiu com o marido. Dussel recebeu-a com as palavras: “Venha para a minha
cama, criança!” Morremos de rir, e o troar dos canhões não nos incomodou mais; nosso medo
tinha sido varrido para longe.39

Há também momentos memoráveis de serena domesticidade.


Observamos, através dos olhos de Anne, a confusa paródia que resulta
quando o sr. Van Pels se lança a uma demonstração prática de sua expertise
profissional na feitura de salsichas:
A cozinha ficou uma bagunça. O sr. Van Daan, usando o avental da mulher e parecendo mais
gordo do que nunca, trabalhava a carne. Com as mãos sangrentas, o rosto vermelho e o avental
manchado, parecia um açougueiro de verdade. A sra. Van Daan tentava fazer tudo ao mesmo
tempo: aprender holandês num livro, mexer a sopa, vigiar a carne, suspirar e gemer por causa
de sua costela quebrada. É isso que acontece quando velhas senhoras (!) fazem exercícios tão
idiotas para se livrar dos traseiros gordos.40

Ainda mais esclarecedora é a cena do “descascamento das batatas”, um


episódio que Anne pretendia que fosse um conto independente, e que ela
incluiu no livro de relatos em que escreveu os texto publicados como
Contos do esconderijo. Otto integrou alguns desses esboços ao diário,
datando este de 10 de agosto de 1943. Anne focaliza aqueles instantes em
que o caráter de uma pessoa se revela através do modo como ela lida com
um ou mais objetos – aqui, uma faca e algumas batatas.
Quando as tarefas são divididas – pegar as batatas, o jornal e a panela
com água –, a temperatura da comunidade é aferida, e sua saúde,
diagnosticada pela observação de Anne de que cada um fica com a melhor
faca para si. O fato de Pfeffer estar fazendo um péssimo trabalho não o
impede de ficar dizendo a todos os outros como fazê-lo, nem de vociferar
em alemão quando Anne ignora seu conselho.
Franzindo a testa, Otto se concentra como se sua vida, como se a vida
de todos, estivesse em perigo se ele produzisse uma só batata não
“perfeitamente descascada”. A sra. Van Pels tenta flertar com Pfeffer,
depois fica frustrada e entediada, e começa a implicar com o marido. Ele
está sujando o terno, fazendo uma bagunça. O homem não quer se sentar?
Ele faz ruídos de anuência, mas a ignora. Então ela aumenta o nível,
passando para um assunto mais perturbador, o progresso da invasão. Os
ingleses não estão fazendo tantos ataques aéreos quanto costumavam. Seu
marido põe a culpa no clima, mas ela responde que o tempo tem estado
bom. Depois acrescenta que percebeu que, ao contrário de seu marido, o sr.
Frank sempre responde à sua mulher quando ela fala.
Não se trata mais de batatas. O verdadeiro assunto é a invasão aliada.
Os alemães ainda poderiam ganhar. Também em questão está o casamento
dos Van Pels: por quanto tempo ele poderá sobreviver no sótão, e
conseguirão eles sobreviver de fato? Os ingleses não estão fazendo nada,
diz a sra. Van Pels, e seu marido grita que ela fique quieta, escorregando no
alemão. Chega.
A sra. Frank tenta não rir. Anne olha direto para a frente. Elas sabem
que é só teatro. Quando os Van Pels estão brigando para valer, ficam
silenciosos e cuidadosos um com o outro.
A capacidade de Anne de dramatizar se torna ainda mais importante
quando ela começa a escrever sobre seu romance com Peter. Em janeiro de
1944, ela registra uma conversa com Margot e Peter que continua quando
ela fica sozinha com ele – o assunto é o sexo de Boche, o gato. Anne acha
que Boche está grávida, mas logo é convencida de que o gato engordou
com uma dieta de ossos roubados. No primeiro rascunho de Anne, Peter
insiste que viu o bicho cruzando. Segue-se uma descrição bastante clínica
da castração animal e uma tentativa comovente e atrapalhada de determinar
a terminologia para os genitais masculinos e femininos.
Na segunda versão, abreviada e alterada, Peter diz a Anne que,
brincando com Boche, pôde ver “claramente que era macho”. Em ambos os
rascunhos, Anne se orgulha de ser capaz de uma conversa tão descontraída
e adulta com Peter sobre um assunto tão apimentado: isso prova como se
tornaram amigos íntimos, confiantes. Mas talvez tenha tido dúvidas sobre
como futuros leitores de O anexo secreto poderiam reagir. O relato de Peter
de ter visto o gato fazer sexo e a mecânica da castração são omitidos da
revisão de Anne. Ela conservou, no entanto, a observação de que a aula de
biologia improvisada a deixou se sentindo “um pouquinho esquisita”, e que
ela se vê rememorando a cena em sua cabeça:
“Apesar de tudo, não me senti normal durante todo o dia. Quando
pensava na conversa, ela me parecia estranha. Mas aprendi pelo menos uma
coisa: há pessoas jovens, mesmo do sexo oposto, que podem conversar
sobre essas coisas naturalmente, sem piadinhas.”41
A facilidade da conversa sobre a fisiologia felina é típica da
abordagem de Anne ao assunto do sexo. Sua franqueza teve por resultado o
banimento do livro de escolas e bibliotecas, mas na verdade ela é parte do
que jovens leitores acham interessante, informativo e reconfortante. O
acompanhamento dos altos e baixos de sua preocupação erótica ainda está
entre as descrições mais precisas de como é ser uma adolescente confusa,
obcecada por fantasias amorosas.
No final do diário, Anne se descreve explorando a Bíblia em busca da
desnorteante informação sexual contida ali, refletindo sobre a cena em que
os velhos espiam Susana no banho e perguntando a si mesma qual viria a
ser a culpa de Sodoma e Gomorra.
Quando eu era menina, nos anos 50, o assunto era tão mais velado do
que hoje que me lembro de ler o Antigo Testamento (Ló e suas filhas! Boaz
e Rute!) por suas provocantes alusões ao sexo. Uma amiga confessou-me
que, quando leu o diário de Anne Frank na pré-adolescência, pensou que ele
era todo sobre sexo. Agora que o ar que respiramos está tão intensamente
saturado de erotismo que uma criança pode aprender tudo sobre como são
feitos os bebês numa tarde de novelas e programas de entrevistas, parece
incrível que o diário pudesse ensinar algo de novo sobre o assunto, exceto
na medida em que qualquer tipo de sinceridade não histérica em relação a
esse tema é sempre novo.
Um aspecto admirável do diário é a quantidade de vida que ele
condensa em suas páginas. Sexo é parte dele, assim como morte, amor,
família, idade, juventude, esperança, Deus, o espiritual e o doméstico, o
mistério da inocência e o mistério do mal.
Além de tudo isso, o diário trata da guerra de Hitler contra os judeus,
da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial e da invasão aliada da
Europa vista a partir de dentro de um país ocupado. É fácil fazer vista
grossa à quantidade de história contida nessas entradas.

Rauter, um figurão alemão, fez recentemente um discurso: “Todos os judeus devem sair dos
territórios ocupados pela Alemanha antes de 1º de julho. A província de Utrecht ficará livre de
judeus (como se eles fossem baratas) entre 1º de abril e 1º de maio, e as províncias do norte e
do sul da Holanda, entre 1º de maio e 1º de junho.” Essa pobre gente está sendo embarcada para
matadouros imundos como um rebanho de gado doente e maltratado.42

Enquanto os judeus escondidos acompanhavam o progresso da invasão


aliada, Anne registra as estatísticas de cada manobra militar que pudera ser
relatada pelo rádio clandestino. No Dia D, ela escreve que 11 mil aviões
estiveram voando de um lado para o outro, lançando tropas por trás das
linhas inimigas, enquanto 4 mil lanchas de desembarque despejam soldados
e suprimentos entre Cherbourg e Le Havre. A possibilidade de que os
Aliados sejam vitoriosos em 1944, escreve ela, é uma razão para novas
esperanças e, depois de tudo que suportaram, uma inspiração para
continuarem corajosos e calmos. “Ah, Kitty, o melhor da invasão é que
tenho a sensação de que são amigos chegando. Aqueles terríveis alemães
nos oprimiram e ameaçaram durante tanto tempo que a ideia de amigos e de
salvação significa tudo para nós! Agora não são apenas os judeus, mas a
Holanda e toda a Europa ocupada.”43
Infelizmente, a guerra ainda inquietava muito os judeus escondidos.
Durante os últimos meses no esconderijo, porém, Anne e os outros se
permitiram pensar que poderiam triunfar. Eles perderam pela mais estreita
das margens – perderam em Amsterdam, em Westerbork, em Auschwitz, e
depois novamente em Bergen-Belsen – quando a sorte que os mantivera
seguros durante dois anos se virou contra eles.
O diário de Anne é uma composição sinfônica de temas maiores e
menores, de notas e acordes desferidos a intervalos suficientemente
regulares e frequentes para que nunca deixem a consciência do leitor por
muito tempo. É possível seguir o curso de cada ameaça em seus meandros
através do diário, reaparecendo para intensificar ou aguçar nossa
compreensão de um personagem ou situação.
Como é assombroso, poderia dizer um leitor desavisado, como é
incrível que uma obra tão penetrante, dramática e estruturalmente
ambiciosa tenha se desenvolvido, por conta própria, a partir dos rabiscos
naturais e espontâneos que uma menina acrescentava, diariamente ou a
intervalos de poucos dias, a seu diário. Tal leitor estaria certo, ou
parcialmente certo, ao se espantar com essa naturalidade e esse
extraordinário espírito de improvisação.

dAnne refere-se à sra. Van Pels, a quem atribuíra o apelido de sra. Beaverbrook por ter sido a única
moradora do anexo a concordar com as declarações de “um tal sr. Beaverbrook” a respeito do que ele
considerava um fraco ataque dos Aliados à Alemanha. (N.T.)
5. O livro, parte III

A EDIÇÃO CRÍTICA DO DIÁRIO incluiu muitas fotos que documentam a escrita


em letra de fôrma infantil dos primeiros registros feitos por Anne e o
cursivo fluido escrito às pressas das últimas páginas. Especialistas forenses
em caligrafia contratados pelo Instituto Holandês para a Documentação de
Guerra mapearam as alterações em cada movimento ascendente e laçada à
medida que sua letra de criança se desenvolvia na de uma adolescente. Mais
pronunciadas ainda que as mudanças na caligrafia, porém, são as diferenças
em maturidade e sensibilidade que separam a meninota que traçou aquelas
desajeitadas letras de forma da jovem autora que cobriu as folhas coloridas
com um cursivo confiante.
A disparidade entre a frívola vida social do bairro dos Rios que Anne
descreve no início do diário e as meditações introspectivas que o concluem
é tão imensa que desviou a atenção de leitores e críticos de algo que
poderiam ter notado se estivessem pensando mais claramente – isto é, se
tivessem levado o diário mais a sério. Embora o conteúdo das últimas
páginas seja apropriadamente mais sombrio e maduro que o das primeiras
entradas, o estilo e a voz do diário não mudam tanto das primeiras até as
últimas páginas.
A explicação é que, como vimos, Anne reescreveu as seções iniciais
dois anos depois de sua composição original, e que Otto combinou esse
primeiro rascunho com as revisões para produzir um manuscrito que
contasse a história de Anne da maneira mais comovente e coerente. Se
tivéssemos considerado as diferenças entre a capacidade de compreender e
se expressar que se poderia esperar da mais precoce menina de 13 anos e as
capacidades intelectuais e literárias de uma menina de 15 anos, poderíamos
ter concluído (antes mesmo da edição crítica de 1986) que o diário não era
bem o que parecia.
De fato, uma rápida passada de olhos pela edição crítica confirma
quanto trabalho a própria Anne – e mais tarde seu pai – dedicaram ao
manuscrito. Se o diário original não tivesse sido editado por Anne e Otto,
provavelmente não teria sido publicado. Leitores poderiam ter ficado
desconcertados com seções que foram realmente escritas quando Anne
tinha acabado de completar 13 anos (diferentemente de muitas das
passagens que abrem o diário, mas que foram escritas em datas posteriores
às quais são atribuídas no livro). Aqui, por exemplo, está a lista de
presentes de aniversário anotada no livro de capa xadrez, que não aparece
nas primeiras edições de O diário de Anne Frank:
De papai e mamãe ganhei uma blusa azul, um jogo, uma garrafa de suco de uva, que, na minha
cabeça, deve ter gosto parecido com o do vinho (afinal de contas, o vinho é feito de uvas), um
quebra-cabeça, um pote de creme para o corpo, 2,50 florins e um vale para dois livros. Também
ganhei outro livro, Camera obscura (mas Margot já tem, por isso troquei o meu por outro) …1

Embora possamos passar sem a maior parte disso, poderia ter sido
instrutivo saber que Anne recebeu presentes de Peter van Pels e da “esposa”
de Fritz Pfeffer. Mas isso só é interessante depois que lemos o livro, e é
difícil imaginar mesmo os fãs mais ardorosos transpondo toda a
efervescente prolixidade da versão “a”, ou mesmo parte dela.
De fato, as primeiras páginas do livro de capa xadrez vermelha, cinza e
castanha estão cheias de anotações que teriam dissuadido a maioria dos
adultos – e dos jovens também – de continuar. Em passagens que tanto
Anne quanto seu pai cortaram de O anexo secreto, Anne arrola seus
professores em todas as séries e suas atividades diárias. Se um inventário de
seus colegas de classe, anotado com comentários mexeriqueiros, atrai nossa
atenção, é só porque revela um pouco mais sobre a personalidade de Anne
durante aquele tempo relativamente despreocupado.
A srta. J. é a dona da verdade. Ela é muito rica e tem um armário cheio de vestidos
maravilhosos, que são velhos demais para ela. … Henny Mets é simpática, tem um jeito alegre,
só que fala alto demais e parece mesmo uma criança quando estamos brincando no pátio. …
Rob Cohen também andou apaixonado por mim, mas não aguento mais ele. É um patetinha
antipático, falso, e manhoso que se acha simplesmente o máximo.”2

Meses depois que a vida em Amsterdam se tornara quase insustentável


para os judeus da cidade, e cinco dias antes de sua irmã receber a carta de
intimação decisiva, Anne escreveu uma descrição singela, que ela cortou e
Otto não restaurou, de uma ida a uma sorveteria, Oasis, com dois meninos,
Fredie e Hello, e uma menina chamada Wilma:

Fomos à Oasis e compramos um sorvete por 12 centavos, depois Wilma chegou, e eles queriam
pagar outro sorvete para nós, mas Wilma e eu não quisemos, mas mesmo assim eles compraram
um para cada uma por 12 (centavos), mas nós não aceitamos, por isso Fredie e Hello tomaram
mais dois sorvetes de 12 centavos.3

Anne Frank era um prodígio, mas, aos 13 anos, seus talentos ainda não
se haviam desenvolvido. A comprovação desses talentos surgiria apenas
mais tarde, produzida em parte pelo que John Berryman chamou de
“pressão especial” consequente de seu encarceramento no anexo secreto.

ANNE PRETENDIA QUE O anexo secreto começasse com a entrada de 20 de


junho de 1942, em que decide escrever para Kitty e se pergunta quem
estaria interessado nos “pensamentos de uma garota de 13 anos”. A
passagem foi composta em algum momento da primavera de 1944. Prestes
a completar 15 anos, Anne estava revisando seu diário, rememorando seu
antigo eu de 13 anos e escrevendo como ele – aquela menina requisitada
com muitos namorados que a espiavam furtivamente nos espelhos das
paredes das sala de aula. Ela se descreve sentada com o queixo nas mãos,
inquieta e chateada demais para decidir se deveria ficar em casa ou sair. Na
realidade, a decisão quanto a sair de casa havia sido tomada por ela dois
anos antes, e retraçar seu caminho até esse ponto exigiu um tal esforço de
imaginação que, pelo menos uma vez, Anne exagera e começa a ficar
sentimental, referindo-se na revisão “ao pai mais adorável que conheço”.
Judiciosamente, Otto simplificou isso para “pai” na versão publicada.
Numa outra entrada, datada de sábado, 20 de junho de 1942 e também
escrita dois anos depois, Anne reflete sobre a surpreendente ideia de que
uma menina de sua idade seja tão obcecada por meninos. No interesse de O
anexo secreto, ela finge ainda ser aquela tagarela namoradeira que dá tratos
à bola para descobrir uma maneira de desencorajar pretendentes muito
sôfregos. Mas aqui também ela está lembrando como é permitir a um
menino que a acompanhe da escola até sua casa e esperar que ele se
apaixone loucamente por ela. Quando um menino lhe manda beijos ou tenta
segurar seu braço, Anne conta a Kitty, ela desce da bicicleta, finge estar se
sentindo insultada, e lhe ordena que a deixe sozinha. Mesmo que Anne
tivesse escrito isto em 20 de junho de 1942, a entrada estaria com a data
adiantada. Nove dias antes, todos os judeus tinham sido obrigados a
entregar suas bicicletas.
Nessa colaboração fantasmagórica entre o vivo e a morta, Anne e seu
pai parecem ter concordado que seu diário deveria começar com um esboço
de como ela vivia antes de desaparecer no sótão. Mas o tom ofegante com
que seu diário, tal como o conhecemos, se inicia – “Na sexta-feira, 12 de
junho, acordei às seis horas, o que não é de espantar; afinal, era meu
aniversário” – não é como Anne teria desejado que seus leitores ouvissem
sua voz pela primeira vez. Em sua revisão, Anne eliminou a descrição de
sua alegria ao ganhar o diário e da festa de aniversário cujo ponto alto foi
um filme de Rin Tin Tin.
Otto optou sabiamente por restaurar essas descrições de prazeres
infantis desfrutados em liberdade. Mas, com exceção desses poucos
parágrafos resgatados do rascunho original, as primeiras páginas do diário
são obra da Anne de 15 anos escrevendo de maneira mais refletida do que
lhe teria sido possível dois anos antes. A própria Anne conservou – e
desenvolveu – as referências a seu clube de pingue-pongue, a sua idas até a
sorveteria, à ansiedade que se apossa de seus colegas antes de uma reunião
de professores, e a ter recebido a tarefa de escrever uma redação como
castigo por ser tagarela demais.
Se a inocente menina de 13 anos começa listando seus presentes e
registrando quem lhe deu o quê, a de 15 anos começa refletindo sobre a
estranheza de uma menina como ela manter um diário. Como Anne sabia,
muitas meninas mantêm diários. De maneira mais relevante, ao mesmo
tempo que perguntava a Kitty quem quereria ler sobre sua vida, Anne
compreendia que, dadas as circunstâncias extraordinárias em que ela estava
vivendo, a ideia de manter um diário nada tinha de estranho. Enquanto
escreve que não está “planejando deixar ninguém mais ler este caderno de
capa dura”, ela não só está revisando um livro que espera publicar, como
não está mais escrevendo no diário de capa dura, exceto para preencher
páginas em branco.
Ciente de que estranhos poderiam ler O anexo secreto, e percebendo
que precisava explicar por que “Anne Robin” acabara confinada na casa dos
fundos, ela acrescentou a seção em que seu pai sugere que poderiam ter de
se esconder, reproduzindo a essência dessa conversa, senão as palavras
exatas que foram usadas. Podemos compreender por que Anne optou por
não registrar a cena logo depois que ela ocorreu; talvez essa assustadora
possibilidade parecesse alarmante demais para ser desenvolvida ali. Só mais
tarde, para efeito de clareza, ela retorna a esse momento em que tomou
conhecimento do plano que logo poderia ser posto em execução. Na versão
revisada, Otto diz a Anne que eles querem evitar ser presos e ter seus bens
confiscados pelos alemães. Assim, tinham decidido desaparecer antes que
fossem capturados e deportados.

— Mas quando, papai?’


Ele parecia tão sério que fiquei apavorada.
— Não se preocupe. Nós vamos cuidar de tudo. Aproveite a sua vida sem se preocupar com
nada, enquanto pode.
Era isso. Ah, que essas palavras sombrias demorem o máximo de tempo possível a se tornar
verdade!4

É assim que Anne encerra a cena, embora a verdade seja que, naquela
altura, a ameaça contida nas tais palavras sombrias já tinha se realizado.
Na esperança de estar contando uma história que interessará, entre
outros, ao ministro da Educação da Holanda no exílio, ela escreve a entrada
de 20 de junho como uma apresentação de si mesma e de Kitty. Prometendo
“desabafar tudo que está preso em meu peito”, ela descreve um sentimento
que será familiar para muitos adolescentes, talvez a maioria deles: a
sensação de estar sozinha mesmo quando rodeada por amigos e entes
queridos. No momento em que narra seu alheamento, ela está só, ou pelo
menos separada das “30 pessoas que posso considerar amigas”. Seu diário
tornou-se uma arma em sua luta contra o isolamento que cresceu na
ausência de companheiros de sua idade, e apesar do (ou intensificado pelo)
espaço exíguo em que ela, sua família e os outros têm vivido.
Este é o comentário de Laureen Nussbaum sobre a carta de 20 de
junho do diário:

Anne, pondo-se em seu estado de espírito de duas semanas antes de ir para o esconderijo,
explica por que, apesar de toda sua popularidade, se sente solitária e precisando de uma
verdadeira amiga a quem dirigir suas efusões. Decide chamar essa amiga de Kitty e, após uma
versão concisa de seu esboço autobiográfico, passa imediatamente a escrever sua primeira
epístola “Querida Kitty”. Em apenas quatro cartas, resume tanto sua vida escolar como sua vida
social na primavera de 1942 e termina com uma bonita transição: um passeio vespertino com o
pai, durante o qual ele menciona o assunto da ida para um esconderijo e toda a drástica
mudança que isso acarretará.5

Pondo-se em seu estado de espírito de duas semanas antes de ir para o


esconderijo. É exatamente isso que Anne está fazendo – é assim que
memórias são escritas, nesse caso na forma de um diário, ou de uma série
de cartas. Anne não está tentando transformar sua vida em ficção, mas sim
fazer o registro cronológico mais preciso da pessoa que era e da pessoa em
que se tornou, e de tudo e todos que ajudaram a promover essa mudança.

EM GERAL, COMPARAÇÕES DAS PRIMEIRAS ENTRADAS com as entradas


correspondentes no segundo rascunho nos convencem que Anne estava
certa ao confiar em seu instinto para a autoedição. Tipicamente, a versão
revisada é mais clara, de leitura mais agradável, com mais detalhes e livre
da pressa que confunde algumas passagens da primeira versão. As
diferenças entre os esforços iniciais de Anne e suas revisões variam do
banal ao profundo, e aumentam nosso respeito por ela como escritora. As
primeiras versões são em muitos casos mais impulsivas e vivazes; as
segundas, mais distanciadas, serenas, e até impessoais. As revisões podem
trocar imediatismo por clareza, emoções em estado bruto por reflexão, mas
são quase sempre mais bem escritas – mais condensadas, descritivas,
completamente dramatizadas e evocativas. Só muito raramente, quando
Anne analisa demais suas próprias reações aos acontecimentos, o texto se
torna mais literário ou “interessante” de uma maneira que parece menos fiel
ao que ela pode ter pensado e sentido no momento.
Na entrada original de Anne em 12 de março de 1944, ficamos
sabendo que ela acabou de saber da prisão de algum conhecido seu e da
doença do pai de Bep – más notícias que a fazem querer adormecer para se
livrar dos pensamentos. Depois de uma menção a seu isolamento e à divisão
entre seus eus interior e exterior, ela explica por que é incapaz de pedir
ajuda à irmã:
Margot gostaria tanto de ser minha confidente, mas não posso. Ela é um encanto, é boa, é
bonita, mas não tem algo de que preciso. Eu também não poderia suportar ter por perto o dia
inteiro alguém que soubesse o que estava se passando dentro de mim. Não posso ter meu
confidente perto de mim o dia inteiro, a não ser … Peter!

As diferenças na segunda versão são sutis, mas muito importantes.


Margot é muito meiga e gostaria que eu contasse as coisas para ela, mas não posso dizer tudo.
Ela é um encanto, é boa e bonita, mas falta-lhe indiferença em relação a discussões profundas.
Ela me leva muito a sério, a sério demais, e passa muito tempo pensando em sua irmã doida, me
olhando atentamente sempre que abro a boca, e pensando: “Será que ela está representando, ou
será que fala sério?”

Somente nesse rascunho Anne encontrou a frase (“falta-lhe indiferença


em relação a discussões profundas”) que Philip Roth destacou como
indicativa de sua complexidade de espírito e elegância de expressão.
Caridosamente, Anne conclui: “Isso é porque estamos sempre juntas. Não
quero que a pessoa a quem conto as coisas esteja sempre perto de mim.” A
menção a Peter como o confidente ideal – a efusão que encerra o trecho no
primeiro rascunho – desapareceu por completo.

O QUE TEMOS DAS REVISÕES DE ANNE – isto é, a versão “b” – termina em


março de 1944. Como as entradas posteriores a essa data existem somente
em um rascunho, não podemos saber quanta coisa ela pretendia reescrever
ou conservar das seções que descrevem a intensificação de seu
envolvimento com Peter. Mas cada referência a Peter que ela chegou a rever
(presumivelmente depois que sua queda por ele havia esfriado) é abrandada
de modo que o romântico se torne platônico, e as emoções fortes pareçam,
em contraposição, neutras, coisas que uma menina poderia dizer sobre
qualquer amigo mais chegado.
No início de 1944, Anne descreve a emoção de olhar Peter nos olhos:
“Não pude deixar de fitar aqueles olhos escuros muitas vezes, e com todo o
meu coração quase lhe implorei, ah, diga-me o que está se passando dentro
de você, ah, não consegue ver além desta ridícula tagarelice?” A revisão é
notavelmente menos ardente:
Eu tinha uma sensação esquisita cada vez que olhava em seus olhos azul-escuros, e ele ficava
ali sentado, com aquele sorriso brincando em torno dos lábios … e com todo o meu coração
quase lhe implorei: ah, diga-me o que está se passando dentro de você, ah, não consegue ver
além desta ridícula tagarelice? … Quando me deitei e refleti sobre toda a situação, ela não me
pareceu nada animadora e a ideia de precisar implorar o apoio de Peter era simplesmente
repulsiva.6

As entradas de fevereiro e março de 1944 da versão “a” são cortadas


para eliminar referências apaixonadas a Peter e especulações sobre se os
sentimentos de Anne são correspondidos. Na versão “a”, Anne conta a Kitty
que “desde o início da manhã até o fim da noite, só penso em Peter. Durmo
com sua imagem diante dos olhos, sonho com ele e acordo com ele ainda
olhando para mim.”7 Ausente das revisões, a passagem reaparece na edição
de O diário de Anne Frank preparada por Otto. No primeiro rascunho, e no
diário publicado, Anne escreve que vive de um encontro com Peter para o
outro, mas essa observação não atormenta mais a escritora que edita O
anexo secreto para publicação.
Em 7 de março, há uma alteração reveladora. O original diz:

Depois do Ano-Novo, aconteceu a segunda grande mudança: meu sonho, … e com ele descobri
Peter … descobri que desejava um rapaz; não uma amiga, mas um namorado. Também descobri
uma felicidade interior, abaixo do meu exterior superficial e alegre. … Agora só vivo para
Peter, porque o que vai me acontecer no futuro depende principalmente dele.

O sonho reescrito de Anne sobre seu futuro é mais nobre, mais abstrato
– e não depende mais de Peter: “No início do Ano-Novo, a segunda grande
mudança, meu sonho … e com ele descobri meu infinito desejo por tudo
que é belo e bom.” Em lugar algum nas revisões encontramos passagens
como a seguinte, que existe somente no primeiro rascunho: “Peter tocou
minhas emoções mais profundamente do que qualquer outra pessoa –
exceto em meus sonhos. Ele se apossou de mim e me virou pelo avesso.”8
Anne tampouco optou por incluir as discussões sobre sexo que a versão “a”
registra – conversas em que Peter explica como os métodos
anticoncepcionais funcionam e Anne o informa sobre os mistérios da
anatomia feminina.
Até pequenas correções são reveladoras. Em meados de março de
1944, Anne enumera as crises que a fazem querer dormir e o desejo de
poder confiar na irmã; seus temores incluem o fato de nunca receber “um
olhar amistoso de Peter”. No segundo rascunho, Anne admite gostar de
conversar com Peter, embora tema ser um estorvo.
Mas não vou deixar isso me enlouquecer. Passo bastante tempo pensando nele, e não preciso
chatear você também, simplesmente porque estou tão infeliz!. … No sábado à tarde, fiquei tão
confusa depois de ouvir uma porção de notícias tristes que me deitei em meu divã para dormir
um pouco. Só queria dormir e não pensar.

Mais uma vez não há nenhuma indicação de que a frieza de Peter é


uma das razões por que Anne deseja parar de pensar.
Laureen Nussbaum comenta:

Ao revisar seu caderno preto durante o fim da primavera e o início do verão de 1944, apenas
alguns meses depois de tê-lo enchido com suas torrentes, Anne tornou-se muito crítica em
relação a seu encanto por Peter van Pels … no manuscrito b, ela elimina a maior parte das
entradas efusivas sobre esse período emocional … Otto Frank reintroduziu a maior parte dessas
eliminações. [Otto] selecionou repetidamente as passagens mais emocionais da versão a de
Anne, algumas das quais ela havia dispensado enquanto reelaborava outras em histórias
ficcionais. Quando reescrevia suas entradas do início de 1944, Anne havia passado por um
grande desenvolvimento interior. O sr. Frank ignorou todas essas evidências de crescimento. Ou
quis preservar um estágio conturbado do desenvolvimento de sua querida Anne, em vez de lhe
permitir apresentar-se como a jovem escritora mais objetiva e reservada que ela se tornara em
idade tão precoce? Podemos somente especular.9

Sobre o que poderíamos especular? A restauração desses cortes por


Otto criou um drama mais envolvente. Tivesse Otto eliminado o romance
de Anne com Peter, a Broadway e Hollywood provavelmente tentariam
restabelecê-lo ou inventá-lo. E não foi como se Otto tivesse criado as
seções em que sua filha conta a Kitty sobre o seu caso de amor nascente
como uma adolescente que confiasse para uma melhor amiga os detalhes de
sua primeira paixão séria. Mas depois que começou a se desapontar com
Peter, Anne não imaginava a heroína de O anexo secreto como uma
adolescente apaixonada, sofrendo por causa de cada sorriso que ganhava do
menino do andar de cima.

DUAS PASSAGENS DA MESMA ENTRADA que descreve o discurso do ministro


Bolkestein pelo rádio marcam as diferenças entre sucessivos rascunhos. Em
ambos, Anne focaliza mudanças a partir de dentro do sótão, onde as
“senhoras” apavoradas esperam os ataques aéreos, seguindo para o mundo
exterior mais amplo, de modo que futuras gerações possam ver, como o
ministro sugeriu, o sofrimento do povo holandês.
Na primeira versão, Anne relata o que ouviu e leu sobre a deterioração
da sociedade civil. Mais de quatro anos depois da ocupação alemã, os
holandeses estão suportando agora a adversidade adicional dos
bombardeios aliados:

… como as casas estremecem com as bombas, quantas epidemias há, como difteria, escarlatina
etc. O que o povo come, como fazem filas para comprar legumes, e todo tipo de coisas, é quase
indescritível.
Os médicos aqui estão sob incrível pressão, se dão as costas a seus carros por um instante
eles são roubados das ruas, nos hospitais não há espaço para os muitos casos infecciosos,
remédios são prescritos por telefone.
Acima de tudo os incontáveis roubos e furtos são inacreditáveis. Você pode se perguntar se
os holandeses se transformaram de repente numa nação de ladrões. Crianças pequenas de oito e
11 anos quebram os vidros das casas das pessoas e roubam o que podem, você não pode deixar
sua casa vazia, porque nos cinco minutos que passa fora suas coisas desaparecem também.

Aqui está o mesmo relato, extraído do rascunho que Anne revisou:


… de modo que as casas tremeram como hastes de capim ao vento. Ou quantas epidemias
grassam por aqui … As pessoas precisam entrar em filas para comprar legumes e todo tipo de
mercadorias; os médicos não podem visitar os pacientes, pois seus carros e bicicletas são
roubados no momento em que eles viram as costas; roubos e assaltos são tão comuns que você
se pergunta o que aconteceu de repente com os holandeses para de uma hora para outra
passarem a ter os dedos tão leves. Crianças pequenas, de oito e 11 anos, quebram os vidros das
casas e roubam o que podem. As pessoas não ousam sair de casa por cinco minutos, porque se
você desaparece, suas coisas desaparecem também.10
Sem dúvida há um pouco mais de estilo. Explosões podem ter
sacudido a Holanda, mas será que as casas realmente tremiam como hastes
de capim ao vento? Mas todas as outras mudanças grandes e pequenas são
para melhor. Dizer que as epidemias grassam é mais forte que simplesmente
enumerá-las. Palavras e expressões que escritores são sensatamente
aconselhados a evitar – “indescritível”, “incrível” e “inacreditáveis” –
foram eliminadas ou substituídas por adjetivos mais concretos.
O detalhe sobre as filas para comprar comida foi escolhido entre outros
mais vagos, e os problemas dos médicos foram concentrados na
incapacidade de visitar pacientes sem que seus carros fossem roubados.
Pequenas alterações aumentam o impacto de uma frase sobre o leitor.
Compare “Você não pode deixar sua casa vazia, porque nos cinco minutos
que passa fora suas coisas desaparecem também” com “porque se você
desaparece, suas coisas desaparecem também”.
Considerando-se que Anne havia começado suas revisões na
primavera de 1944 e que em agosto sua família foi presa, a passagem acima
teve de ser reescrita dentro de um curto período de tempo. Somente
algumas semanas, meses ou horas separaram os dois rascunhos de Anne.
As diferenças entre os rascunhos são naturalmente mais pronunciadas
quando o intervalo de tempo transcorrido entre eles é maior. Algumas
revisões são correções sensatas baseadas numa consciência menos otimista
do rumo que as coisas tomariam. Em 21 de setembro de 1942, quando
contempla seu primeiro inverno no esconderijo, Anne escreve que todos os
seus suéteres quentes foram deixados com amigos, mas que Miep talvez
pergunte se pode guardá-los para Anne, que assim obterá seus suéteres de
volta. Até o momento em que ela reescreveu a passagem, isso parece não
ter acontecido: “Algumas de nossas roupas ficaram com amigos, mas
infelizmente só poderemos pegá-las depois da guerra. Desde que continuem
lá, é claro.”
Passagens de diálogos recordados são alteradas e elucidadas. Perto do
início do diário, vários membros da casa estão falando, observados pelos
demais. Anne Frank aprimora a cena, e depois (no segundo rascunho) a
aperfeiçoa mais.
É final de setembro, quase três meses depois que as duas famílias
foram para o esconderijo, tempo suficiente para que tenham começado a se
irritar mutuamente. Hermann van Pels diz a Anne que o excesso de
modéstia é autossabotagem. Em parte, ele está reagindo ao fato de Otto
Frank ter sido elogiado um instante antes por essa qualidade, mas está
também dando um conselho do modo como adultos frequentemente fazem
com crianças: de maneira automática, sem se dar o trabalho de perceber
quem a criança é, ou de considerar que conselho lhe poderia realmente ser
útil. O mais breve contato com Anne deveria ter alertado o sr. Van Pels para
o fato de que modéstia não era problema para ela.
A primeira versão da cena faz um trabalho perfeitamente adequado de
recriar uma conversa em que mais se sugere que se expressa, e em que pelo
menos dois dos interlocutores fazem uma incursão no terreno da agressão
passiva:
No domingo de manhã estávamos sentados para o café da manhã, e conversávamos sobre como
papai é modesto, quando a sra. Van Daan disse:
“Eu também sou muito modesta, muito mais do que o meu marido!
O sr. Van Daan:
“Eu não desejo ser modesto”, e para mim: “Não seja modesta, Anne. Isso não vai ajudar
você em nada”, com o que mamãe concordou.
A sra. Van Daan: “Que coisa estúpida para dizer a Anne, essa visão da vida é simplesmente
idiota!”
Mamãe: “Eu mesma também penso que não se vai muito longe com isso. Vejam, meu
marido, Margot e Peter são excepcionalmente modestos, ao passo que seu marido, Anne e eu
não temos nada de modestos. Não somos imodestos, mas também não somos modestos.”
Sra. Van Daan: “Ah, não, ao contrário, eu sou muito modesta, como pode dizer que sou
imodesta?”
Mamãe: “Não disse que você é imodesta, mas também não é tão modesta assim.”

Mas é na segunda tentativa que Anne consegue dar ao momento sua


plena complexidade, animação e humor:
De alguma forma tínhamos chegado ao assunto da extrema modéstia de Pim. Isso é fato
conhecido, que nem mesmo a pessoa mais idiota sonharia em questionar. De repente, a sra. Van
Daan diz: “Eu também sou muito modesta, muito mais que meu marido!”
Você já ouviu coisa mais ridícula? Esta frase é uma prova de que ela não é exatamente o que
a gente chamaria de modesta! O sr. Van Daan, que se sentiu obrigado a explicar o “muito mais
do que o meu marido”, respondeu calmamente: “Não tenho desejo de ser modesto. Em minha
experiência, isso não compensa.” E, virando-se para mim, acrescentou: “Não seja modesta,
Anne. Isso não vai ajudar você em nada.”
Mamãe também concordou com esse ponto de vista. Mas, como sempre, a sra. Van Daan
tinha de dar palpite. Dessa vez, porém, ela se virou para meus pais e disse: “Vocês devem ter
uma visão estranha da vida para dizer isso a Anne. As coisas eram diferentes quando eu era
jovem. Mas talvez elas não tenham mudado tanto desde então, a não ser em seu lar moderno.”
Esse foi um ataque direto ao modo como mamãe cria as suas filhas.
A essa altura, a sra. Van Daan estava rubra. Mamãe, calma e fresca como um pepino. As
pessoas que coram facilmente ficam tão iradas e exaltadas, é uma grande desvantagem naquele
tipo de situação. Mamãe, ainda sem se alterar, mas ansiosa para encerrar a conversa o mais
rápido possível, pensou por um segundo e disse: “Também acho, sra. Van Daan, que se dá
melhor na vida quem não é modesto demais. Meu marido, Margot e Peter são modestos demais.
Seu marido, Anne,a senhora e eu, embora não sejamos exatamente o oposto, não permitimos
que nos deixem de lado.” E a sra. Van Daan: “Ah, mas sra. Frank, não entendo o que a senhora
quer dizer! Sinceramente, sou muito modesta. Como pode pensar em me chamar de alguma
outra coisa?” Mamãe: “Eu não disse que a senhora é petulante, mas ninguém poderia descrevê-
la como uma pessoa despretensiosa.11

A REVISÃO NÃO SÓ EXIBE MAIOR INTELIGIBILIDADE, mas uma percepção mais


aguçada de quem seus pais e companheiros de moradia são e de como veem
a si mesmos e uns aos outros. O ouvido de Anne está mais sensível ao
modo como falam, e, o que é mais importante, ao que querem dizer. Dois
anos após o episódio, ela ouve suas vozes mais claramente, ao mesmo
tempo que o retrato redesenhado da sra. Van Pels mostra o desgaste da
perpétua insistência de sua vizinha em ter a última palavra.
Na segunda versão, Anne fornece deixas para seus atores – a
serenidade, o rubor – e assegura que percebamos a vulgaridade da sra. Van
Pels. Não podemos tampouco, desta vez, deixar de notar o fato de que a
observação aparentemente extemporânea da sra. Van Pels sobre a
modernidade é uma alfinetada às práticas educativas da sra. Frank, um
insulto velado que não fica inteiramente claro quando, na versão anterior,
ela comenta meramente a tolice “dessa visão da vida”. A resposta da sra.
Frank é não só mais elegante como mais engraçada, astuciosa e cortante.
Habilmente, ela se inclui entre os “imodestos”, de modo que ninguém
poderia acusá-la de dirigir críticas especiais a Hermann e Auguste van Pels.
Diferentemente de Hermann, Edith sabe que não faz sentido algum sequer
fingir que Anne é modesta; de fato, o confiante autorrespeito de Anne
parece ter sido uma das diferenças que geraram seus atritos com a mãe.
Embora se pretenda que fiquemos do lado da sra. Frank nessa
altercação, a calma ambiguidade de suas respostas nos mostram que
adversária difícil ela devia ser, como de fato Anne a considerava. Os
pequenos ajustes que transformam a réplica da sra. Frank na mais polida e
frígida resposta poderiam servir como um exemplo de por que um escritor
revisa, e da diferença que algumas palavras podem fazer.
A sra. Van Pels continua a se defender: se não fosse atrevida, morreria
de fome. Cabe repetir que as duas famílias estão vivendo juntas há apenas
três meses e, ao mesmo tempo, estão compreendendo a importância e a
dificuldade de continuarem civilizadas. Já há problemas com relação à
comida – escassez e racionamento –, com relação ao quanto cada morador
consome, tensões que podem surgir até em famílias unidas, quando há
muito o que comer. É um momento carregado, e a sra. Van Pels está sendo
intencionalmente provocativa quando sugere que eles estão envolvidos
numa luta darwiniana que exige agressão e perseverança.
A sra. Frank ri – mais por desconforto, supomos, do que por ter a sra.
Van Pels dito alguma coisa engraçada. A furiosa sra. Van Pels vê Anne
sacudindo a cabeça e fica ainda mais irritada. No rascunho anterior, ela “faz
outro sermão”, mas no segundo ela deixa escapar um palavrão “duro,
alemão, feio e vulgar, exatamente como se fosse uma mulher de pescador,
gorda e de cara vermelha. Foi uma satisfação ver isso.”
No fim da cena, a intolerância a críticas e a rabugice da sra. Van Pels
transbordaram, deixando uma espécie de resíduo que turvará qualquer coisa
que leiamos a seu respeito desse ponto em diante. Já se afirmou que escalar
Shelley Winters como Petronella van Daan no filme foi uma escolha tão
inspirada que a grosseria nervosa da atriz, sua crueza coquete, bem como a
fragilidade e o terror subjacentes a essas características, estabeleceram para
sempre nossa imagem da mulher do sócio de Otto. Mas o desempenho de
Winters, por mais inspirado que tenha sido, foi somente um verniz,
espalhado sobre o que já existia no diário.
Milhares de pessoas morreram durante as marchas forçadas que se
seguiram às evacuações de Auschwitz, mas o nome de Auguste van Pels é
um dos poucos que conhecemos, ou o único. E tudo por causa de um diário
em que uma menina registrou uma discussão banal na qual uma mulher
mais velha dificilmente poderia ter parecido mais irritante – ou mais
humana. Entre as razões pelas quais nos lembramos dela está um instante
único, irrepetível no tempo, em que ela vê uma menina sacudindo a cabeça
e explode. Anne pode ter julgado sua vizinha e exposto suas fragilidades e
defeitos. Mas também a fez viver na página, permitindo assim que os fatos
da história e a passagem do tempo atuassem sobre a severidade desse
julgamento e a suavizassem.

EM GERAL, AS REVISÕES MAIS ÚTEIS conferem maior clareza ao texto.


