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Anne Frank
Tradução:
Nota da autora
PARTE I A vida
1. O livro, a vida, a sobrevida
2. A vida
PARTE II O livro
3. O livro, parte I
4. O livro, parte II
5. O livro, parte III
Notas
Bibliografia selecionada
Agradecimentos e fontes
Índice remissivo
Nota da autora
Ela foi uma jovem escritora maravilhosa. Era um assombro para uma
menina de 13 anos. Vê-la ganhar domínio sobre as coisas é como
assistir a um filme acelerado de um feto que vai ganhando rosto. … De
repente ela descobre a reflexão, há retratos de pessoas, esboços de
personagens, há episódios longos, cheios de acontecimentos,
intricados, tão lindamente narrados que parecem ter passado por uma
dúzia de rascunhos. E nenhum desejo venenoso de ser interessante ou
séria. Ela simplesmente é. … Seu ardor, seu espírito – sempre em
movimento, sempre começando coisas … ela é como uma irmãzinha
apaixonada de Kafka, sua filhinha perdida.
PHILIP ROTH, Diário de uma ilusão
DA PRIMEIRA VEZ QUE LI O DIÁRIO DE ANNE FRANK, eu era mais jovem que a
autora quando ela começou a escrevê-lo, aos 13 anos. Ainda posso me ver
sentada, de pernas cruzadas, no chão do quarto da casa em que cresci, lendo
até que a luz do dia declinasse e eu tivesse de acender o abajur. Perdi a
noção das coisas à minha volta e me senti como se estivesse entrando no
sótão em Amsterdam onde uma menina judia e sua família se esconderam
dos nazistas, e onde, com o apoio de seus “ajudantes” holandeses, eles
sobreviveram por dois anos e um mês, até serem denunciados às
autoridades, presos e deportados. Fiquei encantada com as vívidas
descrições que Anne fazia de seu adorado pai, Otto; de seus conflitos com a
mãe, Edith, e a irmã, Margot; de seu romance com Peter van Pels; de sua
irritação com Hermann e Auguste van Pels e com o dentista Fritz Pfeffer,
com quem os Frank partilhavam o anexo secreto. Lembro que quando
terminei o livro, voltei à primeira página e comecei de novo, e que li e reli o
diário até ficar mais velha que Anne Frank quando morreu, aos 15 anos, em
Bergen-Belsen.
No verão de 2005, li o diário mais uma vez. Começara havia pouco a
fazer anotações para um romance que, eu sabia, seria narrado na voz de
uma menina de 13 anos. Tendo escrito um livro em que sugiro aos
escritores que procurem orientação em uma leitura minuciosa e reflexiva
dos clássicos, resolvi seguir meu próprio conselho, e ocorreu-me que a
melhor obra já escrita sobre uma menina de 13 anos era o diário de Anne
Frank.
Como a maior parte dos leitores, eu interpretara o diário de Anne
Frank como as efusões inocentes e espontâneas de uma adolescente. Agora,
porém, relendo-o como adulta, convenci-me rapidamente de que estava em
presença de uma obra de literatura conscientemente elaborada. Compreendi,
como não poderia ter feito quando criança, quanta arte é requerida para dar
a impressão de simplicidade, quanto controle é necessário para parecer
natural, e que poucas coisas são mais difíceis para um escritor que encontrar
uma voz narrativa tão original e sem afetação quanto a de Anne. Valorizei,
como não fiz quando menina, sua competência técnica, as qualidades
romanescas do diário, a habilidade de transformar pessoas vivas em
personagens, a capacidade de observação, o olho para os detalhes, o ouvido
para o diálogo e o monólogo e o senso de ritmo que a conduz à medida que
entremeia seções de reflexão com cenas dramatizadas.
Detive-me a todo instante para me maravilhar com o fato de que um
dos melhores livros sobre o genocídio nazista tenha sido escrito por uma
menina entre seus 13 e 15 anos de idade – não uma faixa etária
normalmente associada a gênio literário. É espantoso que uma adolescente
possa ter escrito de maneira tão inteligente e comovedora sobre um assunto
que continua a assombrar a imaginação adulta. O que torna isso ainda mais
impressionante é que esse livro enganosamente despretensioso enfoca um
momento particular e pessoas específicas, e ao mesmo tempo fala, de
maneiras que parecem atemporais e universais, sobre adolescência e vida
familiar. Ele mostra a verdade sobre o desejo incontrolável de certas
pessoas de exterminar o maior número possível de outros seres humanos, ao
mesmo tempo que celebra a vontade de sobreviver e a determinação de
manter a própria decência e dignidade sob as circunstâncias mais
desumanizadoras.
Anne Frank pensava em si mesma não apenas como uma menina que
por acaso mantinha um diário, mas como uma escritora. Segundo Hanneli
Goslar, uma amiga de infância, a paixão de Anne pela escrita começou
quando ela ainda estava na escola: “Anne ficava sentada na classe entre as
aulas, encobria seu diário e escrevia sem parar. Todos lhe perguntavam: ‘O
que você está escrevendo?’ E a resposta era sempre: ‘Não é da sua conta.’”1
Em abril de 1944, quatro meses antes que o sótão onde os Frank
encontraram refúgio fosse invadido pelos nazistas, Anne Frank registrou
seu desejo de se tornar uma escritora: “E, se eu não tiver nenhum talento
para escrever livros ou artigos de jornal, bom, sempre posso escrever para
mim mesma. … Quero continuar vivendo depois da morte! E é por isso que
agradeço tanto a Deus por ter me dado esse dom, que posso usar para me
desenvolver e para expressar tudo o que existe dentro de mim!”2
Muito se falou sobre como vemos Anne Frank de uma maneira
diferente depois que a chamada “edição definitiva” de seu diário, publicada
em 1995, restaurou certas passagens que Otto Frank havia cortado da
versão lançada na Holanda em 1947 e nos Estados Unidos em 1952. De
fato, embora a edição definitiva seja quase um terço mais longa que a
primeira versão de O diário de Anne Frank, as seções que foram
restabelecidas – comentários mordazes sobre Edith Frank e os Van Pels,
entradas revelando a extensão da curiosidade de Anne sobre sexualidade e
sobre o próprio corpo – não mudam substancialmente a percepção que
temos a respeito da menina.
Por outro lado, há uma cena nas memórias de Miep Gies, Anne Frank:
O outro lado do diário, que realmente altera a imagem que temos de Anne.
Junto com os outros ajudantes, empregados da Opekta – a empresa de
condimentos e pectina de Otto Frank –, Miep arriscou sua vida para manter
oito judeus vivos durante dois anos e um mês, experiência que ela descreve
num livro que aguça e acentua nossa percepção do que os judeus
escondidos e seus salvadores holandeses suportaram. A cena começa
quando Miep, sem querer, interrompe Anne enquanto ela está trabalhando
no diário.
Vi que Anne escrevia concentrada e não me ouvira. Eu estava muito perto dela e prestes a me
virar para sair quando ela levantou os olhos, surpresa, e me viu parada ali. Em nossos muitos
encontros ao longo dos anos, eu vira Anne, como um camaleão, mudar de um humor a outro,
mas sempre com cordialidade. … Mas nesse momento vi em seu rosto um olhar que nunca vira
antes. Era um olhar de esforço doloroso, como se ela tivesse uma dor de cabeça latejante. O
olhar me transpassou, fiquei sem fala. Ali, de repente, ela era outra pessoa escrevendo àquela
mesa.3
O diário de uma menina, mesmo quando ela era uma escritora tão natural, raramente poderia ser
objeto de crítica literária. Como esse diário é emblemático de centenas de milhares de crianças
assassinadas, a crítica é irrelevante. Eu próprio não tenho nenhuma qualificação exceto como
crítico literário. Não se pode escrever sobre o O diário de Anne Frank como se Shakespeare, ou
Philip Roth, fosse o assunto.6
Não pretendo parecer impermeável à pungência do Diário. Apesar disso, muitos diários de
judeus que pereceram foram publicados e refletem a complexidade da perspectiva adulta e, em
alguns casos, um enfrentamento direto da barbaridade do nazismo; e essas coisas estão ausentes
do escrito de Anne Frank. … Anne pode ter sido uma menina inteligente e admiravelmente
introspectiva, mas não há muito em seu diário que seja emocionalmente impressionante, e suas
reflexões sobre o mundo têm o teor de banalidade que seria de esperar de uma menina de 14
anos. O que torna o Diário comovente é a sombra projetada sobre ele pela notícia da morte no
fim. Tente imaginar (como fez Philip Roth, por outras razões, em Diário de uma ilusão) uma
Anne Frank que tivesse sobrevivido a Bergen-Belsen, e, digamos, se estabelecido em
Cleveland, se tornado uma jornalista, se casado e tido dois filhos. Iria alguém se importar com
seu diário do tempo de guerra, exceto como um relato das circunstâncias materiais do esforço
para se esconder dos nazistas em Amsterdam?8
SEMPRE ACREDITEI QUE O DIÁRIO DE ANNE FRANK era uma versão impressa
(ligeiramente editada por seu pai) do livro com capa de pano xadrez que ela
ganhou quando fez 13 anos em junho de 1942, e no qual começou a
escrever pouco antes de se esconder com a família. Isso era o que eu
supunha, especialmente depois de, como o resto dos primeiros leitores de
Anne, ter sido tranquilizada pelo breve epílogo às primeiras edições do
livro, em que éramos informados de que “exceto por muito poucas
passagens, de pouco interesse para o leitor, o texto original foi
reproduzido”.
Eu sabia que tinha havido controvérsias sobre as páginas que Otto
Frank omitira no processo de dar forma ao diário. Mais recentemente, eu
me lembrava, mais páginas subtraídas vieram à tona, passagens em que
Anne especulava sobre as decepções no casamento de seus pais. Mas eu
pensava que essas questões tinham sido respondidas, e a maioria dos cortes,
restaurados na publicação de 1995 da edição definitiva, editada por Mirjam
Pressler.
Na verdade, como logo fiquei sabendo, no final de 1942 Anne já havia
enchido o famoso diário xadrez; as entradas no livro de capa de pano
vermelho, cinza e castanho cobriam o período de 12 de junho de 1942 a 5
de dezembro daquele ano. Depois, um ano – isto é, um ano de entradas
originais, não revisadas – está faltando. O diário recomeça num caderno de
exercícios de capa preta, que os ajudantes holandeses lhe deram. Iniciada
em 22 de dezembro de 1943, essa continuação do diário prossegue até 17 de
abril de 1944. Um terceiro caderno de exercícios começa em 17 de abril de
1944; a última entrada foi anotada três dias antes da prisão da escritora em
4 de agosto.
A partir da primavera de 1944, Anne voltou e reescreveu seu diário
desde o princípio. Essas revisões cobririam 324 folhas soltas de papel
colorido e preencheriam a lacuna de um ano entre o diário xadrez e o
primeiro caderno de exercícios. Ela continuou a atualizar o diário ao mesmo
tempo em que reescrevia as páginas anteriores. Anne desejava que seu livro
fosse notado, fosse lido, e passou seus últimos meses de relativa liberdade
tentando desesperadamente assegurar que esse desejo pudesse se realizar
algum dia.
Finalmente percebi que devo fazer os deveres de escola para não ficar ignorante, para continuar
com a vida, para me tornar uma jornalista, porque é isso o que desejo! Eu sei que posso
escrever. Algumas de minhas histórias são boas, minhas descrições do Anexo Secreto são bem-
humoradas, boa parte do meu diário é vivo e interessante, mas … resta saber se realmente tenho
talento.12
O que uma comparação dos textos de fato revela é tanto a espontaneidade com que a escritora
compôs sua prosa quanto o esmero com que a depurou depois. Para fazer essa comparação, no
entanto, é preciso ter certo grau de motivação. As orientações dos editores sobre como ler a
edição crítica são mais ininteligíveis e difíceis de acompanhar do que instruções para a
montagem de uma asa-delta.20
UMA DAS MARCAS DE UMA OBRA DE ARTE é a tenacidade com que ela se agarra
à nossa memória. O diário de Anne Frank faz jus a esse status como
consequência da impressão indelével que sua “trama” e seus “personagens”
deixam nos leitores. Décadas depois de sua publicação, o ingresso no anexo
continua sendo a porta através da qual novos leitores, muitos deles jovens,
penetrarão pela primeira vez no momento histórico em que ele foi escrito.
Quando o livro é ensinado em salas de aula no mundo inteiro, lições de todo
tipo – com frequência edificantes, ocasionalmente peculiares, e muitas
vezes bastante diferentes do que Anne Frank poderia ter pretendido – são
extraídas de suas páginas. O diário de Anne é um dos textos mais
comumente lidos e estudados por homens e mulheres encarcerados em
prisões dos Estados Unidos.
O livro foi traduzido para dúzias de línguas, há dezenas de milhões de
exemplares publicados. O grau em que a figura de Anne Frank permeou a
cultura mundial talvez possa ser visto no fato de que, no Japão (onde o livro
foi um enorme sucesso, vendendo 116 mil exemplares nos cinco primeiros
meses após a publicação), estar num “dia de Anne Frank” tornou-se
eufemismo para menstruação, um assunto que ela mencionou no diário.
Uma variedade de rosa batizada em homenagem a Anne Frank floresce
agora em todo o país.
Uma forma adicional de medir a aceitação do livro é avaliar o alvoroço
gerado por cada nova revelação sobre a vida de Anne ou sobre seu diário.
No dia 10 de setembro de 1998, o The New York Times publicou um ensaio
de 2 mil palavras, iniciando na primeira página, intitulado “Cinco páginas
preciosas reacendem disputas em torno de Anne Frank”23 e com o subtítulo
“Uma página há muito subtraída do diário de Anne Frank revela
dificuldades com sua mãe. ‘Eu não posso falar com ela, não posso olhar
com amor aqueles olhos frios, não posso. Nunca!’.” É difícil pensar em
outro texto literário – um soneto perdido de Shakespeare? Um versículo da
Bíblia anteriormente desconhecido? – cuja descoberta teria sido recebida
com uma cobertura tão chamativa, em especial se a passagem dissesse
respeito à opinião de uma menina sobre o casamento dos pais.
No entanto, outra importante notícia surgiu em 2005 quando um
conjunto de cartas foi descoberto no instituto YIVO de Nova York,
documentando as tentativas desesperadas de Otto Frank de conseguir asilo
para sua família nos Estados Unidos ou em Cuba. Essas cartas inspiraram
um congressista de Long Island a fazer uma campanha – em vão – em prol
da concessão de cidadania americana honorária para Anne Frank como uma
reparação parcial pela recusa do governo dos Estados Unidos a salvar os
Frank.
Uma série de filmes e peças de teatro tentou contar a história de Anne,
com variados graus de sucesso. Anne Frank Remembered, de Jon Blair,
ganhou o Oscar de melhor documentário de longa-metragem em 1996.
Filmes e docudramasa incluíram “recriações” em que atores representaram
os Frank e seus vizinhos, e um filme feito para televisão, Who Betrayed
Anne Frank?, transforma a história num policial com o tipo de trilha sonora
ameaçadora que associamos a espetáculos sobre o enigma do
desaparecimento dos maias. No New York Fringe Theater Festival de 2007,
Days and Nights: Page 121, Lines 11 and 12 apresentou atores
reconhecíveis como os personagens do diário de Anne, mas que – na peça
de Marc Stuart Weitz – passavam seu tempo no sótão recitando A gaivota
de Tchekhov. O filme hip-hop de 2003, Anne B. Real, gira em torno de uma
rapper que encontra inspiração na história de Anne Frank; o livro de
sucesso The Freedom Writers Diary e o filme subsequente, Escritores da
liberdade, descrevem como certa sala de aula numa região urbana
decadente foi revigorada por um diário escrito durante uma guerra sobre a
qual poucos alunos sabiam grande coisa. A história de Anne foi até
transformada num desenho animado japonês, Anne no Nikki.
Em 1998, a banda indie Neutral Milk Hotel lançou In the Aeroplane
over the Sea, um álbum de músicas parcialmente inspiradas pela vida e a
morte de Anne Frank. Dez anos depois, um musical adaptado a partir do
diário – The Diary of Anne Frank: A Song to Life – estreou em Madri. Um
espetáculo de marionetes baseado no diário foi apresentado para plateias
lotadas em Atlanta, enquanto um episódio do programa de TV 60 Minutes
denunciou que estudantes na Coreia do Norte estavam recebendo a tarefa de
ler o diário de Anne com instruções para pensar em George W. Bush como
Hitler e nos americanos como os nazistas que desejavam exterminar os
norte-coreanos.
Livros de não ficção e de ficção desenvolveram o que Anne confiou a
seu diário e foram inspirados por isso. Periodicamente, a indústria editorial
descobre o diário de guerra de algum jovem desafortunado e promove seu
autor como a Anne Frank da Sérvia, ou da Polônia ou do Vietnã, ou
qualquer lugar em que crianças tenham sido vítimas dos adultos. O romance
de 1979 de Philip Roth, Diário de uma ilusão, inclui uma longa meditação
sobre Anne Frank e seu diário, ocasionada pela fantasia de Nathan
Zuckerman de que a bela amante de seu ídolo literário é Anne Frank – que
não só teria sobrevivido aos campos mas ido para os Estados Unidos, onde
viveria sob pseudônimo e teria arranjado um emprego de arquivista para o
namorado. O personagem “Anne Frank” de Roth, Amy Bellette, reaparece,
mais velha e doente, em um romance de 2007, Fantasma sai de cena.
Também em 2007, jornais no mundo todo noticiaram que,
enfraquecida por idade e doença, a castanheira do lado de fora do anexo
secreto estava sob o risco de ser abatida. As emoções se exaltaram durante
o debate sobre se a frondosa mensageira que levara a Anne notícias sobre a
mudança das estações podia ser salva. No momento em que escrevo isto, a
velha e valente árvore luta no quintal do antigo armazém onde a família
Frank se escondeu, e planos estão sendo feitos para importar e plantar dez
mudas da árvore nos Estados Unidos.
Miep nos deixou com água na boca ao falar da comida … Nós, que só temos duas colheres de
mingau quente no café da manhã e estamos absolutamente famintos; nós, que só temos
espinafres meio cozidos (por causa das vitaminas!) e batatas podres dia após dia; nós, que só
colocamos alface cozida, alface crua, espinafre, espinafre e mais espinafre em nossos
estômagos vazios. Talvez terminemos fortes como Popeye, mas até agora não vejo o menor
sinal disso!
Se Miep nos tivesse levado à festa, não sobraria nenhum bolinho para os outros convidados.
Se estivéssemos lá, teríamos agarrado tudo, incluindo a mobília. … E estas são as netas de um
milionário. O mundo é um hospício!3
Levávamos uma vida cheia de ansiedade, pois nossos parentes na Alemanha estavam sofrendo
com as leis de Hitler contra os judeus. Depois dos pogroms de 1938, meus dois tios (irmãos de
minha mãe) fugiram da Alemanha, refugiando-se na América do Norte. Minha avó idosa veio
morar conosco. Na época estava com 73 anos. Depois de maio de 1940, os bons tempos se
acabaram rapidamente: primeiro veio a guerra, depois a capitulação, em seguida, a chegada dos
alemães, e foi então que os sofrimentos dos judeus realmente começaram.11
Todos os correspondentes relatam estranhos ruídos que têm sido audíveis ao longo da fronteira
desde o cair da noite. O intenso ronco de motores, explosões e outros barulhos mais difíceis de
identificar. Também latidos irritados, aparentemente de cães de fazendas assustados, e os
mugidos de gado inquieto.12
À noite, quando está escuro, costumo ver longas filas de gente boa e inocente com crianças
chorando, andando sem parar, controladas por um punhado de homens que as empurram e
batem até elas quase caírem. Ninguém é poupado. Os doentes, os velhos, as crianças, os bebês e
as mulheres grávidas – todos são forçados a marchar em direção à morte. … E tudo porque são
judeus.30
Outro fato que não anima muito os nossos dias é que o sr. Van Maaren, o homem que trabalha
no armazém, está desconfiando da existência do Anexo. Uma pessoa com algum cérebro já teria
percebido que Miep diz às vezes que vai ao laboratório, Bep à sala dos arquivos e o sr. Kleiman
ao depósito da Opekta, enquanto o sr. Kugler afirma que o Anexo não pertence a este prédio, e
sim ao prédio vizinho.31
Era um trabalho muito sujo, e ninguém conseguia entender sua razão de ser. Tínhamos de abrir
as baterias com uma talhadeira e um martelo e em seguida jogar o alcatrão numa cesta e as
barras de carbono, que tínhamos de remover, numa outra cesta; tínhamos de retirar as placas
metálicas com uma chave de fenda, e elas iam para uma terceira cesta. Além de ficarmos
horrivelmente sujas com o trabalho, todas começávamos a tossir porque ele desprendia certo
tipo de pó.34
Outro prisioneiro de Westerbork lembrou que Anne e Peter estavam
sempre juntos, e que Anne, de início frágil e extremamente pálida, passou a
parecer radiante, até feliz. Edith Frank estava atordoada e muda; Margot
raramente falava.
Ronnie Goldstein-van Cleef viajou de trem com a família Frank de
Westerbork para Auschwitz no dia 3 de setembro de 1944, o último
comboio que tomaria essa rota. Os Frank combinaram que, se
sobrevivessem, tentariam se encontrar uns aos outros por intermédio da mãe
de Otto na Basileia.
Havia mais de mil pessoas no trem. A lista de passageiros incluía os
Frank, os Van Pels e o dentista Fritz Pfeffer, todos apinhados em vagões de
carga fechados. Viajaram por três dias e duas noites antes de chegar a
Auschwitz-Birkenau, onde, como de costume, foram “selecionados”
segundo sua idade e seu nível de saúde e aptidão física. Mais de 500 dos
recém-chegados foram direto para as câmaras de gás. Nenhum dos ex-
moradores do anexo secreto estava entre eles.
Segundo o protocolo do campo, homens e mulheres foram separados,
despidos e enviados para a “desinfecção”. O cabelo de que Anne tanto se
orgulhava – e que, segundo sua amiga de infância, a mantinha tão ocupada
– foi raspado. Números foram tatuados nos antebraços dos prisioneiros.
Anne, Margot e a mãe ficaram juntas no Bloco de Mulheres 29.
Janny Brandes-Brilleslijper se lembra das Kapos vestidas com suéteres
de angorá seguindo as prisioneiras por toda parte com chicotes. Uma foto
de um álbum doado recentemente ao Memorial do Holocausto dos Estados
Unidos e que outrora pertencera a um ajudante do comandante de
Auschwitz, mostra as guardas comendo mirtilos, iluminando uma árvore de
Natal, relaxando em espreguiçadeiras. Enquanto isso, as prisioneiras
trabalhavam em usinas de tecelagem e preparavam plástico para ser usado
em aviões, ou labutavam em tarefas mais inúteis e punitivas, desenterrando
pedras e removendo torrões de grama.
Horrivelmente infectada com sarnas, coberta de feridas, Anne foi
enviada para um recinto particularmente pavoroso, o chamado bloco dos
sarnentos, os galpões para prisioneiros com doenças de pele contagiosas.