Descrições confusas são excluídas e reordenadas, fatos necessários
acrescentados. Em setembro de 1942, há um “grande drama” na versão “a”;
no momento em que está editando, Anne tinha suficiente experiência de
dramas reais para fazer o episódio se assemelhar mais a “uma breve
interrupção em nossa rotina monótona”. Margot e Peter, que têm permissão
para tudo, são proibidos de ler certo livro. Originalmente, é um livro “sobre
a última guerra” que o sr. Kleiman levou para o sótão. Na revisão, Anne
especifica que é “um livro sobre mulheres”.
Isso explica a explosão que se segue, bem como a comédia do sr. Van
Pels tomando o volume proibido do filho e guardando-o para proteger a
inocência dos jovens. Como Sylvia P. Iskander explica num ensaio, a obra
controversa era Cavalheiros, criados e mulheres, de Jo van Ammers-Küller.
Nesse primeiro livro de uma trilogia sobre o burgemeester, ou prefeito, de Amsterdam, este
considera a ideia de trair a aliança de seu país com a Inglaterra auxiliando os franceses a enviar
armas para as colônias americanas em sua luta pela independência. É impossível dizer se foram
as questões de patriotismo, de traição, de sexo, ou todas elas que levaram os Frank a censurar
temporariamente o livro para sua filha de 13 anos.12

Fosse como fosse, Anne foi autorizada a ler o livro um mês depois, e
cerca de um ano mais tarde seus pais a deixavam ler praticamente tudo que
ela queria.
Em outubro de 1942, a entrada original de Anne torna difícil
determinar a cronologia de eventos que levou a um “terrível pavor”. É
preciso fazer esforço para perceber que o incidente começa quando um
barulho é ouvido na escada. Primeiro Anne pensa que é mamãe ou Bep,
depois se revela que é o carpinteiro, cuja presença na escada deixa Bep
presa no sótão. Alguém sacode a porta, há assobios e pancadas. Anne e os
outros estão certos de que o carpinteiro os descobriu ali, mas na verdade era
o sr. Kleiman, e eles podem relaxar.
Na segunda tentativa, Anne não somente acerta, mas deixa o leitor de
O anexo secreto saber que carpinteiros foram ao prédio para recarregar os
extintores de incêndio. “O pessoal do escritório teve a estupidez” de
esquecer de avisá-los da visita programada dos trabalhadores, e quando os
habitantes do sótão ouvem homens na escada, um silêncio baixa sobre o
alegre almoço com Bep. O momento de ansiedade é dramatizado de tal
modo que agora o vemos da perspectiva dos judeus escondidos e de sua
ajudante, e continuamos vendo as coisas a partir desse ponto de vista
quando a confusão é esclarecida.
Depois de trabalhar durante uns 15 minutos, ele largou o martelo e outras ferramentas em nossa
estante (pelo menos foi o que pensamos!) e bateu na nossa porta. Ficamos brancos de medo.
Será que, afinal de contas, ele tinha escutado alguma coisa e agora queria checar aquela estante
de aparência misteriosa? … Parecia que sim, já que continuou batendo, puxando-a e
empurrando-a. Fiquei tão apavorada que quase desmaiei ao pensar naquele estranho
descobrindo nosso maravilhoso esconderijo. Justamente quando eu pensava que nossos dias
estavam contados, ouvimos a voz do sr. Kleiman dizendo: “Abram, sou eu.”13

A revisão continua, explicando que o gancho que prendia a estante


giratória que oculta a porta do anexo estava emperrado. Agora, então, tanto
a cronologia quanto as causas, que eram difíceis acompanhar antes, estão
inequívocas.
No processo, Anne mudou sua descrição a respeito do que lhe passou
pela cabeça durante aqueles longos minutos de incerteza. Na versão
anterior: “Vi todos nós num campo de concentração ou de pé contra um
paredão.” No rascunho revisto, seus pensamentos se deslocaram de si
mesma para o invasor, dos destinos que ameaçavam a ela e aos outros para
uma personificação mais literária do mal. É um dos raros casos em que o
diário original é mais convincente do que a autora presuntiva de O anexo
secreto, um romance policial no estilo de Joop ter Heul: “Na minha
imaginação, o homem que estaria tentando entrar no Anexo Secreto havia
crescido sem parar até se transformar não somente num gigante, mas
também no fascista mais cruel do mundo.”
Quando escrevia apenas para si mesma, Anne gozava da liberdade de
supor que todas as referências seriam compreendidas, mas ao escrever para
outros precisava dar explicações. Na primeira versão, o sr. Van Pels alude
ao artifício que os Frank usaram para fazer seus vizinhos pensarem que
tinham fugido da Holanda:
“O sr. Van Pels repetiu a história da amizade do papai com um capitão
do exército que o ajudou a fugir para a Bélgica; agora ela está na boca de
todos, e estamos achando muita graça.”
No segundo rascunho, Anne faz o sr. Van Pels contar a história – que
envolve o inquilino dos Frank – em diálogo e em detalhe:
De repente, vi um bloco de anotações na mesa do sr. Frank, com um endereço de Maastricht.
Mesmo sabendo que o sr. Frank deixara aquilo de propósito, fingi ficar surpreso e horrorizado e
implorei ao sr. Goldschmidt que queimasse aquele pedaço de papel. Jurei que não sabia de nada
a respeito do desaparecimento de vocês, mas aquele bilhete me dera uma ideia. “Sr.
Goldschmidt”, disse eu, “aposto que sei de quem é aquele endereço. Há uns meses um oficial
de alto escalão veio ao escritório. Parece que ele e o sr. Frank cresceram juntos. Ele prometeu
ajudar o sr. Frank se fosse necessário. Pelo que me lembro, ele estava com uma guarnição em
Maastricht. Acho que esse oficial manteve a palavra e está planejando de algum modo ajudá-los
a atravessar a fronteira para a Bélgica e, em seguida, para a Suíça. Não há perigo em contar isso
a qualquer amigo dos Frank que os venha procurar. Claro que você não precisa mencionar a
parte sobre Maastricht.”14

Em suas revisões, Anne acrescentou blocos de informação para ajudar


o leitor a imaginar os rituais diários e os cômodos em que os moradores do
sótão mal conseguiam dar passagem uns aos outros. A planta baixa do
anexo não aparece no diário original. Anne certamente não teria precisado
mapear, para si mesma, uma arquitetura que conhecia tão bem. Mas o
diagrama é útil para o leitor que se pergunta como um homem solteiro e
duas famílias dividiam seu minúsculo espaço durante o dia, e o
redistribuíam à noite.
O elaborado sistema que os moradores preparam para o banho aparece
no segundo rascunho; a primeira versão concentra-se em como Anne
enfrenta esse desafio. O encantador e informativo “Prospecto e guia para o
Anexo Secreto”15 – uma lista irônica de características atraentes (“lindo,
silencioso e arborizado, no coração de Amsterdam”) e regras domésticas
(“Os moradores devem observar as horas de descanso durante o dia quando
receberem instruções para isso, dadas pela gerência”) –, que descreve o
sótão atravancado como um luxuoso spa, não aparece no diário original,
mas foi incorporado à versão revisada; é identificado como uma “produção
dos Van Daan”, embora Anne não explique qual dos membros da família foi
o responsável.
Outra importante distinção entre a primeira versão e a revisão está
ligada ao desenvolvimento da espiritualidade de Anne. Em seu livro,
Mirjam Pressler retraça as referências de Anne a Deus, que só começam a
aparecer depois que seus terrores – ocasionados pelas invasões, os
bombardeios, sua crescente sensação de isolamento e condenação – a
impelem a procurar conforto na religião. Até novembro de 1943, a maioria
das referências a Deus aparece nas revisões, mas não no original. Mas, “em
27 de novembro de 1943, Anne menciona pela primeira vez que reza, e
pede diretamente a Deus que a ajude. De agora em diante, Deus e a
natureza – vistos como intercambiáveis – assumem a função de confortá-la,
alegrá-la e acalmar seus medos.”16

TALVEZ A EXPLICAÇÃO MAIS SURPREENDENTE de um único evento ocorra na


entrada de quarta-feira, 8 de julho, o dia em que chega à casa dos Frank a
intimação a Margot, que deve se apresentar para ser deportada.
O primeiro relato que Anne faz dessa tarde reflete o choque que ela
ainda sentia dois dias depois da chegada de sua família ao anexo. A
primeira versão dá a impressão de que Anne ouve o policial perguntar pela
sua irmã, e é difícil entender quando e como Anne ficou sabendo para quem
a intimação realmente era.
Por volta das três horas um policial chegou e chamou da porta, no térreo: senhorita Margot
Frank. Mamãe desceu e o policial lhe deu um cartão que dizia que Margot Frank tinha de se
apresentar à SS. Mamãe ficou terrivelmente perturbada e procurou imediatamente o sr. Van
Pels. Ele foi direto à nossa casa e me disseram que papai tinha sido convocado. A porta foi
trancada e não se permitiu que mais ninguém entrasse em nossa casa. Papai e mamãe tinham
tomado providências há muito tempo, e mamãe me garantiu que Margot não teria de ir e que
todos nós iríamos embora no dia seguinte. Claro que comecei a chorar terrivelmente e houve
uma agitação medonha em nossa casa.

No segundo rascunho, é muito mais fácil acompanhar o que acontece


no intervalo durante o qual as mulheres da família esperaram que Otto
voltasse do hospital judaico. Anne tinha levado dois anos para ser capaz de
escrever com clareza sobre esse dia, mas ela conserva, na revisão, a
sensação de emergência que consumia sua família.
Às três horas … a campainha tocou. Não ouvi porque estava na varanda, lendo
preguiçosamente ao sol. Um pouquinho depois, Margot apareceu na porta da cozinha,
parecendo muito agitada. “Papai recebeu uma notificação da SS”, sussurrou ela. “Mamãe foi
procurar o sr. Van Daan … Claro que ele não vai … Mamãe foi procurá-lo para perguntar se
podemos ir amanhã para o esconderijo…” Não conseguíamos falar. O pensamento estava em
papai, que visitava alguém no Hospital Israelita. [Depois que mamãe e o sr. Van Daan retornam]
Margot e eu tivemos de sair da sala, porque o sr. Van Daan queria conversar a sós com mamãe.
Enquanto ela e eu estávamos sentadas no quarto, Margot falou que a notificação não era para
papai, e, sim, para ela. Com esse segundo choque, comecei a chorar. … Margot e eu
começamos a pôr nossos pertences mais importantes numa pasta da escola. A primeira coisa
que agarrei foi este diário e, depois, rolinhos de cabelo, lenços, livros da escola, um pente e
algumas cartas antigas. Preocupada com a ideia de ir para um esconderijo, juntei as coisas mais
malucas na pasta, mas não me arrependo. Para mim, as lembranças são mais importantes do que
os vestidos. … Papai finalmente chegou em casa por volta das cinco horas, e telefonamos para
o sr. Kleiman, a fim de saber se poderíamos ir naquela noite.

A maior parte do que sabemos sobre a caminhada dos Frank de seu


apartamento até o esconderijo no número 263 da Prinsengracht vem dos
acréscimos que Anne fez à sua resumida entrada original. Logo depois de
sua chegada ao sótão, ela escreveu esta primeira descrição de como eles
chegaram lá:
Deixamos a casa por volta de 15 para as oito, eu vestia uma (combinação) depois duas
camisetas e dois pares de calças depois um vestido e uma saia depois um casaco de lã e um
casacão, estava chovendo e por isso pus um lenço de mamãe na cabeça, e mamãe e eu
carregamos cada qual uma sacola debaixo do braço. Margot também foi com uma sacola em
sua bicicleta, e todos rumamos para o escritório. Agora papai e mamãe me contaram muitas
coisas. Estávamos indo para o escritório de papai, e acima dele um andar tinha sido preparado
para nós.

Dois anos depois, essa manhã se torna uma cena num livro – o
acontecimento do qual tantas outras coisas decorrerão. Anne acrescenta
detalhes, imprime um ritmo mais lento à narração e a contextualiza de
modo a deixar inequívoco como e por que tudo aconteceu. Além disso, há
uma vivacidade na prosa, um vigor ausente do esboço entorpecido,
rudimentar, de dois anos antes. Quando Anne estava revisando, o avanço
aliado já se encontrava em curso, e ela provavelmente esperava que a
aterrorizante manhã de julho pudesse vir a se assemelhar ao início de uma
aventura num romance policial como Joop ter Heul. Como isso pareceria
divertido para gerações futuras.
Felizmente não estava tão quente quanto no domingo; uma chuva morna caiu durante o dia
inteiro. Nós quatro vestimos tantas camadas de roupa que até parecia que passaríamos a noite
numa geladeira, mas a ideia era levar mais roupas. Nenhum judeu em nossa situação ousaria
sair de casa com uma mala cheia. Eu estava usando duas camisetas, três calcinhas, um vestido,
e por cima disso tudo, uma saia, um paletó, uma capa de chuva, dois pares de meias, sapatos
pesados, um chapéu, um cachecol e muito mais. Estava sufocando mesmo antes de sairmos de
casa, mas ninguém se incomodou em perguntar se eu estava bem.
Margot encheu sua pasta de escola com livros, foi pegar sua bicicleta e, com Miep guiando o
caminho, seguiu para o grande desconhecido. Seja como for, era assim que eu pensava, já que
ainda não sabia onde era o nosso esconderijo. … Só quando estávamos andando na rua mamãe
e papai revelaram, aos poucos, qual era o plano. Ao longo de meses, nós vínhamos tirando o
máximo possível de móveis e aparelhos domésticos do apartamento. Havíamos concordado que
iríamos para o esconderijo no dia 16 de julho. Por causa da convocação de Margot, o plano
tivera de ser antecipado em dez dias, e isso significava que teríamos de nos adaptar a aposentos
menos organizados.
O esconderijo ficava no prédio do escritório de papai.

Aos cinco anos, Mozart já estava compondo. Keats estava morto aos
26. A maturidade e a criatividade são imprevisíveis ao longo de uma vida, e
o aparecimento precoce do gênio frequentemente nos obriga a repensar
nossas noções preconcebidas de idade. Quando leio numa resenha ou ouço
numa oficina literária que uma criança de determinada idade nunca teria
uma reação tão adulta ou usaria uma expressão tão sofisticada, vejo-me
resistindo a tal opinião.
Mesmo assim, não posso deixar de pensar que a descrição de Miep e
Margot pedalando rumo ao grande desconhecido não parece algo dito por
uma menina de 13 anos que, dias antes, viu a irmã ameaçada de deportação
e, na manhã seguinte, deixara sua casa e sua vida e se mudara para um
sótão. Aquilo só podia ter sido a frase de uma menina mais velha, olhando
para trás.

EM 1995, A CHAMADA “EDIÇÃO DEFINITIVA” do diário foi publicada,


despertando acalorada atenção da mídia, mais cálida que a relativa frieza
com que a edição crítica fora acolhida ao ser lançada em inglês seis anos
antes. Exceto pelas “cinco páginas omitidas”, todos os três rascunhos do
diário inteiro foram incluídos na edição crítica. Mas a publicidade que
envolveu a edição definitiva, mais acessível aos leitores, implicou que essa
foi a primeira chance que o leitor de língua inglesa teve de aprender mais
sobre Anne do que seu pai escolhera revelar. Deu-se a entender que o
escondido finalmente fora levado a público, e uma certa dose de interesse
concupiscente foi gerada pela preleção de Anne sobre a genitália feminina.
“O buraquinho é tão pequeno que mal consigo imaginar como a coisa de
um homem poderia entrar ali, e muito menos como um bebê pode sair.”17
De fato, a edição definitiva começa com um prefácio que explica que
tudo que ela contém estava disponível na edição crítica. Mas, mesmo
quando temos essa edição diante de nós, é desnorteante acompanhar as três
narrativas que se superpõem em faixas paralelas, e não surpreende que
apenas um pequeno número de estudiosos e críticos (e provavelmente
menos leitores comuns) tenham se dado o trabalho.
Num ensaio incisivo, Laureen Nussbaum guia os leitores através das
versões e revisões. Ela explica o que Otto fez e deixou de fazer, as
controvérsias provocadas por cada sucessiva revelação.

Otto Frank havia escolhido com grande cuidado a partir das versões existentes do diário de
Anne ao compor o original em que a primeira edição (1947) e as traduções subsequentes em
dúzias de outras línguas seriam baseadas. Ele havia acrescentado algumas das vinhetas que
Anne escrevera à parte sobre a vida nos cômodos ocultos, feito vários rearranjos e correções,
omitindo ao mesmo tempo algumas passagens que considerava ou irrelevantes demais ou
pessoais demais. Em outras palavras, Otto Frank havia editado o diário da filha, algo a que
tinha, é claro, pleno direito: uma nota prefacial esclarecendo isto, contudo, o teria posto a salvo
de muitos problemas futuros.18

A inclusão da reflexão de Anne sobre a anatomia feminina, assim


como o fato de que o ritmo na edição definitiva, mais longa, é lento se
comparado ao da edição anterior de O diário de Anne Frank, estão
provavelmente entre as razões por que a versão mais curta e acessível de
1952 seja a que ainda é ensinada nas escolas.
Ninguém pode determinar como teria sido o rascunho final de Anne,
mas ignorar o tempo e a energia que ela aplicou à versão “b” é negar suas
próprias ideias sobre o que ela queria que seu livro fosse, até onde podemos
conhecê-las. Laureen Nussbaum faz uma defesa da valorização do
julgamento literário de Anne:
Um leitor que se debruce sobre a versão b achará difícil não olhar para a versão a paralela no
intuito de fazer comparações. Ao fazê-lo, esse leitor não deixará de ficar impressionado com
quanta autocrítica e intuição literária Anne, que mal completara 15 anos, aplicou à sua revisão,
omitindo seções inteiras, reorganizando outras e acrescentando informação suplementar de
modo a criar um texto mais interessante e de leitura mais agradável. No processo, ela deve ter
usado todo o seu talento para escrever e o conhecimento compilado a partir de suas extensas
leituras …
Minha conclusão: leitores que apreciam um livro bem escrito, mas que não estão
necessariamente envolvidos em estudos femininos ou crítica literária, têm o direito de ler a
história de Frank sobre o tempo de guerra numa forma tão próxima à versão final da própria
autora quanto for possível. Por outro lado, Anne Frank merece, de nossa parte, ser finalmente
levada a sério como a escritora que de fato foi, antes que o pessoal da Disney a comercialize
como sua próxima heroína popular, ao estilo Pocahontas.19
MESES ANTES QUE O DISCURSO RADIOFÔNICO do ministro no exílio a inspirasse
a voltar atrás e recomeçar seu diário, Anne escreveu uma entrada que
explica por que se afeiçoou tão prontamente ao projeto de uma grande
revisão. Em meio à escassez de papel, durante o segundo inverno que
passou no esconderijo, ela examinou o diário à procura de páginas que
tivessem sido deixadas em branco e preencheu-as. Numa dessas páginas,
datada de 22 de janeiro de 1944, Anne descreve o choque de se confrontar
com a escrita de um eu mais jovem. Se Philip Roth comentou que ler o
diário era como observar um feto desenvolver um rosto, o rosto que se havia
desenvolvido até esse ponto é o de uma autora que se dá conta de que seu
trabalho anterior poderia ser melhorado.

Agora que estou relendo meu diário, depois de um ano e meio, estou surpresa com minha
inocência infantil. … Entendo as mudanças de humor e os comentários sobre Margot, mamãe e
papai como se tivesse escrito isso ontem, mas não consigo pensar em escrever tão abertamente
sobre outras coisas. Fico tremendamente constrangida ao ler as páginas que falam de assuntos
dos quais me lembro como sendo muito melhores do que realmente foram. … Este diário tem
enorme valor para mim, porque se tornou um livro de memórias em muitas passagens, mas num
bom número de páginas eu poderia certamente escrever “passado e encerrado”.20
PARTE III A sobrevida
6. A casa

O MUSEU ANNE FRANK abre às nove horas todas as manhãs, e às dez, até em
dias frios de inverno, uma fila se estende até a esquina, serpenteando na
calçada em frente ao pitoresco canal Prinsengracht. A maioria das pessoas
na fila é jovem, bem como a maioria dos visitantes da casa de Anne Frank.
Muitos dos adultos parecem melancólicos, constrangidos, talvez por causa
do que estão prestes a encontrar. Mas, embora os estudantes de ensino
médio compreendam que isso não deveria ser divertido, o investimento que
dedicam ao esforço de parecer “descolados” manda que exibam a
despreocupação de garotos prestes a serem levados a percorrer qualquer
galeria de arte, palácio real, ou um salão onde um tratado histórico foi
assinado.
Dentro, nada na alegre, moderna e muito iluminada área de recepção
sugere que se terá uma experiência diferente da proporcionada por qualquer
outro museu. Cartões de crédito e dinheiro são entregues, ingressos são
emitidos. Mas, assim que entram na casa propriamente dita, até os
adolescentes mais tagarelas se calam, e um silêncio cai sobre os visitantes.
É difícil andar pelos antigos escritórios do pessoal da Opekta, depois subir
ao depósito e passar pela estante que outrora escondia a porta para o anexo
secreto sem tocar, ou ultrapassar, as raias das lágrimas.
Parte do que torna o Museu Anne Frank tão comovente é sua
simplicidade e a percepção de que muito pouco mudou desde que os
carregadores esvaziaram os cômodos após a prisão dos judeus. Aqui e ali,
monitores de vídeo exibem filmes informativos – um sobre o papel dos
ajudantes que auxiliaram os Frank, outro mostrando uma entrevista em que
Hanneli Pick-Goslar descreve a última vez que viu Anne, em Bergen-
Belsen. Aqui e ali, simples vitrines de vidro exibem alguns dos objetos que
restam daquele período: a carteira de identidade de Miep Gies, o livro de
orações de Edith Frank. Aqui e ali, uma citação – de Primo Levi, ou do
diário de Anne – foi impressa na parede. Há fotos das oito pessoas que se
esconderam aqui, e outra de judeus sendo arrebanhados numa rua de
Amsterdam. Mas se permite que esses cômodos quase vazios, essas
paredes, pisos e tetos, falem por si mesmo. Nunca se tem a impressão de
que emoções fortes estão sendo produzidas e extraídas artificialmente; não
há em parte alguma qualquer sinal do sentimentalismo kitsch tão
problemático que existe, digamos, no Memorial do Holocausto em Berlim,
onde os visitantes têm de caminhar com dificuldade através de uma galeria
parcialmente cheia com carrancudos rostos de metal que pretendem
representar os judeus assassinados da Europa.
A decisão de manter os cômodos desmobiliados foi tomada por Otto
Frank, que achava que o anexo secreto deveria aparecer exatamente como
ficou depois que sua família e todos os seus pertences foram capturados. Na
verdade, porém, foram necessários muito trabalho, planejamento,
construção e restauração para dar aos visitantes a impressão de que nada foi
tocado.
No início dos anos 1950, a companhia têxtil Berghaus comprou o
quarteirão em que a Opekta se situava e anunciou seus planos de demolir as
velhas casas e lojas e substituí-las por um moderno escritório. A essa altura,
o diário já adquirira uma reputação internacional, e seus fãs haviam
começado a fazer peregrinações ao número 263 da Prinsengracht, onde
Johannes Kleiman e outros muitas vezes concordavam em conduzi-los em
visitas informais. Com o apoio do prefeito de Amsterdam, foi iniciada uma
campanha para impedir a demolição proposta. Diante de uma ampla
oposição, a Berghaus voltou atrás, e um esforço para o levantamento de
fundos reuniu o capital necessário para a compra da propriedade. O sucesso
desse esforço permitiu o estabelecimento da Fundação Anne Frank, em
maio de 1957, e Otto Frank financiou a compra do prédio vizinho,
especificando que deveria ser usado como centro educacional.
Três anos mais tarde, o Museu Anne Frank foi oficialmente
inaugurado. A essa altura, em parte graças à peça e ao filme baseados no
diário, a popularidade do livro crescera exponencialmente, e no primeiro
ano de operação o museu recebeu 9 mil visitantes. Em 1970, quando 180
mil pessoas foram ver o anexo secreto de Anne, o volume de tráfego de
pedestres exigiu que se fizessem melhoramentos estruturais para sustentar e
manter o local. A parte da frente do prédio – o antigo escritório da Opekta –
foi modernizada para incluir um centro de recepção, enquanto o anexo foi
deixado como estava.
Como o número de visitantes crescia a cada ano, desenvolveu-se um
plano de expansão e, na década de 1990, um novo prédio foi acrescentado
ao museu. Em contraste com os espaços labirínticos e confinados do anexo
secreto, a nova estrutura, que abriga a área de recepção, a livraria e o café, é
ampla e arejada. Ao mesmo tempo, o escritório da Opekta foi restaurado
(com a ajuda de fotografias antigas e plantas baixas, e com meticulosa
atenção à autenticidade de época de cada maçaneta e interruptor) para
permitir aos visitantes do museu experimentar algo da atmosfera das salas
em que Miep Gies e seus colegas continuaram, ao longo da guerra, a operar
a empresa que sustentava os judeus. Mais recentemente, em 2008, a
maquete que Otto havia feito do anexo secreto recebeu um lugar
permanente, e a sala em que o diário xadrez é mantido foi redecorada de
modo a enfatizar a importância central do livro de Anne.
Mas, para as centenas de grupos de escolares e o milhão de visitantes
que, em 2007, passaram pela estante móvel e subiram os íngremes degraus
até o alto do edifício, o coração e a alma de sua visita é o quarto de Anne.
Dificilmente alguém fala à medida que as pessoas desfilam pelos cartões-
postais que Anne colou na parede: fotos de cacatuas e de morangos
silvestres, de astros do cinema, de princesas reais britânicas e de
chimpanzés tomando chá. Mais uma vez, a simplicidade incólume do
quarto comunica com eloquência tudo o que aconteceu dentro dele. A
principal diferença é que, quando os Frank e os outros estavam escondidos,
as janelas, que agora admitem o luminoso sol de Amsterdam, estavam
cobertas por razões de segurança. Apenas da água-furtada, em que não é
mais possível entrar, mas que pode ser vislumbrada num espelho, Anne
podia ver o céu lá fora, ou as estrelas noturnas, ou as flores em sua querida
castanheira, que anunciavam a chegada de mais uma primavera.

AO LADO DO ARMAZÉM DE AMSTERDAM sobre o qual os Frank passaram 25


meses, e ligada a ele, a Fundação Anne Frank é, de fato, o anexo do anexo
secreto de Anne. Seus corredores são decorados com cartazes, capas de
livro emolduradas e imagens que documentam o impacto do diário. Numa
parede está uma fotografia de Nelson Mandela, que encontrou estímulo no
relato de Anne Frank durante o longo tempo que passou preso em Robben
Island. Em um quadro de avisos está um instantâneo de duas meninas
afegãs segurando o diário traduzido para o dari, enquanto uma pequena
prateleira transformou-se numa espécie de altar de artesanato, exibindo um
retrato de Anne pintado por um estudante russo e outro bordado à mão por
um leitor da Ucrânia.
Mais de 50 anos após seu estabelecimento, a fundação tem agora mais
de 100 empregados. A equipe dirige a operação diária do Museu Anne
Frank e levanta fundos para preservar o armazém e o sótão, cujo papel de
parede precisa ser regularmente substituído porque muitos peregrinos não
conseguem resistir ao impulso de tocá-lo. A fundação desenvolve materiais
educativos, sustenta uma exposição itinerante, acompanha incidentes de
racismo no mundo inteiro, dá apoio a pesquisas sobre o Holocausto e os
direitos humanos e supervisiona o arquivo de Anne Frank. Ela publica uma
revista trimestral e mantém um site que, em 2006, atraiu 3 milhões de
visitantes.
A fundação atua também em cooperação com a Anne Frank-Fonds, na
Basileia, uma instituição independente – chefiada pelo único parente ainda
vivo de Anne, seu primo Bernd Elias – que controla os direitos às obras de
Anne e supervisiona projetos humanitários, inclusive uma escola para
intocáveis indianos, uma orquestra juvenil árabe-judaica em Jerusalém e um
programa de treinamento de professores para trabalhar com as parcelas
mais pobres da população do Peru. Ocasionalmente, as duas organizações
entram em conflito. Em 2008, a Anne Frank-Fonds questionou a adequação
de um musical baseado no diário e encenado em Madri, enquanto a
Fundação Anne Frank em Amsterdam, onde os autores e os artistas da peça
tinham ido fazer pesquisas, viram a produção como uma forma de
apresentar Anne a novos públicos. Em geral, porém, as duas instituições
têm trabalhado amigavelmente para facilitar o delicado equilíbrio entre a
divulgação e a proteção do livro e da imagem de sua autora.

NUM ESCRITÓRIO BEM-ILUMINADO no terceiro andar da Fundação Anne Frank,


uma jovem argentina chamada Mariela Chyrikins examina uma pilha de
fotos. Feitas na Argentina, em 2006, elas mostram um grupo de cadetes da
polícia cujos uniformes de gala faz com que pareçam estar em posição de
sentido até quando estão relaxados. Atrás deles estão divisórias e painéis
apresentando uma exposição sobre a vida e o legado de Anne Frank, cujo
diário eles se reuniram para discutir.
Como na maioria dos 177 lugares que abrigaram a exposição “Anne
Frank – Uma história para hoje” em 2006, da Eslováquia a Reno, da
Croácia ao Chipre, o programa argentino, realizado em Córdoba e Buenos
Aires, envolveu voluntários locais – neste caso, escolhidos entre os cadetes.
Esses voluntários foram treinados para servir como guias que ensinariam a
seus pares sobre Anne Frank e o Holocausto e promoveriam debates que,
segundo se esperava, inspirariam os participantes a falarem sobre suas
próprias experiências com a intolerância e a violência. Durante a oficina, os
cadetes participaram de um almoço com uma delegação de estudantes
universitários – dois grupos que normalmente nunca se sentariam juntos,
muito menos para falar sobre o que aconteceu com suas famílias e
comunidades durante a brutal ditadura militar que governou a Argentina de
1976 a 1983.
Quando adolescente, Mariela Chyrikins foi atraída para o diário nos
dias de choque que se seguiram ao atentado a bomba, em 1994, no Centro
Comunitário Judaico Amia, que matou 85 pessoas no bairro em que ela
morava em Buenos Aires. Mariela começou a escrever cartas, e depois e-
mails, para a Fundação Anne Frank. Ajudou a levar a exposição Anne
Frank para a Argentina, depois a acompanhou de volta para Amsterdam,
onde, segundo Jan Erik Dubbelman, chefe do departamento internacional da
fundação, “ela nos fez entender que não tínhamos escolha senão contratá-
la”.
Como diz Mariela:

Assim que jovens na América Latina se tornam emocionalmente envolvidos com a história de
Anne Frank, eles começam a refletir sobre si mesmos. Dizem: “Ah, então na Europa também
aconteceu algo parecido com o que aconteceu no nosso país.” É como abrir uma caixa de
Pandora: nunca sabemos as consequências do trabalho que estamos fazendo, mas sabemos que
estamos tocando os corações das pessoas.
O currículo nas academias de polícia é um resquício dos tempos da ditadura, muito
autoritário. E quando os policiais vestem o uniforme, têm a sensação de que, em vez de
humanos, eles são deuses. A história de Anne Frank os torna mais humanos. Os cadetes querem
proteger Anne Frank, como se ela fosse sua filha, como se fosse sua melhor amiga. Ficam
furiosos por ela ter sido morta, mas quando veem um sujeito pobre trabalhando na rua, podem
ter vontade de matar esse sujeito. O importante é fazer uma conexão entre esse trabalhador
pobre e Anne Frank.
Talvez os pais deles também fossem da polícia durante a ditadura, mas nunca falaram sobre
isso. Agora, os cadetes dizem que vão conversar com seus pais. Eles almoçam com os
estudantes universitários e, pela primeira vez, começam a discutir: Quem é o outro, como você
vê o outro? Eles são seres humanos também! Em alguns casos, há filhos e netos dos
desaparecidos entre os treinadores. Isso faz com que muitas emoções venham à tona. Foi difícil
para os cadetes da polícia ouvir os relatos da Guerra Suja. Mas a história de Anne Frank lhes
permite se pôr no lugar de uma outra pessoa. Isso ajuda jovens na América Latina a elevar suas
vozes e florescer.1

Programas semelhantes tiveram lugar no Chile, na Villa Grimaldi, um


antigo centro de torturas sob o regime de Pinochet e atualmente um
memorial às suas vítimas. Nesse país, o diário de Anne permitiu a seus
leitores confrontar seu passado conturbado – e, na Guatemala, onde o livro
também inspirou programas educacionais, a discutir a violência que ainda é
parte da vida cotidiana.
No mesmo corredor onde fica o escritório de Mariela Chyrikins,
Norbert Hinterleitner está empenhado num projeto parecido, que se ocupa
de levar programas sobre tolerância para cidades do interior da Ucrânia.
Nascido e criado na Áustria, Norbert passou cinco anos elaborando livros e
livros-texto, distribuindo exemplares do diário de Anne e trabalhando com
educadores e adolescentes para combater tanto o antissemitismo quanto a
xenofobia, a homofobia e os preconceitos contra minorias étnicas e raciais.
É difícil, Norbert admite, sequer conseguir entrar em escolas e centros
comunitários cujos administradores são mais propensos a desligar o
telefone na sua cara do que a responder às suas chamadas. Numa de suas
primeiras visitas à antiga União Soviética, ele usou, como instrumento
didático, um artigo recente de um jornal local, uma revelação “factual” de
quatro páginas sobre a conspiração mundial urdida por judeus americanos
em parceria secreta com a Máfia.
Diz Norbert: “Se você fica surpreso e demonstra isso, está perdido.”
Ele fica satisfeito quando consegue alcançar algumas crianças em uma
população de milhares, crianças que normalmente nunca se manifestam, e
cujas vidas serão transformadas se for possível convencê-las de que não
estão sozinhas e que está certo tomar uma atitude pública contra a
intolerância. O que torna o diário de Anne tão útil, ele descobriu, é a
decência fundamental da autora, sua crença de que a dignidade humana
prevalecerá.
“Ela foi uma vítima de sua sociedade, mas quando falamos sobre seu
livro, isso dá esperança e inspiração às pessoas. É um catalisador. Elas
começam a pensar que podem fazer alguma coisa de modo diferente.”2 A
sinceridade de Norbert é contagiante, mas não consigo suprimir
completamente o pensamento cético de que, dadas as perseguições e
pogroms que ocorreram naquela região da Europa Oriental, ensinar a alguns
ucranianos a não ser antissemitas é um pouco como tentar ensinar cocker
spaniels a voar. Qual poderia ser o índice de sucesso de um programa como
esse, e como isso poderia ser quantificado? Norbert, penso eu, é
provavelmente sensato ao manter suas ambições modestas, ao tentar
alcançar um pequeno número de crianças receptivas. Mas, apesar de minhas
reservas, fico encantada com sua esperançosa determinação. Gostaria de
imaginar que ele está certo em sua fé de que o ódio arraigado pode ser
dissolvido e dissipado, um adolescente ucraniano de cada vez.

É verdade, o fim acontece exatamente como os Frank e seus amigos haviam temido desde o
princípio: seu esconderijo é descoberto, e eles são arrastados para sua ruína. Mas a declaração
fictícia de fé na bondade de todos os homens que encerra a peça nos tranquiliza falsamente, pois
nos convence de que no combate entre o terror nazista e a continuação da vida familiar íntima
esta última vence, já que Anne tem a última palavra. Isso é simplesmente contrário aos fatos,
porque foi ela quem morreu. Sua aparente sobrevivência por meio da comovente declaração
sobre a bondade dos homens nos isenta efetivamente da necessidade de enfrentar os problemas
que Auschwitz apresenta … Isso explica por que milhões gostam da peça e do filme: porque
embora eles nos confrontem com o fato de que Auschwitz existiu, estimulam-nos ao mesmo
tempo a ignorar suas implicações. Se, no fundo, todos os homens são bons, nunca houve
realmente um Auschwitz; não há tampouco nenhuma possibilidade de que ele possa se repetir.

BRUNO BETTELHEIM, “The ignored lesson of Anne Frank”3

NA MANHÃ SEGUINTE à minha primeira visita à Fundação Anne Frank,


cancelo meus compromissos e passo o dia em meu quarto de hotel, para
poder processar o que tinha visto e ouvido. Não foi apenas a comoção
causada em mim pelo vigoroso idealismo de Mariela e pela bela e
quixotesca esperança de Norbert de que a desagradável história do
antissemitismo da Europa Oriental possa ter um desfecho diferente. Minhas
conversas com eles também mudaram minha maneira de pensar sobre o
diário de Anne Frank e sobre os modos como ele foi recebido.
Eu havia me tornado cada vez mais impaciente com a ideia de que
Anne Frank fosse uma alegre mensageira adolescente da paz e do amor,
uma fonte do que Ian Buruma chamou de “absolvição kitsch”,4 uma santa
dos tempos modernos que, do além-túmulo – nesse caso, uma vala comum
em Bergen-Belsen –, prega a tolerância. Uma interpretação tão equivocada
do livro de Anne e de sua “mensagem”, eu pensava, constituía uma negação
do que aconteceu depois que seu diário terminou, e dos destinos cruéis que
couberam a milhões de homens, mulheres e crianças igualmente inocentes.
É isso que Bruno Bettelheim conclui no parágrafo acima, extraído de um
ensaio sob outros aspectos bastante insensato, no qual ele condena os Frank
pela arrogância de insistir em se esconderem como uma família, bem como
pelo crime de não terem sobrevivido.
A ênfase na redenção e no perdão parecia excessivamente reminiscente
dos fins açucarados das produções da Broadway e de Hollywood baseadas
no diário. A peça termina com a declaração esperançosa de Anne de que,
apesar de tudo, no fundo as pessoas são realmente boas. Na conclusão do
filme, a música se eleva, pássaros chilreiam, a câmara sobe em direção às
fofas nuvens que pontilham o céu calmo, enquanto, na trilha sonora, a
modelo com jeito de criança que faz o papel de Anne Frank reafirma sua fé
na humanidade. Não há dúvida de que as pessoas, ou algumas pessoas, no
fundo são boas, mas a realidade da história de Anne, a realidade de
Auschwitz e Bergen-Belsen, sugeriria que algumas pessoas são
fundamentalmente más. “A frase que conclui sua peça”, escreveu o
estudioso do Holocausto Lawrence Langer, “flutuando sobre a plateia como
uma bênção que assegura clemência após uma escuridão momentânea, é o
epitáfio menos apropriado que se poderia conceber para os milhões de
vítimas e os milhares de sobreviventes do genocídio nazista.”5
Na verdade, a própria Anne tinha uma visão perceptível e
compreensivelmente confusa da natureza humana. Entre os aspectos mais
impressionantes de seu diário está o modo como sua autora é capaz de
nutrir e até abraçar duas ideias aparentemente incompatíveis sobre a
humanidade. O livro de Anne é um testemunho da capacidade que certos
indivíduos têm de desenvolver, em tenra idade, uma sofisticada consciência
moral e de manter a compaixão e o humor sob o mais intenso estresse. Sua
“ambivalência com relação às difíceis questões da vida” era, observou
Buruma, uma “marca de sua inteligência”.
Em 3 de maio de 1944, Anne escreveu:

Não acredito que a guerra seja apenas obra de políticos e capitalistas. Ah, não, o homem
comum é igualmente culpado; caso contrário, os povos e as nações teriam se rebelado há muito
tempo! Há uma necessidade destrutiva nas pessoas, a necessidade de demonstrar fúria, de
assassinar e matar. E até que toda a humanidade, sem exceção, passe por uma metamorfose, as
guerras continuarão a ser declaradas, e tudo o que foi cuidadosamente construído, cultivado e
criado será cortado e destruído; depois, a humanidade terá de começar tudo de novo!”

Quase três meses depois, e duas semanas antes de sua prisão, Anne
compôs a entrada com que, para bem ou para mal, passaria a ser mais
estreitamente identificada. Vale a pena citar a passagem na íntegra de forma
a corrigir a ideia simplista, falsamente consoladora, de Anne Frank como
uma fonte infinita de otimismo. O que impressiona é a graça com a qual a
entrada foi escrita e como, à semelhança de sua autora, ela se alterna entre
os extremos da esperança e do desespero.