Margot foi também, voluntariamente, para ficar com a irmã. Em Auschwitz,
as angústias debilitantes que haviam atormentado Edith no anexo secreto
desapareceram, assim como o mutismo e a quase paralisia que sofrera em
Westerbork. Tomada pela determinação de ajudar suas filhas a sobreviver,
Edith abriu um túnel por baixo da parede do bloco dos sarnentos, cavando
um buraco através do qual conseguia lhes passar um pedaço de pão.
Em outubro de 1944, quando o exército russo se aproximava de
Auschwitz, 8 mil mulheres, incluindo Anne e Margot Frank e Auguste van
Pels, foram transferidas para Bergen-Belsen, dentro da Alemanha e mais
longe do inimigo invasor. Edith Frank foi deixada em Auschwitz, onde as
câmaras de gás e crematórios foram explodidos para destruir as evidências
mais eloquentes do que havia acontecido ali. Edith Frank morreu de doença
e exaustão algumas semanas antes que o campo fosse libertado pelos russos
no fim de janeiro de 1945.
As irmãs Frank continuaram juntas em Bergen-Belsen. A mais recente
edição americana do diário em brochura, aquela que os estudantes leem,
conclui, como edições anteriores, com o posfácio adaptado do livro de 1958
de Ernst Schnabel, No rasto de Anne Frank. Schnabel descreve a
deportação de Anne Frank, sua prisão em Auschwitz, “um inferno
fantasticamente bem organizado e impecavelmente limpo”, e sua remoção
para o imundo e caótico campo de Bergen-Belsen.
“‘Anne, que já estava doente na ocasião’, lembrou um sobrevivente,
‘não foi informada da morte da irmã, mas depois de algumas dias percebeu,
e logo depois morreu, tranquilamente, sentindo que nada de mau estava lhe
acontecendo.’ Ainda não completara 16 anos.”35
Em anos subsequentes, outros relatos pintaram um quadro mais
mortificante dos últimos dias de Anne.
Originalmente um dos “melhores” campos, Bergen-Belsen havia
degenerado num inferno de caos e imundície. Ergueram-se barracas para
abrigar os recém-chegados no recinto superlotado, mas uma tempestade
derrubou os alojamentos improvisados, ferindo muitos dos prisioneiros,
matando alguns e deixando os demais expostos à chuva fria e ao granizo.
Em Bergen-Belsen, Anne encontrou Hanneli Goslar, que a descreveu
como uma “menina destruída”. Hanneli, a “Lies” que Anne vira numa
visão, desesperada e faminta, de fato fora poupada dos horrores de
Auschwitz e transferida diretamente de Westerbork para uma seção um
pouco menos terrível de Bergen-Belsen, em parte porque sua família tinha
passaportes paraguaios, comprados na Holanda.
No Museu Anne Frank, um monitor de vídeo exibe repetidamente uma
entrevista em que, 50 anos depois, Hannah Pick-Goslar se lembra de Anne
chorando ao contar que não tinha mais nenhum dos pais.
“Sempre penso”, reflete Hannah, “que se Anne tivesse sabido que seu
pai ainda vivia, poderia ter tido mais força para sobreviver.” Hannah
conseguiu jogar um pequeno pacote (“metade de um biscoito, uma meia,
uma luva”) por cima da cerca, à noite. Da primeira vez, outra prisioneira
furtou o pacote. Hannah descreve Anne gritando quando o pacote foi
furtado. Um segundo pacote chegou a ela – mas não foi capaz de impedir o
inevitável.
Em The Last Seven Months of Anne Frank, Rachel van Amerongen-
Frankfoorder relata que as debilitadas irmãs Frank
tinham pequenas brigas, causadas por sua doença … Sentiam um frio terrível. Tinham o lugar
menos desejável nos galpões, embaixo, perto da porta, que era constantemente aberta e fechada.
Nós as ouvíamos gritar constantemente: “Fechem a porta, fechem a porta”, e as vozes ficavam
mais fracas a cada dia … O mais triste, é claro, era que essas crianças eram tão jovens … Elas
exibiam os sintomas reconhecíveis do tifo – aquele definhamento gradual, uma espécie de
apatia, com períodos ocasionais de reanimação, até que ficaram tão doentes que não havia
nenhuma esperança … Um belo dia, não estavam mais ali.
b Em 11 de janeiro de 2010, Miep Gies faleceu, aos 100 anos de idade. (N.E.)
PARTE II O livro
3. O livro, parte I
QUE PODERIA ANNE TER PENSADO quando seu pai mostrou ao sargento da
Gestapo as marcas na ombreira da porta? A menina, que normalmente
adorava ser o centro das atenções, sem dúvida teria preferido que o pai não
chamasse a atenção do policial para ela. Se tivesse tido a chance de
descrever a cena e transformado Silberbauer, como ele parece ter desejado,
num personagem de seu livro, ela poderia ter registrado o que aconteceu em
seguida, o detalhe da maleta, um evento que deve tê-la magoado mais do
que a qualquer outra pessoa na sala.
Fosse qual fosse a concepção que Silberbauer tinha de seu ofício, ele
não teria desejado pensar que o serviço militar envolvia assassinato e roubo
com o amparo do Estado. A procura por objetos de valor devia ser uma
parte simultaneamente desconfortável e estimulante de seu trabalho.
Naturalmente, havia curiosidade. Quanto dinheiro os judeus escondidos
tinham? Mas era também uma questão de dever. O dinheiro apreendido
nessas circunstâncias estava sendo utilizado sobretudo para financiar o
transporte dos próprios judeus para novas vidas, ou a morte, no leste.
Os policiais perguntaram aos judeus onde estavam os objetos de valor,
e Otto apontou o guarda-louça onde seu cofre era guardado. Ladrões mais
tarimbados, profissionais, teriam trazido um saco para os bens roubados.
Mas que impressão causariam os encarregados da justiça nazista se
carregassem sacos de aniagem para fazer a pilhagem? Devemos dar graças
ao fato de Silberbauer, obrigado a improvisar, ter passado a mão numa
maleta recheada de papéis.
Os judeus e seus ajudantes holandeses assistiam à cena. Todos eles
sabiam que era naquela maleta que Anne guardava seu diário.
No dia 9 de abril, houvera uma invasão no térreo. Os intrusos tinham
feito um buraco na porta antes de ser afugentados. Com medo de que a
polícia pudesse investigar, as famílias discutiram o que fazer se a captura
parecesse iminente. Temendo que o diário de Anne pudesse ser encontrado,
e que os ajudantes dos moradores do anexo fossem incriminados,
considerou-se brevemente a possibilidade de queimar o diário. “Esse
momento e o momento em que a polícia bateu na estante foram os que mais
me amedrontaram. Ah, o meu diário não; se o meu diário se for, eu vou
também!”
Um mês depois, Anne pensou que um vaso de cravos caído havia
ensopado seus papéis. Quase chorando, ficou tão perturbada que começou a
tagarelar em alemão, e mais tarde se lembraria pouco do que dissera.
Segundo Margot, ela “balbuciava alguma coisa como ‘unübersehbarer
Schaden’ [perda incalculável]”. O estrago não foi tão grave quanto Anne
temera, e ela pendurou as folhas de papel úmidas num varal para secar.
Perda incalculável é uma expressão que qualquer escritor poderia ter usado
diante da possibilidade de que um manuscrito tivesse sido arruinado, o que
representava mais uma indicação de como Anne levava seu trabalho a sério.
Finalmente, foi decidido que a maleta contendo o diário estaria entre
as coisas que a família levaria consigo caso um incêndio ou alguma outra
emergência os obrigasse a uma fuga apressada. Mas agora ela estava sendo
usada para outro fim. Silberbauer despejou os papéis no chão, junto com
alguns cadernos, e entregou a maleta para que seus colegas a enchessem
com joias e dinheiro.
O detalhe da maleta poderia ter saído de um daqueles contos de fadas
que aconselham reflexão, paciência, moralidade – valores sem os quais
terminaríamos como a pessoa imprevidente e cobiçosa (geralmente a
esposa) que confunde cristais comuns com diamantes, ou que cozinha a
galinha dos ovos de ouro para o jantar. Com o passar do tempo, Silberbauer
compreendeu que enchera a maleta com papelão e espalhara rubis pelo piso
do sótão.
Mas poderia o sargento imaginar que o que havia descartado – folhas
de papel soltas, cadernos – era não apenas uma obra de literatura, não
apenas uma fortuna disfarçada, não apenas um registro dos tempos nos
quais ele e a escritora viviam, mas um testemunho que levaria à
evidenciação do seu papel na guerra dos nazistas contra os judeus, ainda
que tantos como ele tenham retornado às antigas vidinhas?
Não havia como ele saber o que a maleta continha. Como poderia
alguém suspeitar que, entre as capas de pano xadrez do diário de uma
menina, existia uma obra-prima?
VICTOR KUGLER FOI LEVADO junto com Johannes Kleiman para a sede da SS
na Euterpestraat. Após um breve interrogatório, ambos foram transferidos
para a prisão na Amstelveenseweg, e mais tarde para o campo de
Amersfoort. Em meados de setembro, Kleiman sofreu uma hemorragia no
estômago e foi libertado mediante intercessão da Cruz Vermelha. Kugler foi
enviado para uma série de campos de trabalhos forçados. Fugiu na
primavera de 1945, e permaneceu escondido até o fim da guerra.
Quando Kleiman voltou ao escritório, Miep não permitiu que ele ou
Bep lesse os diários. Os livros e cadernos ficaram na gaveta da escrivaninha
por quase um ano.
Em junho de 1945, Otto Frank fez seu caminho de volta para
Amsterdam. Libertado de Auschwitz, ele viajou de trem para a Rússia, de
onde seguiu de navio para Marselha, e acabou chegando de trem e
caminhão aos Países Baixos, onde passou a morar com Miep e Jan. Um mês
após o retorno a Amsterdam, Otto, que já ficara sabendo da morte de sua
mulher por uma prisioneira que conhecera no trem para Odessa, foi
informado – primeiro pela Cruz Vermelha e, depois, por uma holandesa que
conhecera Margot e Anne em Bergen-Belsen – de que suas filhas também
haviam morrido.
No filme Anne Frank Remembered, Janny Brandes-Brilleslijper lembra
como deu a Otto Frank a triste notícia:
Ele parou na varanda e tocou a campainha. Perguntou: “A senhora é Janny Brandes?” … Sendo
um cavalheiro muito educado, entrou no vestíbulo e, permanecendo de pé ali, disse: “Eu sou
Otto.” Eu mal conseguia falar, porque era muito difícil contar a um homem que suas filhas não
estavam mais vivas. Eu disse: “Elas não estão mais entre nós.” Ele ficou mortalmente pálido e
desabou numa cadeira. Limitei-me a envolvê-lo com o braço.6
NOS ESTADOS UNIDOS, o diário de Anne Frank foi inicialmente rejeitado por
quase todas as editoras importantes. “É um documento interessante”,
admitiu um editor na sucursal americana da firma internacional Querido,
sediada em Amsterdam, “mas não acredito que haverá neste país suficiente
curiosidade pelo assunto para tornar a publicação aqui um negócio
lucrativo.”13
Ernst Kuhn, um amigo de Otto que trabalhava no Manufacturers
Hanover Bank em Nova York, tomou para si o desafio de tentar encontrar
uma editora americana para o diário. Exatamente como na Europa, o livro
era visto como demasiadamente específico, doméstico, judaico, enfadonho
e, acima de tudo, tendente a lembrar aos leitores o que eles desejavam
esquecer. Os americanos não queriam ouvir falar sobre a guerra. “Na
presente disposição de espírito do público americano”, escreveu um editor
da Vanguard, “não podemos publicar um livro com a guerra como pano de
fundo.”
A Alfred A. Knopf devolveu o manuscrito sob a alegação de que ele
era “muito tedioso”, um “registro maçante de típicas altercações de família,
aborrecimentos triviais e emoções adolescentes”. As vendas seriam
pequenas porque os principais personagens não eram nem familiares para
os americanos nem especialmente atraentes. “Ainda que a obra tivesse
vindo à luz cinco anos atrás, quando o assunto era oportuno … não acredito
que ela tivesse tido alguma chance.” Embora reconhecendo que “tão poucos
livros ou documentos contemporâneos (sejam) tão genuínos ou espontâneos
quanto este”, a Viking decidiu que aquele momento era inapropriado para
que o diário aparecesse. “Se os tempos estivessem normais, eu faria uma
edição e tradução”, escreveu um editor, “mas os tempos não estão normais.”
Na Grã-Bretanha, a reação foi semelhante. Na Secker and Warburg,
pensou-se que “o público leitor inglês afastaria a visão de uma história tão
penosa, a qual lhes traria de volta todos os eventos funestos que ocorreram
durante a guerra”. Como prova, um editor dali observou que The Wall,
romance de John Hersey sobre o levante do gueto de Varsóvia, “não estava
sendo tão bem-sucedido quanto se esperava”.
Em uma de suas “Letters from Paris” que eram publicadas na New
Yorker, Janet Flanner mencionou a popularidade que estava tendo o livro de
uma “precoce e talentosa judiazinha de Frankfurt”. Contudo, apesar da
menção na New Yorker e da recepção do livro na França, o diário de Anne
estava na pilha das obras rejeitadas no escritório de Frank Price, o diretor
do departamento estrangeiro da Doubleday, quando uma jovem assistente
chamada Judith Jones – que mais tarde se tornaria uma editora legendária
na Knopf, trabalhando com autores como Julia Child – o encontrou. Em
suas memórias, The Tenth Muse, Jones recorda:
Um dia, quando Frank saiu para um almoço literário no coração de Paris, comecei a trabalhar
com uma pilha de obras propostas que ele queria rejeitar. Enquanto avançava, fui atraída pelo
rosto na capa de um livro que Calmann Lévy estava prestes a publicar. Era a edição francesa de
O diário de Anne Frank. Comecei a lê-lo – e não consegui parar. Passei a tarde toda enroscada
no sofá, partilhando da vida de Anne no sótão, até que a última luz se apagou e ouvi a chave de
Frank na porta da frente. Surpreso por me encontrar ainda lá, ficou ainda mais surpreso ao ouvir
que fora Anne Frank quem me mantivera ali. Mas finalmente se deixou convencer por meu
entusiasmo e me deixou enviar o livro para a Doubleday em Nova York, instando-lhes que o
publicassem.
Não precisei insistir muito, e recebemos autorização para oferecer um contrato.14
DEVE TER SIDO UMA ESCOLHA ÓBVIA pôr o rosto de Anne na capa, e Otto
Frank mandou para seus editores um retrato de sua fotogênica filha. Antes
da guerra, ele fora um apaixonado fotógrafo amador. Com sua câmera
Leica, uma das primeiras a serem comercializadas, ele documentava
nascimentos, aniversários, festas da família e férias, assinalando cada
estágio do desenvolvimento de suas filhas com dúzias de retratos formais e
instantâneos das meninas escovando os dentes, penteando o cabelo,
brincando com amigos, tomando sol, construindo castelos de areia. Um
grande número de fotos sobreviveu à guerra, imagens visuais expressivas
que contribuiriam para a celebridade de Anne Frank.
Para a edição americana, Otto escolheu uma imagem feita em 1939.
Na foto, um dos mais serenos retratos de Anne, seu bonito rosto transmite
uma inteligência melancólica e uma doçura pungente. Era a foto que Anne
colara em seu diário, com uma anotação observando que um retrato como
aquele talvez aumentasse suas chances de chegar a Hollywood e
acrescentando que, na vida real, ela costumava parecer muito diferente.
Provavelmente estava certa, se admitirmos que a maioria de suas fotos – em
que é mostrada rindo ou com um sorriso travesso, mais animada e
engraçada do que convencionalmente bonita e serena – forneciam uma
imagem mais fiel. Mas ela preferia ser vista como uma menina séria,
encantadora, e, ao escolher a fotografia de que ela própria gostava, Otto
talvez tenha se sentido mais uma vez realizando seus desejos. Em versões
posteriores do diário, na atual edição americana em brochura e em outros
livros sobre Anne, imagens mais alegres foram usadas.
Numa crítica publicada no New Statesman em maio de 1952, Antonia
White reagiu, como tantos outros, à foto: “O que ela nos deixou foi um
livro de extraordinário interesse humano e histórico, tão vivo quanto o rosto
na fotografia que encara o leitor de meia-idade com a mesma impertinência
sagaz que tantas vezes deve ter sido dirigida a seus pais e aos Van Daan.”18
É impossível superestimar o poder que essa imagem de Anne Frank
teve. Ela é instantaneamente identificável, quer vejamos seu rosto num livro
ou projetada (para coincidir com uma visita da exposição itinerante sobre
Anne Frank) numa torre na Grã-Bretanha onde judeus foram torturados
durante a Idade Média. É pouco dizer que ela é a vítima mais comumente
conhecida e facilmente reconhecível da campanha nazista contra os judeus,
ou de qualquer genocídio antes ou depois. As paixões que ela invocou não
podem ser separadas do fato de que sabemos como era sua aparência.
A foto de Anne era o sonho de qualquer editor. Na Doubleday, Donald
B. Elder escreveu a Otto para agradecer pela imagem “muito
encantadora”.19 Satisfeita com o retrato, Barbara Zimmerman deve ter
sentido suas esperanças com relação ao livro aumentarem
consideravelmente quando conseguiu obter um breve ensaio introdutório de
Eleanor Roosevelt.
Mais de 50 anos depois, esse prefácio ainda introduz o livro, embora
os americanos tenham desde então descoberto e esquecido que muitos
judeus – inclusive a família de Otto Frank – não conseguiram encontrar
refúgio nos Estados Unidos em parte por causa das políticas do marido da
sra. Roosevelt. Nesse meio-tempo, a fama da autora adolescente do livro
pode ter superado por uma ampla margem a da introdutora; nas escolas
americanas de hoje, é provável que muito mais crianças tenham ouvido
falar de Anne Frank que de Eleanor Roosevelt.
O ensaio de pouco mais de uma página começa assim: “Este é um livro
extraordinário. Escrito por uma jovem menina – e os jovens não têm medo
de dizer a verdade –, é um dos comentários mais sábios e comoventes que
já li acerca da guerra e de seu impacto sobre seres humanos.” O texto
enfatiza o triunfo do espírito que o diário documenta e os modos como as
preocupações de sua autora se assemelham às de qualquer adolescente.
“Apesar do horror e da humilhação de suas vidas cotidianas, essas pessoas
nunca se renderam … Anne escrevia e pensava durante grande parte do
tempo sobre coisas que adolescentes muito sensíveis e talentosos sem a
ameaça da morte escreverão – sua relação com os pais, a crescente
autoconsciência, os problemas de se tornar adulto.”20
As palavras “judeu” ou “judaico” nunca são mencionadas. Já se
observou que Eleanor crescera num ambiente impregnado do que o
biógrafo de Roosevelt Geoffrey C. Ward chamou de uma “espécie de
antissemitismo jocoso”. Em 1923, depois que um amigo dos Roosevelt
pescou um grande mero numa expedição de pesca, Eleanor gracejou, para
diversão do marido: “Pensei que tínhamos saído de Nova York para nos
livrar dos judeus.”c 21
Comovido pelo prefácio da ex-primeira-dama, Otto Frank escreveu
para a sra. Roosevelt agradecendo-lhe por suas palavras amáveis: “A leitura
da sua introdução me dá conforto e a convicção de que o desejo de Anne
está realizado: continuar vivendo após a morte e ter feito alguma coisa pela
humanidade.”22
Como tantas outras coisas relacionadas ao diário de Anne, esse
prefácio foi objeto de controvérsia, neste caso envolvendo a acusação de
que a editora americana tenha escrito o texto e pedido que a sra. Roosevelt
o assinasse. Se isso aconteceu de fato, porém, não foi o que Barbara
Zimmerman disse a Otto Frank, a quem ela transmitiu seu encantamento
com o prefácio da esposa do ex-presidente. E a carta de agradecimento de
Otto para a sra. Roosevelt (que o estimularia a permitir que uma versão para
o palco ou para o cinema fosse feita a partir do diário, de modo que a
mensagem de Anne pudesse alcançar um público mais amplo) foi
genuinamente sincera. Ele contou ter seu sentimento de “missão ao publicar
as ideias de Anne, pois sinto que elas ajudam as pessoas a compreender …
que somente o amor e não o ódio podem construir um mundo melhor”.23 É
uma correspondência comovente, tal como uma troca de cartas posterior,
em que Otto recusa um convite para se encontrar com a primeira-dama
durante sua estada no Park Sheraton em Manhattan, alegando ter sofrido
recentemente um colapso nervoso e precisar de um pouco de repouso.
Menos doce foi a rapidez com que a sra. Roosevelt acreditou nas
acusações feitas numa carta que recebeu posteriormente de um escritor. Ele
dizia, entre outras coisas, que Otto tinha se mudado para a Suíça para evitar
os elevados impostos holandeses. O autor dessa carta foi um romancista
americano chamado Meyer Levin, que havia feito uma crítica laudatória do
diário, publicada na primeira página do The New York Times Book Review.
O LIVRO FOI UMA SENSAÇÃO INSTANTÂNEA. A crítica de Meyer Levin o
promoveu com grande eficácia.
Desde que Zelda Fitzgerald criticou (sob pseudônimo e
negativamente) um livro de seu marido, nunca a contratação de uma crítica
literária – feita, aceita ou, neste caso, solicitada – envolvera questões de
conflito de interesse de maneira tão flagrante. Meyer Levin não só era um
grande amigo de Otto Frank, como estava agindo como seu conselheiro e,
informalmente, como o agente do diário. Além disso, ele estava convencido
de que era a escolha perfeita para adaptar a obra para o palco.
No entanto, ele pediu permissão para escrever o ensaio, e o editor
Francis Brown concordou, e depois lhe deu mais espaço para linhas e linhas
de elogios. “Pois a pequena Anne Frank, vivaz, mal-humorada, espirituosa,
insegura, conseguiu comunicar numa forma praticamente perfeita, ou
clássica, o drama da puberdade.” Ao mesmo tempo em que reconhecia o
assunto penoso, Levin antecipava as reservas dos seus leitores, e as
dissipava, assegurando-lhes que “esta não é uma história lúgubre de gueto,
não é uma compilação de horrores … O diário de Anne Frank está
simplesmente repleto de diversão, amor, descoberta … Essas pessoas
poderiam morar na casa ao lado; suas emoções no seio da família, suas
tensões e satisfações são as da natureza e do desenvolvimento humano, em
qualquer lugar.”24
As versões variantes do diário, inclusive as revisões de Anne, não
estariam disponíveis em inglês por mais 30 anos, e Levin fomentou o mito
– ou verdade parcial – mais comum sobre a obra: “Como não foi escrito em
retrospecto, o diário contém a vida pulsante de cada momento.”