Qualquer pessoa que afirme que os mais velhos passam por maiores dificuldades no Anexo não
percebe que o problema tem um impacto muito maior sobre nós. Somos muito jovens para
enfrentar esses problemas, mas eles vivem nos afligindo até que, finalmente, somos forçados a
imaginar uma solução, embora na maior parte das vezes nossas soluções desmoronem diante
dos fatos. Numa época assim fica tudo difícil; ideais, sonhos e esperanças crescem em nós, e
depois são esmagados pela dura realidade. É incrível que eu não tenha abandonado todos os
meus ideais, já que parecem tão absurdos e pouco práticos. Mas me agarro a eles porque ainda
acredito, a despeito de tudo, que no fundo as pessoas são boas.
Para mim, é praticamente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento
e morte. Vejo o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima
e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo assim, quando
olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também
terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão.6

A frase sobre a bondade humana, como Cynthia Ozick observou num


cáustico artigo publicado em 1997 na New Yorker, “foi arrancada de um
leito de espinhos”.7 Em seu ensaio “Who owns Anne Frank?”, Ozick
vocifera contra a facilidade e a frequência com que se passou a dissociar a
história de Anne Frank de sua trágica conclusão; teatrólogos, produtores e
editores “expurgaram, distorceram, transformaram, traduziram, reduziram
… infantilizaram, americanizaram, homogeneizaram, sentimentalizaram;
falsificaram, kitschificaram, e, de fato, negaram flagrante e
arrogantemente” a verdade do diário. Essa verdade, alegou Ozick, reside
nos crimes arrolados nas listas de deportados dos nazistas, que registraram
que Anne Frank e os outros foram encaminhados para Auschwitz em 3 de
setembro de 1944, junto com 1.019 “Stucke” (ou “peças”, outro termo
próprio para mercadorias).
Hoje, sabemos como a história de Anne Frank terminou. As
testemunhas oculares depuseram. Sabemos sobre o horror de seu
aprisionamento em Auschwitz e sobre sua morte, de tifo e desnutrição, em
Bergen-Belsen.
O fato de o diário de Anne terminar antes da prisão e deportação dos
Frank foi visto como uma de suas deficiências. Em Literature, Persecution,
Extermination, Sem Dresden afirma que o diário de Anne não é
“suficientemente horripilante”.8 “O diário é considerado um documento do
Holocausto”, escreveu Cynthia Ozick. “Isto é, mais que qualquer outra
coisa, o que ele não é.”9
Em seu ensaio na New Republic, Robert Alter concordou. “O diário de
uma menina sobre o tempo que sua família passou escondida que termina
com uma nota do editor informando-nos do destino da autora não pode
transmitir plenamente a realidade ou o significado de uma catástrofe em que
milhões de indivíduos e grande parte de sua cultura foram eliminados em
campos construídos e operados por uma das mais importantes nações da
Europa.” Termina com uma nota do editor sugere que o diário de Anne
Frank é incompleto, como se ela tivesse omitido o principal acontecimento,
o que, como sabemos, ela não fez. “Não há prisioneiros esqueléticos dos
campos, não há câmaras de gás, não há experimentos médicos diabólicos e
atos de sadismo.”10
Segundo Norbert Hinterleitner, porém, o diário é um instrumento
didático tão útil, entre outras razões, porque permite aos estudantes
desenvolver uma afeição por Anne Frank antes de aprenderem sobre os
horrores dos campos nazistas. “É cheio de medo, mas não de sofrimento.”
A aparência de domesticidade comum que os Frank preservaram permite ao
público de Anne ler sua história sem o desejo de se afastar, impulso que se
pode experimentar ao ver fotos e vídeos mostrando os mortos e moribundos
esqueléticos.
Afirmou-se também que há algo de falso ou, pelo menos, de distorcido
em ver essa menina absolutamente singular como representante dos milhões
que foram assassinados. Mas, quer aprovemos ou não, sua individualidade é
a razão – em alguns casos a única razão – por que estudantes em toda parte
são ensinados sobre o Holocausto. “Estatísticas não sangram”, escreveu
Arthur Koestler, “é o detalhe que conta.”11 Uma noção semelhante é
exprimida na citação de Primo Levi que aparece numa parede do Museu
Anne Frank: “Uma única Anne Frank nos comove mais que incontáveis
outros que sofreram tanto quanto ela, mas cujos rostos permaneceram nas
sombras. Talvez seja melhor assim: se fôssemos capazes de compreender
plenamente o sofrimento de todas essas pessoas, não conseguiríamos
viver.”12
Resenhando o diário na Saturday Review de julho de 1952, Ludwig
Lewisohn escreveu:
Se o diário de Anne Frank penetra a consciência dos homens em todas as suas implicações – as
implicações de sua existência e da existência de seu povo, da vida e da morte dela … se isso
fosse possível, a publicação de seu diário seria realmente um evento moral de inestimável
significação. … Um milhão de Anne Franks morreram em horror e desgraça; milhões de almas
humanas estão perecendo hoje na União Soviética, nas “Democracias do Povo” na China. … O
remorso por Anne Frank pode despertar outros remorsos, e do diário dessa única menina pode
surgir um lampejo de redenção.13

Talvez uma parte desse remorso dependa de fato de vislumbramos


Anne pela última vez antes que ela fosse despojada de tudo que associamos
a um ser humano. Ao mesmo tempo, é crucial que o diário seja lido em seu
contexto histórico, assim como tratar seu livro como a história dos
problemas de uma adolescente com a mãe constitua uma distorção de tudo
que Anne sofreu. É essencial assinalar que, embora tenha havido outros
genocídios, e provavelmente haverá outros mais, a metódica eficiência com
que o país que produzira Goethe e Bach pretendeu erradicar toda uma
população continua até hoje sem paralelo. Depois que o pano de fundo
histórico foi estabelecido, depois que ficou claro que o fato de Anne ter sido
obrigada a se esconder e, então, assassinada foi resultado do plano dos
nazistas de exterminar os judeus, por que não deveríamos nos identificar
com Anne Frank como um semelhante que sofre? Como Ian Buruma
observou, “tal identificação pode resultar em autopiedade sentimental, mas
é mais provável que dê às pessoas pelo menos uma ideia do mal que foi
feito”.14
Em “Who owns Anne Frank?”, Cynthia Ozick ridiculariza as
adolescentes americanas que oprimiram Otto Frank com a angústia
adolescente que imaginavam ser exatamente igual à de sua filha. Ozick
zombou da compulsão de Otto de responder às cartas simplórias e sentidas,
e escolheu, como um exemplo especialmente notório, o livro Love, Otto, de
1995, que reúne a longa correspondência entre Otto Frank e uma menina
californiana que fez teste para o papel de Anne no filme de Hollywood.
Numa carta, Cara Weiss, mais tarde Cara Wilson, escreveu: “Apesar da
monumental diferença entre nossas situações, até hoje sinto que Anne me
ajudou através da adolescência com uma noção de foco interior. Ela falou
para mim. Ela foi forte para mim. Ela tinha tanta esperança, quando eu
estava pronta a desistir.”15 Ozick conclui:
As despudoradas frivolidades de Cara Wilson – cuja “identificação” com Anne Frank pode ser
duplicada aos milhares, embora ela talvez seja mais audaciosa que a maioria – apontam para um
enigma. … Será que Otto Frank não compreendeu que Cara Wilson era insensível para tudo que
a perda da filha dele representava? Será que não viu, apenas lendo as cartas de Wilson, como
uma abordagem desnaturada ao diário podia servir para promover amnésia do que estava se
transformando rapidamente em história?16

Mas, poderíamos perguntar, por que não estimular e guiar as reações


de jovens leitores? Por que não deveriam eles imaginar que têm algo em
comum com uma menina cuja vida, tão diferente da existência protegida
que eles levavam, terminou em Bergen-Belsen? Por que o diário não
deveria inspirar pessoas como Mariela Chyrikins e Norbert Hinterleitner a
tentar livrar o mundo do ódio? Por que não enfatizar o otimismo de Anne se
ele significa que um cadete da polícia argentina ou um estudante ucraniano
poderia ser mais sensível à humanidade de outros?
Os nazistas compreenderam como era útil evitar que os guardas dos
campos se identificassem com os prisioneiros, enfatizar o conceito de
“outro”, a diferença das pessoas que os vagões de carga levavam para
Sobibor e Treblinka. No livro de Gitta Serenyi, Into that Darkness, Franz
Stangl, comandante do campo de extermínio de Treblinka, explicou que a
brutalidade da rotina do campo – as chicotadas, os gritos, o desnudamento
dos recém-chegados e o costume de forçá-los a correr – foram arquitetados
não por seu efeito sobre os prisioneiros, mas sim em benefício dos guardas,
que trabalhariam de maneira mais eficiente enquanto acreditassem que suas
vítimas não eram seres humanos.
Em meu quarto de hotel em Amsterdam, passo pelo que poderia ser
chamado, suponho, de uma mudança de atitude. Não me parece mais tão
simplista ver a “mensagem” de Anne, tal qual Otto Frank desejou que ela
fosse interpretada, como uma mensagem de tolerância e compreensão.
Pobre Otto! Como se perder sua mulher e filhas não fosse o bastante. Como
ele foi insultado por acreditar que o diário de Anne poderia inspirar
compaixão e conscientizar seus leitores! Quantas vezes foi acusado de
expurgar o livro de judaísmo, de sexo, do feroz conflito mãe-filha, quando
na realidade todos esses elementos existem na versão que ele editou. E
como foi caluniado por ter pretensamente transformado (nas palavras de
Ozick) uma “obra profundamente veraz” em “um instrumento de verdade
parcial, verdade substituta ou antiverdade”, e por ter aprovado uma
fundação que “desfez, numa abstrata filantropia, a explícita ânsia de fúria
que consumira sua filha”.17
Ainda preciso que me seja explicado como a existência de uma
fundação para a defesa dos direitos humanos repudia e nega os sofrimentos
de Anne Frank e de tantos outros, como ver sua vida exclusivamente
através da lente da morte a trará de volta à vida, ou como impedirá a
recorrência do antissemitismo virulento responsável por seu assassinato.
Caso se revele ser mesmo remotamente possível evitar horrores futuros, não
estariam Mariela e Norbert fazendo mais para alcançar esse objetivo do que
aqueles que os ridicularizam como filantropos ingênuos? Mais uma vez,
impressiona-me a singularidade – a anomalia – do diário de Anne Frank,
que ainda impele as pessoas a intensos debates, a falarem sobre as
realidades políticas e sociais da sociedade que habitam, e sobre a vida de
uma menina que se escondeu durante dois anos num sótão até que foi presa,
deportada e morta.

HÁ, NA BIBLIOTECA DAS OBRAS-PRIMAS, toda uma subcategoria de livros sobre


cujos autores poderíamos dizer que foram forçados a uma colaboração com
o infortúnio. Entre os produtos desoladoramente numerosos dessa parceria
involuntária estão Hope Against Hope, o relato feito por Nadezhda
Mandelstam do terror da vida sob Stálin, e Into the Whirlwind, as memórias
de Eugenia Ginsburg referentes ao mesmo período. Há os poemas de
Szymborska, Milosz e Celan, É isto um homem?, de Primo Levi, as
narrativas sobre a escravatura no Sul antes da Guerra Civil Americana, e
todo tipo de romances de guerra e prisão.
São livros que ganham existência a um custo pessoal que ninguém se
disporia a pagar. Seus autores não tiveram escolha senão suportar as
circunstâncias que levaram à composição de seus livros, e os livros eram o
que lhes restava da experiência vivida, caso sobrevivessem. Provavelmente
nenhum deles teria escrito seus romances, poemas e memórias se pudesse
ter evitado seus assuntos, se seus assuntos não o tivessem procurado, ou
acossado. Tudo isso torna problemático para nós dizer o quanto esses livros
são bons, e como somos gratos por eles existirem.
Se tivéssemos escolha, aceitaríamos viver sem o diário se isso
significasse que nem Anne Frank nem ninguém como ela, ou ninguém
diferente dela, seria forçado a se esconder nem seria assassinado. Mas
nenhum de nós teve essa escolha, e o diário foi o que nos restou. Nesse
meio-tempo, por todo o mundo, a voz forte, única e bela de Anne Frank
ainda está sendo ouvida por leitores que podem algum dia ser chamados a
decidir entre crueldade e compaixão. Guiado por uma consciência
despertada por uma menina num sótão de Amsterdam, um cidadão da
Ucrânia ou um policial argentino podem ainda optar pela humanidade e
escolher a vida, em vez da morte.
7. A peça

A SAGA DA PRODUÇÃO DE O diário de Anne Frank na Broadway é tão


abundante em traição e mau comportamento, tão enlameada de mal-
entendidos e complicações que pelo menos quatro livros tentaram explicar
o que aconteceu e por quê. Publicada em 1973, a obra de Meyer Levin,
adequadamente intitulada The Obsession, culpa uma intriga esquerdista
arquitetada por Lillian Hellman, uma conspiração secreta para expurgar o
diário de tudo que era judaico, inclusive os 6 milhões de mortos. A versão
de Levin é corroborada pelo livro de Ralph Melnick, The Stolen Legacy of
Anne Frank, que também vê Hellman como a manipuladora malévola
oculta nos bastidores.
Dez anos após a morte de Meyer Levin, sua mulher, Tereska Torres,
escreveu um livro que misturava ficção e memórias para retratar um longo e
amoroso casamento com um homem que teve cada hora de sua vida
assombrada pelo fantasma de Anne Frank. A análise mais imparcial da
controvérsia pode ser encontrada em An Obsession with Anne Frank, de
Lawrence Graver. Mas, embora essas novas versões conflitantes do drama
que envolveu a peça discordem com relação aos motivos dos atores
principais e às maquinações dos coadjuvantes, todas estão mais ou menos
de acordo quanto aos elementos básicos do roteiro, no qual nobreza e
astúcia coexistiram em concentrações extremamente elevadas, e que
abarcou décadas de acusações e contra-acusações, décadas em que dinheiro,
poder e fama foram perseguidos em nome do idealismo e da lealdade a uma
menina assassinada.
No fim das contas, a lamentável história da dramatização do diário de
Anne Frank se tornaria tão intricada quanto o roteiro de um romance de
Charles Dickens. Cynthia Ozick comparou a história com Jarndyce versus
Jarndyce, o prolongado caso judicial no centro de A casa soturna, e de fato
as brigas, as manobras, as acusações e contra-acusações lembrariam não
apenas o obsessivo processo que Dickens retratou tão brilhantemente, mas
também sua consciência do preço de tal ajuste de contas, maior até que as
custas legais.

COM OITO PERSONAGENS PRINCIPAIS, alguns aposentos, um cenário, um arco


crescente de conflito familiar, um romance adolescente e terror, o diário de
Anne Frank parecia perfeito para o palco. Dias depois da publicação de The
Diary of a Young Girl nos Estados Unidos, o escritório da Doubleday em
Nova York já recebia telefonemas de produtores interessados. Os que
ligavam deviam supor que estavam chegando na primeira hora. Mas, como
os que se envolveram na produção logo descobririam, para seu dissabor,
essas chegadas precoces haviam de fato entrado tarde na história, sete anos
depois que ela começou no mesmo lugar em que a de Anne Frank terminou,
e apenas alguns meses depois da morte da menina.
Uma espécie de prólogo havia sido encenada sobre uma cova comum
em Bergen-Belsen, lugar para o qual um escritor americano chamado
Meyer Levin havia viajado como correspondente da Overseas News
Agency e da Jewish Telegraphic Agency. Um briguento filho de um alfaiate
de Chicago, o descendente de imigrantes da Europa Oriental que haviam
ascendido, através de trabalho árduo, à respeitabilidade da classe média
alta, Levin tinha tido uma relação conturbada com sua herança judaica. Mas
esses problemas se dissolveram quando ele testemunhou a libertação dos
campos de concentração nazistas promovida pelos Aliados.
Até então, ele havia publicado vários romances bem recebidos,
nenhum deles um sucesso de vendas, e vinha ganhando a vida escrevendo
textos jornalísticos, críticas e ficção curta. Velho demais para o serviço
ativo, ficou satisfeito por encontrar uma maneira de usar suas habilidades
no esforço de guerra.
Seus instintos diante da catástrofe eram magnânimos e vigorosos. Era
conhecido por perguntar aos prisioneiros recém-libertados se havia alguém
com quem quisessem entrar em contato. Os sobreviventes escreviam seus
nomes na poeira acumulada sobre seu jipe. Levin jurou que faria os
americanos tomarem conhecimento do extermínio dos judeus na Europa, e
embora tenha considerado brevemente a ideia de escrever sobre sua sina,
convenceu-se de que “um narrador deverá emergir do meio deles mesmos”.1
Depois da guerra, ajudou refugiados judeus que tentavam chegar à
Palestina, gravou dois documentários sobre a difícil situação deles e
escreveu The Search, um livro de memórias em três partes sobre sua
infância judaico-americana, os fatos que observou nos campos e o trabalho
que realizou para ajudar sobreviventes a emigrar para Israel. O livro foi
rejeitado por todos os editores a quem Levin o mostrou, um dos quais
criticou as excessivas lamúrias contra o antissemitismo presentes na obra.
Finalmente foi impresso na Europa, à custa de Levin, e por uma pequena
editora nos Estados Unidos.
Em 1950, com a mulher e dois filhos, Levin se mudou para o sul da
França, de modo a poder trabalhar na adaptação cinematográfica de um
antigo romance sobre um músico – um projeto encomendado pelo violinista
Yehudi Menuhin, que queria fazer um filme em Israel. Em Antibes, Tereska
Torres deu a Levin um exemplar do diário de Anne Frank, que acabara de
ser publicado na França. Foi um presente de que Tereska, uma escritora
cujo pai polonês se convertera do judaísmo para o catolicismo, iria se
arrepender.
Quando leu o diário, Levin ficou convencido de que Anne Frank era a
voz que ele implorara para ouvir quando se postou sobre a cova comum em
Bergen-Belsen. Ele sentiu o entusiasmo bem conhecido por todos aqueles
que descobrem uma obra-prima desconhecida e se convencem da
importância – da necessidade – de que ela atinja um público mais amplo.
Na verdade, porém, o livro estava longe de ser desconhecido, tendo
circulado entre editores americanos e britânicos e sido rejeitado em toda
parte.
Quando Levin escreveu a Otto Frank, elogiando o diário e oferecendo-
se para encontrar uma editora para ele nos Estados Unidos, sua carta deve
ter parecido a Otto uma razão para novas esperanças. Levin lhe assegurou
que seu entusiasmo pelo livro nada tinha a ver com dinheiro. Ele próprio
traduziria o diário, se Otto julgasse que isso pudesse ser útil. Mencionou,
como argumento vendedor evidente, o potencial da história como uma peça
de teatro ou até um filme. Otto Frank estava menos convencido das
possibilidades dramáticas do diário, mas aceitou com gratidão o
oferecimento de Levin de agenciar sua venda.
Depois da primeira rodada de cartas, Otto Frank e Meyer Levin
ficaram amigos. Sua correspondência sugere uma relação entre um tio
afetuoso e seu sobrinho mais jovem, mais inteligente, mais sagaz – mas
sempre respeitoso. Prometendo fazer os contatos certos e ajudar Otto a
navegar pelas águas traiçoeiras do mundo editorial americano sem sacrificar
a integridade da obra de Anne, Levin começou, com a bênção de Otto, uma
campanha de envio de cartas a editores americanos.
Em novembro de 1950, depois que a New Yorker publicou a menção
de Janet Flanner ao sucesso francês do diário, a Little, Brown se ofereceu
para publicar o livro em coedição com a Vallentine-Mitchell no Reino
Unido, mas a transação fracassou quando a empresa americana insistiu em
conservar os direitos de adaptação para o teatro. Convencido,
presumivelmente, por Levin, Otto se tornara tão convicto da necessidade de
controlar tais direitos que essa foi a única condição em que insistiu em sua
negociação com a Doubleday, que adquiriu o livro quando a Little, Brown
saiu de cena.
O relato de Judith Jones sobre ter encontrado a tradução francesa do
diário de Anne Frank na pilha de obras rejeitadas da Doubleday e o ler
durante uma tarde inteira e o começo da noite contém um breve adendo que
descreve uma conversa ocorrida depois que Jones convencera seu chefe,
Frank Price, a publicar o diário. Quando Otto Frank pediu para se encontrar
com representantes do escritório europeu da Doubleday, Price e Jones o
convidaram a vir de Amsterdam para Paris. Depois de um longo e tranquilo
almoço, “ele fez uma única estipulação. Queria ter o poder de opinar com
relação aos direitos teatrais, porque, como admitiu com lágrimas nos olhos,
‘eu não suportaria a ideia de qualquer atriz fazendo o papel da minha
Annie’.”2 O tempo mostraria que os receios de Otto estavam certos, por
mais razões do que ele poderia ter imaginado.
Nas primeiras cartas entre Otto e seus editores na Doubleday, Meyer
Levin em princípio aparece como uma presença benévola que queria o
melhor para o diário, devendo ser consultado sobre decisões relativas à
edição americana. As boas intenções de Levin ficaram ainda mais claras, e
sua intercessão mais bem-vinda, quando sua resenha no Times lançou o
diário para as listas dos mais vendidos.
Levin não foi responsável, como iria afirmar, pela publicação da obra
de Anne, mas foi importante para que tivesse sucesso – e esse sucesso foi a
sua ruína.

The Obsession É UM ESTRANHO LIVRO DE MEMÓRIAS, um diário da loucura


escrito por um louco ainda não curado, ou sequer convencido de que a
patologia que arruinou sua vida era uma doença. Ele começa com uma
alusão à descida ao inferno de Dante: “No meio da vida enredei-me numa
dificuldade que haveria de me absorver, ocupar, obcecar, e praticamente me
devorar durante esses 20 anos.”3 A primeira cena ocorre no consultório do
último de vários psiquiatras que Levin procurou em busca de
esclarecimento, se não de conforto. “É espantoso como esses escritores se
comportam, correndo de um analista para outro, da mesma forma que,
depois de um diagnóstico pessimista, se corre para outro médico em busca
de uma conclusão diferente!”
Digressivo, discursando sobre os males do macarthismo e a relutância
da União Soviética em permitir que seus cidadãos judeus partissem para
Israel, lançando também queixas sobre a conspiração do establishment
literário para ignorar o último romance de Levin, The Obsession não cessa
de retornar a seu tema central de uma maneira que parecerá familiar a todos
que algum dia tentaram conversar com pessoas gravemente deprimidas.
Comparando-se a Solzhenitsyn, também vítima de perseguição política, o
autor exibe delírios que nunca suspeita serem delirantes, assim como
tampouco percebe que o advogado da oposição de quem zomba por ter dito
que “Levin tem a alucinação de que, de fato, escreveu o diário”,4
dificilmente poderia ter tido mais razão.

Tudo bem, era uma obsessão. Admito. Aquilo se instalou sob o meu crânio com minha mente
presa em seus tentáculos. Por vezes adormecido. Por vezes acordando e espremendo. Mais uma
vez eu reagia, enviava protestos e petições. Isso estava muito bem para escritores russos
censurados, escrevendo de prisões, de campos de trabalhos forçados … mas, para um escritor
americano livre, queixar-se durante 20 anos de um pretenso ato de censura era algo obviamente
obsessivo.5

The Obsession está impregnado da intensa e inconsciente ambivalência


de Levin. Ele descreve os sobreviventes do Holocausto como “cercados por
fogo eterno na área inacessível daqueles que suportaram uma experiência
que os põe acima de nosso julgamento”6 e já na página seguinte conta ter
dito a Otto Frank: “Você foi meu Hitler.”7 Sua mulher parece ter sido um
modelo de paciência e tolerância até que a fixação de Meyer a impeliu a
uma tentativa de suicídio e quase arruinou seu casamento. “Muitas vezes
houve momentos em que ela exclamou em desespero: ‘Sou eu ou Anne
Frank! Escolha!’, como se esse fosse um amor rival que eu poderia
abandonar voluntariamente (masoquista, apegando-se a quem o faz sofrer!).
Mas é possível banir, por vontade própria, o que invade a nossa mente?”8
A afirmação de Levin de ter sido responsável pela popularidade do
diário poderia parecer uma fantasia, não fosse a crítica entusiástica na
primeira página do The New York Times Book Review. Podemos supor que
essa resenha foi motivada por genuína admiração por um livro que viria a
ser admirado por milhões, e que seus elogios eram inteiramente sinceros.
No entanto, o barateamento do diário de Anne Frank já havia começado,
impulsionado, com a melhor das intenções, por um homem que se dedicou
a assegurar que ele não fosse barateado.
“O diário de Anne Frank”, começa a resenha de Levin,
é um livro terno e íntimo demais para ser congelado com o rótulo “clássico”, e, no entanto,
nenhuma designação menor lhe serve. Pois a pequena Anne Frank, vivaz, mal-humorada,
espirituosa, insegura, conseguiu comunicar numa forma praticamente perfeita, ou clássica, o
drama da puberdade. Mas seu livro não é um clássico a ser deixado na prateleira da biblioteca.
É uma confissão calorosa e comovente, a ser lida muitas vezes em busca de percepção e
divertimento.
O diário é um clássico em outro nível também. Aconteceu que durante os dois anos que
marcam as mudanças mais extraordinárias na vida de uma menina, Anne Frank estava
escondida com sete outras pessoas nos cômodos de um abrigo secreto … O diário nos conta a
vida de um grupo de judeus que esperava, temendo ser levado pelos nazistas. Trata-se, na
realidade, do tipo de documento que John Hersey inventou para O levante.9

A essa altura o ensaio já se transformou numa espécie de papo de


vendedor, com a típica alusão à última obra que rendeu dinheiro tratando
sobre um tema semelhante. Ironicamente, Levin havia escrito um artigo na
Congress Weekly afirmando que o best-seller de Hersey sobre o gueto de
Varsóvia havia encontrado um público ao qual seriam negados o diário de
Anne e o livro que o próprio Levin escreveu, In Search, porque os autores
desses eram judeus. No The New York Times Book Review, ele salienta que
o diário “sonda o cerne das relações humanas muito mais profundamente
que O levante, e é mais bem-sucedido em nos proporcionar uma
compreensão da vida sob ameaça”. O que é verdade. Hoje, O levante quase
não é lido. Para Levin, porém, ele era a concorrência.
Outra característica digna de nota da crítica do caderno literário é o
uso que Levin faz, antes da primeira quebra de parágrafo, da palavra
universalidades – um termo que ele passou a desprezar quando defendeu a
particularidade da experiência de Anne. “[O livro] tem seu quinhão de
repugnância, seus momentos de ódio, mas é tão maravilhosamente vivo, tão
próximo, que sentimos de maneira esmagadora as universalidades da
natureza humana. Essas pessoas poderiam morar na casa ao lado; suas
emoções no seio da família, suas tensões e satisfações são as do caráter e do
desenvolvimento humano, em qualquer lugar.” A ênfase de Levin na
semelhança entre os judeus escondidos e quaisquer vizinhos seria mais
tarde repetida por todos aqueles que desejavam que o livro, a peça e o filme
tivessem o público mais amplo possível. Universal não é apenas um
adjetivo, mas, no mundo do comércio, um número projetado, razão por que
universal seria empregado, de maneira cada vez mais frequente, como o
antônimo de judaico.

O The New York Times FICOU COMPREENSIVELMENTE CONTRARIADO por Levin


não os ter informado de sua ligação com o diário. No arquivo do Museu
Anne Frank há uma carta de Meyer Levin para o Book Review, expressando
sua esperança de que o jornal voltará a lhe pedir novamente que escreva
para eles. Ele está ciente de que os editores descobriram que ele estava
agenciando o diário de Anne Frank, o que poderia sugerir falta de ética de
sua parte solicitar a encomenda da resenha. Mas de fato ele não era,
estritamente falando, o agente. Não tinha intenção de lucrar com o livro;
fora motivado puramente por entusiasmo pelo diário como literatura. Mais
tarde, Levin culparia Barbara Zimmerman por sugerir que ele se oferecesse
ao Times para fazer a resenha.
Nenhuma pessoa sensata afirmaria que livros devem ser resenhados
por seus agentes. Mas O diário de Anne Frank talvez seja um caso anômalo
que nos estimula a ver mesmo esse evento dúbio à luz de seu resultado. Que
teria acontecido se a crítica do diário tivesse sido confiada a um crítico que,
como o leitor da Knopf, o achou um “registro maçante de típicas
altercações familiares, aborrecimentos triviais e emoções adolescentes”?
Mesmo que Eleanor Roosevelt tivesse elogiado o livro, uma resenha
indiferente poderia ter preparado sua lenta viagem para a pilha de encalhe,
na qual, com sorte, ele poderia ser redescoberto um dia para a série de
Estudos do Holocausto de uma editora universitária. De forma discutível, a
resenha de Levin representou uma transgressão da ética que resultou no
melhor.
Deveria a Doubleday ter dito ao jornal para não publicar a resenha
porque Levin queria escrever a peça? Os editores acreditavam no livro; isso
teria sido prejudicial aos seus interesses. As cartas entre Otto Frank e
Barbara Zimmerman exultaram com o ensaio de Levin, que Zimmerman
elogiou por sua beleza e pelo espaço que obtivera no periódico mais
influente do país. Animados com o sucesso do livro, todos preferiram
ignorar o fato de que Levin estava em contato com pelo menos dois
estúdios de Hollywood e que a Variety noticiara que ele estava “agenciando
o volume para possível transformação em filme ou adaptação fiel”.10
Embora Levin alardeasse o diário como melhor que O levante, uma
publicidade bem-sucedida precisa de um precedente bem-sucedido, e nesse
caso não havia nenhum. Não havia nada exatamente como ele, e nenhuma
evidência sugeria que leitores adultos comprariam o diário de uma menina.
Meyer Levin afirmou que o livro devia ser lido:

Há angústia na ideia de quanto poder criativo, quanta simples beleza de viver, foi decepada por
meio do genocídio. Mas, por intermédio de seu diário, Anne continua vivendo. Da Holanda
para a França, para a Itália, para a Espanha. Os alemães também publicaram seu livro. E agora
ela chega à América. Certamente será amplamente amada, pois essa menina sagaz e
maravilhosa traz de volta um pungente deleite pelo infinito espírito humano.

A resenha de Levin termina com um gancho destinado a arrastar o


leitor direto de sua poltrona para a livraria quando ela abrisse na segunda-
feira de manhã. E foi exatamente o que aconteceu. Quem pode dizer
quantos de nós teríamos lido Anne Frank se não tivesse sido pela crítica de
Levin, uma peça de publicidade brilhante, ainda que suspeita, que levou o
diário para as lojas, para as mãos dos leitores e para as mesas dos
produtores da Broadway que planejariam a derrocada do escritor?

DESDE O COMEÇO LEVIN ACREDITOU, e disse a Otto, que era a pessoa ideal
para transformar o livro numa peça de teatro. Era judeu, tinha um forte
senso de identidade judaica e de responsabilidade para com as vítimas dos
nazistas, visitara os campos, estava entre os primeiros e mais devotados fãs
do diário. Mas, à medida que a reputação e a popularidade do livro
cresceram, nomes mais famosos que Levin começaram a ser relacionados
ao tema de sua adaptação teatral.
Passados mais de 50 anos, podemos ouvir a mudança no tom da
conversa quando os principais participantes da situação – Otto Frank,
Meyer Levin, os editores e produtores – perceberam que um bem valioso
estava prestes a ficar mais valioso ainda. A Doubleday perguntou a Otto se
poderiam negociar os direitos de dramatização por uma comissão de 10%.
Meyer Levin concordou. Se Barbara Zimmerman era a filha perdida de
Otto, Levin ainda era o sobrinho leal, pronto a ajudar, e ninguém esquecera
a importância de sua resenha. Confiante, Levin concordou em deixar o
editor fazer o melhor negócio. Otto queria que todos ficassem felizes – que
Levin fosse recompensado e se sentisse incluído, e que seu editor
maximizasse o potencial do livro sem distorcer a obra de Anne.
Foi diante dessas circunstâncias que Levin escreveu para Otto Frank
uma carta fatídica reiterando seu desejo de fazer a adaptação. Não tinha
interesse numa comissão de agente. Queria apenas continuar sendo a
primeira escolha de Otto como escritor. Denotando um fracasso fatal de sua
imaginação, Levin se disse disposto a sair do caminho caso seu afastamento
fosse a única maneira de conseguir que um dramaturgo famoso aceitasse
adaptar o livro.
Quando concordou em permitir que a Doubleday vendesse os direitos
da adaptação para o teatro, Otto Frank estipulou que a venda deveria ser
aprovada por Levin. E mesmo que Levin estivesse começando a parecer um
criador de caso, todos ainda imaginavam que tudo daria certo. A Doubleday
ofereceu a Levin a metade de sua comissão de agente de 10%, e novamente
Levin concordou.
Otto estava tranquilizado. O livro encontraria o produtor mais
prestigioso e sensível. Levin ou escreveria o roteiro, ou colaboraria na sua
elaboração. Um por um, porém, os principais interessados começaram a
desejar que Meyer Levin simplesmente saísse de cena. Numa carta a Frank
Price, Barbara Zimmerman escreveu que, embora os motivos de Levin não
parecessem mercenários, ele estava “estragando todo o negócio”.11 Em
cartas subsequentes, Zimmerman, claramente no limite de sua paciência,
descreveu Levin como “alguém com quem é impossível lidar em quaisquer
termos, oficial, legal, moral ou pessoalmente” e afirmou: “Ele parece
propenso a destruir tanto a si mesmo como à peça de Anne.”12 Levin não
pôde deixar de perceber a crescente insatisfação com seu papel na
negociação, e pouco a pouco começou a se ver como um personagem
desesperado, um escritor fracassado, um pobre judeu da Europa Oriental
cercado por judeus alemães ricos e esnobes, personificados por Otto Frank.
Na verdade, Otto estivera numa posição financeira instável durante
grande parte de sua vida, lutando para escorar um banco ameaçado de
falência, e, com a ajuda de seu primo, dirigindo um modesto negócio de
revenda de produtos para a fabricação de geleias. Hitler tinha tomado tudo e
assassinado sua mulher e filhas. Ao voltar para Amsterdam, ele tivera de
depender mais uma vez da lealdade e da caridade de seus ex-empregados. E
agora parecia que sua filha não só dera ao mundo um clássico literário
como proporcionara ao pai uma maneira de terminar sua vida em segurança
e conforto. Quem poderia censurá-lo por querer isso depois de tudo por que
passara?
Enquanto o diário continuava na lista dos mais vendidos, a discussão
sobre a venda dos direitos de adaptação começou a incluir as palavras
mágicas que decidiram inapelavelmente a perdição de Meyer Levin:
Escritor famoso. Teatrólogo importante. Ou por vezes, mais
grosseiramente, grande nome. Os grandes nomes aventados incluíam
Arthur Miller, Lillian Hellman, Thornton Wilder, Maxwell Anderson,
Harold Clurman, Elia Kazan e Joshua Logan. Três semanas depois da
publicação do livro, a Variety publicou uma lista de possíveis produtores.
De início a resistência de Levin foi branda. Cada vez que um
teatrólogo famoso era sugerido, Levin explicava prestimosamente por que
essa ou aquela celebridade era a pessoa errada para a tarefa. Levin afirmou
que, já em 1950, Otto concordara que ele, Levin, atuaria como seu agente
americano, negociaria os direitos de adaptação do diário e escreveria o
roteiro para a versão teatral. Ao que Frank respondeu que o entendimento
entre eles não fora tão formal e comprometedor quanto Levin acreditava.
Otto reafirmou para Levin sua confiança nele e na Doubleday. Mas as
primeiras notas de desespero começaram a soar nas cartas de Levin para
Otto. Seus conselhos foram ficando mais insensatos e manipuladores. Ele
advertiu Otto de que um teatrólogo famoso poderia deixar uma marca
pesada no material e, ademais, alguns dos escritores mencionados estavam
decadentes, acumulando diversos fracassos. Alguns dos teatrólogos e
produtores que a Doubleday estava considerando tinham sido investigados
pelo Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes;
esses candidatos deveriam ser evitados, sob pena de o diário ser apanhado
no fogo cruzado político.
Quando Maxwell Anderson foi sugerido, e se recusou a colaborar com
Levin ou com qualquer outra pessoa, Levin entrou em pânico. A obra
“opressiva” de Anderson, escreveu Levin para Otto, estava démodé. E sua
reputação poderia ofuscar o diário: “Se ele escrever a peça, ela será
indubitavelmente conhecida como a peça de Maxwell Anderson sobre
aquela menina… como era mesmo o nome dela? Parece-me que a peça
deveria ser identificável como obra de Anne.”13 Finalmente, afirmou Levin,
Anderson não se qualificava porque não era judeu.
Otto Frank, que passaria o resto de sua vida trabalhando para que as
pessoas não fossem julgadas e excluídas com base em sua cor, raça ou
religião, ficou ofendido com a sugestão de Levin de que não judeus não
deviam se candidatar. Em junho de 1952, ele respondeu:

Eu sempre disse que o livro de Anne não é um livro sobre a guerra. A guerra está em segundo
plano. Tampouco é um livro judaico, embora a esfera, o sentimento e o ambiente judaicos sejam
o pano de fundo. Nunca quis que um judeu escrevesse uma introdução para ele. Ele é (pelo
menos aqui) lido e compreendido mais por gentios do que em círculos judaicos. Não sei como
será nos Estados Unidos, esse é o caso da Europa. Portanto, não o transforme numa peça
judaica! De certo modo, é claro, ela deve ser judaica, mesmo porque trabalha contra o
antissemitismo. Não sei se consigo exprimir o que tenho em mente e apenas espero que você
não me interprete mal.14

Otto tinha razão ao temer que não tivesse conseguido se explicar


claramente. Sua carta está cheia de contradições – a história de Anne é
judaica, não é judaica, não deveria ser uma peça judaica, mas deveria
combater o antissemitismo.
Outro debate recorrente em torno do diário de Anne centrou-se na
identidade judaica de Anne Frank. Será que ela pensava em si mesma como
uma judia? Tinha consciência do que estava acontecendo com outros
judeus? A resposta é sim, e sim. Os Frank mantinham uma casa kosher?
Uma entrada do diário é dedicada à competência do sr. Van Pels na feitura
de salsicha de carne de porco. Anne Frank acreditava em Deus? Uma das
coisas que surpreenderam Otto Frank quando leu o diário da filha foi a
frequência e o fervor com que ela escreveu sobre Deus. Os Frank eram
“assimilados”? Sim. Eles celebravam o Chanuká e o dia de são Nicolau.
Quando Otto Frank pediu a Kleiman um exemplar do Novo Testamento
para que Anne pudesse aprender sobre ele, e uma Margot “um pouco
perturbada” perguntou se ele pretendia dar a Anne uma Bíblia no Chanuká,
Otto concordou que fosse melhor dar aquele exemplar como presente pelo
dia de são Nicolau, já que – como Anne escreve em sua revisão e Otto
mantém no diário publicado – Jesus não parecia combinar com o Chanuká.
Como muitos pais modernos, os Frank punham, no patamar dos deuses,
suas filhas.
Claro que a história contada por Anne era judaica, e, apesar de suas
origens germano-judaicas assimiladas, seu pai também era judeu. A objeção
de Otto a se fazer daquela história “uma peça judaica” era demasiado
complexa para ser atribuída à formação dele, às suas ideias sobre religião,
ou ao desejo do pós-guerra de retornar à normalidade e esquecer a
catastrófica discriminação dos judeus. Otto devia estar começando a pensar
que a história de Anne poderia atingir um público muito mais amplo do que
a drasticamente reduzida população judaica. Claro que o diário era lido por
mais gentios europeus do que por judeus: haviam sobrado tão poucos
judeus. E até o tolerante Otto ficou claramente irritado com a objeção
“nacionalista” de Levin a Maxwell Anderson. Sob o mal-estar de Otto há
um recuo instintivo diante do impulso de Levin de controlar a ele e ao
diário. Como rapidamente ficou claro que Levin não era um conselheiro
imparcial, mas tinha um arrebatado interesse pessoal no futuro do diário, a
Doubleday começou a deixá-lo de fora do circuito.
Enquanto isso, Levin se ocupava em escrever sua própria adaptação do
diário, que estava terminada quando a Doubleday contratou uma produtora,
uma experiente veterana da Broadway chamada Cheryl Crawford. A
princípio, Levin gostou de Crawford, embora pareça que novamente surgiu
um mal-entendido com relação a seu papel. Crawford sugeriu inicialmente
que Lillian Hellman e Clifford Odets adaptassem o diário, mas, ao saber da
lealdade de Otto para com Levin, deu dois meses a este último para
apresentar um rascunho.
Naquele verão, Levin trabalhou na peça, fazendo uma pausa para
escrever uma adaptação radiofônica de meia hora para o American Jewish
Committee, cuja transmissão estava programada para setembro. Durante
esse tempo, outro produtor – Kermit Bloomgarden – sugeriu o próprio
nome para o projeto e propôs que Arthur Miller escrevesse a adaptação.
Pelo menos Miller era judeu, disse Levin. Mas não era suficientemente
judeu.
No outono de 1952, Otto chegou da Europa – por sinal, no Yom
Kippur. Barbara Zimmerman foi ao encontro de seu barco no píer. No dia
seguinte, Cheryl Crawford disse a Levin que gostara de seu primeiro
rascunho. Dois dias depois, porém, informou-lhe que o relera no meio da
noite e agora tinha sérias reservas. Ela concordou que Levin deveria ter
tempo para revisá-lo. Muito pouco tempo, protestou ele. O fato de ter sido
dado a Levin um fim de semana para retrabalhar a coisa toda sugere que
Crawford já havia decidido contra ele. Os teatrólogos escolhidos acabariam
escrevendo oito rascunhos.
Com o apoio da Doubleday, Otto Frank contratou um advogado, Myer
Mermin. Embora ele tenha concluído que Levin não possuía nenhum direito
formal sobre a peça, Mermin reconheceu que seus acordos informais com
Otto poderiam ensejar uma contestação legal. Mermin sugeriu que fosse
dado um mês para que Levin submetesse seu roteiro a uma lista aprovada
de produtores. Se ninguém estivesse interessado, Levin renunciaria a todos
os seus direitos à peça.
Quando não foi possível encontrar nenhum produtor disposto, Levin
afirmou que sua peça estava sendo objeto de discriminação por ser judaica
demais, uma qualidade que ofendia as sensibilidades políticas
“doutrinárias” dos stalinistas antissemitas, entre os quais Lillian Hellman,
que estava prestando consultoria à equipe de produção. O período em que
essa censura ocorreu, escreveria Levin mais tarde, coincidiu com o auge da
campanha de Stálin contra personalidades culturais e escritores judeus. Não
querendo dar ao Comitê de Atividades Antiamericanas da Casa dos
Representantes mais lenha para suas fogueiras, afirmou Levin, ele silenciou
sobre a razão por que seu trabalho foi censurado e terminou imprensado
entre Josef Stálin e Joseph McCarthy. Outros, inclusive Crawford e Kermit
Bloomgarden, que terminou produzindo a peça, criticaram a peça de Levin
por não ser dramática o bastante para funcionar no palco. Levin fez sua
defesa em cartas que o The New York Times e a Variety se recusaram a
publicar, e numa correspondência cada vez mais irritada com Otto Frank.
Numa carta a Otto, Levin qualificou Cheryl Crawford de uma
“homossexual castradora”.15
A essa altura um maior número de personalidades havia sido reunido
para oferecer opiniões: Hellman, Bloomgarden, Elia Kazan. É aqui que
Levin (e Ralph Melnick) vê o punho pesado de Lillian Hellman caindo com
força quando, numa queda de braço, ela afasta a produção de Levin, com
sua visão estreitamente sectária (isto é, judaica) sobre a peça de Anne, e
conspira para entregá-la a uma equipe mais em harmonia com seu próprio
programa antissemita, de extrema esquerda. Melnick encontra abundantes
evidências confirmando as afirmações de Levin de que Hellman manipulou
a situação para levar a cabo seu programa stalinista. Mas isso parece
improvável, já que, em Lillian Hellman, a ambição pessoal parece ter
suplantado a política. Lillian Hellman não era agente de Stálin, mas de si
própria. Ela conhecia os escritores mais importantes, conhecia o meio
teatral, podia fazer as coisas acontecerem de uma maneira que Levin não
podia.
Os outros supostos maquinadores e ludibriados – produtores,
escritores, diretores – intuíram, rapidamente, que a peça poderia ser
lucrativa. Mesmo que o principal arquiteto da “intriga” contra Levin fosse
uma comunista, raramente o comunismo logrou tão estrondoso sucesso
econômico, e parece improvável que Hellman e seus associados tenham
conspirado para canalizar os lucros da Broadway para o Kremlin. Apesar
das ideias políticas dos participantes, o drama da adaptação do diário não
dizia respeito ao comunismo, mas ao capitalismo operando exatamente
como se espera, eliminando o sombrio, o judaico, o deprimente, enfatizando
o sentimentalismo alegre – e ganhando dinheiro. Era a América dos anos
1950, a guerra terminara, a “recuperação” estava em curso, e era hora de a
personagem adolescente, junto com mamãe, papai e irmãzinha, rumar para
o anexo secreto.
Em conversas iniciais entre Lillian Hellman e Garson Kanin, que
acabaria dirigindo a produção da Broadway, Hellman fez uma observação
reveladora que Levin provavelmente não teria entendido se a tivesse
ouvido. Embora admitindo a importância literária do diário, Hellman
explicou que era a pessoa errada para adaptá-lo. Tal adaptação, disse ela,
seria tão deprimente que os produtores teriam sorte se ela fosse exibida por
uma noite. Eles precisavam de um teatrólogo com um “toque mais leve”.
Mais tarde, os escritores escolhidos – Frances Goodrich e Albert Hackett –
foram instruídos a enfatizar o bom humor de Anne. “Essa peça só
funcionará se for engraçada”, aconselhou Kermit Bloomgarden. “Faça (o
público) rir… Dessa maneira eles conseguirão ver o espetáculo até o fim.”16
Mais uma vez, Levin entendeu as coisas errado. Sua abordagem ao
diário de Anne podia ter sido “judaica demais”, mas era também, de
maneira mais problemática, séria demais. Ironicamente, o caráter grave e
sentencioso de sua própria adaptação significava que ela teria tido mais
chances de ser produzida no sistema do socialismo de Estado que ele
desprezava e temia, um clima em que a arte, embora casada com a
propaganda, era divorciada do comércio, e menos dependente de um
público frequentador de teatro que escolheria comprar ou não caros
assentos na Broadway. Somente numa sociedade capitalista a venda de
ingressos estava relacionada com a capacidade de uma peça de fazer seu
público sentir-se castigado, mas enaltecido, triste, mas esperançoso. O
produtor e o diretor da peça compreenderam que era muito improvável que
um drama contemplando os horrores do Holocausto e as ramificações
políticas do nazismo, do sionismo e da espiritualidade judaica lotasse o
teatro por uma sucessão de noites lucrativas. Fossem quais fossem os
pontos fortes e as virtudes da peça que Meyer Levin escreveu, e que ainda
pode ser lida numa versão encenada pelo Israel Soldiers Theatre, a
frivolidade e o humor não estavam presentes.