Outros críticos foram igualmente entusiásticos. A revista Time chamou
o livro de Anne de “uma das histórias mais comoventes que qualquer
pessoa, em qualquer lugar, conseguiu contar sobre a Segunda Guerra
Mundial”.25 Na mesma página de uma crítica do primeiro romance de
Flannery O’Connor, Sangue sábio, a revista católica Commonweal elogiou
o diário como “extraordinário pela franqueza e sensibilidade da autora, em
relação tanto a seu ambiente quanto a seu desenvolvimento interior”.26
A data oficial da publicação foi 12 de junho, e em 23 de junho Barbara
Zimmerman escreveu para Otto Frank contando que a primeira edição se
esgotara; uma segunda e uma terceira impressão de 10 mil exemplares cada
haviam sido encomendadas. A editora decidira não poupar recursos em
anúncios e promoção. Ela estava certa de que o livro seria um enorme best-
seller, e a calorosa resposta do público havia renovado sua fé no povo
americano. “ANNE FRANK é um extraordinário sucesso …”, escreveu
Zimmerman. “É um dos livros mais importantes a serem publicados nos
Estados Unidos desde muito tempo. Simplesmente trabalhar com esse livro
foi uma experiência maravilhosa para mim porque estou francamente
apaixonada por ele! E é tão bom encontrar tantas centenas de outras pessoas
que concordam!”27
Parte do que torna as cartas de Barbara Zimmerman para Otto Frank
tão simpáticas e tão comoventes é que elas permitem imaginar o que era ter
20 e poucos anos, conseguir seu primeiro emprego de verdade no ramo da
editoração em Nova York, e um dos primeiros livros cuja edição lhe é
confiada calhar de ser O diário de Anne Frank.
c Jogo de palavras intraduzível para o português. Em inglês, o peixe mero é chamado jewfish, e os
judeus, jews. (N.T.)
4. O livro, parte II
Vejo nós oito no Anexo como se fôssemos um retalho de céu azul rodeado por nuvens negras e
ameaçadoras. O trecho perfeitamente redondo onde estamos ainda é seguro, mas as nuvens se
aproximam, e o círculo que nos separa do perigo que se aproxima está se apertando cada vez
mais. Estamos rodeados por escuridão e perigo, e, em nossa busca desesperada por uma saída,
vivemos nos chocando uns contra os outros. Olhamos as lutas lá embaixo e a paz e a beleza lá
em cima. Enquanto isso somos cortados pela massa de nuvens …5
Se a conversa na hora das refeições não é sobre política ou boa comida, então mamãe ou a sra.
Van Daan desfiam as velhas histórias da juventude, que já ouvimos milhares de vezes, ou
Dussel fala de belos cavalos de corrida, do enorme guarda-roupa de sua Charlotte, de barcos a
remo que vazam, de garotos que nadam aos quatro anos, de músculos doloridos ou de pacientes
apavorados. O negócio é o seguinte: sempre que um de nós oito abre a boca, os outros sete
podem terminar a história. Sabemos o desfecho de cada piada logo no início, de modo que a
pessoa que conta fica rindo sozinha. Os vários leiteiros, quitandeiros e açougueiros das duas ex-
donas de casa foram elogiados ou execrados tantas vezes que, em nossa imaginação, eles
ficaram tão velhos quanto Matusalém; não há qualquer chance de se discutir alguma coisa nova
no Anexo.10
O tempo todo, percebemos que a raiva que Anne sente da mãe e da sra.
Van Pels tinha a ver com a incapacidade delas de ser – ou mesmo de parecer
– tão corajosas, sensíveis e competentes quanto os homens. Só no final do
diário Anne compreende que há uma pessoa real atrás do símbolo abstrato
da limitação e da servidão feminina que ela tanto desprezou. Sua divagação
sobre os problemas das mulheres e o desrespeito que elas recebem termina
com a sugestão de que aquelas pessoas que passaram pelo parto, só por isso,
já merecem gratidão e consideração. Anne parece ter percebido que sua
mãe não é inteiramente culpada pelas maneiras como foi condicionada a se
comportar, e por suas limitadas ambições e expectativas.
Quase um ano e meio depois de ter escrito uma passagem
particularmente furiosa em que se descreve obrigando-se a manter a calma e
tendo de reprimir o desejo de esbofetear a mãe, Anne reconsiderou sua
inclusão em O anexo secreto. Nesse meio-tempo, ela sofreu a mudança que
John Berryman considerou o momento decisivo de sua conversão de
criança em adulto, o qual se seguiu imediatamente à sua visão da amiga
Hanneli e da avó morta. “Ontem à noite foi muito triste de novo. Vovó e
Lies me apareceram de novo. Vovó, minha doce vovó. Não entendemos
direito como ela sofreu, como foi sempre gentil … E Lies? Será que ainda
está viva? O que estará fazendo? Meu Deus, cuide dela e a traga de volta
para nós. Lies, você me faz lembrar qual poderia ter sido o meu destino.”18
Numa entrada datada de três dias depois, 2 de janeiro de 1944, Anne
observa que esteve relendo seu diário e ficou chocada com as seções
“exaltadas” sobre sua mãe. Põe a culpa de seu rancor em “estados de
ânimo” que a impediam de ver uma situação do ponto de vista de outra
pessoa e de compreender que ela poderia ter ferido a mãe ou a deixado
infeliz. Sua mãe respondera na mesma moeda, e o resultado fora “um
círculo vicioso de ofensas e tristezas”.
Depois de sua visão de Hanneli, Anne jura que vai melhorar. Promete
a si mesma que vai parar de fazer a mãe chorar. Ela mesma ficou mais
madura, e sua mãe não está mais tão ansiosa. Alguns dias depois, porém,
Anne não consegue deixar de voltar ao tema de como é difícil respeitar sua
mãe e de quão pouco deseja seguir seu exemplo.
O inverno de 1944 marcou o início de um período intensamente
introspectivo durante o qual Anne olhou para trás e avaliou a pessoa que se
tornara em contraste com a menina que fora:
Quando penso em minha vida em 1942, tudo parece irreal. A Anne Frank que desfrutava uma
vida celestial era completamente diferente da que ficou ajuizada dentro destas paredes. Sim, foi
celestial. Admiradores em cada esquina, umas 20 amigas, a preferida da maioria dos
professores, completamente mimada por mamãe e papai, sacolas cheias de doces e dinheiro
para gastar. Que mais eu poderia pedir? … Vejo aquela Anne Frank como uma garota
agradável, divertida, mas superficial, que não tem nada a ver comigo.19
Efusões como essa serão familiares (talvez até demais) a quem quer
que tenha se apaixonado algum dia. Mas elas são inteiramente novas para
Anne e, mais uma vez, é um tributo à sua capacidade de escrever honesta e
convincentemente, e de encontrar o tom certo para que o que ela está
contando a Kitty (e a nós) nos pareça novo. Anne anseia por um beijo, eles
não se beijam, eles se beijam. Como seria fácil para outro escritor fazer isto
soar banal.
No dia 19 de maio, Anne escreve: “Depois de minha conquista
laboriosa, me distanciei um pouco da situação, mas você não deve achar
que meu amor esfriou.” No dia 13 de junho, ela diz a Kitty: “Peter é gentil e
bom, e mesmo assim não posso negar que ele me decepcionou de muitas
maneiras.” Três semanas depois, Peter brinca com a possibilidade de se
tornar um criminoso ou um apostador em jogos de azar, e Anne teme que
ele esteja se tornando dependente demais dela: “Coitado, nunca soube como
é fazer alguém feliz, e tenho medo de não conseguir lhe ensinar … fico
magoada cada vez que o vejo tão sozinho, tão cheio de desprezo e tão
infeliz.”
Ao chegar o dia 15 de julho, o encantamento de Anne com Peter está
muito abalado: “… Agora ele está agarrado a mim como se eu fosse um
salva-vidas. Sinceramente, não vejo um modo eficaz de sacudi-lo e trazê-lo
de volta sobre os próprios pés. Logo percebi que ele jamais seria uma alma
gêmea, mas, mesmo assim, tentei ajudá-lo a romper seu mundo estreito e
expandir seus horizontes adolescentes.” Esta é a última menção a Peter no
diário.
Nas versões teatral e cinematográfica do diário, Anne e Peter estão na
água-furtada, contemplando o céu extasiados, quando a Gestapo chega para
prendê-los. Mas não foi isso que aconteceu. Anne estava com a mãe e a
irmã. Otto estava no andar de cima com Peter, ajudando-o com as lições de
inglês que, como sabemos por Anne, eram tão difíceis para ele.
Não somente seus cabelos pinicavam, mas eu ficava com vergonha, mesmo sabendo que ele
frequentou a escola há 30 anos e tem uma espécie de diploma médico. Por que deveria encostar
a cabeça em meu coração? Afinal de contas, ele não é meu namorado! Por sinal, ele não poderia
dizer a diferença entre um som saudável e um som doentio. Antes, teria de limpar os ouvidos, já
que está ficando com uma surdez incrível.29
Eu queria olhar mais um pouco. Margot foi ficando cada vez mais furiosa, e mamãe se
intrometeu: “Margot estava lendo esse livro; devolva para ela.” Papai entrou e, sem nem mesmo
saber o que estava acontecendo, viu que Margot estava sendo contrariada e partiu contra mim:
“Só queria ver o que você faria se Margot estivesse lendo um de seus livros!” Desisti
imediatamente, larguei o livro e, de acordo com eles, saí do quarto ofendida. Eu não estava nem
ofendida nem chateada, mas simplesmente triste.36
Rauter, um figurão alemão, fez recentemente um discurso: “Todos os judeus devem sair dos
territórios ocupados pela Alemanha antes de 1º de julho. A província de Utrecht ficará livre de
judeus (como se eles fossem baratas) entre 1º de abril e 1º de maio, e as províncias do norte e
do sul da Holanda, entre 1º de maio e 1º de junho.” Essa pobre gente está sendo embarcada para
matadouros imundos como um rebanho de gado doente e maltratado.42
dAnne refere-se à sra. Van Pels, a quem atribuíra o apelido de sra. Beaverbrook por ter sido a única
moradora do anexo a concordar com as declarações de “um tal sr. Beaverbrook” a respeito do que ele
considerava um fraco ataque dos Aliados à Alemanha. (N.T.)
5. O livro, parte III
Embora possamos passar sem a maior parte disso, poderia ter sido
instrutivo saber que Anne recebeu presentes de Peter van Pels e da “esposa”
de Fritz Pfeffer. Mas isso só é interessante depois que lemos o livro, e é
difícil imaginar mesmo os fãs mais ardorosos transpondo toda a
efervescente prolixidade da versão “a”, ou mesmo parte dela.
De fato, as primeiras páginas do livro de capa xadrez vermelha, cinza e
castanha estão cheias de anotações que teriam dissuadido a maioria dos
adultos – e dos jovens também – de continuar. Em passagens que tanto
Anne quanto seu pai cortaram de O anexo secreto, Anne arrola seus
professores em todas as séries e suas atividades diárias. Se um inventário de
seus colegas de classe, anotado com comentários mexeriqueiros, atrai nossa
atenção, é só porque revela um pouco mais sobre a personalidade de Anne
durante aquele tempo relativamente despreocupado.
A srta. J. é a dona da verdade. Ela é muito rica e tem um armário cheio de vestidos
maravilhosos, que são velhos demais para ela. … Henny Mets é simpática, tem um jeito alegre,
só que fala alto demais e parece mesmo uma criança quando estamos brincando no pátio. …
Rob Cohen também andou apaixonado por mim, mas não aguento mais ele. É um patetinha
antipático, falso, e manhoso que se acha simplesmente o máximo.”2
Fomos à Oasis e compramos um sorvete por 12 centavos, depois Wilma chegou, e eles queriam
pagar outro sorvete para nós, mas Wilma e eu não quisemos, mas mesmo assim eles compraram
um para cada uma por 12 (centavos), mas nós não aceitamos, por isso Fredie e Hello tomaram
mais dois sorvetes de 12 centavos.3
Anne Frank era um prodígio, mas, aos 13 anos, seus talentos ainda não
se haviam desenvolvido. A comprovação desses talentos surgiria apenas
mais tarde, produzida em parte pelo que John Berryman chamou de
“pressão especial” consequente de seu encarceramento no anexo secreto.
É assim que Anne encerra a cena, embora a verdade seja que, naquela
altura, a ameaça contida nas tais palavras sombrias já tinha se realizado.