EM VÁRIOS MOMENTOS EM The Obsession Levin o romancista suplanta Levin


o memorialista e Levin o polemista, e lemos cenas, extraídas da vida real,
que sugerem uma explicação para seus desapontamentos diferente daquela
que ele está (ou acredita estar) fornecendo. Várias passagens penosas
detalham seus embates contundentes com Joseph Marks, o vice-presidente
da Doubleday, que estava encarregado de tratar dos direitos de adaptação do
diário para o teatro.
Em seu elegante escritório, Marks lê uma lista de produtores famosos
que fizeram ofertas e informa Levin de que os fatores decisivos serão o
histórico do produtor e a fama do adaptador. Obviamente, está dizendo isso
a um escritor praticamente desconhecido. Levin observa que o diário é um
projeto seu, e Marks diz que compreende isso, mas “um teatrólogo famoso
praticamente asseguraria sucesso na Broadway”.17 Mais uma vez, é difícil
associar essa conversa com a ideologia stalinista que, como Levin afirma,
planejou o fracasso dele. Por outro lado, é muito fácil imaginar o mal-estar
de possíveis patrocinadores ouvindo os planos de Levin para a adaptação:

A própria origem de nosso teatro estava nas representações religiosas dos martírios … a peça,
se encenada, deve ser uma reencarnação. Na persistência do espírito vivo cada espectador
sentiria uma catarse. Quando o espírito reaparecia diante dele, indestrutível, o crematório era
negado … Vi a forma quase como um balé, a investigação de uma menina, frustrada a cada
momento impulsivo enquanto luta pela autorrealização.18

Ler a adaptação do diário de Levin é defrontar-se com as armadilhas


de se basear uma obra de arte em Ideias Nobres: martírio, reencarnação,
autorrealização. Quando a peça de Levin começa, um grupo de carpideiras
vestindo capas de chuva pretas entoa a prece hebraica para os mortos. Um
narrador, usado o tempo todo para informar o público de desenvolvimentos
históricos – a implementação da solução final, a construção dos campos em
Auschwitz e Treblinka, as incursões alemãs na Rússia e na África, as
invasões aliadas, bem como a passagem do tempo entre os atos –, delineia
as origens de Otto Frank e sua emigração de Frankfurt para a Holanda.
O prólogo começa numa rua de Amsterdam, do lado de fora da casa
dos Frank. É o aniversário de 13 anos de Anne, e ela e suas amigas, Joop e
Lies, conversam sobre seus presentes. A conversa muda para o flerte de
Anne com um certo Harry Goldberg, e Joop pergunta se Harry vai levar
Anne para a reunião sionista. As meninas discutem as restrições impostas
pelos nazistas aos judeus e os perigos de violar o toque de recolher. Uma
diz: “Realmente, um grande triunfo, conseguir ser enviada ao campo de
concentração em Westerbork em troca de mais dez minutos na companhia
de Harry Goldberg.”19
Otto Frank aparece, carregando um pacote que diz estar confiando à
proteção de amigos holandeses contra os nazistas. Ele e Anne discutem a
possibilidade de ir para um esconderijo. Há uma longa conversa sobre o
início da menstruação, e a sra. Frank ri quando Anne diz esperar que seu
primeiro período venha como um presente de aniversário. Em seguida
chega a intimação, estragando o bom humor, e a sra. Frank diz: “Temos de
nos esconder imediatamente.”20
Corte para o anexo secreto, onde Margot conta para Miep sobre a
culpa que sente por colocar sua família em perigo ao ignorar a intimação;
menciona seu sonho de se mudar um dia para a Palestina. O resto da família
chega, há insinuações do conflito de Anne com a mãe, seguidas por uma
cena romântica entre Anne e o pai em que a menina fala de seu desejo de
estar sozinha com ele no mundo.
A entrada dos Van Daan é tratada de forma mais engenhosa do que na
versão de Goodrich-Hackett, em que se pretende que aceitemos a ideia
absurda de que as duas famílias estão se encontrando pela primeira vez. No
texto de Levin, como na vida, elas têm uma história. Há um ótimo momento
quando o sr. Koophuis pede à sra. Van Daan que tire seus sapatos de salto
alto, para não fazer nenhum barulho, e ela responde: “Nunca deixe um
homem escolher uma casa.”21
De maneira semelhante, quando Dussel aparece na segunda cena, sua
caracterização é mais próxima do que sabemos de Fritz Pfeffer que o bufão
que passa por ele na peça de Goodrich e Hackett. Enquanto os outros
esperam que Dussel surja, a sra. Van Daan diz ter ouvido falar que ele é o
maior Don Juan dentre todos os dentistas da cidade; talvez seu atraso
signifique que suas pacientes estão relutando em deixá-lo partir. Há uma
discussão em que Anne faz objeção a partilhar seu quarto com Dussel, e
outra sobre que livros as crianças deveriam ter permissão para ler – um
conflito que aparece no diário.
Os longos debates sobre espiritualidade e a Palestina (“Trata-se de
sermos algo maior do que nós mesmos. … Trata-se de construirmos uma
vida livre para nós”,22 diz Margot) indicam a força e a debilidade da peça de
Levin. É dada a Anne pelo menos parte da inteligência que ela exibe no
diário, e que a heroína de Goodrich-Hackett não possui. Numa cena com
Peter, ela cita Platão a propósito da ideia de que homens e mulheres outrora
foram um só, depois divididos em duas metades, cada uma lutando para
alcançar a completude. Dificilmente poderíamos imaginar uma citação a O
banquete saindo da Anne que fazia beicinho e cabriolava pelo palco da
Broadway. Contudo, as longas sequências de diálogo com que Levin
delineia o caráter de Anne contribuem para a qualidade estática, discursiva
– imprópria para o palco – que incomodou os produtores. Podemos
imaginar possíveis patrocinadores estremecendo quando Anne e Peter
conversam sobre como determinar o sexo de um gato.
Do princípio ao fim, a peça de Levin nos faz perceber quão pouca
“ação” há no diário, e o quanto dele é doméstico, interior e psicológico.
Não tendo conseguido descobrir o ritmo de crise, e (relativo) relaxamento
que cativaria o público que assistiu à produção da Broadway – uma tensão
que Goodrich e Hackett se esforçaram, em rascunho após rascunho, para
sustentar –, Levin recorre a frequentes menções a Westerbork para criar
uma sensação de ameaça. A invasão no térreo é mais discutida que
dramatizada, embora haja um momento tenso quando uma bomba cai nas
proximidades.
Numa cena com os Frank, Edith – cuja devoção religiosa se torna tão
opressiva que podemos compreender o que irritava Anne, embora essa não
pareça ter sido a intenção de Levin – pergunta a si mesma se Deus os estaria
punindo por não terem ensinado mais às filhas sobre sua herança judaica.
Quando Anne anuncia seu plano de escrever um livro intitulado O
esconderijo, sua irmã responde: “Imagino que poderia ser emocionante.
Todas as vezes que quase fomos apanhados, o roubo no escritório da frente
e o bombeiro barulhento”23 – eventos que Levin deixa de explorar na peça,
embora mais tarde, durante a festa de Chanuká, vejamos dois ladrões
forçando a fechadura do térreo.
Para Levin, uma longa cena de sua peça – em que Anne explica a Peter
seus sentimentos religiosos – transmite a alma do livro de Anne. As
primeiras dúvidas de Anne sobre Peter, receios que a desconcertam mesmo
na fase impetuosa do romance de ambos, ocorrem quando ele comenta que
a vida teria sido mais fácil se ele tivesse nascido cristão. Em entradas
posteriores, as reservas de Anne com relação a Peter emergem muitas vezes
após discussões espirituais; ela fica perturbada com o desapreço do rapaz
pela religião em geral e pelo judaísmo em particular.
Hans, o objeto dos sentimentos afetuosos de Cady no romance
inacabado de Anne, A vida de Cady, é mais religioso que ela e lhe oferece
este conselho (numa cena que se prolonga ainda mais do que a conversa na
peça de Levin) quando o casal se encontra perto do sanatório onde Cady se
recupera:
Quando estava em casa, levando sua vida despreocupada … você simplesmente não pensava
muito em Deus. Agora que está se voltando para Ele por estar amedrontada e ferida, agora que
está realmente tentando ser a pessoa que pensa dever ser, com certeza Deus não a abandonará.
Confie Nele, Cady. Ele ajudou tantos outros.

Podemos imaginar Levin ficando bem pouco impressionado com as


crenças panteístas (ou animistas) que Hans expressa: “Se você está
perguntando o que é Deus, minha resposta seria: olhe à sua volta, veja as
flores, as árvores, os animais, as pessoas, e então saberá o que é Deus. Essas
coisas maravilhosas que vivem, morrem e se reproduzem, tudo isso que
chamamos de natureza – isso é Deus.”24 De fato, essa fusão da natureza
com Deus se aproxima da essência das crenças que Anne parece ter
alimentado durante seus últimos meses no anexo.
De todo modo, se o longo discurso metafísico de Anne e Peter pareceu
menos interessante para outros do que para Levin, isso talvez tenha tido
menos a ver com o “judaísmo excessivo” da peça do que com a
compreensão pragmática dos produtores de que, se um público vai assistir a
dois adolescentes no palco, não é porque estão tendo uma conversa sobre
Deus.
Como a peça exibida da Broadway, o texto de Levin termina com a
citação sobre as pessoas sendo, no fundo, boas, mas, diferentemente da
versão de Goodrich-Hackett, a frase é devolvida ao seu contexto original,
em meio à dialética entre a esperança de Anne e seu terror de que o mundo
se transforme numa selva. O palco fica escuro, os sons de combate se
elevam.
“Fim do diário”,25 declara o narrador. As instruções de palco
especificam que os ruídos de batalha ficam mais altos, mas lendo a peça é
mais provável que ouçamos as reações dos produtores a quem Levin
mostrou o texto: Sombrio. Deprimente. Judaico. Melancólico.
Insuficientemente universal. O extremo oposto de comercial.

MESMO QUE CHERYL CRAWFORD tivesse admirado O roteiro de Levin, teria


sido difícil para ela ignorar o canto de sereia que soava em todos os
ouvidos. Lillian Hellman acreditava que eles poderiam conseguir um
teatrólogo que fosse não só mais famoso como mais refinado que Meyer
Levin.
Entre os nomes mais refinados que foram mencionados estava o de
Carson McCullers, que adaptara o romance de Hellman, The Member of the
Wedding, para o palco, recebendo grande sucesso e aclamação. O fato de
que sua heroína era uma adolescente, disse Barbara Zimmerman a Otto
Frank, era uma das razões por que McCullers era a escolha perfeita. Frank
Price, em cujo escritório da Doubleday em Paris o diário fora salvo da pilha
de obras rejeitadas, entrou em contato com McCullers, que vivia então na
França com o marido, Reeve.
Carson McCullers escreveu a Otto Frank:
Creio que nunca senti tanto amor, assombro e pesar. Não há consolo em saber que um Mozart,
um Keats, um Tchekhov foi assassinado na infância. Mas, caro sr. Frank, Anne, que tinha esse
… dom de gênio e humanidade, deu ao mundo, através de suas raízes de inexprimível desgraça,
uma flor duradoura e incomparável. Sr. Frank, sei que não há consolo, mas quero que saiba que
sofro com o senhor – como sofrem milhões de outros agora e no futuro. Durante estes dias, pus
para tocar muitas e muitas vezes um disco dos sonetos póstumos de Schubert. Para mim essa se
tornou a música de Anne… Não posso escrever uma carta eloquente, mas meu coração e o de
meu marido estão cheios de amor.

Ela acrescentou que não dedicara muita reflexão à ideia de escrever


uma peça baseada no livro. “Apenas li o diário e estou massacrada demais
para dar qualquer outro passo.”26
Otto e sua segunda mulher, Fritzi, visitaram Carson e Reeve. Logo
depois, McCullers escreveu a Fritzi: “Não temos nenhuma religião formal,
mas há momentos em que detectamos uma sensação de brilho – e foi esse
sentimento que esteve conosco quando tivemos Otto em nossa casa. O que é
esse brilho, esse amor? Eu não sei, quero apenas manifestar nossa alegria
por você e Otto estarem unidos, e isto transmite todo o nosso amor por
vocês.”27
Dois meses depois, Carson McCullers decidiu não levar o projeto
adiante. “Apesar de nosso profundo sentimento com relação ao diário de
Anne, ele exige mais técnica no teatro do que posso controlar … Você
entende, é diferente fazer um trabalho solitário – foi só isso que fiz – e
adaptar livros de outros. Consequentemente, sinto que o resultado poderia
deixar infelizes todos os envolvidos.”28 Mais tarde, ela afirmou que temera
que, ao mergulhar no diário, poderia prejudicar sua saúde já frágil, e que a
mera perspectiva de fazê-lo a deixara coberta de urticárias.
Em abril de 1953, Cheryl Crawford, alarmada com as ameaças cada
vez mais litigiosas de Levin e desmoralizada pelos prejuízos financeiros
que sofrera encenando Caminho real, de Tennessee Williams, se afastou das
negociações. Naquele outono, Kermit Bloomgarden se dispôs a assumir a
produção. Embora Bloomgarden mostrasse pouco interesse na adaptação
que Levin escreveu, este se comportou como se o envolvimento de
Bloomgarden indicasse um novo começo. Quando compreendeu que
Bloomgarden não era o aliado que esperava, seu comportamento se
deteriorou ainda mais. Numa carta a Otto, afirmou que sua paixão pela peça
era exatamente igual aos sentimentos de Otto pela filha, e expressou sua
convicção de que nem a peça nem a menina deveriam ter sido mortas “pelos
nazistas ou seu equivalente”.29
Foi por volta dessa época que Bloomgarden entrou em contato pela
primeira vez com a dupla de marido e mulher teatrólogos, Frances
Goodrich e Albert Hackett. Eles tiveram carreiras glamorosas em
Hollywood, onde seus sucessos haviam incluído Sete noivas para sete
irmãos, Suprema decisão e Desfile de Páscoa. “Os Hackett de Hollywood”,
era como Levin os chamava. Eles viriam com as mais elevadas credenciais,
recomendados por Lillian Hellman, que, como vimos, sentia que o diário
precisava exatamente do tipo de toque leve que os Hackett forneceriam.
Como autores de O pai da noiva, tinham demonstrado sua habilidade para
escrever sobre adolescentes, assim como a experiência que tiveram em
incrementar o roteiro de A felicidade não se compra provara que eram
capazes de alegrar “material sombrio”. Quem seria capaz de equilibrar
encanto e suspense? Os adaptadores de O homem magro de Dashiell
Hammett.
Goodrich e Hackett hesitaram, mas por fim foram persuadidos pela
possibilidade de temperar a história com “momentos de encantadora
comédia que realça a situação desesperada, trágica, das pessoas”.30 Viram
isso como uma “enorme responsabilidade”31 e ficaram lisonjeados pelo
convite para se associarem a um livro que uma figura importante como
Lillian Hellman considerava literatura séria. Concordaram até em aceitar
uma remuneração muito inferior ao que estavam acostumados a receber por
roteiros de cinema. Na realidade, estavam negociando na esperança de
vender seu trabalho, uma situação bastante inusitada para profissionais de
seu nível. Receberiam mil dólares se, e somente se, Bloomgarden
escolhesse o roteiro.
Eles escreveram a Otto Frank para dizer que se sentiam honrados por
terem sido escolhidos para levar ao palco o espírito e a coragem de sua
filha, e Otto respondeu, satisfeito por terem ficado tão comovidos com o
diário e oferecendo-se a ajudá-los. Os Hackett foram menos bem-sucedidos
com seu bilhete conciliatório para Meyer Levin, que provocou uma
dissertação de quatro páginas em espaço simples sobre o quanto havia sido
maltratado. Quando os Hackett iniciaram sua pesquisa, visitando livrarias
judaicas e um rabino de Los Angeles, as gélidas acolhidas que tiveram os
fizeram temer que Meyer Levin tivesse conseguido voltar a comunidade
contra eles.
Em 13 de janeiro, Meyer Levin publicou o seguinte anúncio pago no
New York Post:

Um desafio para Kermit Bloomgarden.


Está certo que você mate uma peça que outros consideram profundamente comovente, e
estão ansiosos por produzir?
Quando você obteve os direitos para adaptar ao teatro O diário de Anne Frank, sabia que eu
já havia roteirizado o livro, mas designou novos adaptadores … E desdenhou minha peça. O
diário é caro a muitos corações, o seu, o meu e o do público. Cabe-lhe a responsabilidade de
assegurar que algo que pode ser a adaptação adequada não seja rejeitado.
Eu o desafio a promover um teste lendo minha peça diante de um público.
Um apelo a meus leitores.
Se algum dia já leram algo meu … se têm fé em mim como escritor, peço que me ajudem.
Escrevam ao sr. Frank e solicitem esse teste.
Meu trabalho foi com a história judaica. Tentei adaptar o diário como Anne o teria feito, com
suas próprias palavras. O teste que peço não pode prejudicar uma eventual produção a partir de
seu livro. Recusar mostra apenas um temor de que minha peça se prove adequada. Nesse caso,
matá-la seria ser injusto para com o próprio Diário.
A questão é básica: quem julgará? Sinto que minha obra ganhou o direito de ser julgada por
vocês, o público.
Escreva para Otto Frank ou envie-lhe este anúncio … como um voto por um teste justo antes
que minha peça seja destruída.32
O apelo de Levin teve o efeito não pretendido de indispor Otto.
Bloomgarden escreveu para os Hackett, dizendo-lhes que se recusaria a
honrar o desafio de Levin com uma resposta. Como uma prova adicional do
caráter indigno de Levin, Bloomgarden citou o fato de ele ter resenhado, no
The New York Times, um livro que estava representando como agente.
Os Hackett começaram a trabalhar na peça. A redação de oito
rascunhos envolveria grande esforço para ambos os escritores, provocaria
lágrimas copiosas de Goodrich (choro que ela atribuía à culpa por não ter
sabido ou feito mais por Anne e outros como ela), e suscitaria muitas brigas
conjugais, algumas privadas, algumas públicas. Além disso, eles se
perguntavam se, num momento em que os Estados Unidos estavam
interessados em cultivar a Alemanha como um aliado na Guerra Fria e
como um mercado para o investimento americano no exterior, alguém
quereria encenar uma peça que acusava os alemães.
Eles descartaram o segundo rascunho quando se deram conta de que
seu medo de tornar os personagens antipáticos os havia impedido de torná-
los humanos. Satisfeitos por terem encontrado um final aparentemente
viável, enviaram o quarto rascunho para Bloomgarden e Hellman, e ambos
o detestaram. Seus ânimos foram ainda mais abalados por uma carta de
Otto, que dizia não poder aprovar uma peça que ignorava o idealismo de
Anne, sua visão moral e seu desejo de ajudar a humanidade. Curiosamente,
parece que Otto desejava algo mais parecido com a versão rejeitada de
Levin. Otto queixou-se da caracterização mal-humorada de Margot, criticou
a minimização dos atritos de Anne com a mãe e duvidou de que a adaptação
deles seria atraente para os jovens.
Nesse meio-tempo, os royalties das vendas do livro haviam permitido
a mudança de Otto e Fritzi para a Suíça, onde alguns dos parentes de Otto
viviam, tendo se refugiado lá antes da guerra. Apesar de suas reservas com
relação aos primeiros esforços dos Hackett, ele estava aliviado por ver que
o projeto avançava. Resignou-se ao fato de que algumas das mudanças que
propôs – durante a cena do Chanuká, os homens deveriam usar chapéu –
foram aprovadas, enquanto outras – os atores deveriam cantar o solene hino
tradicional em hebraico em vez da estridente canção festiva em inglês –
foram ignoradas. Bloomgarden preferiu também não seguir a sugestão de
Otto de que o programa da peça contivesse uma nota declarando ser ela
baseada em eventos reais. Mais tarde, Otto saberia por uma holandesa
conhecida sua que, numa apresentação, ela se sentou ao lado de uma
americana que assistira à peça três vezes sem ter a menor ideia de que os
atores estavam retratando pessoas reais.
A frágil paz de Otto era regularmente quebrada por comunicações cada
vez mais perturbadoras de Meyer Levin. Durante algum tempo, Otto
continuou a se defender no tocante ao conteúdo judaico da peça; mais tarde,
porém, provavelmente a conselho de seu advogado, difundiu uma
declaração em que expressava sua confiança na sua capacidade de
interpretar e salvaguardar os ideais e o exemplo da filha.
Levin não se convenceu. Escreveu para Otto questionando seu direito
de decidir como Anne teria gostado de ser retratada, acusando-o de
impingir sua própria interpretação a um público crédulo e invocando o ódio
de Anne à injustiça para sugerir que ela poderia ter tomado o partido de
Levin, a vítima de injustiça, contra seu pai, o perpetrador. Embora admitisse
que Otto podia tê-la conhecido como filha, Levin insistiu que talvez Otto
não a conhecesse da maneira que ele, Levin, a conhecia; da maneira como
um escritor conhece outro. Essa intimidade mais profunda, afirmou Levin,
deveria dar a ele o direito de decidir – em nome de Anne – quem deveria
adaptar seu diário. E ele era a pessoa certa para isso.
Enquanto isso, Otto continuava a enviar cartas amáveis para a mulher
de Levin, que, ao que parece, tal como Otto, esperava que os dois amigos
pudessem se reconciliar. Levin reagiu com seu ataque mais direto até então,
afirmando que o modo como Otto o tratava era típico da maneira
“desdenhosa”33 com que usava e descartava seus aliados; Levin citou o
exemplo de um dos primeiros tradutores do diário, cujo trabalho Otto
reprovara.
Mesmo que a pretensão de Levin de falar por Anne nos incomode,
algo continua nos compelindo a ver as coisas de seu ponto de vista, ou pelo
menos a compreender por que lhe era tão difícil desistir. Em seus escritos,
ele enfatiza repetidamente que estava presente quando os campos foram
libertados, e que a memória dos mortos o impedia de ficar parado,
assistindo à transformação de Anne numa adolescente como outra qualquer.
Mas é claro que Otto Frank também tinha experiência direta dos campos,
não como libertador, mas como prisioneiro – um fato que Meyer Levin
pareceu esquecer quando sua obsessão ficou descontrolada.

EM SETEMBRO DE 1954, quando lutavam com o quinto rascunho da peça, os


Hackett consultaram Lillian Hellman, que fez várias sugestões estruturais
qualificadas por Frances Goodrich como “brilhantes”.34 Garson Kanin,
cujos triunfos incluíam os apreciados filmes com Katharine Hepburn e
Spencer Tracy, A mulher do dia e A costela de Adão, e o sucesso da
Broadway Born Yesterday, foi contratado para dirigir a peça. Foi ideia de
Kanin encerrar a peça com a afirmação de Anne de que as pessoas são
fundamentalmente boas e de exacerbar a tensão acrescentando ruídos
ameaçadores – passos, sirenes – vindos de fora do sótão.
Kanin aconselhou Goodrich e Hackett a eliminar uma conversa em que
Peter exprime sua indignação diante do fato de que estão sofrendo por
serem judeus, ao que Anne responde que, ao longo de toda a história, os
judeus sempre tiveram de sofrer. Kanin lembrou aos dramaturgos que todas
as minorias experimentaram sua cota de perseguição, e que o fato de Anne
diferenciar os judeus “reduz sua magnífica estatura”. Sem essa defesa
“embaraçosa … especial … a peça tem uma oportunidade para abrir suas
asas para o infinito”.35
Os Hackett continuaram a produzir rascunhos que desapontaram
Bloomgarden, sendo advertidos por ele de que o romance com Peter não
estava intenso o bastante, a Anne que haviam criado não se assemelhava o
bastante à Joana d’Arc de George Bernard Shaw, o personagem da sra. Van
Daan estava insuficientemente rabugento, a relação de Anne com o pai
precisava ser mais afetuosa, e que eles estavam transformando Anne numa
jovem azeda e pessimista. Primeiro foi dito aos Hackett que sua peça era
sombria demais, depois que não era sombria o bastante.
No outono de 1954 eles se encontraram com Garson Kanin em
Londres, e os três passaram longos dias colaborando em mais um rascunho.
Em dezembro eles passaram uma semana com Otto Frank em Amsterdam,
tempo que Frances Goodrich descreveu como “muito angustiante”.
“Pensei que não poderia chorar mais do que já havia chorado”,
escreveu ela, “mas tive uma semana de lágrimas.”36 Uma foto mostra os
dramaturgos, Kanin, Otto Frank, Johannes Kleiman e Elfriede Frank
postados diante do prédio do número 263 da Prinsengracht. Kleiman e
Fritzi esperam em segundo plano, enquanto os visitantes americanos
parecem adequadamente purificados e enobrecidos pela oportunidade de
andar nas pegadas da menina que tanto os inspirou.
Enviado para fazer pesquisa no anexo secreto, um fotógrafo
documentou cada centímetro do sótão. Foram feitos registros do ruído
ambiente na rua e do som dos sinos da Westertoren. Goodrich descreveu-se
esticando os braços no cômodo que Anne havia partilhado com o dentista,
enquanto Kanin notou que uma das imagens que Anne tinha em sua parede
era uma foto da cena de Ginger Rogers em Seus três amores, dirigido por
ele. Claramente, o projeto estava destinado a se realizar.
Embora as imagens nas paredes do quarto de Anne sejam
ocasionalmente alternadas pela equipe do museu, os cartões-postais,
instantâneos e recortes de jornal que decoram o quarto hoje são mais ou
menos os mesmos que os teatrólogos americanos devem ter visto. No
entanto, a peça acabada sugere que os Hackett e Garson Kanin só levaram
em conta algumas dessas imagens em sua versão de Anne. Eles captaram a
fã deslumbrada de Ginger Rogers, a adolescente frívola que gostava de
princesas reais e de Deanna Durbin, mas parecem ter deixado escapar o
humor irônico da criança que achava graça nos chimpanzés tomando chá,
bem como o erotismo adolescente da menina atraída pelo lânguido Jesus na
Pietà de Michelangelo.
Sua compreensão de Otto foi igualmente oblíqua e incompleta. “Em
todos os meus encontros com ele”, disse Kanin sobre Otto Frank, “ele se
mostrou tranquilo, à vontade, cortês. Falava sobre o esconderijo e a prisão
sem uma pitada de emoção. ‘Esse sujeito é frio’, disse eu aos Hackett.” Mas
Kanin mudou de opinião ao saber que Otto desmoronara depois que os
teatrólogos americanos deixaram Amsterdam. “Ele estava esmagado, mas
não demonstrava. Havia se comportado como nos dias em que a Gestapo
estava à porta – uma pequenina, muito pequenina, miniatura moderna de
Moisés. Se tivesse demonstrado medo por um instante, todo o anexo teria
desabado.”37
Algumas semanas depois da viagem de Kanin a Amsterdam, Meyer
Levin, que encontrara um advogado disposto a assumir seu caso, entrou
com um processo na Suprema Corte do Estado de Nova York contra Cheryl
Crawford e Otto Frank, acusando-os de quebra de contrato. Pediu uma
indenização de 72.500 dólares de Crawford, enquanto de Frank pediu que
eles esquecessem os danos que um infligira ao outro e voltassem ao ponto
em que ficara entendido que Levin escreveria a adaptação. Otto enviou uma
carta aos Hackett, tranquilizando-os. Como isso teria perturbado Anne,
escreveu Otto – Anne que, como ele, detestava brigas.
O advogado de Otto Frank conseguiu postergar o caso (mas não
encerrar) baseado numa tecnicalidade: a intimação judicial não poderia ser
entregue a Otto, já que ele estava na Suíça. Levin sofreu um colapso
nervoso, mas encontrou forças para mandar uma carta a Otto jurando brigar
pela produção, uma luta que comparou ao levante do gueto de Varsóvia.38

NESSE MEIO-TEMPO, em Nova York, o elenco da peça estava sendo escalado.


Joseph Schildkraut foi escolhido para o papel de Otto, apesar de alguma
hesitação por parte de Bloomgarden, que – segundo Schildkraut – não
conseguia se livrar de sua impressão do ator como o personagem
“exuberante e arrojado”39 que ele representara em papéis anteriores. Em seu
artigo para o The New York Times sobre a produção, Frances Goodrich
relata ter notado, assim que conheceu Otto Frank, sua “fantástica
semelhança”40 com Schildkraut. Susan Strasberg foi escolhida para Anne,
enquanto a sra. Frank seria representada por Gusti Huber, uma atriz
austríaca que supostamente teria atuado em filmes de propaganda nazista.
(Echoes from the Past – incluído no DVD do filme como material
suplementar, é um documentário sobre a adaptação cinematográfica de O
diário de Anne Frank, produzida por Hollywood em 1959 – explica que
Schildkraut e Huber, que recriaram na tela seus papéis no palco, eram
austríacos e “tinham experiência em primeira mão do antissemitismo
nazista”.41)
Alarmados com os rumores sobre Huber, os Hackett escreveram para
Otto Frank, que respondeu que sua esposa vienense nunca ouvira falar de
Huber, mas estava curiosa a respeito dela. Otto parece não ter levado
adiante o oferecimento para investigar as origens de Huber.
Dennis Hopper foi a primeira escolha dos Hackett para o papel de
Peter, mas a Warner Brothers, de quem Hopper era contratado, insistiu que
ele permanecesse no set de Assim caminha a humanidade, onde estava
sendo considerado um substituto para o temperamental James Dean. Lou
Jacobi foi trazido para representar o sr. Van Daan, e Jack Gilford foi
escalado para fazer o dentista, Dussel.
Os ensaios começaram no fim de agosto, e, na primeira passagem de
texto, Kanin fez uma preleção inspiradora para os atores. “Esta não é uma
peça em que vocês vão fazer sucesso individual. Vocês são pessoas reais,
vivendo uma coisa que realmente aconteceu.”42
Esse discurso exortativo teve apenas um efeito limitado sobre o elenco.
Strasberg era, percebia-se, uma prima-dona, infantil, mimada e relutante em
cumprir ordens, enquanto Schildkraut tinha dificuldades em reprimir seu
ego o suficiente para representar o suave e afável Otto. De início, o ator
resistiu à sugestão de que raspasse sua cabeleira leonina de modo a ficar
mais parecido com o calvo sr. Frank, porém mais tarde descobriu que esse
golpe à sua vaidade lhe proporcionou a chave de acesso ao caráter de Otto.
Kanin usou sua percepção a respeito de Otto Frank como “uma pequenina,
muito pequenina, miniatura moderna de Moisés” nas instruções que deu a
Schildkraut. “Eu disse ainda para ele: ‘Você também pode desmoronar tal
como o sr. Frank fez, mas só depois que a cortina baixar.’ Nós planejamos
um sr. Frank que não mostra o que sente. Mas esperamos que o público
sinta a sua força.”43
Perturbados por problemas com o segundo ato, os dramaturgos e o
diretor também ficaram preocupados com as vendas antecipadas de
ingressos pouco promissoras. “Tanto Kermit quanto Gar falavam pelos
cotovelos”, confiou Goodrich a seu diário. “É inútil. Sério demais.”44
Eles decidiram aumentar o suspense no segundo ato inventando uma
cena ficcional em que o sr. Van Daan é pego furtando pão. Essa peripécia
suscitou ardorosas objeções de Otto Frank, às quais ninguém deu muita
atenção. O que mais incomodou Otto não foi tanto a falta de veracidade ou
plausibilidade do episódio, mas o fato de que seu ex-sócio nos negócios,
amigo e companheiro no anexo, tinha parentes vivos cujos sentimentos
poderiam ser feridos.
ALGUNS DIAS ANTES DA ESTREIA de O diário de Anne Frank na Broadway,
Bernard Kalb, repórter do The New York Times, ajudou os futuros
espectadores a compreender o que estavam prestes a assistir. A peça,
escreveu ele, é “em parte” uma narrativa sobre oito judeus num esconderijo.
“Principalmente, porém, é a história de um deles – uma menina que se
recusava a ser roubada da aventura da adolescência.”45 A maior parte do
artigo baseia-se numa entrevista com Garson Kanin, na qual o diretor
descreve a viagem para ver o anexo secreto e conhecer Otto Frank em
Amsterdam, e explica por que Anne sai sorrindo. “Bem, parece que a
primeira reação de Anne ao finalmente deixar o anexo foi de alegria. Por
fim ela estava sob a luz do sol.” Além disso, diz ele, a última vez que Otto
Frank viu sua filha, no trem que a levaria para Bergen-Belsen, ela estava
sorrindo e acenando para a multidão de homens, na esperança de que seu
pai pudesse vê-la.
“Foi assim que a vi pela última vez”, Otto teria lembrado, segundo
Kanin. “Sorrindo e acenando. Ela nunca soube que eu a vi.” Kanin
continua: “Contei isso, a última descrição de Anne por uma testemunha
ocular, para Susan, e é por essa razão que Anne está sorrindo quando a
vemos pela última vez. Eu não teria podido imaginar isso. Essa ideia nunca
teria me ocorrido. No entanto, essa é a essência de Anne.”
Como sabemos, esta esteve longe de ser a última vez que Anne foi
vista. Uma produção que terminasse com os relatos das mulheres que viram
a menina enfraquecida, moribunda em Bergen-Belsen teria sido uma peça
diferente daquela que Kanin estava dirigindo, que “não era uma peça de
guerra, ou mesmo uma peça triste”. Como Kanin disse ao repórter do Times,
“essa peça nos faz usar elementos que têm a ver sobretudo com coragem
humana, fé, fraternidade, amor e sacrifício pessoal. Descobrimos, à medida
que nos aprofundamos cada vez mais, que era uma peça sobre o que Shaw
chamou de ‘a força vital’. Anne Frank certamente foi morta, mas nunca foi
derrotada.”
A peça estreou no Cort Theater em 5 de outubro de 1955. Otto Frank
recusou o convite para assistir à première porque temia que fosse muito
penoso ver a si mesmo, à sua mulher e às suas filhas retratados no palco.
Além disso, fora aconselhado por seus advogados a permanecer fora de
Nova York para evitar ser brindado com uma intimação judicial. Em
consequência do processo de Meyer Levin, todos os royalties de Otto Frank
haviam sido postos sob custódia até que o caso fosse decidido.
A peça foi um sucesso não somente de crítica, mas também de público.
Além de ter sido apresentada 717 vezes ao longo de quase dois anos,
ganhou o prêmio Pulitzer e o New York Drama Critics Circle Award.
Meyer Levin ficou fora do círculo criado pelo luminoso projetor que
poderia ter brilhado sobre ele. Continuou a escrever cartas ofensivas a Otto
Frank, equiparando o destino de sua peça rejeitada com o dos judeus
assassinados. Em dezembro de 1956, entrou novamente com um processo
na Suprema Corte de Nova York, desta vez reivindicando 200 mil dólares
de indenização e acrescentando acusações de plágio às suas alegações
anteriores de quebra de contrato. Mais uma vez, as contradições e confusões
envolvendo o diário em geral – e o processo de Levin em particular –
emergiram quando Levin, que vinha afirmando que a peça era uma paródia
do diário, passou a insistir que ela era muito parecida com sua própria
adaptação.
Ao mesmo tempo que indeferiu as acusações de fraude e quebra de
contrato, o juiz permitiu que um júri determinasse a validade das acusações
de plágio. O júri decidiu que Levin deveria receber 50 mil dólares de
Kermit Bloomgarden e Otto Frank. O veredito foi recusado pelo tribunal,
que decidiu sensatamente que era difícil determinar fraudes quando as obras
em questão se baseavam numa fonte comum. Finalmente, depois que
Eleanor Roosevelt ofereceu e depois retirou seu apoio a Levin, chegou-se a
um acordo, e Otto concordou em pagar 15 mil dólares a Meyer Levin. Mas,
apesar disso, Levin continuou escrevendo para Otto, acusando-o de ter pago
o bem com o mal e de ter traído a sua filha. E essa é a imagem com que
ficamos ao fim desta penosa história: um homem possuído e enlouquecido o
bastante para escrever essas cartas, e um pai consternado recebendo-as, até
que finalmente chegou ao ponto em que decidiu que não as leria mais.

COMO A ADAPTAÇÃO DE MEYER LEVIN, a peça de Goodrich-Hackett começa


com um prólogo, embora aqui ele sirva como uma espécie de moldura que
sustenta a ação central. A guerra terminou. Alquebrado, viúvo e sem as
filhas, Otto Frank volta ao sótão e, enquanto os ajudantes holandeses
observam, começa a ler em voz alta o diário que Miep acabou de lhe
entregar. Em uníssono com a de Otto, ouvimos a voz de Anne; depois a voz
dela se sobrepõe à dele, descrevendo as proibições, as escolas especiais, as
estrelas amarelas, os eventos que ocorreram quando “as coisas ficaram
muito ruins para os judeus”.
Será que isso não era suficiente para convencer Levin de que o
contexto religioso e histórico judaico não desaparecera de todo? Na
verdade, os Hackett se esforçaram tanto para explicar a razão do
encarceramento dos Frank que o que é integrado e orgânico no diário parece
desajeitadamente descritivo na peça. Mas poderiam os Hackett ter contado a
história sem judaísmo e a solução final? Que mais estariam os Frank, os
Van Daan e Dussel fazendo no anexo secreto? Seja qual for a canção que
cantam na festa do Chanuká, seja qual for a língua em que a cantam, quer
Anne lamente a perseguição de seu povo ou a de todos os povos, nunca
deixamos de estar cientes de que os personagens no palco são judeus.
Quando Dussel chega, ouvimos (como no diário) que os judeus estão
sendo arrebanhados e deportados. Mas uma nota de irrealidade insinua-se
no texto sempre que há uma menção à vida além das paredes do sótão. No
diário, os moradores sabem perfeitamente bem que estão condenados a
permanecer no sótão enquanto a guerra durar. Na peça, porém, há conversas
de que o dentista só ficaria até encontrar algum outro lugar para onde ir,
assim como mais tarde, depois da cena em que o sr. Van Daan é pego
furtando pão, a sra. Frank sugere que os Van Daan encontrem outro
esconderijo. Tudo isso dá a impressão de que estão enfrentando um tipo
extremo de crise habitacional, e não tentando salvar suas vidas escapando
da Gestapo.
Se a cena da peça de Goodrich-Hackett que mais perturbou Meyer
Levin foi aquela em que o comentário de Anne sobre os sofrimentos dos
judeus foi generalizado para incluir os sofrimentos da raça humana, eu
apontaria um outro episódio como o momento mais penoso da adaptação.
Ele ocorre logo no início, e envolve a apresentação de Anne. Pobre Anne,
tão consciente de sua imagem quando reescreveu o diário para refletir o
modo como gostaria de ser percebida! Como ficaria embaraçada se tivesse
vindo a saber que praticamente a primeira coisa que a vemos fazer é tirar a
calcinha, bem na frente dos outros atores e do público. Quando sua mãe a
repreende, responde que está usando várias outras por baixo.
Como tantos outros, Meyer Levin parece não ter percebido que, se a
espiritualidade de Anne foi omitida, o mesmo aconteceu com quase tudo
sobre ela. O judaísmo foi apenas um dos traços alterados na metamorfose
que deixou a personagem de Anne Frank quase irreconhecível como a
autora do diário. Na página, ela é brilhante; no palco, é uma pateta. No
livro, é a pessoa mais talentosa e arguta do anexo; na peça, é o bebê
ingênuo que os outros mimam e protegem. Apesar de toda a sua conversa
sobre ser tratada como uma criança e não saber quem era, Anne via a si
mesma como uma adulta e aos outros como crianças. No teatro, essas
relações foram invertidas. Anne está sempre precisando que lhe expliquem
o óbvio; é invariavelmente a mais lenta para compreender os perigos e
exigências de sua nova vida. Uma pré-adolescente inquieta, não consegue
parar de pregar peças, escondendo os sapatos de Peter e dizendo frases
como: “Você é o menino mais intolerável, mas insuportável que eu já
conheci!”46 Como a verdadeira Anne Frank teria se envergonhado da cena
em que derrama leite no precioso casaco de pele da sra. Van Daan, e como
essa menina corajosa teria se zangado por ser mostrada desmaiando de
terror quando ladrões invadem o térreo.
A maioria dos críticos da peça, inclusive Levin, parece ter um olhar
estreito e míope, não percebendo a forma como Anne havia sido
transformada numa versão tola e rasa de si mesma. Seriedade e humor eram
igualmente importantes para Anne, que segundo todos os relatos era uma
menina engraçada. Mas decerto não podemos imaginá-la sendo maldosa e
travessa, como é tantas vezes na adaptação.
Apesar de toda a atenção dedicada à questão de qual hino seria cantado
na festa do Chanuká, praticamente não se fez nenhuma menção ao fato de
que Anne assiste à celebração com um abajur na cabeça. As pessoas que
conheceram Anne a descrevem como tagarela e exibida e, em seu diário, ela
mesma se retrata assim. Ninguém sugeriu, porém, que era estúpida, e essa é
a impressão criada cena após cena. É difícil imaginar a Anne real
exclamando o equivalente em holandês ou alemão de “Oba!”, o que, na
peça, é o que ela faz no fim do dia de trabalho, quando os moradores do
anexo ficam livres da necessidade de andar de meias e na ponta dos pés. No
roteiro, muitas das falas de Anne terminam com pontos de exclamação.
Embora o processo de passar a levar a si mesma a sério como escritora
possa ser até menos dramático que o de abraçar a própria identidade como
judia, não podemos deixar de desejar que a grandeza do diário – e o valor
que Anne atribuía a seu trabalho – tivesse sido evocada de algum modo
para contrabalançar sua juventude e inocência. Na vida, ela ganhou o diário
várias semanas antes que a família desaparecesse de sua antiga vida. Na
peça, porém, ela o recebe quando já estão no anexo. O que mais irrita não é
a alteração da história, mas a reação de Anne (e de sua família). Encantada
com o presente, ela está prestes a correr ao andar de baixo para pegar um
lápis e poder começar a escrever, quando sua mãe a proíbe de ir ao
escritório. É só nesse momento, pelo que as orientações de palco nos dizem,
que Anne compreende o que é ter ido para um esconderijo, quando na
verdade podemos presumir que ela entendeu as implicações assim que seu
pai mencionou a possibilidade pela primeira vez.
A reação de Anne a uma conversa sobre queimar o diário para proteger
os ajudantes (“se o meu diário se for, eu vou também!”) é dada, na peça,
para Peter dizer a respeito de seu gato. (No filme, a frase volta a ser dita por
Anne sobre seu diário, de modo que tanto Anne quanto Peter falam “se ele
se for, eu vou também!”, uma repetição que equipara uma obra-prima
literária a um ruidoso animal de estimação.) Quando Anne diz a Kitty que
quer continuar vivendo após a morte e pergunta a si mesma se algum dia
será capaz de escrever bem o bastante, a resposta sincera – se fôssemos
julgar apenas pelas evidências oferecidas na peça – seria um duvidoso
talvez.
O que a menina que vemos na peça seria capaz de escrever? Quando
ela lê trechos do diário em voz alta, hesitações e elipses interrompem cada
reflexão ou opinião convincente. A autora dotada de prodigiosa facilidade
de expressão mal consegue pronunciar uma frase sem parar para concatenar
seus pensamentos dispersos, e nenhum deles é especialmente incisivo. Suas
observações aguçadas e precisas foram embotadas, suas percepções
delicadas tornaram-se totalmente grosseiras. A bonita frase em que ela
observa que falta a Margot a indiferença em relação a discussões profundas
reaparece na peça como uma queixa banal sobre o fato de que sua irmã
mais velha leva tudo muito a sério.
As intrigantes contradições de Anne foram simplificadas a ponto de
deixarem de existir. A entrada final do diário, em que ela escreve sobre a
divergência entre seu eu interior e o exterior e especula sobre o que haveria
de ser “ … se não houvesse mais ninguém no mundo” foi editada para
eliminar a parte referente a outras pessoas. Agora sua fantasia existencial
vai se desvanecendo aos poucos. “Um dia, quando estivermos lá fora de
novo, vou …”47 Vai o quê? Claro que ela não sabe. Esta Anne é sociável.
Por que desejaria viver num mundo sem todos os personagens divertidos
com quem está aprisionada?
Os Hackett não só minimizaram a vida espiritual e intelectual de Anne,
como também mostraram pouco interesse por seu desenvolvimento moral, o
aspecto de seu diário que tanto impressionou John Berryman: a conversão
de uma criança numa pessoa. Na peça ela continua sendo uma criança,
ainda que uma criança eroticamente desperta. Mas além do próprio tempo,
de um romance e de alguns sobressaltos provocados por assaltos, o que
poderia tê-la ajudado a crescer? Os pesadelos a que Berryman atribuiu tanta
importância – as visões de pessoas queridas perdidas ou abandonadas a
sortes terríveis, de sua amiga Lies e de sua avó – devem ter sido
considerados sombrios demais. Foram substituídos por um sonho ruim
genérico de que Anne acorda gritando: “Não! Não! Não me levem!”
E finalmente há a frase que foi objeto de tantas críticas por seu papel
na distorção de nossa visão de Anne e de seu diário. “Ainda acredito, apesar
de tudo, que as pessoas são, no fundo, verdadeiramente boas!” Ela aparece
não apenas uma, mas duas vezes na peça. Nós a ouvimos quando Anne diz
a Peter que o mundo está “passando por uma fase, assim como eu estava
com a mamãe. Vai passar, talvez só daqui a centenas de anos, mas um dia
… ainda acredito, apesar de tudo …”.48 E é repetida na cena final, quando
Otto volta ao anexo deserto. Depois de folhear o diário à procura do
sentimento inspirador, que Anne entoa em off, Otto acrescenta: “Ela me
deixa envergonhado.”49 Numa carta especialmente insultuosa para Otto,
Meyer Levin disse que essa era única frase exata da peça.
Ao mesmo tempo que os principais envolvidos na produção da
Broadway se batiam por causa da condição judaica de Anne, ao mesmo
tempo que Meyer Levin afirmava falar por ela como um também escritor,
não houve ninguém para lutar por uma representação adequada da
inteligência de Anne e de seus talentos como artista. Mas, de fato, por que
alguém o faria? Ela era apenas uma menina que manteve um diário nos
últimos dois anos da sua vida.