Na esperança de estar contando uma história que interessará, entre
outros, ao ministro da Educação da Holanda no exílio, ela escreve a entrada
de 20 de junho como uma apresentação de si mesma e de Kitty. Prometendo
“desabafar tudo que está preso em meu peito”, ela descreve um sentimento
que será familiar para muitos adolescentes, talvez a maioria deles: a
sensação de estar sozinha mesmo quando rodeada por amigos e entes
queridos. No momento em que narra seu alheamento, ela está só, ou pelo
menos separada das “30 pessoas que posso considerar amigas”. Seu diário
tornou-se uma arma em sua luta contra o isolamento que cresceu na
ausência de companheiros de sua idade, e apesar do (ou intensificado pelo)
espaço exíguo em que ela, sua família e os outros têm vivido.
Este é o comentário de Laureen Nussbaum sobre a carta de 20 de
junho do diário:
Anne, pondo-se em seu estado de espírito de duas semanas antes de ir para o esconderijo,
explica por que, apesar de toda sua popularidade, se sente solitária e precisando de uma
verdadeira amiga a quem dirigir suas efusões. Decide chamar essa amiga de Kitty e, após uma
versão concisa de seu esboço autobiográfico, passa imediatamente a escrever sua primeira
epístola “Querida Kitty”. Em apenas quatro cartas, resume tanto sua vida escolar como sua vida
social na primavera de 1942 e termina com uma bonita transição: um passeio vespertino com o
pai, durante o qual ele menciona o assunto da ida para um esconderijo e toda a drástica
mudança que isso acarretará.5
Depois do Ano-Novo, aconteceu a segunda grande mudança: meu sonho, … e com ele descobri
Peter … descobri que desejava um rapaz; não uma amiga, mas um namorado. Também descobri
uma felicidade interior, abaixo do meu exterior superficial e alegre. … Agora só vivo para
Peter, porque o que vai me acontecer no futuro depende principalmente dele.
O sonho reescrito de Anne sobre seu futuro é mais nobre, mais abstrato
– e não depende mais de Peter: “No início do Ano-Novo, a segunda grande
mudança, meu sonho … e com ele descobri meu infinito desejo por tudo
que é belo e bom.” Em lugar algum nas revisões encontramos passagens
como a seguinte, que existe somente no primeiro rascunho: “Peter tocou
minhas emoções mais profundamente do que qualquer outra pessoa –
exceto em meus sonhos. Ele se apossou de mim e me virou pelo avesso.”8
Anne tampouco optou por incluir as discussões sobre sexo que a versão “a”
registra – conversas em que Peter explica como os métodos
anticoncepcionais funcionam e Anne o informa sobre os mistérios da
anatomia feminina.
Até pequenas correções são reveladoras. Em meados de março de
1944, Anne enumera as crises que a fazem querer dormir e o desejo de
poder confiar na irmã; seus temores incluem o fato de nunca receber “um
olhar amistoso de Peter”. No segundo rascunho, Anne admite gostar de
conversar com Peter, embora tema ser um estorvo.
Mas não vou deixar isso me enlouquecer. Passo bastante tempo pensando nele, e não preciso
chatear você também, simplesmente porque estou tão infeliz!. … No sábado à tarde, fiquei tão
confusa depois de ouvir uma porção de notícias tristes que me deitei em meu divã para dormir
um pouco. Só queria dormir e não pensar.
Ao revisar seu caderno preto durante o fim da primavera e o início do verão de 1944, apenas
alguns meses depois de tê-lo enchido com suas torrentes, Anne tornou-se muito crítica em
relação a seu encanto por Peter van Pels … no manuscrito b, ela elimina a maior parte das
entradas efusivas sobre esse período emocional … Otto Frank reintroduziu a maior parte dessas
eliminações. [Otto] selecionou repetidamente as passagens mais emocionais da versão a de
Anne, algumas das quais ela havia dispensado enquanto reelaborava outras em histórias
ficcionais. Quando reescrevia suas entradas do início de 1944, Anne havia passado por um
grande desenvolvimento interior. O sr. Frank ignorou todas essas evidências de crescimento. Ou
quis preservar um estágio conturbado do desenvolvimento de sua querida Anne, em vez de lhe
permitir apresentar-se como a jovem escritora mais objetiva e reservada que ela se tornara em
idade tão precoce? Podemos somente especular.9
… como as casas estremecem com as bombas, quantas epidemias há, como difteria, escarlatina
etc. O que o povo come, como fazem filas para comprar legumes, e todo tipo de coisas, é quase
indescritível.
Os médicos aqui estão sob incrível pressão, se dão as costas a seus carros por um instante
eles são roubados das ruas, nos hospitais não há espaço para os muitos casos infecciosos,
remédios são prescritos por telefone.
Acima de tudo os incontáveis roubos e furtos são inacreditáveis. Você pode se perguntar se
os holandeses se transformaram de repente numa nação de ladrões. Crianças pequenas de oito e
11 anos quebram os vidros das casas das pessoas e roubam o que podem, você não pode deixar
sua casa vazia, porque nos cinco minutos que passa fora suas coisas desaparecem também.
Fosse como fosse, Anne foi autorizada a ler o livro um mês depois, e
cerca de um ano mais tarde seus pais a deixavam ler praticamente tudo que
ela queria.
Em outubro de 1942, a entrada original de Anne torna difícil
determinar a cronologia de eventos que levou a um “terrível pavor”. É
preciso fazer esforço para perceber que o incidente começa quando um
barulho é ouvido na escada. Primeiro Anne pensa que é mamãe ou Bep,
depois se revela que é o carpinteiro, cuja presença na escada deixa Bep
presa no sótão. Alguém sacode a porta, há assobios e pancadas. Anne e os
outros estão certos de que o carpinteiro os descobriu ali, mas na verdade era
o sr. Kleiman, e eles podem relaxar.
Na segunda tentativa, Anne não somente acerta, mas deixa o leitor de
O anexo secreto saber que carpinteiros foram ao prédio para recarregar os
extintores de incêndio. “O pessoal do escritório teve a estupidez” de
esquecer de avisá-los da visita programada dos trabalhadores, e quando os
habitantes do sótão ouvem homens na escada, um silêncio baixa sobre o
alegre almoço com Bep. O momento de ansiedade é dramatizado de tal
modo que agora o vemos da perspectiva dos judeus escondidos e de sua
ajudante, e continuamos vendo as coisas a partir desse ponto de vista
quando a confusão é esclarecida.
Depois de trabalhar durante uns 15 minutos, ele largou o martelo e outras ferramentas em nossa
estante (pelo menos foi o que pensamos!) e bateu na nossa porta. Ficamos brancos de medo.
Será que, afinal de contas, ele tinha escutado alguma coisa e agora queria checar aquela estante
de aparência misteriosa? … Parecia que sim, já que continuou batendo, puxando-a e
empurrando-a. Fiquei tão apavorada que quase desmaiei ao pensar naquele estranho
descobrindo nosso maravilhoso esconderijo. Justamente quando eu pensava que nossos dias
estavam contados, ouvimos a voz do sr. Kleiman dizendo: “Abram, sou eu.”13
Dois anos depois, essa manhã se torna uma cena num livro – o
acontecimento do qual tantas outras coisas decorrerão. Anne acrescenta
detalhes, imprime um ritmo mais lento à narração e a contextualiza de
modo a deixar inequívoco como e por que tudo aconteceu. Além disso, há
uma vivacidade na prosa, um vigor ausente do esboço entorpecido,
rudimentar, de dois anos antes. Quando Anne estava revisando, o avanço
aliado já se encontrava em curso, e ela provavelmente esperava que a
aterrorizante manhã de julho pudesse vir a se assemelhar ao início de uma
aventura num romance policial como Joop ter Heul. Como isso pareceria
divertido para gerações futuras.
Felizmente não estava tão quente quanto no domingo; uma chuva morna caiu durante o dia
inteiro. Nós quatro vestimos tantas camadas de roupa que até parecia que passaríamos a noite
numa geladeira, mas a ideia era levar mais roupas. Nenhum judeu em nossa situação ousaria
sair de casa com uma mala cheia. Eu estava usando duas camisetas, três calcinhas, um vestido,
e por cima disso tudo, uma saia, um paletó, uma capa de chuva, dois pares de meias, sapatos
pesados, um chapéu, um cachecol e muito mais. Estava sufocando mesmo antes de sairmos de
casa, mas ninguém se incomodou em perguntar se eu estava bem.
Margot encheu sua pasta de escola com livros, foi pegar sua bicicleta e, com Miep guiando o
caminho, seguiu para o grande desconhecido. Seja como for, era assim que eu pensava, já que
ainda não sabia onde era o nosso esconderijo. … Só quando estávamos andando na rua mamãe
e papai revelaram, aos poucos, qual era o plano. Ao longo de meses, nós vínhamos tirando o
máximo possível de móveis e aparelhos domésticos do apartamento. Havíamos concordado que
iríamos para o esconderijo no dia 16 de julho. Por causa da convocação de Margot, o plano
tivera de ser antecipado em dez dias, e isso significava que teríamos de nos adaptar a aposentos
menos organizados.
O esconderijo ficava no prédio do escritório de papai.
Aos cinco anos, Mozart já estava compondo. Keats estava morto aos
26. A maturidade e a criatividade são imprevisíveis ao longo de uma vida, e
o aparecimento precoce do gênio frequentemente nos obriga a repensar
nossas noções preconcebidas de idade. Quando leio numa resenha ou ouço
numa oficina literária que uma criança de determinada idade nunca teria
uma reação tão adulta ou usaria uma expressão tão sofisticada, vejo-me
resistindo a tal opinião.
Mesmo assim, não posso deixar de pensar que a descrição de Miep e
Margot pedalando rumo ao grande desconhecido não parece algo dito por
uma menina de 13 anos que, dias antes, viu a irmã ameaçada de deportação
e, na manhã seguinte, deixara sua casa e sua vida e se mudara para um
sótão. Aquilo só podia ter sido a frase de uma menina mais velha, olhando
para trás.
Otto Frank havia escolhido com grande cuidado a partir das versões existentes do diário de
Anne ao compor o original em que a primeira edição (1947) e as traduções subsequentes em
dúzias de outras línguas seriam baseadas. Ele havia acrescentado algumas das vinhetas que
Anne escrevera à parte sobre a vida nos cômodos ocultos, feito vários rearranjos e correções,
omitindo ao mesmo tempo algumas passagens que considerava ou irrelevantes demais ou
pessoais demais. Em outras palavras, Otto Frank havia editado o diário da filha, algo a que
tinha, é claro, pleno direito: uma nota prefacial esclarecendo isto, contudo, o teria posto a salvo
de muitos problemas futuros.18
Agora que estou relendo meu diário, depois de um ano e meio, estou surpresa com minha
inocência infantil. … Entendo as mudanças de humor e os comentários sobre Margot, mamãe e
papai como se tivesse escrito isso ontem, mas não consigo pensar em escrever tão abertamente
sobre outras coisas. Fico tremendamente constrangida ao ler as páginas que falam de assuntos
dos quais me lembro como sendo muito melhores do que realmente foram. … Este diário tem
enorme valor para mim, porque se tornou um livro de memórias em muitas passagens, mas num
bom número de páginas eu poderia certamente escrever “passado e encerrado”.20
PARTE III A sobrevida
6. A casa
O MUSEU ANNE FRANK abre às nove horas todas as manhãs, e às dez, até em
dias frios de inverno, uma fila se estende até a esquina, serpenteando na
calçada em frente ao pitoresco canal Prinsengracht. A maioria das pessoas
na fila é jovem, bem como a maioria dos visitantes da casa de Anne Frank.