NADA DISSO PARECEU INCOMODAR OS CRÍTICOS que ajudaram a fazer da peça


um sucesso instantâneo. No The New York Times, Brooks Atkinson
escreveu que “eles fizeram uma peça encantadora e terna a partir de O
diário de Anne Frank … Trataram-no com admiração e respeito … A partir
da verdade de um ser humano surgiu um drama delicado, triste,
comovente.”50
Dez dias depois, novamente no The New York Times, Atkinson
reconsiderou – e intensificou – os elogios que já fizera à peça.

Há somente uma maneira de explicar o brilho suave de O diário de Anne Frank. A peça e a
representação são inspiradas. Em raros intervalos na Broadway, acontece alguma coisa que
mete o teatro em brios e incita todos a fazerem um pouco mais do que são capazes. Um sonho
de perfeição impossível impele a todos a se superarem por esforço próprio. Alguma coisa em O
diário de Anne Frank teve esse efeito feliz. 51

O resumo da Newsweek elogiou “o soco de verdade direta,


pungente”.52 Uma crítica positiva mas peculiar na New Yorker continha a
seguinte passagem:

Não consigo pensar em nada que os autores fizeram que seja reprovável, exceto talvez uma
tendência a tornar sua heroína adolescente um pouquinho mais conscientemente literária e
firmemente inspiradora do que tanto sua idade quanto a representação de sua personalidade
pareceriam justificar. Não li o livro, porém, e é certamente possível que as citações que me
incomodaram tenham sido tomadas dele ipsis litteris, uma vez que, como bem sei, a maioria das
jovens tem seus momentos floreados. De todo modo, a falha é pequena e penso que a peça em
geral é magnífica.53

Apenas alguns críticos comentariam o que fora perdido no curso da


coroação de Anne como uma princesa da Broadway. Escrevendo na
Commentary, Algene Ballif observou:
Se o diário de Anne Frank tem algo de extraordinário, é o modo como ela é capaz de exigir
nossa mais profunda seriedade com relação a tudo por que está passando – o modo com nos faz
esquecer que é uma adolescente e nos faz desejar que essa maneira de experimentar a vida não
fosse perdida tão rapidamente por alguns de nós, e fosse descoberta muito mais cedo pela
maioria de nós. Ironicamente para ela, a Anne Frank da Broadway não consegue merecer nossa
seriedade, pois toda a verdadeira seriedade de Anne – sua honestidade, inteligência e força
interior – foi deixada de fora do roteiro. … Se nós nos Estados Unidos não podemos apresentá-
la com o respeito, a integridade e a seriedade que ela merece, penso que não deveríamos tentar
apresentá-la de modo algum. Nem todos os adolescentes, mesmo nos Estados Unidos, são os
jovens animais absurdos que conhecemos a partir do palco e da tela. … Anne Frank não era a
adolescente americana, como Hackett e Goodrich gostariam de nos fazer acreditar. Era uma
menina genuína, singularmente viva e autoconsciente – aprendendo mais com a própria
experiência, e talvez de uma maneira melhor, do que a maioria de nós numa vida inteira.

Um ano depois de sua estreia na Broadway, a peça começou a ser


encenada na Alemanha, onde o crítico Kenneth Tynan observou esta reação
no fim da representação:

As luzes da casa se acenderam sobre uma plateia que permanecia sentada, exausta e pálida,
alguns olhando para a frente, outros para o chão, durante meio minuto. Depois, como se
despertando de um pesadelo, as pessoas se levantaram e saíram em completo silêncio, sem
olharem umas para as outras, evitando até as costumeiras piscadelas de reconhecimento com
que um amigo cumprimenta outro. Não houve aplauso, e os atores não voltaram ao palco.54

Uma reação bem menos sincera foi registrada por Theodor Adorno,
que relatou que, após assistir ao drama, uma alemã disse: “Sim, mas
deveriam ter deixado pelo menos aquela menina viver.”55 Na esteira da
popularidade da peça, as vendas do livro foram enormes na Alemanha e em
toda a Europa. Talvez, apesar dos cortes e alterações que haviam sido feitos
para a edição alemã, a Anne do diário fosse ainda complicada demais, judia
demais – e zangada demais – para que os alemães a amassem. Mas a Anne
conciliadora, esperançosa, “universal” e emburrecida tornou esse amor
possível, e a menina tornou-se rapidamente um objeto de devoção. Uma
placa em sua memória marca hoje a casa em Frankfurt onde ela morou
quando pequena, e, em 1957, 2 mil jovens alemães fizeram uma
peregrinação quase religiosa para depositar flores na vala comum de
Bergen-Belsen onde se acredita que Anne esteja enterrada.
Encenada em escolas, centros comunitários e teatros de verão, a peça
apresentou Anne Frank e sua trágica tribulação para incontáveis plateias e
ajudou a conduzir milhares de leitores de volta para seu diário; em menor
medida isso pode ser dito também do filme de Hollywood baseado na
adaptação teatral. Não muito felizmente, a peça, para muitas pessoas,
tornou-se o diário. Em salas de aula de todo esse país e no mundo inteiro, o
diário é ensinado para estudantes para quem a Anne caprichosa e tola do
palco se torna a única Anne Frank.
Não há como negar, contudo, o efeito que a peça exerce sobre suas
plateias. Lembro-me de assistir à produção original na Broadway, o que
significa que eu devia ter entre oito e dez anos de idade. Eu já era uma fã
apaixonada do diário, razão pela qual sei como era nova quando o li pela
primeira vez. Lembro-me de assistir à encenação, sentir que o diário de
Anne tinha ganhado vida e ficar tão comovida a ponto de chorar. Lembro
que toda a plateia chorava, e que senti (embora isso fosse algo que eu não
saberia como expressar naquela época) que uma experiência privada e
pessoal torna-se uma experiência social. Eu estava absolutamente
agradecida por ter encontrado um teatro cheio de pessoas que partilhavam
minha admiração e piedade por essa menina extraordinária e minha paixão,
ainda que infantil, por sua obra.

EM 1997, ANNE FRANK VOLTOU À BROADWAY, numa nova adaptação feita por
Wendy Kesselman. Procurada pelos produtores Amy Nederlander e David
Stone e pelo diretor James Lapine, Kesselman aceitou o encargo porque, diz
ela, “eu queria devolver a verdade”56 ao modo como Anne havia sido
retratada no palco. Àquela altura, a publicação da edição definitiva de 1995
havia despertado nova atenção para o diário, e os envolvidos no projeto
queriam fornecer uma imagem mais nuançada e completa do caráter e da
realização de Anne.
A ideia inicial de Kesselman foi que sua versão poderia seguir muito
de perto a de Goodrich e Hackett, apenas com a eliminação da “moldura” –
o prólogo e o epílogo em que Otto revisita o sótão. Quando releu o diário,
porém, concluiu que era preciso fazer mais, uma decisão dificultada pelo
fato de que o direito autoral especificava que não mais de 10% da peça
original de 1955 podiam ser alterados.
De fato, a adaptação de Kesselman é mais fiel ao diário que a anterior.
A voz de Anne, sua inteligência e seu espírito transparecem mais
claramente, e há passagens mais longas de seu diário lidas textualmente. As
referências de Anne ao próprio corpo – e à sua lembrança de tocar os seios
de outra menina – foram restauradas. Dessa vez, ouvimos o discurso
radiofônico do ministro Bolkestein que inspirou Anne a pensar que seu
diário poderia ser publicado e a alimentar a esperança de se tornar uma
escritora quando crescesse. Os contextos histórico e religioso foram
explicados, assim como a ameaça que pairava sobre os moradores do anexo,
se fossem presos. Ouvimos a voz de Rauter, comandante da SS, ordenando
que os Países Baixos fossem expurgados de judeus. (O fato de apenas uma
pequena percentagem de judeus holandeses ter sobrevivido foi, afirma
Kesselman, uma “revelação” que mudou, para ela, a noção corrente de que
toda a população holandesa estava ou escondendo judeus ou trabalhando
para a Resistência.)
Os personagens secundários estão mais bem-acabados e convincentes,
e a sra. Van Daan ganha uma fala comovente sobre como se apaixonou pelo
marido. Numa leitura pública da versão de Kesselman, Linda Lavin, que fez
o papel da sra. Van Daan, ficou emocionada até as lágrimas a primeira vez
que leu a passagem.
Consta que um agente teria comentado sarcasticamente que “ela não
faz isso com muita frequência.”
A crença de Anne na bondade do coração humano foi conservada, mas
retornou ao que Cynthia Ozick chamou de “leito de espinhos”. As frases
sobre a transformação do mundo numa selva e o sofrimento de milhões são
as últimas que ouvimos de Anne na peça, que termina com Otto informando
à plateia como os outros morreram e como Hanneli viu Anne, nua, a cabeça
raspada, cheia de piolhos, pouco antes que ela morresse de tifo.
Diferentemente da adaptação de Goodrich e Hackett, a de Kesselman torna
difícil para o público continuar em dúvida sobre o que aconteceu com
Anne.
Em última análise, porém, uma peça é apenas um roteiro, um projeto, e
muito depende da qualidade da produção. Na primavera de 2007, uma
encenação da versão de Kesselman, dirigida por Tina Landau no
Steppenwolf Theater de Chicago, parece ter maximizado seu potencial.
As reações à produção de 1997 na Broadway foram mais variadas. Ben
Brantley, o crítico de teatro do The New York Times, ficou totalmente
enlevado com a protagonista:

Ver Natalie Portman no palco do Music Box Theater é compreender o que Proust quis dizer
quando falou de raparigas em flor. A srta. Portman, uma atriz de cinema que faz seu début na
Broadway, tem apenas 16 anos e, apesar de seu currículo precoce, desprende um puro frescor de
botão de rosa que não pode ser fingido. Há uma graça inefável em sua falta de jeito e até sua
pele parece fulgurar com a promessa de uma miraculosa transformação.57

Outros ficaram menos convencidos. Escrevendo na Commentary,


Molly Magid Hoagland comentou: “Apesar das mudanças, essa ainda é a
peça sentimental sobre uma Anne Frank luminosa, coquete e idealista que
extasiou os críticos 40 anos atrás.”58 Em muitos casos, a decepção dos
críticos concentrou-se em Portman, que parece ter seguido muito
literalmente as instruções de palco para correr e pular, abraçar o pescoço do
pai e cabriolar de um lado para outro. Também no The New York Times,
Vincent Canby classificou o desempenho de Portman de

decididamente artificial, tendo sido instruída a se comportar de uma maneira que teria
embaraçado até a Gidget de Sandra Dee. A srta. Portman parece nunca andar se pode saltar;
quando se deita no chão, de bruços, calcanhares para cima, escrevendo em seu querido diário,
seus pezinhos ficam sempre sacudindo para frente e para trás como os de uma menina de quatro
anos. A menina que vemos não tem nenhuma relação com os pensamentos que expressa, seja
em pessoa ou em narração pré-gravada.59

E a declaração da própria Portman, numa entrevista, de que a peça “é


engraçada, é esperançosa, e ela é uma pessoa feliz” parece ter sido pelo
menos em parte o que elevou a temperatura mental de Cynthia Ozick ao
ponto de ebulição em que ela escreveu “Who owns Anne Frank?”.
Para Ozick, Otto Frank deve ser censurado por ter sido “cúmplice
nessa visão superficialmente otimista”, por enfatizar o idealismo de Anne e
seu espírito e “quase nunca chamar atenção para como e por que esse
idealismo e espírito foram sufocados, e por insistir em generalizar as fontes
de ódio”. A isso, o leitor só pode responder desejando que as fontes de ódio
não fossem tão generalizadas como de fato são. Seria bom que os
criminosos e as vítimas de preconceito estivessem limitados para sempre
aos alemães e aos judeus.
Mais uma vez, o diário de Anne, e as circunstâncias que o envolvem,
deram origem a um paradoxo. Talvez Otto Frank estivesse certo ao duvidar
da sensatez de adaptar o diário da filha para o teatro. Talvez devesse ter
dado ouvidos a seus instintos e resistido à tentação do dinheiro, da fama e –
o mais importante, do ponto de vista dele – de um público muito mais vasto
para o livro de Anne. E, no entanto, esse público foi, em certa medida,
gerado pela peça e o filme. Não podemos estimar quantos leitores a peça
criou para o diário, quantas pessoas nunca teriam procurado o livro se não
tivessem visto a dramatização primeiro, quantos estudantes nunca teriam
ouvido falar no diário se as versões teatrais não tivessem proporcionado ao
diário uma aclamação mais ampla. Na verdade, só depois que a peça e o
filme apareceram o diário começou a ser amplamente adotado como texto
nas salas de aula.
Nem todos concordariam, mas seria possível afirmar que, nesse caso, o
resultado final justificou os meios. Ainda que a peça e o filme tenham
distorcido Anne Frank, transformando-a numa mensageira bobalhona da
redenção, ainda que ela tenha sido despojada de sua religião, sua etnicidade
e seu gênio, retirada da história e remodelada como uma adolescente
avoada, a peça e o filme conduziram milhões de leitores de volta ao diário,
que permaneceria para sempre o diário, não importa o quanto fosse
desvirtuado. Como Molly Magid Hoagland salientou sabiamente:
Não há nenhuma necessidade de recorrer à Broadway, ou a qualquer intermediário, para uma
verdadeira percepção do brilhante feixe de contradições que era Anne Frank. Qualquer pessoa
sensata pode ainda se voltar para a obra que Miep Gies resgatou, e que Otto Frank, apesar de
suas apreensões, e para seu eterno mérito, trouxe à luz do dia. Em suas páginas, qualquer que
seja a edição, sua filha sempre falou por si mesma.

Dois anos depois que a peça da Broadway foi encenada, Natalie


Portman escreveu, na revista Time, sobre a diferença que aqueles dois anos
haviam feito em sua leitura do diário, uma mudança que não podemos
deixar de desejar que tivesse ocorrido antes de ela assumir o papel.

Aos 16 anos, quando representei Anne na Broadway, eram seus defeitos – vaidade,
hiperatividade e pavio curto – que me interessavam mais. E agora, depois de minha leitura
cuidadosa mais recente apenas algumas semanas antes de completar 18 anos, fiquei mais
fortemente impressionada com sua introspecção, sua solidão, perfeita autoconsciência e
determinação … A beleza e a verdade de suas palavras transcenderam os limites impostos à sua
vida pela perversidade da natureza humana.60
8. O f ilme

ENTRE OS ASPECTOS TOCANTES do quarto de Anne Frank no anexo secreto é o


quanto ele se parece, e o quanto continuará sendo sempre, o quarto de uma
adolescente. O que o congela no tempo e o vincula a uma fase particular da
vida são principalmente as fotos de astros de cinema, lembranças daquele
anseio de estar cercada por celebridades idolatradas cujos retratos são, para
uma adolescente, o suprassumo da decoração de interiores. Enquanto Anne
tivesse Greta Garbo em sua parede, Hollywood estaria tão perto quanto um
sótão com janelas vedadas, escondido acima da Prinsengracht no meio de
uma guerra.
Anne era uma fã apaixonada das revistas de cinema que Viktor Kugler
lhe levava, e Hollywood parece ter ocupado um grande espaço em sua
mente. Numa entrada do diário que cortou em suas revisões, ela imagina
que vai para a Suíça, onde está sendo feito um filme que a mostra esquiando
com seu primo Bernd. Ela escreve o argumento do filme, que terá três
partes. A primeira mostrará Anne esquiando num traje elegante; a segunda
focalizará Anne na escola, cercada por outras crianças; a terceira dará
destaque especial ao novo guarda-roupa de Anne.
Uma das histórias de Contos do esconderijo, “Sonhos de estrelato no
cinema”, tem o subtítulo: “Minha resposta para a sra. Van Pels, que nunca
se cansa de me perguntar por que não quero ser uma estrela de cinema.”
Datado de 24 de dezembro de 1943, ele inicia: “Eu tinha 17 anos, uma linda
garota de cabelo preto cacheado, olhos travessos e … muitos sonhos e
ilusões. Tinha certeza de que um dia, de algum modo, meu nome estaria nos
lábios de todo mundo, meu retrato em muitos álbuns de fotos de
adolescentes de olhos cintilantes.”1 A narradora, uma certa srta. Anne
Franklin, escreve para três irmãs artistas de cinema, as Lane, que
respondem, convidando-a para visitá-las em Hollywood.
Ali, “onde as três estrelas famosas ajudavam sua mãe mais do que uma
adolescente comum como eu jamais fizera em casa”, Anne Franklin é
contratada como modelo por um fabricante de raquetes de tênis. Mas o
trabalho é mais árduo do que ela previra. “Eu tinha de trocar de roupa toda
hora, ficar de pé aqui, sentar ali, manter um sorriso engessado no rosto,
desfilar para lá e para cá, trocar de roupa de novo, parecer angelical e
retocar a maquiagem pela enésima vez.” Depois de quatro dias disso, a
palidez e a exaustão geral de Anne convenceram suas anfitriãs de que ela
devia deixar seu emprego, pelo que Anne ficou muito agradecida: “Depois
disso fiquei livre para aproveitar o resto dessas minhas férias inesquecíveis,
e agora que tinha visto a vida das estrelas de perto, estava curada de uma
vez por todas de todas as minhas fantasias sobre a fama.”
Em outubro de 1942, Anne, que aparentemente ainda não havia sido
curada de seus sonhos de estrelato (ou pelo menos de sua ambivalência em
relação a isso), colou uma fotografia de si mesma no diário: o retrato de
1939 que, segundo esperava, poderia aumentar suas chances de chegar a
Hollywood. Em sua letra de fôrma redonda e infantil, ela escreve
“Holywood”, com um “l” só. Na mesma entrada, ela informa que pusera
mais estrelas de cinema em seu quarto, desta vez com cantoneiras, de modo
que poderia retirá-las quando se cansasse delas.
Ironicamente, a foto de fato aumentou suas chances de chegar a
Hollywood, embora de uma maneira que ninguém poderia ter previsto, e
mais uma vez a um custo que ninguém estaria disposto a pagar.

EM 1956, SAMUEL GOLDWYN EXPRESSOU INTERESSE em transformar o diá-rio


de Anne em um filme, que seria dirigido por William Wyler. Mas quando
Otto Frank insistiu em conservar o direito de aprovar o roteiro, Goldwyn
desistiu, decisão de que se arrependeu mais tarde. Otto assinou um contrato
com a 20th Century Fox para transformar O diário de Anne Frank num
filme com um orçamento de 3 milhões de dólares. Ele seria adaptado da
peça da Broadway e também escrito por Frances Goodrich e Albert
Hackett.
Os Hackett deveriam ter sido mais prudentes. Os problemas do casal,
que começaram quase instantaneamente depois de assinar o novo contrato,
dessa vez incluíram uma visita de dez dias de Otto e Fritzi, emocionalmente
extenuante, e uma briga com Joseph Schildkraut, que percebeu que seu
papel no palco estava sendo diminuído no filme.
George Stevens, cujo trabalho incluía A vida de um sonho e Gunga
Din, era uma escolha óbvia para a direção. Ele ganhara um Oscar por seu
último trabalho, Um lugar ao sol, baseado num romance de Theodore
Dreiser. Era um diretor sério que também conseguia lotar cinemas.
Como tenente-coronel no Army Signal Corps, Stevens havia chefiado
a unidade de cobertura cinematográfica dos combates, cujos membros
incluíam competentes operadores de câmera de Hollywood, entre os quais
William Mellor, que fotografaria O diário de Anne Frank. Os chamados
“irregulares do Stevens”e filmaram não só a invasão da Normandia (o que
fornece um momento dramático no filme do diário), com também a
libertação do campo de concentração de Dachau. Seu filme foi usado como
prova nos julgamentos de Nuremberg e, hoje, é exibido continuamente num
monitor de vídeo que os visitantes veem ao entrar no espaço de exposição
do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington,
D.C. Na imagem mais conhecida do filme, vemos dois meninos pré-
adolescentes, prisioneiros recém-libertados, caminhando pela trilha de
pedras do campo. Um deles está com o braço pendurado no ombro do outro,
versões judias de Huck Finn e Tom Sawyer trajando uniformes listrados.
Os filmes mais recentes de Stevens, Assim caminha a humanidade e
Os brutos também amam, haviam provado que ele era capaz de trabalhar
com atores jovens. O primeiro fora estrelado por James Dean, cujo tipo de
angústia agitada serviria de modelo para as turbulentas emoções
adolescentes no anexo secreto. Mas aquele filme fizera apenas um sucesso
moderado; idealmente, O diário de Anne Frank seria seu reingresso no
cinema mais popular.
Outra esperança era que o elenco da Broadway reaparecesse no filme,
mas logo ficou claro que Susan Strasberg não faria Anne Frank na tela.
Corria o rumor de que ela se envolvera num caso perturbador com Richard
Burton; além disso, ela granjeara a fama de ser uma pessoa com quem era
difícil trabalhar.
A primeira pessoa em quem Stevens pensou depois foi Audrey Hep-
burn. Não só ela nascera no mesmo ano que Anne Frank, como era meio
holandesa e passara a guerra na Holanda, com a mãe, uma baronesa
holandesa, onde ambas sofreram dificuldades durante toda a ocupação. Mas
isto foi parte do motivo pelo qual Hepburn recusou o papel. A história de
Anne, disse ela, iria reviver lembranças penosas demais. E sua idade era um
problema. Ela, pelo menos, compreendia que, com 28 anos, teria
dificuldade para representar uma menina de 13. Além disso, já havia
concordado em fazer o papel de Rima, a menina da Amazônia que canta
como um pássaro no filme A flor que não morreu.
Otto Frank viajou para visitar Hepburn e convencê-la a mudar de ideia.
Otto, Fritzi, Hepburn e seu marido Mel Ferrer passaram um dia na tranquila
casa de campo suíça para onde a atriz se recolhia para escapar das pressões
de ser uma estrela cujo primeiro papel importante, em A princesa e o
plebeu, lhe valera um Oscar. Os Frank almoçaram e jantaram com eles.
Mas, apesar da convincente argumentação que Otto deve ter desenvolvido,
Hepburn recusou. Ela e Otto continuaram amigos, e Hepburn, que usava
sua fama para promover causas, inclusive campanhas contra a fome no
mundo e pelos direitos das crianças, se tornaria uma ativa benfeitora da
Fundação Anne Frank.
Quando a segunda escolha de Stevens para Anne – Natalie Wood –
também declinou o convite, iniciou-se um processo de seleção em busca de
uma desconhecida para desempenhar o papel principal. Até então, a última
procura nacional, intensamente divulgada em todo o país, encontrara 18 mil
jovens candidatas interessadas no papel-título do filme Joana d’Arc,
dirigido por Otto Preminger em 1957. Agora a caçada por uma estreante
que pudesse representar Anne seria apropriadamente internacional.
Numa peça promocional no estilo de cinejornal sobre a feitura do
filme, George Stevens explica que já haviam passado seis meses
procurando alguém para fazer o papel de Anne.
“Com quantas meninas você já falou?”,2 pergunta o repórter.
Seis mil, das quais conheceriam a metade, após o que reduziriam a
lista a “uma centena de possibilidades interessantes”. Testes estavam sendo
realizados na França e na Holanda. A escolha de uma atriz holandesa não
criaria um problema de língua, porque “fala-se um inglês bastante bom em
Amsterdam. Muitas das meninas holandesas com quem entramos em
contato nos escreveram em ótimo inglês, e foram elas mesmas quem
escreveram essas cartas.”
O principal objetivo era encontrar um novo rosto. Perguntado se era
verdade que não queria uma atriz profissional, Stevens respondeu: “O que
queremos é uma atriz que ainda não tenha descoberto o segredo sobre si
mesma.” Ele esperava que esse seria não apenas o primeiro papel da
menina, mas seu único papel, de modo que pudesse ser associada para
sempre ao filme “e talvez não a outros”. Ela não precisava ter uma
“semelhança de fac-símile” com Anne. Mais essencial era o espírito e “o
sabor aparente de Anne Frank”.
Eles não queriam uma outra Shirley Temple, disse Stevens, mas
alguém como Shirley Temple na medida em que “deve ter charme, deve
atrair o público para si, deve atrair a afeição do público e seu espírito de
proteção”. Estavam procurando uma menina nova, idealmente de 13 ou 14
anos. “Ela pode fazer o papel da menina mais nova e, quando representar a
Anne crescida, acontecerá o que muitas vezes vemos em crianças que
conhecemos: quando põem seu vestido de festa e saem pela primeira vez
para namorar, somos capazes de ver a criança por trás da roupa elegante.”
Stevens havia visitado Amsterdam e conversado com o sr. Frank, “um
cavalheiro extraordinariamente refinado e um sobrevivente desse
infortúnio”. Havia planos de fazer algumas filmagens in loco na Holanda, e
quando se espalhou a notícia de que uma menina holandesa poderia ser
escolhida, milhares de cartas chegaram; cerca de 70 meninas haviam sido
escolhidas para teste. A vencedora, uma jovem dançarina meio judia,
acabou sendo preterida em favor de Millie Perkins, uma sósia de Audrey
Hep-burn nascida em Nova Jersey. Vencedora do concurso de Miss
América Junior, Perkins aparecera na capa da Seventeen, mas foi descoberta
para o papel, à maneira de Lana Turner, lanchando com a irmã num café.
Em seu teste filmado, ela contou uma história sobre certa ocasião em
que foi ao teatro e ficou terrivelmente irritada com as pessoas sentadas em
sua frente: uma mulher que jogou um pesado casaco de pele em cima de
uma velhinha e um bêbado que dormia aos roncos e acordou para dar
gargalhadas numa peça séria. Além de sua semelhança física com Hepburn,
as qualidades mais notáveis de Millie Perkins são uma vivacidade
impertinente e uma atitude extremamente afetada. O que parecia partilhar
com Anne era uma mistura de confiança e terror, mas uma confiança
diferente, e terrores muito distintos.
Posteriormente, Perkins contracenaria com Elvis em Coração rebelde,
e então desapareceria das telas para voltar, décadas depois, em papéis mais
“maduros”. Esteve casada por pouco tempo com Dean Stockwell, e, em
1985, fez o papel da Virgem Maria numa minissérie para a TV. No
documentário feito em 2001 sobre a filmagem do diário, Echoes from the
Past, Perkins lembra a visita de Otto Frank ao set.
“Ele me aprovou e acreditou em mim”,3 diz ela. Enquanto seus olhos
se enchem de lágrimas, ela se cala e bate de leve no nariz, rápida e
repetidamente, depois diz: “Sabe, eu me importava sim.”

EM LETREIROS GARRAFAIS, o trailer do filme de 1959 prometia ao público que


“nunca foi contada uma história de suspense mais espetacular que … a
magistral produção pela 20th Century Fox de O diário de Anne Frank!
Aqui está a emoção de seu primeiro beijo! Aqui está a maravilha de sua
juventude! O entusiasmo de seu primeiro amor! O milagre de sua
gargalhada!”4 Essas promessas são cumpridas pelo próprio filme, um
thriller psicológico em que a tensão erótica que leva ao primeiro beijo
aposta corrida com a inevitável captura da heroína pela Gestapo.
Presumivelmente, a edição final incorporou as reações do público a partir
de exibições experimentais do filme; cartões para comentários perguntavam
aos espectadores de que cenas e atores eles mais tinham gostado; se algum
elemento da história era confuso ou obscuro; se recomendariam o filme a
amigos. Uma plateia, em São Francisco, foi contra um final em que Anne
era mostrada num campo de concentração, e a cena final foi reeditada de
modo que Anne tivesse mais uma chance de proclamar sua fé na bondade
humana.
Otto pode ter dito a Meyer Levin que o diário não era um livro de
guerra, mas George Stevens compreendeu que a guerra podia manter a ação
em movimento. Diante do problema de como injetar suspense numa história
essencialmente estática, mais adequada para o palco do teatro, Stevens
intensificou o perigo do lado de fora do anexo, com tomadas de prisioneiros
em uniformes listrados e o som de botas nazistas batendo nas ruas de pedra.
A alegria da festa de Chanuká é encerrada pelo som ameaçador de sirenes
da Gestapo. Há ataques aéreos, bombardeios, momentos em que o prédio
escapa por pouco. Poeira e fragmentos despencam do teto sobre os
moradores agachados. Os roubos começam mais cedo na trama e
consomem considerável tempo de filme. O sonho de Anne com sua amiga
Lies passando fome e sofrendo, alterado na peça para um pesadelo abstrato
de que Anne desperta aterrorizada, tornou-se uma “sequência onírica” em
que o semblante atormentado de uma menina emerge de um pano de fundo
de prisioneiras de roupas listradas.
O filme põe Hitler, curiosamente omitido do drama teatral de
Goodrich-Hackett, de volta na história. Sua voz demente berra pelo rádio
clandestino à volta do qual os moradores se agrupam. Stevens obrigou seus
atores a verem as cenas que filmara em Dachau, e usou uma gravação de
multidões gritando “Heil, Hitler!” para evocar ansiedade e medo.
Apesar dos esforços de Stevens para imergir seu elenco na história
recente da Europa, o filme parece ainda mais “universal” que a peça – isto
é, menos referente a judeus. O roteiro foi submetido à aprovação do Jewish
Advisory Council, uma organização formada para monitorar como judeus
eram retratados na tela. Seu diretor, John Stone, não só elogiou o roteiro,
mas escreveu que o preferia à peça: “Você deu à história uma significação e
um apelo ainda mais ‘universais’. Ela poderia facilmente ter sido uma
tragédia judaica obsoleta se tratada de maneira menos criativa ou mais
emocional – talvez até um ‘Muro das Lamentações’ judaico, e por isso
encarada como mera propaganda.”5
Depois que as cenas mais perturbadoras eram filmadas, Stevens
reproduzia uma ruidosa gravação de “The purple people eater” para dissipar
a tensão e deixar todos mais relaxados. Durante as filmagens, que duraram
quase seis meses, os atores foram submetidos a uma série de desconfortos
físicos destinados a recriar os padecimentos que os moradores do anexo
suportaram. O set foi superaquecido para as cenas de verão e
excessivamente refrigerado quando a ação transcorria no inverno. Shelley
Winters teve de engordar quase sete quilos para sua caracterização de
Petronella van Daan, e depois precisou perder esse peso, bem como seu
elaborado penteado original.
Diferentemente da peça, o filme pôde sair do anexo para as lindas ruas
de Amsterdam e subir rapidamente para um plácido céu, onde o drama
começa e termina ao som dos altos e baixos da exuberante música de Alfred
Newman. Mas Stevens estava determinado a transmitir a claustrofobia da
vida no esconderijo. Isso representou um desafio, porque o estúdio insistiu
que a produção devia usar sua nova tecnologia de cinemascope, que fora
desenvolvida na esperança de que a tela grande atraísse de volta seu
público, preso às telinhas de suas TVs novas em folha. A solução de
Stevens foi fazer com que o set (os interiores foram filmados num estúdio à
prova de som) fosse construído verticalmente, de modo que a câmera
pudesse se mover para cima desde o escritório até a água-furtada, captando
os moradores do anexo enquanto esperam, paralisados de medo, no alto dos
degraus, ou parar entre as vigas do sótão, como se eles estivessem numa
casa construída sobre uma árvore. Pesados suportes foram construídos e
eram movidos quando necessário para estreitar o enquadramento das
tomadas e neutralizar o amplo panorama do cinemascope.
Em close-up, cada poro e imperfeição se torna gigantesco, e as
diferenças entre os atores – que parecem ter vindo de países diferentes para
atuar em filmes diferentes – são igualmente aumentadas. Intrigantes
variações em comportamento, sotaque e atitude distinguem os aristocráticos
Frank, nascidos na Alemanha, e os Van Daan, que soam como se tivessem
chegado a Amsterdam saindo do Bronx. Richard Beymer, que havia feito
sobretudo papéis na TV e depois protagonizaria, como Tony, o filme Amor,
sublime amor, interpreta Peter van Daan como um adolescente rebelde
americano confinado num sótão holandês.
Millie Perkins parece ter sido instruída a representar Audrey Hepburn
representando Anne Frank. Melindrosa e brincalhona, faz beicinho, faz
caretas e dá poucos indícios da inteligência e do coração de Anne. Em suas
memórias, Shelley Winters escreve (erradamente) que Anne nada sabia
sobre o Holocausto. Ao que parece, deixara escapar a entrada do diário em
que Anne havia escrito: “Se está tão ruim na Holanda, como estará nos
lugares distantes e pouco civilizados para onde os alemães os estão
mandando? Acreditamos que a maioria está sendo assassinada. A rádio
inglesa diz que eles estão sendo mortos por gás. Talvez seja o modo mais
rápido de morrer.”6
No documentário sobre a feitura do filme, Millie Perkins admite: “Eu
não compreendia a questão da Gestapo e dos nazistas.”7 Embora ela fale
com uma dicção de atriz inglesa, que era o sotaque usado por Audrey
Hepburn, sua voz tem um acento americano, uma nasalidade cultivada, e
por vezes ela estica as vogais como a outra Hepburn, mais aristocrática:
Katharine.
O esforço de Millie Perkins destaca os problemas óbvios de se escalar
uma atriz para representar uma personagem cuja idade varia entre os 13 e os
15 anos – um intervalo de tempo em que uma menina pode sentir, e se
comportar, como se estivesse se tornando outra pessoa. Apesar de toda a
conversa de Stevens sobre o milagre que podia ser operado arrumando-se
uma menina e deixando o público vislumbrar a criança por trás do vestido
de festa, o resultado foi muito diferente. Uma moça de 18 anos usando um
vestido de menina parece uma moça de 18 anos usando um vestido de
menina. É desorientador e vagamente perturbador ver Anne agarrando-se ao
pai ou sentando-se com os braços em volta do seu pescoço e a cabeça no
seu ombro; o problema é que ela parece uma adulta. Aceitar essa Anne
como uma menina de 13 anos requer uma quase impossível suspensão de
descrença, uma aceitação muito benevolente das premissas do filme. É fácil
compreender como o público podia ficar surpreso ao saber que estava
assistindo a uma história real.
Em que Stevens pensava? Ele estava fazendo um filme sério, chegando
tão perto quanto Hollywood lhe permitiria de um filme de autor à maneira
europeia. Filmado em preto e branco e parcamente iluminado, o filme do
diário era arte. Além disso, o povo americano precisava saber o que judeus
haviam sofrido durante a guerra. O que pessoas haviam sofrido.
O documentário Echoes from the Past enfatiza a universalidade do diá-
rio, a necessidade de tornar a história de Anne “acessível a pessoas do
mundo todo”.8 Stevens “não queria que o público pensasse que aquilo
acontecera somente com pessoas judias”. Segundo o documentário, “a
estratégia de Stevens de tornar o filme acessível no mundo todo deu frutos”
na forma de oito indicações para o Oscar. Nem um sucesso comercial nem
um sucesso absoluto de crítica, ele venceu em duas categorias: melhor
fotografia e melhor atriz coadjuvante.
Mais tarde, para cumprir uma promessa que fizera a Otto Frank
quando este visitara o set, Shelley Winters doou orgulhosamente seu Oscar
ao Museu Anne Frank, onde ele é exibido hoje numa pequena vitrine ao
lado da cafeteria. Winters ficou ainda mais orgulhosa por conseguir
convencer Stevens a restaurar um trecho de diálogo que quase fora omitido.
Na peça, Peter quer queimar sua estrela de davi, e Anne sugere que a estrela
amarela é uma insígnia de honra. Percebendo que essas palavras estavam
ausentes do filme, Winters interrompeu a filmagem, encolerizando Stevens,
que acabou se deixando apaziguar e reescreveu a cena.
Eu o observei refilmar essa cena em que Dick começa a queimar sua estrela judaica, e Anne
Frank sussurra para ele: “Não faça isso. Afinal, é a estrela de davi – a forma do escudo de seu
exército vitorioso.” Esse pequeno momento no filme é extraordinário – as duas crianças judias
aterrorizadas, que estão se escondendo dos nazistas, lembrando que são descendentes do
poderoso rei Davi. Sempre me orgulharei de ter tido coragem de parar a filmagem e fazer com
que esse momento fosse restabelecido no filme.9
Como na peça, a pergunta de Anne sobre por que os judeus foram
escolhidos para sofrer foi modificada para que ela pergunte por que pessoas
têm que sofrer, primeiro uma raça, depois outra. Talvez por Millie Perkins
ser tão insegura, esse é um momento canhestro que quase leva o filme a
uma interrupção. Sentimos que a atriz não consegue superar algum
problema com essa fala, e depois de um instante de hesitação, ela soa como
se estivesse falando sem pensar, ou mentindo.
O fim do filme também é problemático. Anne se apoia contra Peter
enquanto olham pela janela da água-furtada. “Um dia, quando estivermos lá
fora de novo…”, diz Anne enquanto as sirenes da polícia ficam mais altas.
Corte para adultos amedrontados no andar de baixo, também ouvindo as
sirenes, novo corte para os amantes contemplando o céu, corte para um
caminhão passando com estrondo pela rua. A música melosa aumenta
repentinamente sob o guincho dos freios. Os amantes se enlaçam num
abraço apaixonado – “Aqui está a emoção de seu primeiro beijo!” –
intensificado pelo fato de que a Gestapo chegou. A campainha da porta da
frente soa, o sr. Van Daan desmaia, ouve-se o ruído de algo se quebrando,
gritos em alemão, mais ruídos de quebra, alguém está destruindo a porta. E
a música se avoluma. Os moradores do anexo secreto compõem um quadro
vivo da nobreza – oito bravas e resignadas estátuas esperando o inevitável.
Peter se põe atrás de Anne e pousa uma mão sobre seu ombro.
“Durante os dois últimos anos”, declara Otto Frank, “vivemos com
medo. Agora poderemos viver com esperança.” Esperança de quê,
exatamente? Mas a cena já mudou para um close-up do diário, e ouvimos
Anne lendo, em off, uma passagem que não aparece no diário, uma entrada
que ela nunca teria escrito, mesmo que lhe tivesse sido possível escrever
alguma coisa naquele momento pavoroso.

E assim parece que nossa estada aqui terminou. Deram-nos só um momento para pegar nossas
coisas. Podemos levar uma sacola, qualquer coisa onde enfiar nossas roupas, mais nada. Assim,
querido diário, isso significa que tenho de deixá-lo para trás. Adeus por algum tempo … Por
favor, por favor, qualquer pessoa, se por acaso você encontrar este diário, por favor guarde-o
para mim, porque um dia eu espero…10

E assim parece que nossa estada aqui terminou. Nossa estada aqui?
De volta da guerra, Otto Frank entra no sótão com Kleiman e Kruger,
que explicam por que estavam ausentes no dia em que os moradores do
anexo foram levados. Na realidade, como sabemos, os dois ajudantes
estavam no escritório, e foram presos junto com os judeus;
presumivelmente, sua presença no momento crítico foi eliminada para
simplificar a cena e aumentar seu impacto dramático. Otto conta para os
amigos holandeses sobre os campos, sobre sua viagem de volta para casa,
sobre a busca por sua família entre tantos outros que procuravam entes
queridos.
“Mas Anne … Eu ainda tinha esperança. Ontem eu estive em
Roterdam. Conheci uma mulher ali, ela esteve em Belsen com Anne. Agora
eu sei…”11 A música aumenta de novo, a câmera se eleva para uma ampla
tomada das nuvens e gaivotas se precipitando, e ouvimos Anne repetindo
que, apesar de tudo, ela ainda acredita que as pessoas são boas no fundo.
Ela soa como uma menina americana. E por que não? É um filme
americano. Somos a cavalaria que surge por sobre a colina. Nesse caso, a
cavalaria fez o melhor que pôde, mas não foi o bastante para salvar Anne. O
Dia D foi um evento extraordinário, e o filme utiliza as tomadas que
Stevens fez da invasão. Quando seus atores não reagiram com suficiente
entusiasmo à notícia de que os americanos haviam desembarcado nas praias
da Normandia, George Stevens pôs “The Star-Spangled Banner” para tocar
para eles.
Na internet, é possível assistir às tomadas do Dia D feitas por Stevens.
A cor distorcida do filme degradado lhes confere uma beleza espiritual. Há
uma tomada particularmente linda de couraçados, em silhueta contra o
horizonte, flutuando sob um céu pontilhado de balões de vigilância. Um
link o levará a um fragmento de filme identificado apenas como
“Libertação de Auschwitz. Tomadas russas raras”. É narrado em alemão e
parece ter sido feito para a TV alemã. Um pequeno grupo de soldados
russos corre pelos campos, tropeçando e caindo nos grandes montes brancos
de neve. Em seguida vemos os prisioneiros recém-libertados, um por um,
homens com semblantes de grande estranheza e impressionante
individualidade. Depois, imagens de covas comuns, cadáveres na neve e
prisioneiros de todas as idades, inclusive crianças.
O angustiante filme nos lembra o que ficou esquecido na pressa de
tornar o diário de Anne uma mercadoria lucrativa, popular e moralmente
edificante. Os campos, os prisioneiros e os inocentes mortos contam a
verdade sob os embustes das produções da Broadway e de Hollywood, sob
os rascunhos, as reformulações, os processos e as decepções, sob a história
americana simultaneamente ingênua e cínica que terminou com uma
modelo explicando que, apesar de tudo, ela ainda acredita, no fundo, que as
pessoas são boas.

e A autora, aqui, faz um trocadilho com o termo regular, que em inglês é sinônimo de soldado. (N.T.)
9. Negação

NO VERÃO DE 1998, HELEN CHENOWETH, A então controversa deputada


republicana direitista de Idaho, uma forte opositora do controle das armas e
de medidas de proteção ambiental, foi obrigada a se desvincular de um
consultor político chamado Robert Boatman, que produzira vários vídeos de
propaganda para a sua campanha.
Três anos antes, a Fundação Anne Frank havia enviado sua exposição
itinerante para Boise. Inspirados pelo programa, residentes locais iniciaram
um esforço para financiar a construção de um parque educacional dedicado
aos direitos humanos. Batizado em homenagem a Anne Frank, o parque se
situaria às margens do rio Boise. Os organizadores do movimento
anunciaram já ter levantado quase 400 mil dólares.
Esse anúncio desencadeou alguma coisa no sr. Boatman, que escreveu
para os editores do Idaho Statesman uma carta começando assim:

Quando uma foto de 50 anos atrás de uma adolescente adoentada que morava do outro lado do
oceano aparece na primeira página do Statesman, sabemos que o programa político de alguém
está em ação. A perpetuação do mito de Anne Frank por choramingas crédulos e oprimidos pela
culpa é uma difamação da verdade e um tapa na cara da história.1

Continuando, a carta afirmava que Otto Frank tinha “descoberto” e


“datilografado” o livro e subsequentemente ganhado milhões, tornando-se
nesse processo “o queridinho de grupos terroristas de esquerda como a Liga
de Defesa Judaica e o Centro Wiesenthal”.
Depois que a deputada Chenoweth o demitiu, o sr. Boatman
desapareceu pouco a pouco num nicho sombrio do panteão extremo-
direitista da livre expressão. É autor de vários livros sobre revólveres de alta
velocidade, inclusive um sobre como “customizar” sua Glock – um
eufemismo para transformar uma pistola normal numa arma automática.
Helen Chenoweth permaneceu no cargo até 2001.

NOS ANOS 1960 E 1970, formou-se um movimento – que se espalharia com


alarmante rapidez – dedicado a defender e divulgar a convicção de que o
Holocausto nunca aconteceu, que os nazistas nunca construíram ou usaram
câmaras de gás e crematórios e que o número de judeus mortos na Segunda
Guerra Mundial foi enormemente exagerado. Os próprios nazistas haviam
preparado os fundamentos dessas afirmações enganosas destruindo as
provas dos métodos usados nos campos de extermínio e empregando
eufemismos como “reinstalação” e “transferência” em vez de deportação e
assassinato em massa.
Ajudados por neonazistas reunidos sob a bandeira de organizações
como o Institute for Historical Review e o Committee for Open Debate on
the Holocaust, esses revisionistas do Holocausto contestaram os supostos
teóricos exterminacionistas publicando anúncios em jornais e criando sites
na Web. Apesar de ilegal em muitos países, a negação do Holocausto
proliferou, encontrando alguns de seus partidários mais ativos na ex-União
Soviética. Ganhou aceitação também no mundo muçulmano, onde seu mais
visível proponente é o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que
classificou o Holocausto como um mito sionista e que, em 2006, reuniu em
Teerã uma Conferência Internacional para Rever a Visão Global do
Holocausto.
Se o Holocausto é uma fabricação, fica comprovado – segundo a
lógica louca do “revisionismo histórico” – que o diário de Anne Frank só
pode ser uma fraude. O primeiro a dizer isso em letra de fôrma foi Harald
Nielsen, um crítico dinamarquês que, em 1957, publicou num jornal sueco
um ensaio afirmando que o diário era em parte obra de um escritor
americano chamado Meyer Levin. As acusações de Nielsen foram
repetidas, no ano seguinte, por um jornalista norueguês, que foi mais longe
e afirmou que o diário era uma falsificação. Certamente a consequência
mais lamentável e imprevisível do conflito que cercou a dramatização do
livro de Anne foi que os negadores do Holocausto usariam o processo de
Levin contra Otto como “prova” de que os dois homens haviam conspirado
e colaborado para forjar o diário de uma menina. Por que outra razão dois
judeus processariam um ao outro num tribunal de Nova York por quebra de
contrato e plágio?
Em 1958, Lothar Stielau, um professor de inglês do ensino médio na
Alemanha e ex-líder da Juventude Hitlerista, escreveu um ensaio afirmando
que o diário de Anne era sentimental e pornográfico, e equiparou-o ao
diário forjado da amante de Hitler, Eva Braun. Durante uma investigação
oficial, Stielau recorreu à defesa semântica, admitindo que em vez da
palavra alemã para falsificado deveria ter usado a palavra para seriamente
alterado. Foi defendido por um líder político de direita alemão, Heinrich
Buddeberg, que repetiu a acusação de que Meyer Levin estivera envolvido
na falsificação. Stielau foi despedido de seu emprego, e tanto ele quanto
Buddeberg foram processados por Otto Frank por calúnia e difamação.
Uma vez que Otto Frank começara a se ver como o emissário do
perdão de Anne, e que havia se recusado a processar o oficial nazista que
prendera sua família ou a denunciar o homem que delatara seu esconderijo,
a decisão de tomar medidas legais indica que Stielau e seus partidários
devem tê-lo irritado e alarmado. Otto imaginava que aquelas calúnias
seriam repetidas e aceitas por outros, como de fato foram. Infelizmente, o
julgamento não foi dissuasivo.
Os advogados da acusação afirmaram que o diário precisava ser
autenticado, já que naquele momento tantas facções vingativas estavam
tentando fazer o povo alemão parecer mau. Eles mencionaram um artigo no
Der Spiegel que afirmava que a obra de Anne havia sido intensamente
editada por Albert Cauvern, um dos primeiros a quem Otto mostrara o
manuscrito. Miep e Jan Gies e Bep Voskuijl foram levados ao tribunal para
jurar que Anne realmente mantinha um diário, o mesmo que eles haviam
entregado a Otto Frank. Especialistas forenses em caligrafia convenceram o
juiz de que o diário era autêntico.
Ainda assim, o caso se arrastou por três anos. Stielau mais uma vez
esclareceu o que ele queria dizer: referia-se à peça de teatro, não ao diário.
A fraude era a peça. Em 1961, os advogados entraram em acordo. Os réus
admitiram que o diário era autêntico; desculparam-se e declararam que não
tiveram a intenção de ofender Otto Frank ou a memória de sua filha. Quase
toda a multa de Stielau foi paga pelo Estado alemão.
Mas o veredito em favor de Otto só teria convencido aqueles que já
concordavam com ele. Dali em diante, os livros e panfletos contestando a
autenticidade do diário de Anne Frank proliferaram como uma corrente
maligna, cada um se baseando nas fantasias dementes do outro como se
fossem verdades comprovadas. Seus autores passavam páginas discutindo o
“fato” de que as pessoas que forjaram o diário de Anne foram tão burras
que o escreveram com caneta esferográfica – uma tinta que só veio a ser
usada a partir de 1944. Eles não tiveram interesse em saber que somente
seis páginas, em todo o diário, são numeradas com caneta esferográfica,
claramente com a letra de Otto Frank. O resto tinha sido escrito, em sua
totalidade, com uma caneta-tinteiro, e por Anne Frank.
Em 1967, o American Mercury publicou um ensaio de Teressa Hendry,
ressuscitando as acusações de que Meyer Levin tinha escrito o diário e
usando novamente como prova a decisão judicial, mais tarde revogada, que
ordenava a Otto pagar uma indenização de 50 mil dólares a seu “irmão de
raça” (na expressão de Hendry) Meyer Levin. O Mercury fora fundado nos
anos 1920 por H.L. Mencken e George Jean Nathan, e, depois de muitas
mudanças de administração, tornara-se o jornal de referência para a
intelligentsia racista.
O aspecto mais desalentador do ensaio de Hendry é seu tom sensato,
quase acadêmico. Começando com uma alusão à Cabana do Pai Tomás, ela
cita a pergunta que Abraham Lincoln teria feito a Harriet Beecher Stowe:
“Então você é a mulherzinha que escreveu o livro que causou essa enorme
guerra?”2 Hendry discorre brevemente sobre o poder da propaganda e sobre
a habilidade com que os comunistas usaram a ameaça inexistente de Hitler
e do nazismo para desviar a atenção do mundo da “ameaça viva” de Stálin e
Kruschev. Em seguida Hendry entra nos detalhes do processo entre Levin e
Frank e pergunta por que esse caso nunca foi “oficialmente relatado”. Após
observar que Levin e Frank são ambos judeus – não podendo portanto ser
acusados de antissemitismo, quaisquer que sejam as mentiras vis que
contam sobre os judeus –, Hendry termina com um apelo pela verdade: “Se
o sr. Frank usou a obra de Meyer Levin para apresentar ao mundo o que
fomos levados a acreditar ser a obra literária de sua filha, no todo ou em
parte, então a verdade deveria ser exposta … Rotular ficção como fato
jamais é justificável nem deveria ser perdoado.”
A alegação de que o diário é uma falsificação foi repetida desde então
por proeminentes negadores do Holocausto, entre os quais Richard
Harwood, autor de Did Six Million Really Die? The Truth at Last, e David
Irving, que também citou o processo judicial de Levin como prova da
cumplicidade de Otto Frank na falsificação da obra de sua filha. Quando
Otto Frank protestou, os editores de Irving retiraram a acusação do livro
Hitler and His Generals, e Irving foi obrigado a pagar indenização à
Fundação Anne Frank.
Outros panfletos ainda foram publicados por um alemão chamado
Heinz Roth, denunciando o diário como um embuste. Os folhetos que ele
distribuiu em 1976 na encenação de O diário de Anne Frank em Hamburgo
suscitaram o interesse de um promotor alemão, que emitiu uma ordem
proibindo-o de espalhar aqueles impressos. Em defesa de Roth, seus
advogados citaram um livro que se tornaria um texto sagrado para os que
contestavam a autenticidade do diário. The Diary of Anne Frank – Is It
Authentic?, de Robert Faurisson, um dos primeiros defensores da ideia de
que o mentiroso conto de fadas sobre câmaras de gás e crematórios havia
sido perpetrado pelos Aliados e pelos judeus para difamar o heroico Partido
Nazista.
Processos subsequentes contra novos panfletistas foram arquivados
com base em tecnicidades ou na liberdade de expressão, um princípio
fundamental que inspirou Noam Chomsky a escrever a introdução de um
dos livros de Faurisson. Somente um jornalista, Edgar Geiss, detido por
distribuir panfletos na sala de tribunal em que o processo de um colega
estava sendo julgado, recebeu uma sentença criminal. Foi condenado a um
ano de prisão por difamação, julgamento do qual recorreu mais tarde.

A OBRA PUBLICADA EM 1979 POR DITLIEB FELDERER, Anne Frank’s Diary, A


Hoax, ainda está entre os ataques mais sórdidos ao diário. É ao mesmo
tempo enfadonho e aterrorizante tentar acompanhar as convicções lunáticas
que mantêm Felderer (um judeu austríaco que se tornou testemunha de
Jeová, emigrou para a Suécia e converteu-se à causa “revisionista” quando
investigava a perseguição movida pelos nazistas a seus correligionários
testemunhas de Jeová) vociferando página após página, tecendo uma teia
contínua de ódio puro e peçonhento.
Só quem partilha de sua opinião, ou tem estômago forte, conseguiria
ler mais do que algumas linhas dessa arenga, tudo em nome da história, da
verdade, da ciência, do senso comum e de informações confidenciais. Hoje,
uma busca de seu nome na internet nos dirige para um site com a manchete:
“Informar o homem não é um negócio, mas uma obrigação” e “A censura
limitada é a raiz de todo terrorismo”. Segundo o texto, “folhetos de Ditlieb
Felderer foram publicados aos milhões, embora políticos corruptos os
tenham destruído repetidamente. Para ver os vários registros de sessões de
tribunal que envolvem seus julgamentos censores, fotos de sexo bíblico e
discussão, blog, estudos de história medieval, controvérsias, dissensão …
visite …” Há um link para um site que lista Anne Frank e Auschwitz, bem
como “sexo do Holocausto” e “pornocausto”.
O livro de Felderer nos informa que o uso da estrela de seis pontas foi
ideia dos próprios judeus, um fato “provado” por um slogan, supostamente
cunhado por um semanário sionista, exortando os judeus a usar a insígnia
com orgulho. Aparentemente, a estrela era algo como um distintivo
profissional ou corporativo, ou como a comenda da Legião de Honra
Francesa. Lemos sobre a família de Otto Frank em Frankfurt, “espojando-se
na riqueza”, judeus caracteristicamente não satisfeitos em possuir um
pequeno pedaço da Alemanha e querendo possuir o país inteiro. Felderer
entra em detalhes para estabelecer o fato de que as janelas do anexo secreto
não poderiam ter sido cobertas com papel, como o diário afirma, que os
homens adultos não poderiam ter sido fumantes contumazes sem alertar o
pessoal do armazém, que os moradores do anexo comiam como reis, apesar
de que (paradoxalmente) não teriam podido cozinhar sem que sua presença
fosse detectada.
A própria ideia de que os ajudantes passavam a noite no anexo parece
tão imprudente a Felderer que, a seu ver, as entradas do diário que
descrevem esses pernoites são por si sós suficientes para provar que o livro
é uma mentira. Nenhum holandês sensato guardaria um diário cheio de
insultos aos alemães na gaveta de uma escrivaninha onde qualquer alemão
poderia descobri-lo. E por que teria Anne guardado seu diário na pasta do
pai, onde este poderia tê-lo encontrado e lido seus imundos segredinhos –
uma questão que, entre outras coisas, trai uma incapacidade de
compreender o respeito pela privacidade, mesmo a das crianças, que
mantinha os moradores do anexo civilizados e sãos de espírito.
As piores partes são os “pedacinhos sujos”. Felderer chama o diário de
“a primeira obra pornográfica pedófila a ser publicada após a Segunda
Guerra Mundial e vendida abertamente. De fato, as descrições feitas por
uma adolescente de seus assuntos sexuais talvez tenham sido a primeira
pornografia infantil jamais publicada.”3 Ele sugere que as “partes sexuais”
podem ter sido inventadas, urdidas por homens adultos no intuito de vender
um livro que de outro modo poderia ter acabado entre os papéis privados de
Otto. Por mais perturbador que seja imaginar Otto Frank usando sua filha
“de uma maneira tão torpe”, salienta Felderer, pais perversos prostituem
seus filhos regularmente, “então por que a prostituição literária não poderia
ser possível?”.
Claramente, as partes “sexy” eram excessivas até para alguns judeus, e um dos primeiros
grupos, se não o único, a expressar suas objeções contra o diário foram alguns judeus ortodoxos
que sentiram que o livro dava aos judeus uma má imagem moral … Se suas objeções se
baseavam em verdadeiros fundamentos morais ou no temor de que a trama estivesse expondo
alguma coisa, isso pode ser discutível. Fontes talmúdicas certamente não são alheias a sexo
perverso.4

Exatamente quando imaginamos que as coisas não podem ficar mais


feias, Felderer inclui uma seção intitulada “O complexo anal”, em que dá
uma aparente meia-volta e defende a possível autenticidade do diário. A
única razão pela qual o diário poderia ser genuíno é “sua preocupação com
o ânus e excrementos, um traço típico de muitos judeus. Pornografia e
fantasias relacionadas às funções excretórias sempre fascinaram muitos
deles, que têm sido portanto os grandes exploradores dessas coisas”.
Ele cita a descrição de Anne do horário para o uso do lavatório, bem
como sua descrição natural dos problemas que a flatulência causava no
sótão sem ventilação. Entre os outros judeus com fixação anal que Felderer
acusa juntamente com Anne Frank estão Sigmund Freud e Charlie Chaplin.
Embora Chaplin, estritamente falando, não fosse judeu, estava sempre
coçando o traseiro, e, em um filme, satirizou Hitler, e tudo isso o tornava
judeu por associação. Felderer pergunta-se por que ainda não foi concedido
nenhum prêmio Nobel para a “ciência” do erotismo anal.
ESTES E OUTROS ATAQUES AO DIÁRIO FORAM, em parte, o que moveu o
Instituto Holandês para a Documentação de Guerra a contratar o
Laboratório Estatal de Ciência Forense para empreender a investigação que
produziu mais de 250 páginas de achados provando a autenticidade da obra.
Peritos examinaram e dataram os materiais físicos de que o diário é feito –
papel, cola, tinta, fibras da capa – para provar que estavam em uso antes de
1944.
As fotografias e cartões-postais que Anne colou em seu diário também
foram examinados, mas a maior parte do estudo envolveu uma análise de
sua caligrafia. A edição crítica da obra inclui um relato exaustivo de
características e microcaracterísticas, arranjos de espaçamento e pontos de
interação, “o componente de movimento vertical ao plano da escrita” e
mudanças na pressão da pena. As conclusões são claras. Tanto a letra de
fôrma das primeiras páginas quanto o cursivo das entradas posteriores e das
revisões pertencem à mesma menina. A letra de Anne Frank mudou de
maneiras que estão perfeitamente dentro dos parâmetros previsíveis para
um período de dois anos. As correções acrescentadas em datas posteriores
por outras mãos são tão pequenas quanto raras.
Embora os ataques ao diário de Anne Frank fossem abomináveis,
devemos ser gratos à publicação da edição crítica – que dá destaque aos
achados dos investigadores forenses, bem como a numerosas reproduções
de páginas do diário que ilustram e confirmam as conclusões do comitê.
Pela primeira vez, leitores poderiam, se quisessem, comparar as três versões
do diário, compreender como o estilo de Anne Frank se desenvolveu e o
que ela pretendia incluir em O anexo secreto.
Nada disso impressionou os que acreditam que o diário foi uma fraude.
A edição crítica não convenceu revisionistas do Holocausto, que preferiram
a ideia de dois judeus fazendo uma fortuna vendendo um diário forjado e
perpetrando mentiras sionistas sobre câmaras de gás e campos. Os
contestadores do diário afirmaram que os rascunhos variantes eram uma
evidência a mais de que ele era uma falsificação.
Pouco depois da publicação da edição crítica do diário, o The New
York Times noticiou que os ataques ao livro haviam aumentado. “Nunca
tivemos ilusões de que isso deteria as alegações de mistificação”, disse um
funcionário da Fundação Anne Frank a um repórter do jornal. “Mas foi
surpreendente a maneira como neonazistas na Áustria, por exemplo, se
alegraram com todas essas novas informações e insistiram que o governo
holandês havia apresentado provas da falsidade do diário.”5
Dez anos depois, na estreia da adaptação feita por Wendy Kesselman
da peça de Goodrich-Hackett na Universidade de Houston, membros da
Aliança Nacional, um grupo neonazista, distribuíram exemplares de um
folheto intitulado “Exposta a farsa de Anne Frank” no estacionamento do
teatro. O ensaio – supostamente de William Pierce, autor do abominável
Turner Diaries, um romance apocalíptico sobre a guerra racial muito
apreciado por adeptos da supremacia branca – acusava mais uma vez Otto
Frank de ter forjado o diário de Anne.
Em 2006, o prefeito e o chefe de polícia de Pretzien, a 80 Km de
Berlim, viram um grupo de jovens neonazistas bebendo cerveja e jogando o
diário de Anne Frank numa fogueira, junto com a bandeira americana.
Quando sete dos farristas foram julgados por perturbação da ordem pública,
um advogado de defesa afirmou que seu cliente havia sido mal interpretado
e que sua intenção fora “libertar-se simbolicamente” da tristeza projetada
pelo período nazista sobre “um capítulo mau da história alemã”.6 Cinco dos
sete homens foram condenados, multados e sentenciados a nove meses de
liberdade condicional.

Uma busca em inglês no Google usando as palavras “Anne Frank


Holocaust denial” primeiro encontra páginas de sites legítimos sobre a
negação do Holocausto, depois desce para o vórtice do fanatismo e do ódio.
Uma rota mais direta é pesquisar por “Anne Frank hoax”, sendo que “hoax”
(fraude, embuste) é um clichê e um ingresso codificado para o mundo do
racismo provocativo.f
No Yahoo, há uma lista de salas de bate-papo sobre Anne Frank, cada
uma com um slogan que indica o que pode ser encontrado no fim de um ou
outro tópico. O grupo que se conecta para explorar a “vida e os tempos
fictícios de Anne Frank, a jovem amante de herr Adolph Hitler”, está
fechado para novos membros, e é preciso filiar-se para participar da
discussão sobre “Anne Frank – A Verdade” – a verdade sendo
aparentemente que “o sr. Frank traiu a própria família para escapar da
Justiça”. Esse tema tem alguma aceitação, atraindo mais um grupo sob a
rubrica “Anne Frank foi traída pelo próprio pai; que mais poderíamos
esperar dos judeus?”. A maioria das salas de bate-papo tem slogans mais
obscenos e violentos e partilha fantasias descritas em vívidos detalhes sobre
as excentricidades sexuais de Anne, seu entusiasmo pelo sexo oral, seu
gosto por mostrar os seios.
O que torna tudo disso ainda mais horrível é que esses grupos
distorcem cada menção a Anne Frank, tornando-a mais uma prova de que o
diá-rio é uma fraude. Para eles, a própria ideia de que uma menina brilhante
teria mantido um diário do tempo que passou escondida e depois voltado
atrás para revisá-lo porque desejava que seu livro fosse publicado é uma
prova final e irrefutável de que o Holocausto nunca aconteceu.

f Uma pesquisa com as palavras em português (“Anne Frank negação Holocausto” e “Anne Frank
fraude”) dá resultados semelhantes. (N.T.)
PARTE IV Anne Frank nas

escolas
10. O diário ensinado

O diário é muitas coisas ao mesmo tempo. É uma narrativa divertida,


esclarecedora e muitas vezes comovente do processo da adolescência,
à medida que Anne descreve seus pensamentos e sentimentos acerca
de si mesma e das pessoas que a rodeiam, do mundo todo e da vida em
geral. É um registro preciso do modo como uma menina cresce e
amadurece, nas circunstâncias muito especiais em que Anne se viu ao
longo dos dois anos que passou escondida. É também uma descrição
vividamente aterrorizante do que era ser judeu – e estar escondido –
num momento em que os nazistas procuravam matar todos os judeus
da Europa.
Cliff ’s Notes sobre O diário de Anne Frank1

SEGUNDO UM LEVANTAMENTO DE 1996 citado no site do Museu Anne Frank,


50% dos alunos do ensino médio nos Estados Unidos leram O diá-rio de
Anne Frank por indicação da escola. A cada ano, o diário chega a milhares
de instituições de ensino, e às mesas de professores que descobrem que o
livro precisa ser ensinado – estando longe de ser, como se diz,
autoexplicativo. O diário e, mais precisamente, as circunstâncias que
envolvem sua composição são de difícil entendimento para os estudantes,
em especial se a história de Anne representar o primeiro encontro deles com
os horrores da guerra dos nazistas contra os judeus – o que costuma ser o
caso. Outro levantamento, realizado em 2008, descobriu que apenas 1∕4 dos
adolescentes americanos era capaz de reconhecer Hitler.
Então acontece que os professores – mal remunerados e
sobrecarregados com turmas superlotadas – têm de assumir mais uma tarefa
desafiadora, que parece essencial para a educação histórica, literária e moral
de seus alunos. Eles devem se postar diante de uma sala de jovens de rostos
felizes e informá-los de que não muito tempo atrás, a sangue-frio, o
governo alemão e seu exército puseram em câmaras de gás e assassinaram
brutalmente milhões de judeus, testemunhas de Jeová, ciganos,
homossexuais, poloneses e adversários políticos, a menos que estes
conseguissem – o que ocorreu em muito poucos casos – se esconder em
cavernas, celeiros e sótãos, como a menina cujo livro, ao contrário dela
mesma, sobreviveu.
A ex-professora Doreen Hazel oferece um curso de uma aula por
semana, durante dez semanas, no Anne Frank Center de Manhattan – uma
organização sem fins lucrativos aliada ao Museu Anne Frank de Amsterdam
que desenvolve programas educacionais e abriga exposições e seminários
em seu amplo apartamento no SoHo. O projeto de Hazel, “Trazendo Anne
Frank de volta à vida em sua sala de aula”, é aberto ao público, e
professores podem fazê-lo como curso de extensão.
Na tarde em que visitei o centro, havia três alunas na classe. Uma era
professora do primeiro ciclo do ensino fundamental, a segunda, do segundo
ciclo, e a terceira, que era holandesa, não era professora – apenas curiosa,
como explicou.
Hazel havia emprestado à segunda professora um filme sobre Anne
Frank para que ela o exibisse para sua turma. Quando Hazel lhe perguntou
como tinham sido as coisas, a professora sacudiu a cabeça e devolveu a fita.
Contou que durante uma cena em que prisioneiras nuas eram levadas para
os chuveiros para serem mortas a gás, uma de suas alunas ficou
completamente histérica e começou a soluçar, com medo de que a mesma
coisa pudesse acontecer com ela e sua mãe.
“Foi demais para ela”, disse a professora, sacudindo a cabeça de novo.
“Interrompi o filme.” Sua primeira preocupação era que a menina pudesse
ficar traumatizada; um temor secundário era de que, se a aluna viesse a se
mostrar inconsolável, a mãe pudesse se queixar à escola. “As mulheres
estavam nuas”, repetia a professora, arregalando os olhos e comunicando
com um olhar que consequências isso poderia ter para seu emprego. A
impotência, o susto e a compaixão que sentira ainda estavam visíveis em
seu semblante. Observando-a, compreendi, como nunca antes, como podia
ser penoso para professores lidar com esse material, e por que eles tantas
vezes não conseguem se obrigar a fazer o que eu supunha que todo
professor podia e devia fazer – isto é, simplesmente contar a seus alunos os
fatos sobre o genocídio nazista. É óbvio que essas verdades constituem uma
lição importante e necessária, mas de repente ficou claro para mim como
essa lição podia ser difícil, e por que professores podem se mostrar tão
desejosos de passar, o mais rapidamente possível, do devastador para o
construtivo, do histórico para o pessoal.
Diante do desafio de apresentar o diário de Anne para uma turma, até o
professor mais realista, determinado e confiante talvez prefira respirar
fundo e procurar alguma orientação profissional ou pedir a ajuda de
colegas. O ensaio de Rebecca Kelch Johnson “Teaching the Holocaust”,
publicado no English Journal sugere que a guerra nazista contra os judeus é
uma narrativa tão aterradora que ensiná-la como um evento histórico
singular – sem enfatizar a importância e o valor dos direitos humanos e a
eficácia da não violência – daria a impressão de que os professores estavam
tentando chocar seus alunos com uma história de horror sangrenta e
sensacionalista que só poderia repeli-los e deprimi-los:

Talvez os professores hesitem … em instruir seus alunos sobre um episódio histórico marcado
por incompreensível selvageria e ódio. A própria ideia de falar sobre o fato de que, entre 1933 e
1945, 6 milhões de judeus, junto com outras pessoas … foram desumanizados pela fome e
depois aniquilados em câmaras de gás, execuções em massa e outros métodos empregados
pelos capangas de Hitler é impensável. Discutir os horrores que aconteciam em campos de
concentração … pode parecer bárbaro demais. No entanto, uma compreensão do Holocausto
deveria estimular a compreensão pessoal dos direitos humanos de todos os judeus e não judeus
… A natureza idealista do adolescente estimula a discussão e o estudo sobre os direitos
humanos e a justiça.2
Mesmo a mais positiva discussão sobre os direitos humanos, porém,
acaba por se deparar com a cruel realidade do que aconteceu com Anne
Frank, e até a opinião mais esperançosa a respeito do poder da não
violência deve tratar desse aspecto da natureza humana sobre o qual Anne
escreveu com honestidade e concisão: “Há uma necessidade destrutiva nas
pessoas, a necessidade de demonstrar fúria, de assassinar e matar. E até que
toda a humanidade, sem exceção, passe por uma metamorfose, as guerras
continuarão a ser declaradas, e tudo o que foi cuidadosamente construído,
cultivado e criado será cortado e destruído; depois, a humanidade terá de
começar tudo de novo!”3 Os professores sempre serão obrigados a enfrentar
o desconforto natural – particularmente forte entre os jovens, e, por alguma
razão, entre americanos – diante de questões para as quais simplesmente
não há respostas fáceis ou, pior, resposta alguma. Aqui, o mistério insolúvel
é o do mal, do traço aberrante da natureza humana que alimentou os
esforços nazistas para exterminar populações inteiras.
O fio luminoso que pode ser, e que com frequência foi, desemaranhado
do conteúdo sombrio do diário atravessa uma palestra dada em 2003 pela
dra. Lesley Shore, então professora assistente na Universidade de Toronto.
Anne Frank, observou Shore,

luta pela bondade – e é frequentemente rejeitada por isso … Anne, como Antígona de Sófocles,
escolhe “participar amando, não odiando”, embora, como Freud, compreenda o mal que
espreita no interior das pessoas … Anne Frank traz à luz o melhor de nós. Nós a amamos
porque sabemos que, se pudéssemos acreditar como ela, diante do terror, ou mesmo na
imundície de Bergen-Belsen, queríamos desesperadamente acreditar na bondade humana. Esse
é o poder de seu legado. Ela, somente ela, ousa admitir que quer acreditar, no fundo, que as
pessoas são basicamente boas.4

O PROFESSOR QUE FOR ENSINAR O DIÁRIO DE ANNE FRANK pode encontrar


vasta ajuda na forma de livros, cadernos de exercícios, ensaios, revistas e
sites. Quase todas essas fontes constituem uma leitura interessante, até os
ensaios acadêmicos cheios de jargão técnico, enfeitados com termos como
emplotment e enfigurement.g Como já se podia imaginar, tentativas de
reduzir uma catástrofe histórica a uma série de perguntas com respostas
curtas só conseguem realçar a irredutibilidade do assunto. Um guia de aula
de Michelle Keller apresenta o seguinte teste por amostragem:

VERDADEIRO OU FALSO:
As únicas pessoas mortas durante o Holocausto eram judias.
VERDADEIRO OU FALSO:
O Holocausto jamais poderia acontecer de novo.
VERDADEIRO OU FALSO:
O Holocausto ocorreu durante a Revolução Americana.
VERDADEIRO OU FALSO:
Anne Frank publicou seu diário e ganhou muito dinheiro.
VERDADEIRO OU FALSO:
Duas de cada três pessoas judias na Europa foram mortas durante o Holocausto.5

Obviamente, o Holocausto não ocorreu ao mesmo tempo que a


Revolução Americana. Mas nem a mais simples das outras questões é
simples. A contagem dos mortos do Holocausto causou amargas desavenças
entre historiadores e figuras religiosas e políticas. A questão de se o termo
“Holocausto” se aplica somente ao assassinato de judeus ou se refere
também às outras vítimas do nazismo gerou dissensões. A referência ao fato
de Anne ter ganhado “muito dinheiro” está fortemente vinculada a uma
fixação dos que afirmam ser o diário um logro perpetrado por judeus
gananciosos. Como poderia a declaração de que “o Holocausto jamais
poderia acontecer de novo” ser verdadeira ou falsa, uma vez que ocorreram
genocídios depois da Segunda Guerra Mundial? Verdadeiro seria a resposta
correta se argumentarmos, como muitos fizeram, que o Holocausto é um
evento singular, mas seria a resposta errada se interpretarmos a questão de
maneira mais ampla como se referindo a outras tentativas de destruir uma
raça, religião, tribo ou nacionalidade.
Uma série de provas de compreensão realizadas em 1993 inclui
perguntas que qualquer professor – na verdade, que qualquer pessoa –
desejaria que estudantes entendessem bem. (“A ‘solução final’ de Hitler
para a ‘questão judaica’ foi a. extermínio, b. deportação, c. remoção.”) Mas
outras seções podem dirigir a atenção da classe para caminhos estranhos.
(“A grande desvantagem de manter gatos no ‘Anexo Secreto’ era a. o cheiro
da caixa para excrementos, b. as brigas horríveis em que os animais se
envolvem, c. pulgas.”) Algumas questões são quase irrespondíveis: “A
regra de ouro de Anne era rir de tudo e a. não se preocupar com os outros,
b. não levar nada muito a sério, c. guardar seus problemas para si mesma.”6
Se os testes de múltipla escolha parecem simples demais, sugestões de
redações e planos de aula são muitas vezes confusamente abstratos.
Segundo A Guide for Using Anne Frank: “The Diary of a Young Girl” in
the Classroom, os estudantes deveriam se preparar para os tópicos que o
diário suscita respondendo às seguintes afirmações com um simples
“concordo” ou “discordo”.

1. Quero que a minha memória continue viva após a minha morte.


2. Até que a humanidade passe por uma metamorfose, haverá guerras.
3. O que está feito não pode ser desfeito, mas podemos evitar que aconteça de novo.
4. A formação final de nosso caráter está em nossas próprias mãos.
5. É bom sempre seguir a própria consciência.
6. Apesar de tudo, no fundo as pessoas são realmente boas.7

A natureza metafísica dessas sugestões parece uma evidência adicional


da aflição do educador (e, de fato, nossa) diante do horror do destino de
Anne. Esse desconforto muitas vezes leva os professores a atenuarem a
patologia que impeliu Anne para o sótão e a se concentrarem na resistência
e no espírito dos Frank e de seus vizinhos. Por mais compreensível que seja,
esse impulso faz um desfavor a Anne e sua obra, já que, em seu caso,
nenhum dos elementos – a vontade de sobreviver com o máximo de
humanidade e a vontade de exterminar com a máxima brutalidade – faz
sentido sem o outro.
O desejo de extrair uma lição afirmativa da história de Anne explica
também o fato de que a Anne que visita as salas de aula e que a literatura
pedagógica descreve é mais parecida com a da Broadway e de Hollywood
do que com a Anne que encontramos no diário. Os guias de ensino dão
grande destaque a seu otimismo e determinação, mas há pouco
reconhecimento do fato de que ela era uma jovem e complexa artista que
teve uma morte precoce e trágica. Um artigo de Stephanie Jones e Karen
Spector no Journal of Adolescent and Adult Literacy observa que os
estudantes podem realmente resistir à sugestão de que a história de Anne
não é a narrativa radiante que desejam imaginar:

Mesmo quando explicitamente informados de sua morte cruel, os estudantes ainda tendiam a
imaginá-la de maneira esperançosa. Quando estudantes responderam a uma questão em seu
livro didático … que perguntava como Anne poderia ter sido feliz num campo de concentração,
Charlotte respondeu: “Pelo que conheço de Anne, ela foi feliz nos campos de concentração.
Não precisava mais ficar em silêncio; podia se divertir lá fora. Podia estar na natureza. Ela
amava a natureza. Acho que esse foi um grato alívio para ela.” A base para a versão de
Charlotte era simplesmente “Pelo que conheço de Anne…” Quando Karen perguntou aos
colegas de classe de Charlotte se concordavam com ela, a sala se encheu de braços levantados;
alguns levantaram as duas mãos, mas ninguém abriu a boca ou manteve um braço abaixado em
protesto contra a declaração da aluna. Ninguém. Esse é um atestado da poderosa influência da
Anne Frank americanizada.8

Podemos imaginar que judeus confinados num esconderijo teriam


ficado (ainda que brevemente) contentes com a relativa liberdade de
Westerbork. Mas a ideia de Anne se divertindo em Auschwitz ou Bergen-
Belsen sugere uma falha nos módulos didáticos sobre o Holocausto que
muitas vezes têm o diário como núcleo. Alguma responsabilidade por isso
pode ter origem na dissonância cognitiva que deve afetar professores que
tentam apresentar (e o estudante que tenta compreender) a vida de Anne
Frank como um exemplo do triunfo do espírito humano. A conclusão lógica
dessa história não é a cova comum em Bergen-Belsen; logo, deve ser
tentador agir como se a história de Anne terminasse quando seu diário
termina, como se Auschwitz nunca tivesse existido.
Uma página de orientação ao docente no site www.scholastic.com
incluía um parágrafo intitulado “O diário de Anne para a esperança”, e
instruía os professores a se concentrarem na passagem que o site intitulava
“Sobre ainda acreditar” – a seção em que a crença de Anne na bondade
humana é abalada pela visão de um futuro catastrófico. Depois de ler isso
em voz alta para os alunos, o professor deveria “lhes pedir que reflitam
sobre as palavras de Anne Frank e registrem em seus cadernos as
impressões que tiverem. O que pensam que ela queria dizer com selva e o
trovão que se aproxima? O que nos diz essa passagem sobre ela? Como ela
os faz se sentir? Estimule os estudantes a responder acrescentando poemas,
desenhos e questões.”9
O âmbito da discussão sugerida por essas propostas é bastante comum
nos guias de ensino, mas a menção às “palavras de Anne Frank” representa
um desvio. Em geral, os planos de aula estimulam o instrutor a passar tão
rapidamente de Anne Frank para o Holocausto e dali para a experiência de
preconceito e discriminação dos próprios estudantes que, na maior parte das
vezes, Anne parece estar ausente da escola nos dias em que seu diário está
sendo ensinado.
Com frequência, o próprio diário é usado para estimular os estudantes
a falarem sobre si mesmos. No ensaio “Literature as invitation”, Robert
Probst descreve uma visita que fez a uma sala de aula perto de San José, em
Costa Rica. Encantados, os observadores viram os loquazes estudantes
passar de uma discussão sobre como pessoas podem se tratar umas às outras
de maneira tão desumana quanto os nazistas para questões sobre a
possibilidade de um evento semelhante se repetir, talvez ali perto – e dali
para a luta que estava então ocorrendo na Bósnia e em Kosovo. A
experiência, escreve Probst, representa “o que a literatura é ou poderia ser
na sala de aula se respeitarmos seu poder e o que ela oferece”.10
Mas, ainda que algumas dessas abordagens pedagógicas não consigam
lidar diretamente com a beleza – e o terror – da vida e obra de Anne Frank,
há algo admirável em qualquer instrutor que ensine O diário de Anne Frank
de qualquer maneira. (Exceto, é claro, a maneira em que podemos imaginá-
lo sendo ensinado pelo perverso Ditlieb Felderer ou por Lothar Stielau, que,
além de ser um dos primeiros negadores do Holocausto a contestar a
autenticidade do diário, era professor do ensino médio.) Idealmente, o
diário deveria ser apresentado com o equilíbrio perfeito entre o literário, o
histórico e o pessoal, envolvendo a classe toda, informando cada estudante
de algo que ele precisa saber e deixando-os todos decididos a se tornarem
seres humanos mais empáticos.
A questão de como o diário é ensinado em nossas escolas é semelhante
sob alguns aspectos à de como ele foi representado no palco e na tela. Até o
debate menos objetivo pode inspirar estudantes – como inspirou
espectadores – a retornar à fonte original. Mais uma vez, o diário continua
sendo o diário, e em cada classe, alguns leitores sentirão uma conexão com
sua autora e aprenderão alguma coisa sobre a época em que ela viveu.
Mesmo quando o diário de Anne é usado principalmente como um
trampolim para a confissão pessoal, estudantes responderão à sua voz e à
sua sensibilidade.
É mais difícil nos convencermos disso, porém, quando, como ocorre
em muitas salas de aula, a adaptação de Goodrich-Hackett é ensinada como
se fosse o diário de Anne Frank. As vantagens de ensinar a peça em vez do
livro são óbvias. A versão teatral foi eficazmente pré-censurada e
expurgada para apresentar um equilíbrio aceitável entre o perturbador e o
enaltecedor. As referências à menstruação foram retiradas, e o sofrimento
de Anne foi “universalizado”, facilitando assim a transição entre a
discussão sobre o texto e a discussão sobre a vida dos estudantes. Pode ser
adotada tanto pela cadeira de inglês quanto pela de teatro, em escolas em
que ainda existem cadeiras de teatro. Primeiro os alunos estudam o texto,
depois o encenam.
Mas até isso pode ser transformado num exercício útil. Em seu
inteligente ensaio “Drama for Junior High School: The Diary of Anne
Frank”, Elizabeth A. Mapes sugere que se proponha aos estudantes que
leiam tanto o diário quanto a peça, permitindo-lhes assim discutir as
diferenças entre literatura e adaptação.

TALVEZ EU DEVA EXPLICAR O QUE eu poderia fazer se lecionasse no ensino


médio e tivesse a sorte de ser parte de um sistema escolar que permitisse
aos professores decidir como apresentar um livro e quanto tempo teriam
para fazê-lo. Estou imaginando uma classe ideal, talvez uma “honors
class”h de inglês do último ano do ensino médio numa escola pública
urbana como a DeWitt Clinton High School de Nova York, um lugar que
menciono porque o visitei duas vezes, e em ambas os alunos – crianças da
região e filhos de imigrantes do mundo todo – me pareceram inteligentes,
ávidos, bem-informados e muito mais espertos do que eu.
Eu poderia usar ou recomendar, como livro-texto, a obra sensível e
abrangente de Hedda Rosner Kopf, Anne Frank’s “The Diary of a Young
Girl”: A Student Casebook to Issues, Sources and Historical Documents. O
volume contém úteis informações bibliográficas e contextuais, uma
perspicaz exposição de por que o diário é tão extraordinário, uma história
da família Frank e um relato do que aconteceu com as crianças judias
holandesas capturadas no Holocausto. Minha classe ideal saberia tudo sobre
Hitler, mas, para me assegurar, eu passaria um período preparatório
discutindo a ascensão do nazismo e a solução final.
Um excelente ensaio de Judith Tydor Baumel, “Teaching the
Holocaust through the Diary of Anne Frank”, inclui uma lista de passagens
do diário que podem ser usadas para explorar o assunto dos crimes dos
nazistas contra os judeus.

Tomemos o Diário e comecemos a traçar um projeto formulando algumas questões pertinentes.


Primeiro, como a política antijudaica nazista na Holanda ocupada é revelada através das
entradas escritas pela jovem Anne Frank? De que maneira seu diário representa a reação judaica
à política nazista?11

Muitos guias de ensino sugerem abrir a discussão imediatamente para


outros genocídios e para as experiências de injustiça dos alunos, aqui ou em
seus países de origem. Em minha classe, porém, o principal evento seria o
próprio diário. Eu pediria a meus alunos que o lessem pelo menos duas
vezes e escrevessem sobre como suas impressões mudam de uma leitura
para a seguinte. Na sala de aula, eu lhes pediria para ler em voz alta
entradas inteiras. Talvez o descascamento comunal de batatas, ou a
fabricação de salsichas, ou a invasão no térreo. Examinaríamos como Anne
começa e termina uma entrada, quais detalhes ela escolhe e quais omite.
Como ela nos faz ver os membros da sua família e seus vizinhos como seres
humanos complexos? Como nos ajuda a compreender a perigosa situação
em que se encontram? Falaríamos sobre suspense, honestidade, tom e
estilo; sobre como os fios de trama e personagem estão entrelaçados; sobre
como um autor pode parecer estar falando diretamente para nós. Eu lhes
lembraria que Anne Frank era uma escritora, que a aparente naturalidade de
seu estilo é uma realização artística e que sua proeza não é de modo algum
diminuída (ou sequer afetada) por sua idade ou sexo. Ressaltaria que ela
nunca quis que sua obra fosse chamada O diário de Anne Frank, mas sim O
anexo secreto. Talvez discutíssemos a razão entre a adversidade e a
velocidade com que crianças são obrigadas a crescer.
Certamente há guias de ensino que propõem a abordagem que
descrevi. Mas, esquadrinhando as bibliotecas, livrarias e a internet, não
encontrei muita coisa semelhante a ela. Em vez disso, li uma grande
variedade de instruções com alguns temas comuns, relacionados em sua
maioria a preconceito e tolerância. É óbvio que há um lugar para isso na
sala de aula, sobretudo se reconhecermos que o objetivo da educação não é
apenas encher a cabeça de estudantes de informação, por mais prática e útil
que esta seja, mas também ensinar-lhes como viver.
O diário de Anne Frank está repleto de lições que podem ajudar
estudantes a chegar às suas próprias conclusões sobre moralidade e bondade
humana. Mas mesmo o talento, a determinação e a competência com que
uma criança criou uma obra de arte, e as trágicas circunstâncias que
forçaram essa criação, são lições que não deveriam ser ignoradas porque
nos deixam infelizes ou desconfortáveis. O próprio fato de uma menina ter
podido escrever um livro como esse é uma informação tão valiosa quanto
qualquer um dos princípios morais edificantes que podem ser extraídos das
palavras que uma menina solitária, aprisionada num sótão, confidenciou
para sua amiga imaginária.