Muitos dos adultos parecem melancólicos, constrangidos, talvez por causa
do que estão prestes a encontrar. Mas, embora os estudantes de ensino
médio compreendam que isso não deveria ser divertido, o investimento que
dedicam ao esforço de parecer “descolados” manda que exibam a
despreocupação de garotos prestes a serem levados a percorrer qualquer
galeria de arte, palácio real, ou um salão onde um tratado histórico foi
assinado.
Dentro, nada na alegre, moderna e muito iluminada área de recepção
sugere que se terá uma experiência diferente da proporcionada por qualquer
outro museu. Cartões de crédito e dinheiro são entregues, ingressos são
emitidos. Mas, assim que entram na casa propriamente dita, até os
adolescentes mais tagarelas se calam, e um silêncio cai sobre os visitantes.
É difícil andar pelos antigos escritórios do pessoal da Opekta, depois subir
ao depósito e passar pela estante que outrora escondia a porta para o anexo
secreto sem tocar, ou ultrapassar, as raias das lágrimas.
Parte do que torna o Museu Anne Frank tão comovente é sua
simplicidade e a percepção de que muito pouco mudou desde que os
carregadores esvaziaram os cômodos após a prisão dos judeus. Aqui e ali,
monitores de vídeo exibem filmes informativos – um sobre o papel dos
ajudantes que auxiliaram os Frank, outro mostrando uma entrevista em que
Hanneli Pick-Goslar descreve a última vez que viu Anne, em Bergen-
Belsen. Aqui e ali, simples vitrines de vidro exibem alguns dos objetos que
restam daquele período: a carteira de identidade de Miep Gies, o livro de
orações de Edith Frank. Aqui e ali, uma citação – de Primo Levi, ou do
diário de Anne – foi impressa na parede. Há fotos das oito pessoas que se
esconderam aqui, e outra de judeus sendo arrebanhados numa rua de
Amsterdam. Mas se permite que esses cômodos quase vazios, essas
paredes, pisos e tetos, falem por si mesmo. Nunca se tem a impressão de
que emoções fortes estão sendo produzidas e extraídas artificialmente; não
há em parte alguma qualquer sinal do sentimentalismo kitsch tão
problemático que existe, digamos, no Memorial do Holocausto em Berlim,
onde os visitantes têm de caminhar com dificuldade através de uma galeria
parcialmente cheia com carrancudos rostos de metal que pretendem
representar os judeus assassinados da Europa.
A decisão de manter os cômodos desmobiliados foi tomada por Otto
Frank, que achava que o anexo secreto deveria aparecer exatamente como
ficou depois que sua família e todos os seus pertences foram capturados. Na
verdade, porém, foram necessários muito trabalho, planejamento,
construção e restauração para dar aos visitantes a impressão de que nada foi
tocado.
No início dos anos 1950, a companhia têxtil Berghaus comprou o
quarteirão em que a Opekta se situava e anunciou seus planos de demolir as
velhas casas e lojas e substituí-las por um moderno escritório. A essa altura,
o diário já adquirira uma reputação internacional, e seus fãs haviam
começado a fazer peregrinações ao número 263 da Prinsengracht, onde
Johannes Kleiman e outros muitas vezes concordavam em conduzi-los em
visitas informais. Com o apoio do prefeito de Amsterdam, foi iniciada uma
campanha para impedir a demolição proposta. Diante de uma ampla
oposição, a Berghaus voltou atrás, e um esforço para o levantamento de
fundos reuniu o capital necessário para a compra da propriedade. O sucesso
desse esforço permitiu o estabelecimento da Fundação Anne Frank, em
maio de 1957, e Otto Frank financiou a compra do prédio vizinho,
especificando que deveria ser usado como centro educacional.
Três anos mais tarde, o Museu Anne Frank foi oficialmente
inaugurado. A essa altura, em parte graças à peça e ao filme baseados no
diário, a popularidade do livro crescera exponencialmente, e no primeiro
ano de operação o museu recebeu 9 mil visitantes. Em 1970, quando 180
mil pessoas foram ver o anexo secreto de Anne, o volume de tráfego de
pedestres exigiu que se fizessem melhoramentos estruturais para sustentar e
manter o local. A parte da frente do prédio – o antigo escritório da Opekta –
foi modernizada para incluir um centro de recepção, enquanto o anexo foi
deixado como estava.
Como o número de visitantes crescia a cada ano, desenvolveu-se um
plano de expansão e, na década de 1990, um novo prédio foi acrescentado
ao museu. Em contraste com os espaços labirínticos e confinados do anexo
secreto, a nova estrutura, que abriga a área de recepção, a livraria e o café, é
ampla e arejada. Ao mesmo tempo, o escritório da Opekta foi restaurado
(com a ajuda de fotografias antigas e plantas baixas, e com meticulosa
atenção à autenticidade de época de cada maçaneta e interruptor) para
permitir aos visitantes do museu experimentar algo da atmosfera das salas
em que Miep Gies e seus colegas continuaram, ao longo da guerra, a operar
a empresa que sustentava os judeus. Mais recentemente, em 2008, a
maquete que Otto havia feito do anexo secreto recebeu um lugar
permanente, e a sala em que o diário xadrez é mantido foi redecorada de
modo a enfatizar a importância central do livro de Anne.
Mas, para as centenas de grupos de escolares e o milhão de visitantes
que, em 2007, passaram pela estante móvel e subiram os íngremes degraus
até o alto do edifício, o coração e a alma de sua visita é o quarto de Anne.
Dificilmente alguém fala à medida que as pessoas desfilam pelos cartões-
postais que Anne colou na parede: fotos de cacatuas e de morangos
silvestres, de astros do cinema, de princesas reais britânicas e de
chimpanzés tomando chá. Mais uma vez, a simplicidade incólume do
quarto comunica com eloquência tudo o que aconteceu dentro dele. A
principal diferença é que, quando os Frank e os outros estavam escondidos,
as janelas, que agora admitem o luminoso sol de Amsterdam, estavam
cobertas por razões de segurança. Apenas da água-furtada, em que não é
mais possível entrar, mas que pode ser vislumbrada num espelho, Anne
podia ver o céu lá fora, ou as estrelas noturnas, ou as flores em sua querida
castanheira, que anunciavam a chegada de mais uma primavera.
Assim que jovens na América Latina se tornam emocionalmente envolvidos com a história de
Anne Frank, eles começam a refletir sobre si mesmos. Dizem: “Ah, então na Europa também
aconteceu algo parecido com o que aconteceu no nosso país.” É como abrir uma caixa de
Pandora: nunca sabemos as consequências do trabalho que estamos fazendo, mas sabemos que
estamos tocando os corações das pessoas.
O currículo nas academias de polícia é um resquício dos tempos da ditadura, muito
autoritário. E quando os policiais vestem o uniforme, têm a sensação de que, em vez de
humanos, eles são deuses. A história de Anne Frank os torna mais humanos. Os cadetes querem
proteger Anne Frank, como se ela fosse sua filha, como se fosse sua melhor amiga. Ficam
furiosos por ela ter sido morta, mas quando veem um sujeito pobre trabalhando na rua, podem
ter vontade de matar esse sujeito. O importante é fazer uma conexão entre esse trabalhador
pobre e Anne Frank.
Talvez os pais deles também fossem da polícia durante a ditadura, mas nunca falaram sobre
isso. Agora, os cadetes dizem que vão conversar com seus pais. Eles almoçam com os
estudantes universitários e, pela primeira vez, começam a discutir: Quem é o outro, como você
vê o outro? Eles são seres humanos também! Em alguns casos, há filhos e netos dos
desaparecidos entre os treinadores. Isso faz com que muitas emoções venham à tona. Foi difícil
para os cadetes da polícia ouvir os relatos da Guerra Suja. Mas a história de Anne Frank lhes
permite se pôr no lugar de uma outra pessoa. Isso ajuda jovens na América Latina a elevar suas
vozes e florescer.1
É verdade, o fim acontece exatamente como os Frank e seus amigos haviam temido desde o
princípio: seu esconderijo é descoberto, e eles são arrastados para sua ruína. Mas a declaração
fictícia de fé na bondade de todos os homens que encerra a peça nos tranquiliza falsamente, pois
nos convence de que no combate entre o terror nazista e a continuação da vida familiar íntima
esta última vence, já que Anne tem a última palavra. Isso é simplesmente contrário aos fatos,
porque foi ela quem morreu. Sua aparente sobrevivência por meio da comovente declaração
sobre a bondade dos homens nos isenta efetivamente da necessidade de enfrentar os problemas
que Auschwitz apresenta … Isso explica por que milhões gostam da peça e do filme: porque
embora eles nos confrontem com o fato de que Auschwitz existiu, estimulam-nos ao mesmo
tempo a ignorar suas implicações. Se, no fundo, todos os homens são bons, nunca houve
realmente um Auschwitz; não há tampouco nenhuma possibilidade de que ele possa se repetir.
Não acredito que a guerra seja apenas obra de políticos e capitalistas. Ah, não, o homem
comum é igualmente culpado; caso contrário, os povos e as nações teriam se rebelado há muito
tempo! Há uma necessidade destrutiva nas pessoas, a necessidade de demonstrar fúria, de
assassinar e matar. E até que toda a humanidade, sem exceção, passe por uma metamorfose, as
guerras continuarão a ser declaradas, e tudo o que foi cuidadosamente construído, cultivado e
criado será cortado e destruído; depois, a humanidade terá de começar tudo de novo!”
Quase três meses depois, e duas semanas antes de sua prisão, Anne
compôs a entrada com que, para bem ou para mal, passaria a ser mais
estreitamente identificada. Vale a pena citar a passagem na íntegra de forma
a corrigir a ideia simplista, falsamente consoladora, de Anne Frank como
uma fonte infinita de otimismo. O que impressiona é a graça com a qual a
entrada foi escrita e como, à semelhança de sua autora, ela se alterna entre
os extremos da esperança e do desespero.
Qualquer pessoa que afirme que os mais velhos passam por maiores dificuldades no Anexo não
percebe que o problema tem um impacto muito maior sobre nós. Somos muito jovens para
enfrentar esses problemas, mas eles vivem nos afligindo até que, finalmente, somos forçados a
imaginar uma solução, embora na maior parte das vezes nossas soluções desmoronem diante
dos fatos. Numa época assim fica tudo difícil; ideais, sonhos e esperanças crescem em nós, e
depois são esmagados pela dura realidade. É incrível que eu não tenha abandonado todos os
meus ideais, já que parecem tão absurdos e pouco práticos. Mas me agarro a eles porque ainda
acredito, a despeito de tudo, que no fundo as pessoas são boas.
Para mim, é praticamente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento
e morte. Vejo o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima
e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo assim, quando
olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também
terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão.6
Tudo bem, era uma obsessão. Admito. Aquilo se instalou sob o meu crânio com minha mente
presa em seus tentáculos. Por vezes adormecido. Por vezes acordando e espremendo. Mais uma
vez eu reagia, enviava protestos e petições. Isso estava muito bem para escritores russos
censurados, escrevendo de prisões, de campos de trabalhos forçados … mas, para um escritor
americano livre, queixar-se durante 20 anos de um pretenso ato de censura era algo obviamente
obsessivo.5
Há angústia na ideia de quanto poder criativo, quanta simples beleza de viver, foi decepada por
meio do genocídio. Mas, por intermédio de seu diário, Anne continua vivendo. Da Holanda
para a França, para a Itália, para a Espanha. Os alemães também publicaram seu livro. E agora
ela chega à América. Certamente será amplamente amada, pois essa menina sagaz e
maravilhosa traz de volta um pungente deleite pelo infinito espírito humano.