O QUE FAZ COM QUE NOS SINTAMOS ainda mais gratos aos professores que
adotam O diário de Anne Frank é a campanha que foi movida para impedir
que ele fosse sequer ensinado – ele está entre os livros mais frequentemente
proibidos ou contestados em bibliotecas e escolas americanas.
Numa lista compilada pelo Online Computer Library Center em 2005,
O diário de Anne Frank era o número 13 numa lista de livros censurados. A
National Coalition Against Censorship relata que no verão de 2004, “na
Fowler High School em Fowler, Colorado, a professora iniciante Sara
McCleary não foi recontratada porque pediu a seus alunos do nono ano que
lessem O diário de Anne Frank. Depois que um dos pais fez objeção a uma
referência sexual, o Conselho Escolar cancelou seu contrato e retirou o livro
das salas de aula, deixando um único exemplar na biblioteca”.12
Durante alguns anos, esses ataques ao livro – e aos que o ensinavam –
foram sobretudo reações às reflexões de Anne sobre as mudanças em seu
corpo e seu encantamento por Peter. Essas passagens, afirmava-se,
estimulavam uma atmosfera de permissividade sexual inadequada a um
ambiente de sala de aula – ou, presumivelmente, qualquer ambiente em que
adolescentes estivessem presentes. Um levantamento de 1982 descobriu que
o livro havia sido proibido em parte porque “descreve o desenvolvimento
físico de uma menina de maneira explícita demais”. Inadvertidamente, essas
objeções fazem eco a Ditlieb Felderer e outros como ele que condenaram o
diário como um livro sexual depravado. Na verdade, uma razão por que o
diário continuou sendo tão apreciado por jovens leitores tem a ver com a
abordagem franca e não histérica de Anne ao sexo, um tópico que mesmo
os adolescentes mais astutos muitas vezes acham ameaçador e embaraçoso.
É lamentável que o livro deva ser retirado do currículo por causa de algo
que ele faz bem – transmitir tão precisamente a crescente consciência da
sexualidade de uma adolescente de maneira que ainda pareça honesta e
verdadeira.
Mais tarde, à medida que a disposição nos conselhos escolares
distritais avançou mais para a direita, as acusações ao diário se expandiram
para incluir a rebeldia de Anne, vista como um estímulo implícito para que
os leitores adolescentes incorram na falta de respeito pela autoridade. Mais
recentemente ainda, a lista de objeções dos pais e da comunidade expandiu-
se para incluir os próprios valores morais e espirituais que o diário costuma
ser usado para fomentar.
Em dezembro de 1983, sete famílias fundamentalistas processaram o
distrito escolar público do condado de Hawkins, Tennessee, afirmando que
um livro escolar adotado nas classes dos filhos expunha estudantes a
valores e ideias – humanismo secular, liberalismo, diversidade religiosa,
tolerância – que violavam as crenças mais profundas delas. Na ação judicial
Mozert vs Hawkins County Board of Education, eles sustentaram que “o
uso de certos textos violava seu direito de livre exercício da religião e o
direito fundamental dos pais de controlar a instrução religiosa e moral de
seus filhos”.
O caso começou quando uma mãe, Vicki Frost, descobriu que um livro
didático do filho estava cheio de referências a bruxaria e magia. O começo
de Macbeth e uma seleção de trechos de O mágico de Oz eram
particularmente ofensivos. Ela ficou ainda mais encolerizada com um
trecho do diário de Anne Frank que sugeria que não importa em que Deus
você acredita, desde que você acredite em algum.
A passagem era da peça de Goodrich-Hackett, não do diário.
Ironicamente, as linhas controversas são tomadas da mesma cena que
causou tanto desgosto a Meyer Levin, a discussão em que Anne diz a Peter
que desejaria que ele tivesse uma religião, depois diz que ele não precisa ser
ortodoxo, ou acreditar no céu e no inferno. “Quero dizer apenas alguma
religião… não importa qual.”
A desjudaização deliberada de Anne e sua família, e, por extensão, dos
milhões de outros que morreram nos campos nazistas, magoara o pobre
Levin e mais tarde enfurecera Cynthia Ozick. O resultado não foi menos
penoso para cristãos fundamentalistas, uma situação que os criadores da
peça – tão ansiosos por universalizar o apelo do material – dificilmente
teriam podido prever. Há de se imaginar como a comunidade
fundamentalista teria reagido ao diário em si, em que fica mais claro que as
pessoas no sótão não são unitaristas, mas judeus, e que Anne na verdade
tem uma preferência com relação ao Deus que ela cultua. Ao mesmo tempo
que alguns leitores e críticos censuraram o modo como o diário foi, nas
palavras de Ozick, “expurgado, distorcido, transformado” num apelo à
compreensão e à aceitação, outros acusaram o livro (ou, mais precisamente,
sua adaptação teatral) de ser tolerante demais.
Segundo os documentos do caso Mozert vs Hawkins County Board of
Education,
é essa filosofia subjacente que ofende os queixosos, que acreditam que Jesus Cristo é o único
meio de salvação. Os queixosos rejeitam para seus filhos qualquer conceito de comunidade
global, governo mundial ou interdependência humana. Eles também rejeitam fortemente
qualquer sugestão, portanto, de que todas as religiões são apenas diferentes caminhos para
Deus, considerando isso um ataque à própria essência da doutrina cristã da salvação.13

Durante o julgamento, os queixosos sustentaram ainda que as leituras


fomentavam a rebelião e a anarquia, e que tanto pais quanto filhos poderiam
enfrentar a danação eterna em consequência do mero contato com os textos
“perversos”, “conspurcados” e “heréticos”.
O tribunal não considerou que os livros didáticos ou as seleções
citadas violavam os direitos constitucionais dos queixosos. Três anos mais
tarde, quando a causa subiu a uma instância superior, um juiz federal
decidiu que os filhos dos queixosos poderiam ter permissão para faltar às
aulas de leitura; o conselho escolar foi condenado a pagar mais de 50 mil
dólares às famílias como indenização.
Em 1987, essa decisão foi revogada pelo juiz de apelação Pierce
Lively, que estabeleceu uma distinção entre ler sobre as crenças de outras
pessoas e ser obrigado a adotá-las. Enquanto o caso se arrastava nos
tribunais, um diretor de teatro pediu permissão para encenar O diário de
Anne Frank numa escola de ensino médio em Hawkins County. O
superintendente da escola recusou, temendo que a produção pudesse
ofender ainda mais os pais fundamentalistas.

NA PRIMAVERA DE 2008, fui convidada a visitar um curso de arte na Bell


Academy, que oferecia o ensino fundamental em Queens, uma escola
pública autônoma cujos alunos incluem tanto algumas crianças muito
inteligentes quanto outras com deficiências de aprendizagem. Ministrado
por Andrea Kantrowitz, uma artista plástica, o curso consistia em duas
horas de aula nas tardes de sexta-feira, ao longo de 17 semanas. Seus
alunos, que representavam o espectro das crianças matriculadas na Bell
Academy, recebiam um exemplar de O diário de Anne Frank e eram
estimulados a manter um caderno em que pudessem copiar suas citações
favoritas do livro e suas próprias impressões e histórias. O projeto a ser
realizado em aula – para o qual a turma foi dividida em pequenos grupos,
trabalhando colaborativamente – era produzir uma antologia de histórias em
quadrinhos sobre temas relacionados à obra de Anne Frank ou a discussões
que ela tivesse inspirado. Eles também estudaram passagens de dois
graphic novels, Maus de Art Spiegelman e Persépolis de Marjane Satrapi.
Era um curso eletivo, e os estudantes pareciam felizes por estar ali.
Todos estavam claramente prestando total atenção, inclusive algumas
crianças solitárias que pareciam desligadas do grupo. A turma incluía
brancos, negros, latinos, sul-asiáticos e coreanos; um par de meninos
parecia ligeiramente autista. Estes últimos estavam entre os estudantes mais
interessantes, com certeza os mais devotados a copiar citações e escrever
em seus cadernos. Um deles havia começado uma história de viagem no
tempo, uma jornada que levava seus personagens de volta do presente para
os dias do Holocausto.
A sessão a que assisti foi conduzida como uma aula de arte em estúdio.
Com muito tato, Kantrowitz criticou as tiras em quadrinhos dos estudantes
e sugeriu melhoramentos. Os enredos eram alegorias sobre racismo,
narrativas afirmando que respeito e afeição podiam transcender barreiras de
cor, até de espécies. Uma tira em quadrinhos dizia respeito a uma girafa e
um burro brincando em balanços no parque num dia ensolarado quando um
coelho arruaceiro riu deles por serem amigos embora tivessem
características diferentes; essa crítica deixou os animais brevemente
perplexos, e depois mais determinados do que nunca a continuar amigos.
À medida que passava de grupo em grupo, conversando com as
crianças, a maioria das quais lera todo o diário ou partes dele, fiquei
impressionada com as palavras que usavam a respeito de Anne Frank.
Valente, disse uma. Altruísta. O que deixava um menino assombrado era
que Anne ainda pudesse pensar que, no fundo, as pessoas eram boas,
quando ela estava “completamente confinada” no sótão. “Isso me fez pensar
que sempre há pessoas sofrendo em algum lugar”, disse uma menina, “e
como temos sorte por poder ir à escola.”
Uma garotinha disse que o diário a consolara, porque ela era judia e
tinha tido uma ótima amiga na escola; um dia, essa amiga lhe dissera que
tinham de parar de ser amigas; seu pai não queria que as duas andassem
juntas porque ela era judia. A menina ao lado dela disse que tivera a mesma
experiência com a mesma menina no primário. “Ela não tinha permissão
para ser nossa amiga porque somos judias. Claro, não estamos no
Holocausto”, disse ela. “Sabemos disso.”
“Ainda existe racismo”, acrescentou uma outra menina. “Mas não aqui
nesta aula.”
Olhei em volta. Ela tem razão, pensei. Pensei em Mariela Chyrikins e
Norbert Hinterleitner. O trabalho deles ali teria sido fácil. Aquelas crianças
não eram os fascistas e skinheads de amanhã. Para eles, ler o diário, mais
que uma intervenção crítica, era a ampliação de seu círculo de conhecidos
para incluir uma menina que viveu e morreu muito tempo antes que
nascessem e que estava certa com relação ao fato de que esperança e
sofrimento, compaixão e preconceito estarão para sempre conosco.

g Neologismos ingleses que designam, respectivamente, a maneira como os eventos são sequenciados
e a caracterização de atores históricos. (N.T.)
h Classe em geral menor, em que as matérias são apresentadas em maior profundidade. O pensamento
crítico e independente, a participação e a discussão na sala de aula são estimulados. Os alunos que
satisfazem a certos critérios podem se graduar “com honras”. (N.T.)
11. Bard College, 2007

O diário é um segundo tipo de Anexo Secreto, e é onde permanecemos


com Anne, ouvindo-a falar para nós apenas ocasionalmente e por
vezes só por um instante porque devemos ficar em silêncio para não
deixar que ninguém saiba que estamos ali. É onde Anne se esconde
para sobreviver.
JAMES MOLLOY, Bard College, formandos de 2010

NO FINAL DO OUTONO DE 2007, dei aula sobre O diário de Anne Frank para
uma turma do Bard College. Era um curso de close reading, ou leitura
analítica, em que estivéramos estudando as obras de escritores que iam de
John Cheever a Hans Christian Andersen, de Mavis Gallant a Leonard
Michaelis, de Roberto Bolaño a Grace Paley. Meus alunos eram não só
inteligentes, apaixonados e empenhados, mas intuitivos e
extraordinariamente cultos, e eu ficava frequentemente surpresa e encantada
com os saltos de imaginação que os levava da literatura para as artes visuais
ou a música. Uma discussão sobre Bolaño se transformara numa conversa
sobre Borges. Uma aula sobre “A rainha da neve” de Andersen inspirara um
debate sobre o erotismo inocente, perverso, fantástico do artista autodidata
Henry Darger.
Eu estava ansiosa por ouvir o que teriam a dizer sobre Anne Frank,
mas não estava preparada – nem eles – para a intensidade de suas reações.
Eu estivera pensando e escrevendo sobre os benefícios e os riscos de uma
identificação com Anne Frank; meus alunos demonstraram todos os
primeiros e nada dos últimos. Nascidos muito depois de sua morte, tinham a
impressão de que ela estava falando com eles. Como se fosse um deles.
Identificavam-se com sua humanidade, sua compaixão, seu humor, sua
impaciência, sua introspecção, suas lutas adolescentes, sem nunca perder de
vista a disparidade entre suas vidas confortáveis e privilegiadas e as
circunstâncias que a haviam levado ao esconderijo. Tinham aguda
consciência do abismo entre o que Anne fora obrigada a suportar e os
contratempos triviais que seus contemporâneos julgavam quase
insuportáveis.
Um estudante escreveu:

Eu não conseguia acreditar em como ela estava sempre decidindo ser mais feliz. Ela escreve
sobre muitas experiências de alegria. Mesmo naquelas condições extremas, consegue manter o
espírito de uma menina normal. Hoje coisas tão pequenas transformam pessoas em casos
perdidos, elas passam a tomar Prozac porque não conseguem pagar as faturas do seu cartão de
crédito. É difícil acreditar que ela consiga conservar tanto de si mesma. É capaz de contemplar
Amsterdam num dia ensolarado e ainda ficar extasiada com a beleza.

Eu lhes pedira que me enviassem antes da aula breves textos com suas
impressões e, talvez porque havíamos dado tanta ênfase ao modo como os
escritores escreviam, muitos se concentraram na eloquência de Anne.

Não só ela era uma escritora fabulosa, mas senti uma ligação especial com ela porque meus
avós ficaram escondidos durante a guerra, na França. Em certa altura ela diz que quer ser
jornalista, e fiquei pensando que esse é um dos melhores documentos jornalísticos da história.
Ela sabe tanta coisa. Percebia todos os sinais de perigo, os judeus não podem fazer isto, não
podem fazer aquilo. Quando sua irmã foi intimada, todos sabiam o que isso significava. É
assombrosamente bem escrito, e ela realiza um trabalho excelente ao nos fazer sentir o medo
que estava na base de tudo, o tempo todo.

Outro estudante escreveu: “Ela cria personagens tão verossímeis que


tive de ficar lembrando a mim mesmo que eles eram reais.” Outro
observou:
Há algo de fantástico e assombroso no nível e no tipo de detalhes que ela nos dá. Blocos de
diálogos, descrições de ações, e, em toda parte, personagem, personagem, personagem. Essa
menina é uma escritora assombrosa. Pego-me pensando: será que ela sabia o que estava
fazendo? É claro que Anne escreveu seu diário para si mesma, e ele significava muito para ela,
mas teria ele alguma vez sido algo mais? Todo escrito não é inevitavelmente “algo mais”, no
sentido de não ser apenas para o escritor? Como pode o ato de escrever deixar de ser para mais
alguém? É possível escrever, contar uma história, sem pensar em alguém para quem a estamos
contando?

Em classe, estimulei-os a falar sobre a diferença entre seu primeiro


encontro com o diário – a maioria deles o lera por conta própria, ou
recebera a tarefa de lê-lo no ensino fundamental ou médio – e a impressão
que ele lhes causava agora, especialmente depois de ter feito um curso de
leitura analítica. Uma jovem comentou ironicamente que não havia lido o
diário antes porque crescera em Seattle “e lá estudávamos os campos de
prisioneiros japoneses”. Alguns admitiram, com embaraço, que embora
tivessem lido o diário no ensino médio não tinham a menor ideia de como
Anne morrera, e ficaram horrorizados ao finalmente se inteirar da verdade.
Quase todos os que já o haviam lido mencionaram que não tinham tido
anteriormente quase nenhuma percepção do livro como literatura, mas
apenas como um documento histórico, ou uma espécie de livro de
memórias de uma adolescente-virando-adulta. Um estudante contou que
fora objeto de olhares esquisitos e comentários sarcásticos de seus colegas
da Bard (não matriculados no curso) quando o viram lendo O diário de
Anne Frank. Agiram como se ele estivesse assumindo uma espécie de
conduta regressiva irônica que envolvia levar de um lado para outro um
clássico infantil, o equivalente a usar sua merendeira da escola como pasta.
Quase todos falaram sobre como (talvez porque eram eles próprios tão
jovens) tinham tido pouca noção de Anne como uma personagem – e,
especificamente, do quanto ela havia mudado e se desenvolvido em dois
anos. “O que me impressionou”, disse um rapaz,

foi que ela começa como uma garotinha e amadurece, tornando-se capaz de ver as coisas mais
objetivamente. Em vez de se enfurecer com as pessoas, é capaz de dar um passo atrás e ver a si
mesma. Torna-se um ser humano realmente maravilhoso. Gosto do modo como ele termina,
com ela pensando como a vida seria boa se não houvesse outras pessoas nela. Isso torna mais
trágico que não tenha podido realizar todo o talento e a humanidade que possuía.
Outro concordou. “Ela começou como uma menina otimista tão
inocente e tornou-se tão mais inibida e consciente de si mesma.”
Outro ainda escreveu:

Anne é formidável. É tão poderosamente viva. (Dizer isso dessa maneira me parece um pouco
tolo, mas não sei bem de que outra maneira expressá-lo.) Tudo que ela descreve sobre o Anexo
Secreto é interessante porque ela está interagindo com ele e contando sobre ele à sua maneira
perspicaz, engraçada. Ela fala muitas vezes sobre seus pais, o sr. e a sra. Van Daan e Dussel
tentando corrigi-la ou envergonhá-la para que mude de comportamento. Nunca vemos
realmente o que aconteceu antes que os adultos a perseguissem, porque Anne está sempre
escrevendo depois do fato, não explicando seu próprio comportamento, o que quer que tenha
feito, mas não é difícil imaginar. Anne era provavelmente uma pessoa de convívio muito difícil.
Ela falava sem parar, dizia o que lhe vinha à cabeça, tinha opiniões firmes e era apenas uma
menina de 13 anos. Que companhia para se ter num Anexo Secreto!
Tornamo-nos “Kitty”, a amiga que ela inventa e a quem dirige todas as suas entradas. Anne
nos encontra pela primeira vez e pouco a pouco passa a nos conhecer e a se sentir à vontade
para nos fazer confidências. Como Kitty, somos os depositários de seus segredos.

Exceto por uma jovem, que encontrara de alguma maneira toda a


edição crítica e compreendera (ao contrário da maioria dos leitores) as
implicações das versões “a”, “b” e “c”, meus alunos ficaram pasmos ao
ouvir que Anne voltara atrás e revisara seu diário. Mas assim que tiveram
uma chance de pensar sobre o assunto, sentiram, como eu mesma, que isso
tornou o diário mais impressionante, e não menos autêntico.
À medida que a penumbra de dezembro se adensava do lado de fora da
janela e a sala de aula (eu evitava acender as desagradáveis lâmpadas
fluorescentes) ficava mais escura, as vozes dos alunos ficavam mais calmas,
e eles pareciam mais graves e entristecidos ao falar sobre os últimos dias de
Anne. Fiquei pensando que eram precisamente jovens como aqueles, de
coração aberto e idealistas, que poderiam algum dia acabar trabalhando
num lugar como a Fundação Anne Frank, tentando melhorar nosso mundo
avariado e possivelmente condenado. O tom em que falavam do diário
evocava o de um panegírico, ou o de um testemunho. Era como se
estivessem falando de uma amiga. Um de meus alunos sintetizou a essência
do que havia escrito sobre suas impressões:
Pergunto a mim mesmo se isso ocorre somente comigo, ou se sua escrita é tão pessoal que isso
é sintomático de todos os leitores, mas sinto uma ligação emocional com Anne Frank através de
seu texto. Isso é uma prova tanto do poder de seu trabalho quanto de seu caráter. Sentir uma
ligação real com uma menina que está morta há quase 63 anos … é uma experiência emocional
estranha, mas tenho a impressão de que a conheço bem. Sei que, se tivéssemos tido
oportunidade, teríamos sido próximos na vida. Temos muita coisa em comum em termos de
interesses e desejos. Tanto ela quanto eu gostamos de escrever e de história e detestamos
matemática e números, e admiro seu profundo senso de individualidade e a transparência
emocional que é evidente em seu texto. Ela tem uma paixão pela autoexpressão que acho muito
comovente, e gostaria de ser tão honesto e claro quando escrevo para mim mesmo … Anne e eu
partilhamos também uma paixão pela natureza e reconhecemos o poder existente na beleza
simples das experiências cotidianas da natureza. Posso recordar muitas noites em que olhei pela
minha janela da mesma maneira; a beleza da noite enchendo-me de emoção e mantendo-me
acordado… Penso que talvez tenha lido esse livro na escola, mas estou muito feliz por ter
lançado um novo olhar sobre ele agora que tenho 20 anos. Há tanta coisa aqui que me escapara.

Ouvindo-o, pensei: eles teriam sido amigos. Ela era uma menina de 15
anos. Via a si mesma ao mesmo tempo como comum e especial, crescendo
em circunstâncias que nada tinham de normais, ainda que seus pais
insistissem em seguir a rotina de uma vida cotidiana. O certo era que Anne
não cresceu acreditando que seria enviada para Auschwitz, e que morreria,
aos 15 anos, em Bergen-Belsen.
Ouvi meus alunos, tão cheios de vitalidade e ansiosos como ela teria
sido, apenas alguns anos mais velhos do que ela era quando morreu. Pedi a
um deles para ler alguma coisa do diário em voz alta, e ele escolheu a
última entrada, a passagem em que Anne imaginou a pessoa que ela poderia
ter sido se não houvesse mais ninguém no mundo.
Quando ele terminou, a classe estava em silêncio. Na quietude, pensei
sobre o desejo de Anne de continuar vivendo depois de sua morte. E ficou
claro para mim, como esteve durante todo o tempo em que escrevi este
livro, que seu desejo foi atendido. Lembrei como, mais de 50 anos atrás, na
primeira vez em que li o diário, continuei lendo até que a luz desaparecesse
pouco a pouco em meu quarto, como desaparecera agora, nessa sala de aula.
E durante aquelas horas nas quais meus alunos e eu falamos sobre seu
diário, pareceu-me que o espírito de Anne – ou, em todo caso, sua voz –
tinha estado ali conosco, presente e completamente vivo, audível em mais
um aposento que escurecia aos poucos.
Notas

A seguinte abreviação é usada nas notas:


DAF: The Diary of Anne Frank: The Revised Critical Edition. Preparada pelo Instituto Holandês
para a Documentação de Guerra. Editada por David Barnouw e Gerrold van der Stroom, traduzida
para o inglês por Arnold J. Pomerans e B.M. Mooyaart-Doubleday (Nova York, Doubleday, 2003).
[Essa edição não foi publicada no Brasil; os trechos citados neste volume seguem, sempre que
possível, a edição definitiva revista por Otto Frank e Mirjam Pressler, publicada aqui pela Record em
1995.]

1. O livro, a vida, a sobrevida

1. Entrevista com Hanneli Pick-Goslar no site da Scholastic, www.scholastic.com.


2. DAF, 5 abr 1944.
3. M. Gies, Anne Frank Remembered: The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank
Family, p.186.
4. J. Berryman, The Freedom of the Poet, p.92.
5. G.B. Stern, “Introduction to ‘Tales from the House Behind’”; H. Mulisch, “Death and the maiden”,
p.81.
6. H. Bloom, A Scholarly Look at the Diary of Anne Frank, p.1.
7. Reproduzido em H.A. Enzer e S. Solotaroff-Enzer (orgs.), Anne Frank: Reflections on Her Life
and Legacy, p.96.
8. R. Alter, “The view from the attic: an obsession with Anne Frank”, p.58.
9. DAF, 29 mar 1944.
10. P. Roth, The Ghost Writer, p.136.
11. DAF, 29 mar 1944.
12. DAF, 5 abr 1944.
13. DAF, 14 abr 1944.
14. DAF, 11 mai 1944.
15. DAF, 20 mai 1944.
16. M. Pressler, Anne Frank: A Hidden Life, p.15.
17. J. Thurman, “Not even a nice girl”, in Cleopatra’s Nose, p.101.
18. H.J.J. Hardy, “Documents examination and handwriting identification of the text known as the
Diary of Anne Frank: summary of findings”, p.166.
19. DAF, 5 abr 1944.
20. J. Thurman, op.cit., p.99.
21. Entrevista com David Barnouw, dez 2007.
22. L. Nussbaum, “Anne Frank”, p.21-31.
23. R. Blumenthal, “Five precious pages renew wrangling over Anne Frank”, p.A6.

2. A vida

1. DAF, 20 jun 1942.


2. DAF, 8 mai 1944.
3. DAF, 8 mai 1944.
4. DAF, 20 jun 1942.
5. M. Müller, Anne Frank, The Biography, p.132.
6. Entrevista com Hanneli Pick-Goslar no site da Scholastic, www.scholastic.com.
7. W. Lindwer, The Last Seven Months of Anne Frank, p.16.
8. E. Schloss, Eva’s Story, p.32.
9. E. Schnabel, Anne Frank, A Portrait in Courage, p.49.
10. Ibid., p.58.
11. DAF, 20 jun 1942.
12. G. Mak, Amsterdam: A Brief Life of the City, p.249.
13. D. van G. Last e R. Wolfswinkel, Anne Frank and After: Dutch Holocaust Literature in a
Historical Perspective, p.43.
14. M. Gies, Anne Frank Remembered: The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank
Family, p.68.
15. A. Frank, Tales from the Secret Annex, p.52.
16. Dr. J. Presser, The Destruction of the Dutch Jews, p.127.
17. DAF, 20 jun 1942.
18. H. Heydrich, Atas da Conferência de Wannsee.
19. D. van G. Last e R. Wolfswinkel, op.cit., p.54.
20. Ibid., p.45.
21. Ibid., p.69.
22. Ibid., p.10.
23. M. Gies, op.cit., p.44.
24. Ibid., p.29.
25. Ibid., p.88.
26. DAF, 9 jul 1942.
27. E. Schnabel, op.cit., p.103.
28. www.annefrank.org.
29. DAF, 10 jul 1942.
30. DAF, 19 nov 1942.
31. DAF, 16 set 1943.
32. H. Paape, “The betrayal”, em DAF, p.40.
33. E. Hillesum, An Interrupted Life: The Diaries of Etty Hillesum, p.208.
34. W. Lindwer, op.cit., p.52.
35. E. Schnabel, posfácio a The Diary of a Young Girl, p.281.
36. W. Lindwer, op.cit., p.104.
37. Ibid., p.74.

3. O livro, parte I

1. E. Schnabel, Anne Frank, A Portrait in Courage, p.133.


2. S. Wiesenthal, The Murderers Among Us, p.171-83.
3. M. Gies, Anne Frank Remembered: The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank
Family, p.11.
4. DAF, 28 jan 1944.
5. DAF, 8 mai 1944.
6. J. Blair, diretor, Anne Frank Remembered, 1995.
7. M. Gies, op.cit., p.235.
8. DAF, 11 abr 1944.
9. G. van der Stroom, “The diaries, ‘Het Achterhuis’ and the translations”, p.64.
10. J. Romein, DAF, p.67.
11. J. Romein, introdução, Het Achterhuis, trad. Mark Schaevers.
12. G. van der Stroom, DAF, p.73.
13. Carta a Otto Frank no arquivo Anne Frank.
14. J. Jones, The Tenth Muse: My Life in Food, p.46.
15. Carta a Otto Frank no arquivo Anne Frank.
16. Idem.
17. I. Buruma, “The afterlife of Anne Frank”, p.4.
18. A. White, resenha de The Diary of a Young Girl.
19. Carta de Donald Elder a Otto Frank no arquivo Anne Frank.
20. DAF, introdução.
21. G. Ward, A First-Class Temperament: The Emergence of Franklin Roosevelt, p.251, 661.
22. Carta de Otto Frank a Eleanor Roosevelt no arquivo Anne Frank.
23. Idem.
24. M. Levin, “The child behind the secret door”, p.1.
25. Time, 16 jun 1952.
26. Commonweal, vol.6, n.12, jun 1952.
27. Carta de Barbara Zimmerman a Otto Frank no arquivo Anne Frank.

4. O livro, parte II

1. M. Pressler, Anne Frank: A Hidden Life, p.31.


2. DAF, 1º ago 1944.
3. DAF, 15 jul 1944.
4. DAF, 4 ago 1943.
5. DAF, 8 nov 1943.
6. DAF, 1º jul 1942.
7. DAF, 20 jun 1942.
8. J. Berryman, The Freedom of the Poet, p.95.
9. DAF, 18 mai 1943.
10. DAF, 28 jan 1944.
11. DAF, 9 ago 1943.
12. DAF, 29 out 1942.
13. A. Frank, Tales from the Secret Annex, p.162.
14. DAF, 11 mai 1944.
15. DAF, 10 mar 1943.
16. DAF, 2 abr 1943.
17. DAF, 13 jun 1944.
18. DAF, 29 dez 1943.
19. DAF, 7 mar 1944.
20. DAF, 16 jun 1944.
21. E. Schnabel, Anne Frank, A Portrait in Courage, p.106.
22. M. Gies, Anne Frank Remembered: The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank
Family, p.173.
23. DAF, 29 out 1943.
24. DAF, 10 mar 1943.
25. DAF, 6 jan 1944.
26. M. Müller, Anne Frank, The Biography, p.188.
27. DAF, 5 jun 1944.
28. DAF, 22 dez 1942.
29. DAF, 22 dez 1943.
30. DAF, 14 fev 1944.
31. DAF, 23 jul 1943.
32. DAF, 20 mar 1944.
33. DAF, 5 fev 1943.
34. DAF, 9 ago 1943.
35. DAF, 20 mar 1944.
36. DAF, 30 out 1943.
37. J. Berryman, op.cit., p.95.
38. DAF, 9 nov 1942.
39. DAF, 18 mai 1943.
40. DAF, 10 dez 1942.
41. DAF, 24 jan 1944.
42. DAF, 27 mar 1943.
43. DAF, 6 jun 1944.

5. O livro, parte III

1. DAF, 14 jun 1942.


2. DAF, 15 jun 1942.
3. DAF, 30 jun 1942.
4. DAF, 5 jul 1942.
5. L. Nussbaum, “Anne Frank”, p.26.
6. DAF, 6 jan 1944.
7. DAF, 27 fev 1944.
8. DAF, 28 abr 1944.
9. L. Nussbaum, op.cit., p.28.
10. DAF, 29 mar 1944.
11. DAF, 28 set 1942.
12. S.P. Iskander, “Anne Frank’s reading: a retrospective”, p.103.
13. DAF, 20 out 1942.
14. DAF, 14 ago 1942.
15. DAF, 17 nov 1942.
16. M. Pressler, Anne Frank: A Hidden Life, p.140.
17. DAF, 24 mar 1944.
18. L. Nussbaum, op.cit., p.24.
19. Ibid., p.30-1.
20. DAF, 22 jan 1944.

6. A casa

1. M. Chyrikins, entrevista à autora, Amsterdam, 14 fev 2008.


2. N. Hinterleitner, entrevista à autora, Amsterdam, 14 fev 2008.
3. B. Bettleheim, “The ignored lesson of Anne Frank”, in H.A. Enzer e S. Solotaroff-Enzer (orgs.),
Anne Frank: Reflections in Her Life and Legacy, p.189.
4. I. Buruma, “The afterlife of Anne Frank”, p.4.
5. L. Langer, “The americanization of the Holocaust on stage and screen”, in H.A. Enzer e S.
Solotaroff-Enzer (orgs.), op.cit., p.201-2.
6. DAF, 15 jul 1944.
7. C. Ozick, “Who owns Anne Frank?”, p.78.
8. S. Dresden, Persecution, Extermination, Literature, p.198.
9. C. Ozick, op.cit., p.78.
10. R. Alter, “The view from the attic: an obsession with Anne Frank”, p.58.
11. A. Koestler, The Yogi and the Commissar and Other Essays, p.97.
12. P. Levi, The Drowned and the Saved, p.145.
13. L. Lewisohn, resenha de The Diary of A Young Girl, p.20.
14. I. Buruma, op.cit., p.4.
15. C. Ozick, op.cit., p.79.
16. Ibid., p.80.
17. Ibid., p.78.

7. A peça

1. M. Levin, The Obsession, p.28.


2. J. Jones, The Tenth Muse: My Life in Food, p.46.
3. M. Levin, op.cit., p.7.
4. Ibid., p.37.
5. Ibid., p.13.
6. Ibid., p.39.
7. Ibid., p.40.
8. Ibid., p.31.
9. M. Levin, “The child behind the secret door”.
10. Variety, 18 jun 1952.
11. Carta de Barbara Zimmerman a Frank Price, citada em R. Melnick, The Stolen Legacy of Anne
Frank: Meyer Levin, Lillian Hellman, and the Staging of the Diary, p.22.
12. Carta de Barbara Zimmerman, citada em L. Graver, An Obsession with Anne Frank: Meyer Levin
and the Diary, p.72.
13. Carta de Meyer Levin a Otto Frank, citada em R. Melnick, op.cit., p.24-5.
14. Carta de Otto Frank a Meyer Levin, citada em L. Graver, op.cit., p.54.
15. Ibid, p.50.
16. D.L. Goodrich, The Real Nick and Nora: Frances Goodrich and Albert Hackett, Writers of Stage
and Screen Classics, p.207.
17. M. Levin, The Obsession, p.61.
18. Ibid., p.36.
19. M. Levin, “Anne Frank: a play”, ms. inédito na Dorot Jewish Division, New York Public Library,
p.2.
20. M. Levin, op.cit., p.7.
21. Ibid., p.17.
22. Ibid., p.68-9.
23. Ibid., p.41.
24. A. Frank, Tales from the Secret Annex, p.172-3.
25. M. Levin, op.cit., p.60.
26. Carta de Carson McCullers a Otto Frank, citada em L. Graver, op.cit., p.51-2.
27. Carta de Carson McCullers a Otto Frank no arquivo Anne Frank.
28. Idem.
29. Carta de Meyer Levin a Otto Frank, citada em R. Melnick, op.cit., p.88.
30. Documentos de Goodrich e Hackett, citados em L. Graver, op.cit., p.78.
31. F. Hackett, “Diary of the diary of Anne Frank”, p.xi.
32. New York Post, 13 jan 1954, citado em L. Graver, op.cit., p.80.
33. Carta de Meyer Levin a Otto Frank, citada em R. Melnick, op.cit., p.104.
34. F. Hackett, op.cit., p.xi.
35. G. Kanin a F. Hackett e A. Hackett, citado em R. Melnick, op.cit., p.115.
36. F. Hackett, op.cit., p.xi.
37. B. Kalb, “Diary footnotes”, p.3.
38. Carta de Meyer Levin a Otto Frank, citada em R. Melnick, op.cit., p.123.
39. J. Schildkraut, My Father and I, p.230.
40. F. Hackett, op.cit., p.xi.
41. The Diary of Anne Frank, dirigido por G. Stevens, DVD, material extra.
42. F. Hackett, op.cit., p.xi.
43. B. Kalb, op.cit., p.xi.
44. F. Hackett,op.cit., p.xi.
45. B. Kalb, op.cit., p.xi.
46. F. Goodrich e A. Hackett, The Diary of Anne Frank and Related Readings, p.30.
47. Ibid., p.118.
48. Idem.
49. Ibid., p.122.
50. B. Atkinson, crítica de The Diary of Anne Frank, p.24.
51. B. Atkinson, “Inspired theater”.
52. Newsweek, 17 out 1955, p.103.
53. The New Yorker, 15 out 1955, p.75-6.
54. K. Tynan, “At the theater: Berlin postcript”.
55. T.W. Adorno, “What does coming to terms with the past mean?”, in Bitburg in Moral and
Political Perspective, p.127.
56. W. Kesselman, entrevista à autora por telefone, verão 2007.
57. B. Brantley, “This time, another Anne confronts life in the attic”, p.16.
58. M.M. Hoagland, “Anne Frank onstage and off”.
59. V. Canby, “A new Anne Frank still stuck in the 50’s”, p.5.
60. N. Portman, “Thoughts from a young actor”, p.80.

8. O filme

1. A. Frank, Tales from the Secret Annex, p.82.


2. The Diary of Anne Frank, dirigido por G. Stevens, DVD, material extra.
3. The Diary of Anne Frank, dirigido por G. Stevens.
4. Idem.
5. J. Doneson, The Holocaust in American Film, p.72.
6. DAF, 9 out 1942.
7. The Diary of Anne Frank, dirigido por G. Stevens.
8. Idem.
9. S. Winters, Shelley II, The Middle of My Century, p.227.
10. The Diary of Anne Frank, dirigido por G. Stevens.
11. Idem.

9. Negação

1. R. Boatman, carta ao Idaho Statesman, jul 1998.


2. T. Hendry, The American Mercury, verão 1967.
3. D. Felderer, Anne Frank’s Diary, A Hoax, p.64.
4. Ibid., p.6.
5. F.X. Clines, “Anne Frank again focus of challenge”, The New York Times, 21 abr 1987, p.A10.
6. German Press Agency, 26 fev 2007.

10. O diário ensinado


1. D. Shefer-Vanson, The Diary of Anne Frank, Cliff’s Notes, p.6.
2. R.K. Johnson, “Teaching the Holocaust”, p.69.
3. DAF, 3 mai 1944.
4. L. Shore, “Anne Frank in life and death: teaching the lesson of the Holocaust”, p.15-28.
5. M. Keller, “Remembering the Holocaust”, Education Resources Information Center, guia de aula,
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6. S.J. Erlenbusch, Projects for Anne Frank: Diary of a Young Girl.
7. M.L. Robbins, A Guide for Using Anne Frank: “The Diary of a Young Girl” in the Classroom,
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8. K. Spector e S. Jones, “Constructing Anne Frank: critical literacy and the Holocaust in eighth-
grade english”, Journal of Adolescent and Adult Literacy, set 2007, p.40.
9. K.M. Peterson, Cyberhunt Teacher’s Page, mai-jun 2004, www.scholastic.com.
10. R. Probst, “Literature as invitation”, p.8-15.
11. J.T. Baumel, “Teaching the Holocaust through ‘The Diary of Anne Frank’”, p.49.
12. National Coalition Against Censorship, www.ncac.org.
13. Bob Mozert et al. v. Hawkins County Public Schools et al. U.S. District Court for the Eastern
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Bibliograf ia selecionada

Livros

Obras de Anne Frank

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Artigos

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Filmes
Anne Frank Remembered (DVD). Direção de Jon Blair. Narrado por Kenneth Branagh. S.l., Sony
Picture Classics, 1995.
Anne B. Real (DVD). Direção de Lisa France. Com Janice Richardson, Carlos Leon, Ernie Hudson.
S.l., Screen Media Films, 2003.
The Diary of Anne Frank (DVD). Direção de George Stevens. S.l., Twentieth-Century Fox Films,
1959. [Título no Brasil: O diário de Anne Frank.]
Agradecimentos e fontes

Aprendi muitas coisas ao escrever este livro, e uma delas foi o que os
autores querem dizer quando afirmam, em páginas como estas, que há
pessoas sem as quais seu trabalho teria sido simplesmente impossível.
Segue abaixo uma lista (apenas parcial, lamento) daqueles que tornaram a
criação e a concretização desta obra uma possibilidade – e um prazer.
Em Amsterdam, Annemarie Bekker, Mariela Chyrikins, Theresien da
Silva e Norbert Hinterleitner cederam generosamente seu tempo. Erika
Prins não só me guiou pelos caminhos intricados do arquivo Anne Frank
como leu o manuscrito e fez valiosas sugestões. Jan Eik Dubbelman e
Dienke Honduis foram fontes inesgotáveis de amizade, competência e
encorajamento quando eu mais precisava. Historiadora e escritora, Dienke
leu o manuscrito de forma meticulosa, fazendo críticas e sugestões de
edição úteis – na verdade, indispensáveis – que incorporei à versão final.
Na Basileia, Bernd Elias e Barbara Eldridge leram o livro com
disposição e reponderam com um entusiasmo que significou muito para
mim. No Anne Frank Center, em Nova York, Maureen McNeil não só me
apresentou a professores e alunos da Bell Academy como me forneceu
valiosos contatos de seus colegas em Amsterdam.
Quero agradecer a Peter Carey e ao programa de bolsas Hertog
Fellowship, do mestrado do Hunter College; seu auxílio me proporcionou
assistentes de pesquisa que colaboraram comigo em todas as etapas do
trabalho: Ana Jomolca, Annie Levin e Tennessee Jones. Agradeço também
a Zachary Wolfe, Christina Bailly e Alexandra Bowe por ajudarem a
preparar o livro para publicação, e a Mark Schaevers por seu humor,
amizade e ajuda com pesquisa e tradução.
Meus brilhantes alunos no Bard College reagiram ao diário de Anne
Frank de maneiras tão profundamente emocionantes que decidi incluir no
livro um capítulo descrevendo suas manifestações. Gostaria de agradecer a
cada um deles: Alex Carlin, Gabriel DeRita, Evelyn Fettes, Sam Freilich,
Simon Glenn Gregg, Shay Howell, Samuel Israel, Sonya Landau, Sara
Lynch-Thomason, James Molloy, Emily Moore, Evan Neuwirth, Angela
Sakrison, Tegan Walsh e Daniel Whitener. Agradeço também a Leon
Botstein por ter me levado para o Bard College, e a Norman Manea por sua
amizade e gentileza ao me apresentar a essa notável instituição.
Minha editora, Terry Karten, foi, como sempre, paciente, inspiradora e
mais solícita (em diversos sentidos) do que eu poderia expressar. Também
não tenho palavras para dizer o quanto dependi da presteza, do cuidado e da
constante alegria e energia positiva de minha agente, Denise Shannon.
Embora eu costumasse brincar que podia ouvir meus amigos folheando uma
revista do outro lado da linha quando eu telefonava para falar
obsessivamente sobre o assunto deste livro, a verdade é que contei com eles
para me ouvir e aconselhar. Obrigada a meus filhos, Bruno e Leon Michels,
e a minha nora, Yesenia Ruiz. Por fim, nenhuma palavra deste livro, ou de
qualquer coisa que eu tenha escrito em mais de 30 anos, poderia jamais ter
chegado ao papel não fosse o amor, os conselhos e o apoio de meu marido,
Howie Michels.

***

Robert Alter, trechos de “The view from the attic: an obsession with Anne
Frank”, The New Republic, 4 dez 1995. Copyright © 1995, Robert Alter.
Reproduzidos com permissão do autor. | Algene Ballif, trecho de
“Metamorphosis into American adolescence”, Commentary, nov 1955.
Copyright © 1955, The American Jewish Committee. Reproduzido com
permissão de Commentary. | John Berryman, trechos de “The development
of Anne Frank”, in The Freedom of the Poet. Copyright © 1967, 1976, John
Berryman. Reproduzidos com permissão de Farrar, Straus & Giroux LLC. |
Anne Frank, trechos de The Diary of Anne Frank: The Revised Critical
Edition pelo Instituto Holandês para a Documentação de Guerra, David
Barnouw e Gerrold Van Der Stroom (eds.), trad. de Arnold J. Pomerans,
B.M. Mooyaart-Doubleday & Susan Massotty. Copyright © 1986, 2001,
Anne Frank-Fonds, Basileia/Suíça para todos os textos de Anne Frank.
Tradução inglesa copyright © 2003, Doubleday, uma divisão de Random
House, Inc. e Penguin Books, Ltd. para The Diary of Anne Frank: The
Revised Critical Edition. Usados com permissão de Doubleday, uma divisão
de Random House, Inc. | Miep Gies, trechos de Anne Frank Remembered:
The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank Family, com um
novo posfácio por Miep Gies e Alison Leslie Gold. Copyright © 1987,
Miep Gies e Alison Leslie Gold. Reproduzidos com permissão de Simon &
Schuster, Inc. Todos os direitos reservados. | Bernard Kalb, trechos de
“Diary footnotes”, The New York Times, 2 out 1955, p.3. Copyright © 1955,
The New York Times Company. Usados com permissão e protegidos pelas
Leis do Copyright dos Estados Unidos. É proibida a impressão, cópia,
redistribuição ou retransmissão do material sem expressa permissão escrita.
| Meyer Levin, trechos de “Anne Frank: A play”, p.2, 7, 17, 41, 60, 68-69
(manuscrito inédito). Reproduzidos com permissão de The New York
Public Library, Dorot Jewish Division. | Meyer Levin, trecho de “A
challenge to Kermit Bloomgarden”, The New York Post, 13 jan 1954.
Copyright © 1954, NYP Holdings, Inc. Reproduzido com permissão. |
Carson McCullers, trechos de cartas a Otto Frank e Fritzi Frank.
Reproduzidos com permissão de The Lantz Office. | Laureen Nussbaum,
trechos de “Anne Frank”, in Women Writing in Dutch, Kristiann Aercke
(org.). Copyright © 1994, Garland Publishing, Inc. Reproduzidos com
permissão de Garland Publishing, Inc. sob o Copyright Clearance Center. |
Robert Warshaw, trecho de carta a Otto Frank do arquivo Anne Frank no
Museu Anne Frank em Amsterdam. Reproduzido com permissão de Paul
Warshaw. | Cara Weiss, trecho de uma carta a Otto Frank, in Love, Otto:
The Legacy of Anne Frank (Cara Wilson e Otto Frank. S.l., Andrews
McMeel, 1995). Reproduzido com permissão de Cara Wilson-Granat. |
Barbara Zimmerman, trechos de cartas editoriais. Usados com permissão de
Doubleday, uma divisão de Random House, Inc.
Índice remissivo

“absolvição kitsch”, 1-2


Adorno, Theodor, 1
Ahmadinejad, Mahmoud, 1
Alemanha (nazista)
boicote a homens de negócios judeus alemães, 1
Conferência de Wannsee e a “solução final”, 1
desumanização dos judeus, 1
emigração de judeus alemães e austríacos, 1
invasão da Holanda, 1-2
leis antijudaicas, 1, 2-3
mal feito por, 1
negação do Holocausto e, 1
Otto Frank deixa, 1-2
realidade da mensagem de Anne e, 1-2
violência antijudaica, 1-2
Ver também Holocausto
Alfred A. Knopf, editora, 1
Aliança Nacional (grupo neonazista), 1
Alter, Robert, 1, 2
American Jewish Committee (AJC), 1
American Mercury, 1
Amersfoort, campo de, 1
Amsterdam
anexo secreto no n.263 da Prinsengracht, 1, 2, 3, 4 (ver também anexo
secreto)
arrebanhamentos de judeus nas ruas, 1, 2-3
bairro dos Rios, judeus no, 1
colaboradores dos nazistas, 1-2, 3
deportações em massa de judeus, 1, 2-3
“emigração voluntária” de judeus, 1
escola montessoriana, 1, 2
estrelas amarelas usadas por judeus, 1-2, 3-4
gratificação paga pela delação de judeus, 1-2, 3-4
greve geral de protesto contra a repressão nazista, 1
incidente na sorveteria Koco, 1
invasão e ocupação nazista, 1-2
Joodse Invalide (Hospital Judaico), 1, 2
judeus arrastados de suas casas e levados para o Hollandsche
Schouwburg, 1-2
leis antijudaicas, 1-2, 3-4
Liceu Judaico, 1-2
Otto Frank emigra para, 1-2
prisão Huis van Bewaring, 1
prisão na Amstelveenseweg, 1
quartel-general da Gestapo, 1, 2-3
suicídio de judeus, 1-2
Anderson, Maxwell, 1
anexo secreto
água-furtada, 1-2
castanheira do lado de fora, 1, 2-3
chegada da família Frank ao, 1-2
comida no, 1-2
como O anexo secreto, 1
condições no, 1-2
conversão de laboratório em esconderijo, 1
descrito no Diário, 1
destino dos moradores, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10
deterioração das condições e falta de comida, 1
fotos dos moradores, 1-2
localização no prédio, 1-2
maquete, 1
no n.263 da Prinsengracht, 1, 2, 3
origem da ideia de usar como esconderijo, 1
papéis de Anne salvos do, 1
peregrinações de fãs ao, 1-2
planta baixa, 1-2
prisão dos moradores e o oficial que a efetuou, 1-2
quem traiu os moradores do, 1-2
retirada dos móveis após prisão dos moradores, 1
tédio da vida no, 1-2
tempo transcorrido até que moradores fossem descobertos, 1
visita de teatrólogos, 1
Ver também Museu Anne Frank
Anexo secreto, O (Frank) 19, 1, 2, 3, 4, 5
como título escolhido por Anne, 1, 2, 3
início pretendido, 1-2
introdução de Annie Romein, 1-2
Anne B. Real (filme), 1
Anne Frank Center, cidade de Nova York, 1
Anne Frank Remembered (filme), 1, 2, 3
Anne Frank: A Hidden Life (Pressler), 1, 2
Anne Frank: O outro lado do diário (Gies), 1, 2, 3
Anne Frank’s “The Diary of a Young Girl”: A Student Casebook to Issues,
Sources, and Historical Documents (Kopf), 1
Anne Frank’s Diary, A Hoax (Felderer), 1-2
Anne Frank-Fonds, 1
Anne no Nikki (desenho animado), 1
Argentina, 1
atentado a bomba no Centro Comunitário Judaico Amia, 1
ditadura e Guerra Suja, 1
Atkinson, Brooks, 1-2
Auschwitz
Anne no bloco dos sarnentos, 1
Bloco das Mulheres, 1-2, 3
chegada de Anne, cabelo raspado, braço tatuado, 1-2
comboios a partir de Westerbok, 1, 2-3
deportação de 40 mil judeus holandeses para, 1
descrições de, 1
fragmento de filme da libertação no YouTube, 1-2
libertação de Otto Frank, 1-2
libertação pelo exército russo, 1-2, 3
moradores do anexo secreto enviados para, 1-2
moradores do sexo masculino do anexo em, 1-2
sobreviventes de, 1-2
último trem para, levando os Frank, 1

Ballif, Algene, 1-2


Bard College, 1-2
Baschwitz, Kurt, 1
Baumel, Judith Tydor, 1
Bell Academy, Queens, Nova York, 1-2
Bep, ver Voskuijl, Elizabeth “Bep”
Bergen-Belsen, campo de
condições no, 1-2
cova comum em, 1, 2, 3
enfermeira em, 1
Hanneli Goslar no, 1, 2-3
libertação pelos britânicos, 1
morte de Anne no, 1, 2, 3, 4-5, 6
Berryman, John, 1, 2, 3, 4, 5, 6
Bettelheim, Bruno, 1, 2
Beymer, Richard, 1
Blair, Jon, 1, 2
Bloom, Harold, 1
Bloomgarden, Kermit, 1-2, 3, 4-5, 6, 7
Boatman, Robert, 1
Bolkestein, Gerrit, 1, 2, 3, 4
discurso radiofônico de, como instrução pessoal a Anne Frank, 1
Brandes-Brilleslijper, Janny, 1, 2, 3, 4
Branouw, David, 1
Brantley, Ben, 1
Buchenwald, campo de, 1
Buddeberg, Heinrich, 1
Buruma, Ian, 1, 2, 3

caligrafia de Anne Frank, análise forense da, 1, 2, 3, 4, 5-6


Calmann Lévy, editora, 1
Caminho real (Williams), 1
Canby, Vincent, 1
Cauvern, Albert, 1, 2
Cavalheiros, criados e mulheres (Heren, knechten en vrouwen, Van
Ammers-Küller), 1
Chaplin, Charlie, 1
Chenoweth, Helen, 1-2
Chile, 1
programa da Fundação Anne Frank na Villa Grimaldi, 1
Chomsky, Noam, 1
Chyrikins, Mariela, 1-2, 3, 4, 5, 6
Commentary, revista, 1, 2
crítica da adaptação de O diário de Anne Frank de Goodrich-Hackett,
1-2
crítica da adaptação de O diário de Anne Frank de Kesselman, 1
Commonweal, revista, 1
companhia têxtil Berghaus, 1
Contos do esconderijo (Frank), 1, 2, 3, 4
“A guerra das batatas”, 1-2
A vida de Cady (fragmento de novela), 1
“Sonhos de estrelato no cinema”, 1-2
Crawford, Cheryl, 1, 2, 3, 4

Das Tagebuch der Anne Frank (edição alemã), 1, 2-3


Days and Nights: page 121, lines 11 and 12 (Weitz), 1
“Development of Anne Frank, The” (Berryman), 1, 2, 3
Diário de Anne Frank, O (peça), 1, 2, 3, 4, 5-6
adaptação teatral, escritor para, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9-10
avaliação dos críticos, 1-2, 3-4, 5-6
como peça judaica, 1-2, 3-4, 5-6
descrição de Anne, 1, 2, 3-4, 5, 6-7
diretores, 1, 2-3, 4-5
efeito da peça sobre plateias e persistente popularidade, 1-2
ensaios, 1-2
ensino/uso na sala de aula, 1
entrevista com Kanin no The New York Times, 1-2
estreia na Alemanha, 1
final de, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8
humor em, 1
início e final de, 1
livros sobre, 1-2
Meyer Levin e, 1, 2-3
momentos penosos, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8
montagem em Hamburgo (1976), 1
montagem por Tina Landau (2007), 1
necessidade de ser comercial, 1-2, 3-4, 5-6
noite de estreia, 1
nova adaptação (1997), 1-2, 3
pesquisa no anexo secreto para, 1
prisão ficcionalizada em, 1-2
problema de criar tensão dramática em, 1-2, 3-4
produtores, 1-2, 3, 4, 5-6, 7-8, 9-10
prólogo de, 1-2
saída de Anne sorrindo, 1-2
seleção de atores para, 1-2
sucesso e prêmios conquistados, 1-2
universal como antônimo de judaico, 1, 2-3
Diário de Anne Frank, O: Edição crítica revista (1986, 2001)
análise forense da caligrafia da obra de Anne, 1, 2, 3, 4, 5-6
autenticidade do diário e, 1-2
blocos de informação acrescentados para explicar rituais diários e
alojamento, 1-2
caminhada dos Frank até o esconderijo, 1-2
chegada da família Frank ao anexo secreto, 1
cinco páginas “excluídas” sobre casamento dos pais ausentes da
primeira edição, 1-2, 3-4
comparações das primeiras entradas com segundo rascunho, 1-2
descrição da deterioração da sociedade civil holandesa, 1-2
desenvolvimento da espiritualidade, 1-2
dificuldade de acompanhar três narrativas de, 1-2
doenças dos ajudantes dos Frank e estoicismo, 1
entrada de 12 mar 1944, 1
entrada de 20 jun 1942, 1, 2-3, 4, 5, 6
entrada de 21 jun 1942, 1
entrada de 21 set 1942, 1
entrada de 22 jan 1944, 1
entrada de 27 nov 1943, 1
esboço do final de A vida de Cady, 1-2
estilo e voz de, 1-2, 3-4, 5-6
“drama” por causa da leitura de uma obra controversa, comparação de
versões, 1-2
fotografias da letra de fôrma e do cursivo de Anne, 1
ida a uma sorveteria (omitida do Diário), 1
início do diário, 1-2
intimação para Margot, explicação da, 1-2
lista de presentes de aniversário (omitida do Diário), 1-2
lista de professores (omitida do Diário), 1-2
Miep recupera e guarda diário e manuscritos de Anne, 1-2, 3-4
passagem de crítica a Miep restaurada e descrição da falta de comida,
1-2
passagem do “terrível pavor” revisada, 1-2
passagem sobre direitos das mulheres cortada por Otto Frank, 1
revelação do truque usado pelos Frank para fazer os outros acreditarem
que tinham fugido da Holanda, 1-2
revisão de uma conversa sobre modéstia, 1-2
revisão final feita em mar 1944, 1-2
sinos da igreja de Westertoren, 1
sobre a ânsia das pessoas por destruir e matar, 1-2
sobre a preparação do anexo secreto, 1-2
sobre a repressão nazista, 1
temores de traição descritos em, 1
testemunha judeus sendo levados embora, 1
versão “a” (rascunho original do diário), 1-2, 3-4
versão “b” (revisões de escritos originais feitas em folhas soltas), 1, 2-
3, 4, 5-6, 7-8, 9-10, 11, 12-13, 14-15, 16-17
versão “c” (livro produzido por Otto Frank combinando rascunhos de
Anne), 1 (ver também Diário de Anne Frank, O)
“Você se lembra”, escrito sobre seus dias no Liceu, 1-2
Diário de Anne Frank, O: Edição definitiva (Frank e Pressler, [eds.], 1995),
1, 2-3
Anne discorre sobre a genitália feminina em, 1
atenção da mídia a, 1
extensão de, 1-2
conteúdo e comparação com diário, 1-2
prefácio, 1-2
restaurações de passagens cortadas em, 1-2, 3-4
ritmo mais lento de, 1
Diário de Anne Frank, O ou Anne Frank: The Diary of a Young Girl
(versão “c”, 1947), 1, 2-3, 4-5
adolescência descrita em, 1, 2-3, 4-5, 6-7
alterações e cortes de Otto Frank, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8, 9-10, 11, 12-13,
14, 15, 16-17, 18-19
Anne tem visão de Lies (Hanneli) e da avó, 1, 2, 3
a quem o diário é endereçado, 1-2
arranjos para o banho, 1-2
avaliação dos críticos, 1, 2, 3, 4-5, 6-7, 8-9
“barbaridade insana” do fascismo denunciada por, 1
“boas maneiras” no anexo, 1
capa, fotografia de Anne, 1-2
caracterização em, 1, 2-3, 4-5, 6-7
casamento dos pais descrito em, 1
como clássico literário/obra-prima, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8-9
como documento do Holocausto, 1-2, 3-4, 5-6, 7
como memória, 1-2
como obra de arte, 1
como obra importante de memórias e confissão espiritual, 1
compaixão em, 1
competência técnica, 1
contexto histórico, importância do, 1
crítica ao conteúdo editado, 1-2
debate estimulado por, 1-2
descrição de Margot, 1-2
descrição de Otto Frank, 1-2
descrição de Peter, 1-2, 3
descrição de Pfeffer, 1-2, 3-4, 5-6
descrição dos Van Pels, 1-2
descrições dos momentos mais sombrios de Anne, 1-2
desejo de se tornar uma escritora, 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8, 9
edição alemã, 1
edição francesa, 1-2
edição holandesa, 1-2
edição nos EUA, 1-2
ensino do diário e uso na sala de aula, 1, 2, 3-4, 5, 6-7
entrada de 12 jun 1942, 1, 2
entrada de 1º ago 1944 (última entrada), 1, 2
entrada de 3 mai 1944, 1-2
entrada de 30 out 1943 (briga de família), 1
estilo literário, 1-2, 3-4
final de, 1
forma de, 1-2
Goodrich-Hackett como escritores, 1, 2-3, 4-5
história da publicação, 1-2, 3-4, 5-6
Holanda durante a Segunda Guerra Mundial, 1
horas das refeições, 1-2
incidentes dramáticos, 1-2
início do diário (passagem restaurada por Otto), 1, 2-3
interlúdios cômicos, 1-2
invasão aliada e, 1-2, 3
jogo, fantasias de libertação, 1-2
lido por prisioneiros, 1
livros lidos no anexo, 1-2
longevidade de, 1
medidas repressivas contra judeus em, 1
medo transmitido por, 1-2
mensagem de, 1-2
mérito literário de, 1-2, 3-4, 5, 6-7
mito de que o diário não foi revisado e reescrito, 1-2
momentos de isolamento e passagem lírica em, 1-2,
mulheres tratadas como inferiores, 1-2
negação da autenticidade, 1-2
no Japão, 1
olho para detalhes, 1-2
passagem em que Anne pergunta por que Deus escolheu os judeus, 1
passagem famosa sobre bondade humana, 1-2, 3-4, 5
passagens eliminadas da edição holandesa, 1
planos de publicar O anexo secreto, 1
posfácio, 1-2
prefácio de Eleanor Roosevelt, 1-2, 3
primeira(s) entrada(s), conteúdo das, 1-2
publicado nos Países Baixos como Het Achterhuis, 1-2
qualidades romanescas, 1-2, 3
relação de Anne com a mãe, 1, 2, 3-4, 5-6
remorso surgindo de, 1-2
respostas dos moradores a perguntas de Anne sobre sua dieta, 1-2
revisões de escritos originais feitas em folhas soltas (versão “b”), 1-2,
3-4, 5, 6-7
romance com Peter, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10, 11, 12-13, 14
sexo e sexualidade, 1-2, 3-4
tédio da vida no anexo, 1-2
transformação de criança em adulto, 1, 2-3, 4, 5-6, 7-8
vida familiar, 1-2, 3-4
voz narrativa, 1-2, 3-4, 5-6, 7, 8
Diário de uma ilusão (Roth), 1, 2, 3, 4
diários de guerra escritos por adultos, 1, 2-3
Diary of Anne Frank, The: A Song to Life (musical), 1, 2-3
Diary of Anne Frank, The: Cliff’s Notes (Shefer-Vanson), 1
Diary of Anne Frank – Is It Authentic? (Faurisson), 1
Did Six Million Really Die? The Truth at Last (Harwood), 1
Doubleday, editora, 1-2, 3
adaptação para o teatro e comissão, 1, 2-3, 4-5, 6
direitos teatrais e, 1-2
editora do Diário, 1-2
foto de capa escolhida, 1-2
“Drama for Junior High School: The Diary of Anne Frank” (Mapes), 1
Dresden, Sem, 1
Dubbelman, Jan Erik, 1, 2

Echoes of the Past (documentário), 1, 2, 3


Egyedi, Käthe “Kitty”, 1
Eichmann, Adolf, 1, 2, 3
É isto um homem? (Levi), 1
Elder, Donald B., 1
Elias, Bernd (primo), 1
Elias, Erich (tio), 1
escola montessoriana, Amsterdam sobrevivência das crianças judias na, 1
Escritores da liberdade (filme), 1
Estados Unidos
publicação de O diário nos, 1-2
recusam asilo à família Frank, 1, 2-3
Eva’s Story (Geiringer-Schloss), 1

Fantasma sai de cena (Roth), 1


Faurisson, Robert, 1
Felderer, Ditlieb, 1-2, 3, 4
Ferrer, Mel, 1
Flanner, Janet, 1, 2
Frank, Anne
ameaça de queimar de diário, 1
amigas da escola (Anne, Hanne e Sanne), 1
casa na Merwedeplein 37, 1, 2-3
casamento de Miep, 1-2
chega ao anexo secreto, 1
como fã de cinema, 1, 2, 3
como figura icônica, 1
consciência moral de, 1
desejo de que o livro fosse lido, 1, 2-3, 4-5, 6
desejo de viver após sua morte, 1-2
desenvolvimento da espiritualidade, 1-2
desenvolvimento literário de, 1-2, 3-4, 5-6
destino após descoberta no anexo, 1-2
diário como luta contra o isolamento, 1-2
diário lido por outros moradores do anexo, 1
diário xadrez e cadernos de exercícios, 1, 2-3
discurso radiofônico de Bolkestein como instrução pessoal, 1, 2, 3, 4-
5, 6
elogio de Roth a, 1
emigração para a Holanda, 1-2
estilo, mudanças no, 1-2, 3-4
filme caseiro de, 1-2, 3
filmes e docudramas sobre, 1
fotografias de, 1-2
identidade do traidor de, 1-2
identidade judaica de, 1-2
inclui origens da família no diário, 1-2
inicia o diário (versão “a”), 1-2, 3-4, 5-6
invasão e ocupação nazista de Amsterdam e, 1
lista leis antijudaicas que mais a afetam, 1-2
mensagem de, e maneiras como o diário foi recebido, 1-2
morte da avó, 1
morte de, 1, 2, 3, 4-5, 6
na escola montessoriana, 1, 2
nascimento, como Annelies Marie, 1
no Liceu Judaico, 1-2
novas revelações e alvoroço em torno de, 1
pasta contendo escritos, 1-2
percepção de si mesma como uma escritora, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8-9
personalidade e autoimagem, 1-2, 3-4, 5, 6-7
pessoas inspiradas por, 1-2, 3
Pfeffer posto no mesmo quarto e aversão de Anne por ele, 1-2
placa memorial na casa em Frankfurt, 1
poder de, 1
prisão e oficial que a efetuou, 1-2, 3
pseudônimos para moradores do anexo e ajudantes, 1
razões para escrever, 1-2
revisões de escritos originais feitas em folhas soltas (versão “b”), 1, 2,
3-4, 5, 6-7, 8-9, 10, 11-12, 13, 14-15, 16-17
talento literário de, 1-2, 3, 4-5
título de O anexo secreto, 1, 2, 3
visão da natureza humana, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11
Frank, Edith Hollander (mãe), 1
aparência, 1-2
arranjos para o banho, 1-2
caráter e personalidade, 1, 2-3, 4
casamento com Otto Frank, 1-2, 3-4, 5-6
casamento descrito no Diário, 1
cena sobre modéstia no Diário, 1-2
chega ao anexo secreto, 1
conflitos de Anne com, 1, 2-3, 4-5, 6-7
descrição no Diário, 1-2
destino após descoberta no anexo, 1-2
emigração para a Holanda, 1-2
horas das refeições, 1
ideias sobre criação de filhos, 1, 2-3, 4-5
irmãos nos EUA dispostos a patrocinar emigração da família, 1-2
jogo, fantasias de libertação, 1-2
juventude de, 1-2
livro de orações, 1
morte em Auschwitz, 1-2
opinião sobre dieta deficiente, 1
passagens sobre, cortadas por Otto Frank, 1-2
prisão de, 1-2
Frank, Elfriede, ver Geiringer-Schloss, Fritzi
Frank, Herbert (tio), 1
Frank, Margot (irmã), 1, 2, 3, 4, 5, 6
arranjos para o banho, 1
chega ao anexo secreto, 1
descrição no Diário, 1-2, 3
desejo de ler o diário, 1
destino após descoberta no anexo, 1-2
emigração para a Holanda, 1
horas das refeições, 1
intimação para trabalho forçado, 1-2, 3-4
jogo, fantasias de libertação, 1-2
morte em Bergen-Belsen, 1
nascimento, 1
opinião sobre dieta deficiente, 1
Frank, Michael (avô), 1-2, 3
Frank, Otto (pai)
acusação de evasão fiscal, 1-2
adaptação do Diário para o teatro, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10, 11, 12, 13
alterações e supressões do diário por, 1-2, 3, 4-5, 6, 7-8, 9, 10, 11, 12-
13, 14, 15-16, 17-18, 19-20, 21-22, 23
aparência, 1, 2, 3, 4
arranjos para banho no anexo, 1
banco da família, 1-2
destina lucros com Diário para causas ligadas aos direitos humanos, 1-
2
carta de agradecimento a Eleanor Roosevelt, 1-2
cartas pedindo asilo nos EUA ou em Cuba, 1, 2-3
casamento com Edith Hollander, 1-2, 3, 4-5, 6-7
casamento com Fritzi Geiringer-Schloss, 1-2, 3-4, 5, 6
casamento descrito no Diário, 1
Charlotte Kaletta e, 1
chega ao anexo secreto, 1
colapso nervoso, 1
como homem de negócios talentoso, 1-2
compaixão e visita aos doentes, 1, 2
descrição no Diário, 1, 2-3
destino após descoberto no anexo, 1, 2-3, 4-5
direitos de adaptação do Diário para o teatro e, 1
e advogados, 1, 2
é informado da morte da mulher e das ilhas, 1-2
editora americana do Diário e, 1-2
emigração para a Holanda, 1
estratagema para fazer vizinhos pensarem que os Frank tinham fugido
da Holanda, 1-2
família na Basileia, 1-2
horas das refeições, 1
ideias sobre criação de filhos, 1, 2-3, 4
inscreve família para “emigração voluntária”, 1
jogo, fantasias de libertação, 1-2
judaísmo e, 1-2
juventude de, 1-2, 3-4
Laureen Nussbaum e, 1
leitura do diário de Anne, 1-2
lembra oficial que efetuou prisão/recusa-se a processá-lo, 1-2
mensagem de Anne Frank e, 1-2
Meyer Levin e, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9, 10-11, 12-13
Miep Gies e, 1-2
mudança de status no anexo, 1-2
Museu Anne Frank e, 1-2
na Primeira Guerra Mundial, 1, 2
nascimento, 1-2
nos EUA, trabalhando na Macy’s, 1
obtém visto para Cuba, 1
Opekta, negócio de condimentos e pectina, 1, 2, 3
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
Pectacon, negócio, 1, 2
planeja ida para esconderijo, 1-2
prisão de, 1, 2
processo de Levin contra, 1, 2-3, 4-5, 6-7
processos contra Stielau e Buddeberg, 1-2
publicação do diário, 1-2
relação com Johannes Kleiman, 1-2
residência na Suíça, 1-2
resposta a cartas de leitores, 1
simpatia, 1 sobre traidor da família, 2-3
sobrevivência e retorno a Amsterdam, 1-2
solicitação de visto de saída, 1-2
tolerância e ética de, 1-2
versão cinematográfica do Diário e, 1, 2-3, 4-5
vida e finanças após a guerra, 1-2
vida no anexo, 1-2
Frank, Robert (tio), 1
Freedom Writers Diary, The, 1
Freud, Sigmund, 1, 2
Fundação Anne Frank, 1, 2-3, 4, 5
“Anne Frank – Uma história para hoje” (exposição), 1
ataques à autenticidade do diário e, 1
Audrey Hepburn e, 1
exposição em Boise e parque, 1
indenização paga por negador do Holocausto, 1-2
Mariela Chyrikins e, 1-2, 3
Norbert Hinterleitner e, 1, 2
objetivo da, 1-2, 3, 4
programas sobre tolerância para a Ucrânia, 1

Geiringer-Schloss, Eva, 1
Geiringer-Schloss, Fritzi (mais tarde Elfriede Frank), 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
Geiss, Edgar, 1
Gies, Jan, 1, 2, 3, 4
na Resistência, 1
Gies, Miep, 1, 2
apresentada a açougueiro para abastecer anexo, 1-2
carteira de identidade, 1-2
casamento e noivado apressado, 1-2
disposição para ajudar os Frank e outros, 1-2, 3, 4-5
interrupção de Anne em seu trabalho descrita por, 1
lembra leitura do diário por Otto Frank, 1-2
lembra de oficial que efetuou a prisão, 1
na Resistência, 1-2
observação de Edith Frank, 1
origens e relação com os Frank, 1-2
Otto Frank acha um grão de feijão esquecido, 1
passagem sobre corte por Otto Frank, 1
Pfeffer e, 1-2
preparação do anexo secreto, 1
recupera e guarda diário e manuscritos de Anne, 1-2, 3, 4
sobre apartamento dos Frank, 1-2
sobre Auguste van Pels, 1-2
sobre estrelas amarelas usadas por judeus, 1
sobrevivência de, 1
tentativa de subornar Silberbauer para que os Frank fossem libertados,
1-2
Gilford, Jack, 1
Ginsburg, Eugenia, 1
Goldstein-van Cleef, Ronnie, 1
Goldwyn, Samuel, 1
Goodrich, Frances, 1, 2, 3, 4-5, 6
Goslar, Ruth, 1
governo holandês no exílio: necessidade de um arquivo para documentos de
guerra, 1
Graver, Lawrence, 1
Guatemala, 1
Guide for Using Anne Frank, A: “The Diary of a Young Girl” in the
Classroom, 1
Guilhermina, rainha dos Países Baixos, 1

Hackett, Albert, 1, 2, 3, 4-5, 6


Hartog, Lammert, 1
Harwood, Richard, 1
Hazel, Doreen, 1
Hellman, Lillian, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7
Hendry, Teressa, 1, 2
Hepburn, Audrey, 1-2, 3
Hersey, John, 1, 2
Het Parool, 1
Heydrich, Reynhard, 1
Hillesum, Elly, 1, 2, 3
Hinterleitner, Norbert, 1, 2, 3-4, 5
Hitler and His Generals (Irving), 1
Hoagland, Molly Magid, 1, 2
Holanda
bombardeio de Roterdam, 1
capitulação holandesa e cooperação com os nazistas, 1
centro de detenção de Westerbork, 1, 2-3, 4, 5, 6
colaboradores na, 1-2
Conselho Judaico, 1, 2
deportação de 40 mil judeus holandeses para Auschwitz, 1
guerra no país descrita no Diário, 1
invasão alemã, 1-2
medidas antijudaicas instituídas, 1-2, 3
população judaica morta ou deportada durante a ocupação, 1-2
refugiados judeus na, 1
Resistência holandesa, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9
Seção de Assuntos Judaicos, Gestapo, 1
Ver também Amsterdam
Hollander, Oma (avó), 1, 2
morte de, 1
Holocausto
arrebanhamentos de judeus nas ruas, 1
deportação de 40 mil judeus holandeses para Auschwitz, 1
deportações em massa de judeus, 1-2
ensinado a estudantes, 1-2
Fundação Anne Frank e educação sobre, 1-2
listas de enviados em comboios, 1
marchas forçadas, 1, 2-3
negação do, 1-2
número de pessoas mortas, 1-2, 3-4
O diário de Anne Frank como um dos mais notáveis livros sobre, 1-2,
3, 4
“solução final” promulgada na Conferência de Wannsee, 1
Ver também Auschwitz; Bergen-Belsen; Westerbork; campos de
extermínio específicos
Hope Against Hope (Mandelstam), 1
Hopper, Dennis, 1
Huber, Gusti, 1

“Ignored lesson of Anne Frank, The” (Bettelheim), 1


In the Aeroplane Over the Sea, 1-2
Instituto Holandês para a Documentação de Guerra, 1
análise forense da caligrafia de Anne Frank, 1, 2, 3, 4, 5-6
publicação da edição crítica, 1
publicação da edição crítica revista, 1-2
Queda (Presser), 1
Instituto YIVO, 1, 2
Into That Darkness (Sereny), 1
Into the Whirlwind (Ginsburg), 1
invasão aliada, 1-2, 3-4, 5-6
Dia D, 1, 2-3
Irving, David, 1
Iskander, Sylvia P., 1
Israel Soldiers Theatre, 1

Jacobi, Lou, 1
Japão, 1
Anne no Nikki (desenho animado), 1
Jewish Advisory Council, 1
Johnson, Rebecca Kelch, 1
Jones, Judith, 1, 2
Jones, Stephanie, 1
Joop ter Heul (Van Marxveldt), 1, 2, 3, 4
Juliana, princesa coroada dos Países Baixos, 1

Kalb, Bernard, 1
Kaletta, Charlotte, 1, 2, 3
Kanin, Garson, 1, 2-3
Kantrowitz, Andrea, 1
Kazan, Elia, 1, 2
Keller, Michelle, 1
Kesselman, Wendy, 1, 2, 3
Kitty (confidente inventada), 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11
Kleiman, Corrie, 1
Kleiman, Johannes, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8, 9
ajudante dos moradores do anexo secreto, 1-2
correspondência cifrada com família do Otto na Basileia, 1
prisão de, 1
pseudônimo de Anne para (Koophius), 1
retorno à Opekta e desejo de ler os diários, 1-2
sobrevivência, 1
Klemperer, Viktor, 1
Koco, sorveteria, 1
Koestler, Arthur, 1
Kopf, Hedda Rosner, 1
Kugler, Viktor, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
ajudante dos moradores do anexo secreto, 1
como “Kraler” no diário, 1
estante para esconder anexo construída por, 1
prisão de, 1
sobrevivência, 1
Kuhn, Ernst, 1

Landau, Tina, 1
Langer, Lawrence, 1
Lapine, James, 1
Last Seven Months of Anne Frank, The (documentário e adaptação como
livro), 1, 2
Lavin, Linda, 1
Lederman, Susanne, 1
“Letters from Paris” (Flanner), 1
Levante, O (Hersey), 1, 2, 3
Levi, Primo, 1, 2, 3
Levin, Meyer, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11-12
acordo obtido por, 1-2
adaptação de O diário para AJC, 1
adaptação teatral de O diário, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9
em Bergen-Belsen, 1
processo contra Cheryl Crawford e Otto Frank, 1, 2-3, 4-5, 6-7
resenha de O diário, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8
The Obsession, 1-2, 3
Lewinsohn, sr. (“sr. Lewin”), 1
Lewisohn, Ludwig, 1
Liceu Judaico, 1-2
Anne Frank escreve sobre, 1-2
pantomima para comunicar destino de crianças ausentes, 1
Lindwer, Willy, 1, 2
Literature, Persecution, Extermination (Dresden), 1
“Literature as invitation” (Probst), 1
Little, Brown, editora, 1
Lively, Pierce, 1
Love, Otto (Weiss), 1

Mandela, Nelson, 1
Mandelstam, Nadezhda, 1
Mapes, Elizabeth A., 1
Marks, Joseph, 1
Maus (Spiegelman), 1
Mauthausen, campo de, 1
morte de Peter van Pels no, 1
McCleary, Sara, 1
McCullers, Carson, 1, 2
Mellor, William, 1
Melnick, Ralph, 1, 2
Member of the Wedding, The (McCullers), 1
Memorial do Holocausto em Berlim, 1
Menuhin, Yehudi, 1
Mermin, Myer, 1
“Meu primeiro dia no Liceu” (Frank), 1
Miller, Arthur, 1, 2
Molloy, James, 1, 2
Mozert vs. Hawkins County Board of Education, 1
Müller, Melissa, 1
Mulisch, Harry, 1
Museu Anne Frank, 1-2
carta de Meyer Levin ao Book Review no, 1-2
citação de Primo Levi na parede, 1-2, 3
cômodos desmobiliados, 1
criação do, 1-2
imagens nas paredes do quarto de Anne, 1-2, 3, 4
levantamento do site sobre ensino do Diário, 1-2
maquete do anexo secreto, 1
marcas do crescimento de Anne e Margot na ombreira da porta, 1-2, 3-
4
número de visitantes, 1-2
Oscar de Shelley Winters doado ao, 1
vídeo de Hanneli (“Lies”) falando sobre os últimos dias de Anne, 1-2,
3
visita ao, 1-2
Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
Auschwitz descrito, 1
filme caseiro de Anne Frank no, 1-2
filmes de Mellor no, 1-2

National Coalition Against Censorship, 1


Nederlander, Amy, 1
Neuengamme, campo de, 1, 2
Neutral Milk Hotel, 1
New York Review of Books, 1
New York Times Book Review, The
escolha de resenhista, 1-2, 3-4
resenha de O diário, 1-2, 3, 4-5, 6-7
New York Times, The
noticia ataques à autenticidade do diário, 1
resenha da adaptação teatral de Kesselman, 1
resenha da adaptação teatral de Goodrich-Hackett, 1-2
Newman, Alfred, 1
Newsweek, resenha da peça na, 1
Nielsen, Harald, 1
No rasto de Anne Frank (Schnabel), 1, 2, 3
“Not even a nice girl” (Thurman), 1
Nussbaum, Laureen, 1, 2, 3, 4-5

Obsession with Anne Frank, An (Graver), 1


Obsession, The (Levin), 1, 2-3
O’Connor, Flannery, 1
Odets, Clifford, 1
O diário ensinado, 1, 2, 3-4, 5-6, 7, 8-9
abordagem da autora, 1-2
antissemitismo hoje, 1
autora visita Bell Academy, 1-2
Cliff’s Notes sobre O diário de Anne Frank, 1
contexto histórico ajudando estudantes a aprender sobre, 1-2
curso da autora no Bard College, 1-2
“Cyberhunt Teacher’s Page” (página de orientação ao docente), 1
descrição de Anne e sua história, 1-2
elemento positivo, 1-2
esforços para proibir ensino de, 1-2
peça de Goodrich-Hackett ensinada em vez de O diário, 1
perguntas de testes e exames, 1-2, 3-4
preparação do professor para, 1-2, 3-4
realidade cruel de, 1-2
“Teaching the Holocaust” (Johnson), 1
“Teaching the Holocaust through the Diary of Anne Frank” (Baumel),
1
Opekta, 1, 2, 3, 4, 5
escritório da frente como parte do Museu Anne Frank, 1
renomeada Gies & Co., 1
transferência para o n.263 da Prinsengracht, 1
Ver também anexo secreto
Ozick, Cynthia, 1, 2, 3-4, 5, 6, 7, 8

Perkins, Millie, 1, 2, 3
Persépolis (Satrapi), 1
Pfeffer, Fritz, 1
Auguste van Pels e, 1, 2
chega ao anexo secreto, 1, 2
como Dussel no diário, 1, 2
descrição no diário e na peça da Broadway, 1-2, 3, 4-5
destino após descoberto no anexo, 1, 2
horas das refeições, 1
Miep Gies e, 1
opinião sobre dieta deficiente, 1
Pick-Goslar, Hanneli (“Lies”), 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8
vídeo no Museu Anne Frank sobre últimos dias de Anne, 1-2, 3-4
Pierce, William, 1
Polônia
emigração de judeus para, 1-2
maior porcentagem de população judaica morta, 1-2
Portman, Natalie, 1-2, 3
Presser, Jacob, 1
Pressler, Mirjam, 1, 2, 3, 4
Pretzien, Alemanha, 1
Price, Frank, 1, 2, 3, 4
Primeira Guerra Mundial: Otto Frank na, 1
Probst, Robert, 1

Queda (Presser), 1
Querido, editora, 1

“Reading Anne Frank as a woman” (Waaldijk), 1


Remembering the Holocaust (guia de aula, Keller), 1
revisões do Diário (versão “b”), 1, 2, 3-4, 5-6, 7-8, 9-10, 11-12, 13-14, 15-
16
análise comparativa, 1-2
descrição do “drama” por causa da leitura de obra controversa,
comparação de versões, 1-2
primeiras entradas e segundo rascunho, 1-2
Romein, Annie, 1, 2
Romein, Jan, 1, 2, 3
Roosevelt, Eleanor, 1, 2, 3, 4
“antissemitismo jocoso”, 1-2
prefácio a O diário, 1-2
Roth, Heinz, 1
Roth, Philip, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
Rússia stalinista, 1

Sachsenhausen, campo de, 1


Sangue sábio (O’Connor), 1
Satrapi, Marjane, 1
Schildkraut, Joseph, 1, 2, 3
Schnabel, Ernst, 1, 2, 3
Schütz, Anneliese, 1
Search, The (Levin), 1, 2
Sebastian, Mikhail, 1
Secker and Warburg, editora, 1
Sereny, Gitta, 1,
Shore, Lesley, 1
Silberbauer, 1, 2, 3-4, 5, 6
60 Minutes, 1
Sobibor, campo de, 1
Spector, Karen, 1
Spiegelman, Art, 1
“Sr. Vossen” no Diário, 1
Stangl, Franz, 1
Stern, G.B., 1
Stevens, George, 1, 2, 3, 4-5
trechos de filme do Dia D no YouTube, 1-2
Stielau, Lothar, 1, 2, 3
Stolen Legacy of Anne Frank, The (Melnick), 1
Stone, David, 1
Stone, John, 1
Stoppelman, Max, 1
Strasberg, Susan, 1, 2
Straus, Nathan, 1, 2, 3

Tenth Muse, The (Jones), 1


The New Yorker
artigo de Janet Flanner, 1-2, 3
resenha da adaptação teatral de Goodrich-Hackett, 1
Thieresienstadt, campo de, 1
Thurman, Judith, 1, 2, 3
Time, revista, 1
Torres, Tereska, 1
Treblinka, campo de, 1, 2
Turner Diaries (Pierce), 1
20th Century Fox, 1, 2
Tynan, Kenneth, 1

Ucrânia, 1, 2, 3

Vallentine-Mitchell, editora, 1
Van Amerongen-Frankfoorder, Rachel, 1
Van Ammers-Küller, Jo, 1
Van der Waal, Jopie, 1
Van Maaren, W.G., 1, 2
Van Maarsen, Jacqueline (Jacque), 1, 2
Van Marxveldt, Cissy, 1
Van Pels, Auguste, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
arranjos para o banho, 1
chega ao anexo secreto, 1
descrição no Diário, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8
descrição no filme, 1-2
deseja ler o diário, 1
destino após descoberta no anexo, 1, 2, 3, 4-5
horas das refeições, 1
jogo, fantasias de libertação, 1-2
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
passagens sobre, cortadas por Otto Frank, 1
Pfeffer e, 1-2, 3
Van Pels, Hermann, 1, 2
arranjos para o banho, 1
chega ao anexo secreto, 1
como supervisor da Pectacon, 1
descrição no Diário, 1-2, 3-4, 5-6
destino após descoberto no anexo, 1, 2, 3
horas das refeições, 1
jogo, fantasias de libertação, 1-2
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
passagens sobre, cortadas por Otto Frank, 1-2
Van Pels, Peter, 1, 2-3
arranjos para o banho, 1
descrição no Diário, 1-2, 3, 4
descrição no filme, 1-2
chega ao anexo secreto, 1, 2-3
destino após descoberto no anexo, 1-2
jogo, fantasias de libertação, 1-2
horas das refeições, 1
nomeado no Diário, 1
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
prisão de, 1-2, 3
revisões de escritos sobre, 1, 2-3
romance de Anne com, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11, 12
Vanguard Press, 1
Viking Press, 1
Von Randwijk, Henk, 1
Voskuijl, Elizabeth “Bep”, 1, 2, 3, 4, 5
Voskuijl, Johannes, 1, 2
“Voz de uma criança, A” (Romein), 1

Waaldijk, Berteke, 1
Ward, Geoffrey C., 1
Warshaw, Robert, 1, 2
Weiss, Cara (Cara Wilson), 1, 2
Weitz, Marc Stuart, 1
Westerbork, centro de detenção de, 1, 2, 3, 4, 5, 6
Anne Frank em, 1-2
classificação como “judeus criminosos”, 1
comboios para Auschwitz a partir de, 1
diário de Etty Hillesum e, 1-2
família Frank vista no, 1
judeus de Amsterdam enviados para, 1
Margot Frank intimada a se apresentar, 1
moradores do anexo chegam ao, 1
White, Antonia, 1
Who Betrayed Anne Frank? (filme para TV), 1
“Who owns Anne Frank?” (Ozick), 1, 2, 3
Wiesenthal, Simon, 1
Williams, Tennessee, 1
Winters, Shelley, 1, 2-3
Wood, Natalie, 1
Wyler, William, 1

Zimmerman, Barbara (Epstein), 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7


cartas para Otto Frank, 1-2, 3
Título original:
Anne Frank
(The Book, the Life, the Afterlife)

Tradução autorizada da primeira edição americana, publicada em 2009 por Harper, um selo de
HarperCollins Publishers, de Nova York, Estados Unidos

Copyright © 2010, Francine Prose

Copyright da edição brasileira © 2010


Jorge Zahar Editor Ltda.
rua Marquês de S. Vicente 99 − 1º | 22451-041 Rio de Janeiro, RJ
tel (21) 2529-4750 | fax (21) 2529-4787
editora@zahar.com.br | www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos
autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

As citações de O diário de Anne Frank seguem, sempre que possível, a edição brasileira publicada
pela Record (1995, tradução de Alves Calado).

Capa: Rafael Nobre


Foto da capa: © Getty Images
Produção do arquivo ePub: Booknando Livros

Edição digital: fevereiro 2017


ISBN: 978-85-378-1656-1
Para ler como um escritor
Prose, Francine
9788537810590
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esteve errada. No entanto, a teoria também exibe um enigma. Ela
argumenta que a observação influencia o que é observado.
Em O enigma quântico, os renomados professores Bruce
Rosenblum e Fred Kuttner explicam esse encontro da física com a
consciência, distinguindo especulações de fatos. Para isso, após um
breve passeio pela física clássica, eles revelam em linguagem clara,
objetiva e não técnica o surpreendente e curioso universo da teoria
quântica, que tem entre seus principais expoentes Albert Einstein,
Niels Bohr e Erwin Schrödinger.
Capaz de ser entendido em sua totalidade até mesmo por aqueles
sem conhecimentos prévios de física, este livro faz com que os
leitores cheguem a suas próprias conclusões a respeito desse
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"Este livro é único. A exposição mais clara que já vi.” George
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