DESDE O COMEÇO LEVIN ACREDITOU, e disse a Otto, que era a pessoa ideal
para transformar o livro numa peça de teatro. Era judeu, tinha um forte
senso de identidade judaica e de responsabilidade para com as vítimas dos
nazistas, visitara os campos, estava entre os primeiros e mais devotados fãs
do diário. Mas, à medida que a reputação e a popularidade do livro
cresceram, nomes mais famosos que Levin começaram a ser relacionados
ao tema de sua adaptação teatral.
Passados mais de 50 anos, podemos ouvir a mudança no tom da
conversa quando os principais participantes da situação – Otto Frank,
Meyer Levin, os editores e produtores – perceberam que um bem valioso
estava prestes a ficar mais valioso ainda. A Doubleday perguntou a Otto se
poderiam negociar os direitos de dramatização por uma comissão de 10%.
Meyer Levin concordou. Se Barbara Zimmerman era a filha perdida de
Otto, Levin ainda era o sobrinho leal, pronto a ajudar, e ninguém esquecera
a importância de sua resenha. Confiante, Levin concordou em deixar o
editor fazer o melhor negócio. Otto queria que todos ficassem felizes – que
Levin fosse recompensado e se sentisse incluído, e que seu editor
maximizasse o potencial do livro sem distorcer a obra de Anne.
Foi diante dessas circunstâncias que Levin escreveu para Otto Frank
uma carta fatídica reiterando seu desejo de fazer a adaptação. Não tinha
interesse numa comissão de agente. Queria apenas continuar sendo a
primeira escolha de Otto como escritor. Denotando um fracasso fatal de sua
imaginação, Levin se disse disposto a sair do caminho caso seu afastamento
fosse a única maneira de conseguir que um dramaturgo famoso aceitasse
adaptar o livro.
Quando concordou em permitir que a Doubleday vendesse os direitos
da adaptação para o teatro, Otto Frank estipulou que a venda deveria ser
aprovada por Levin. E mesmo que Levin estivesse começando a parecer um
criador de caso, todos ainda imaginavam que tudo daria certo. A Doubleday
ofereceu a Levin a metade de sua comissão de agente de 10%, e novamente
Levin concordou.
Otto estava tranquilizado. O livro encontraria o produtor mais
prestigioso e sensível. Levin ou escreveria o roteiro, ou colaboraria na sua
elaboração. Um por um, porém, os principais interessados começaram a
desejar que Meyer Levin simplesmente saísse de cena. Numa carta a Frank
Price, Barbara Zimmerman escreveu que, embora os motivos de Levin não
parecessem mercenários, ele estava “estragando todo o negócio”.11 Em
cartas subsequentes, Zimmerman, claramente no limite de sua paciência,
descreveu Levin como “alguém com quem é impossível lidar em quaisquer
termos, oficial, legal, moral ou pessoalmente” e afirmou: “Ele parece
propenso a destruir tanto a si mesmo como à peça de Anne.”12 Levin não
pôde deixar de perceber a crescente insatisfação com seu papel na
negociação, e pouco a pouco começou a se ver como um personagem
desesperado, um escritor fracassado, um pobre judeu da Europa Oriental
cercado por judeus alemães ricos e esnobes, personificados por Otto Frank.
Na verdade, Otto estivera numa posição financeira instável durante
grande parte de sua vida, lutando para escorar um banco ameaçado de
falência, e, com a ajuda de seu primo, dirigindo um modesto negócio de
revenda de produtos para a fabricação de geleias. Hitler tinha tomado tudo e
assassinado sua mulher e filhas. Ao voltar para Amsterdam, ele tivera de
depender mais uma vez da lealdade e da caridade de seus ex-empregados. E
agora parecia que sua filha não só dera ao mundo um clássico literário
como proporcionara ao pai uma maneira de terminar sua vida em segurança
e conforto. Quem poderia censurá-lo por querer isso depois de tudo por que
passara?
Enquanto o diário continuava na lista dos mais vendidos, a discussão
sobre a venda dos direitos de adaptação começou a incluir as palavras
mágicas que decidiram inapelavelmente a perdição de Meyer Levin:
Escritor famoso. Teatrólogo importante. Ou por vezes, mais
grosseiramente, grande nome. Os grandes nomes aventados incluíam
Arthur Miller, Lillian Hellman, Thornton Wilder, Maxwell Anderson,
Harold Clurman, Elia Kazan e Joshua Logan. Três semanas depois da
publicação do livro, a Variety publicou uma lista de possíveis produtores.
De início a resistência de Levin foi branda. Cada vez que um
teatrólogo famoso era sugerido, Levin explicava prestimosamente por que
essa ou aquela celebridade era a pessoa errada para a tarefa. Levin afirmou
que, já em 1950, Otto concordara que ele, Levin, atuaria como seu agente
americano, negociaria os direitos de adaptação do diário e escreveria o
roteiro para a versão teatral. Ao que Frank respondeu que o entendimento
entre eles não fora tão formal e comprometedor quanto Levin acreditava.
Otto reafirmou para Levin sua confiança nele e na Doubleday. Mas as
primeiras notas de desespero começaram a soar nas cartas de Levin para
Otto. Seus conselhos foram ficando mais insensatos e manipuladores. Ele
advertiu Otto de que um teatrólogo famoso poderia deixar uma marca
pesada no material e, ademais, alguns dos escritores mencionados estavam
decadentes, acumulando diversos fracassos. Alguns dos teatrólogos e
produtores que a Doubleday estava considerando tinham sido investigados
pelo Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes;
esses candidatos deveriam ser evitados, sob pena de o diário ser apanhado
no fogo cruzado político.
Quando Maxwell Anderson foi sugerido, e se recusou a colaborar com
Levin ou com qualquer outra pessoa, Levin entrou em pânico. A obra
“opressiva” de Anderson, escreveu Levin para Otto, estava démodé. E sua
reputação poderia ofuscar o diário: “Se ele escrever a peça, ela será
indubitavelmente conhecida como a peça de Maxwell Anderson sobre
aquela menina… como era mesmo o nome dela? Parece-me que a peça
deveria ser identificável como obra de Anne.”13 Finalmente, afirmou Levin,
Anderson não se qualificava porque não era judeu.
Otto Frank, que passaria o resto de sua vida trabalhando para que as
pessoas não fossem julgadas e excluídas com base em sua cor, raça ou
religião, ficou ofendido com a sugestão de Levin de que não judeus não
deviam se candidatar. Em junho de 1952, ele respondeu:
Eu sempre disse que o livro de Anne não é um livro sobre a guerra. A guerra está em segundo
plano. Tampouco é um livro judaico, embora a esfera, o sentimento e o ambiente judaicos sejam
o pano de fundo. Nunca quis que um judeu escrevesse uma introdução para ele. Ele é (pelo
menos aqui) lido e compreendido mais por gentios do que em círculos judaicos. Não sei como
será nos Estados Unidos, esse é o caso da Europa. Portanto, não o transforme numa peça
judaica! De certo modo, é claro, ela deve ser judaica, mesmo porque trabalha contra o
antissemitismo. Não sei se consigo exprimir o que tenho em mente e apenas espero que você
não me interprete mal.14
A própria origem de nosso teatro estava nas representações religiosas dos martírios … a peça,
se encenada, deve ser uma reencarnação. Na persistência do espírito vivo cada espectador
sentiria uma catarse. Quando o espírito reaparecia diante dele, indestrutível, o crematório era
negado … Vi a forma quase como um balé, a investigação de uma menina, frustrada a cada
momento impulsivo enquanto luta pela autorrealização.18
Há somente uma maneira de explicar o brilho suave de O diário de Anne Frank. A peça e a
representação são inspiradas. Em raros intervalos na Broadway, acontece alguma coisa que
mete o teatro em brios e incita todos a fazerem um pouco mais do que são capazes. Um sonho
de perfeição impossível impele a todos a se superarem por esforço próprio. Alguma coisa em O
diário de Anne Frank teve esse efeito feliz. 51
Não consigo pensar em nada que os autores fizeram que seja reprovável, exceto talvez uma
tendência a tornar sua heroína adolescente um pouquinho mais conscientemente literária e
firmemente inspiradora do que tanto sua idade quanto a representação de sua personalidade
pareceriam justificar. Não li o livro, porém, e é certamente possível que as citações que me
incomodaram tenham sido tomadas dele ipsis litteris, uma vez que, como bem sei, a maioria das
jovens tem seus momentos floreados. De todo modo, a falha é pequena e penso que a peça em
geral é magnífica.53
As luzes da casa se acenderam sobre uma plateia que permanecia sentada, exausta e pálida,
alguns olhando para a frente, outros para o chão, durante meio minuto. Depois, como se
despertando de um pesadelo, as pessoas se levantaram e saíram em completo silêncio, sem
olharem umas para as outras, evitando até as costumeiras piscadelas de reconhecimento com
que um amigo cumprimenta outro. Não houve aplauso, e os atores não voltaram ao palco.54
Uma reação bem menos sincera foi registrada por Theodor Adorno,
que relatou que, após assistir ao drama, uma alemã disse: “Sim, mas
deveriam ter deixado pelo menos aquela menina viver.”55 Na esteira da
popularidade da peça, as vendas do livro foram enormes na Alemanha e em
toda a Europa. Talvez, apesar dos cortes e alterações que haviam sido feitos
para a edição alemã, a Anne do diário fosse ainda complicada demais, judia
demais – e zangada demais – para que os alemães a amassem. Mas a Anne
conciliadora, esperançosa, “universal” e emburrecida tornou esse amor
possível, e a menina tornou-se rapidamente um objeto de devoção. Uma
placa em sua memória marca hoje a casa em Frankfurt onde ela morou
quando pequena, e, em 1957, 2 mil jovens alemães fizeram uma
peregrinação quase religiosa para depositar flores na vala comum de
Bergen-Belsen onde se acredita que Anne esteja enterrada.
Encenada em escolas, centros comunitários e teatros de verão, a peça
apresentou Anne Frank e sua trágica tribulação para incontáveis plateias e
ajudou a conduzir milhares de leitores de volta para seu diário; em menor
medida isso pode ser dito também do filme de Hollywood baseado na
adaptação teatral. Não muito felizmente, a peça, para muitas pessoas,
tornou-se o diário. Em salas de aula de todo esse país e no mundo inteiro, o
diário é ensinado para estudantes para quem a Anne caprichosa e tola do
palco se torna a única Anne Frank.
Não há como negar, contudo, o efeito que a peça exerce sobre suas
plateias. Lembro-me de assistir à produção original na Broadway, o que
significa que eu devia ter entre oito e dez anos de idade. Eu já era uma fã
apaixonada do diário, razão pela qual sei como era nova quando o li pela
primeira vez. Lembro-me de assistir à encenação, sentir que o diário de
Anne tinha ganhado vida e ficar tão comovida a ponto de chorar. Lembro
que toda a plateia chorava, e que senti (embora isso fosse algo que eu não
saberia como expressar naquela época) que uma experiência privada e
pessoal torna-se uma experiência social. Eu estava absolutamente
agradecida por ter encontrado um teatro cheio de pessoas que partilhavam
minha admiração e piedade por essa menina extraordinária e minha paixão,
ainda que infantil, por sua obra.
EM 1997, ANNE FRANK VOLTOU À BROADWAY, numa nova adaptação feita por
Wendy Kesselman. Procurada pelos produtores Amy Nederlander e David
Stone e pelo diretor James Lapine, Kesselman aceitou o encargo porque, diz
ela, “eu queria devolver a verdade”56 ao modo como Anne havia sido
retratada no palco. Àquela altura, a publicação da edição definitiva de 1995
havia despertado nova atenção para o diário, e os envolvidos no projeto
queriam fornecer uma imagem mais nuançada e completa do caráter e da
realização de Anne.
A ideia inicial de Kesselman foi que sua versão poderia seguir muito
de perto a de Goodrich e Hackett, apenas com a eliminação da “moldura” –
o prólogo e o epílogo em que Otto revisita o sótão. Quando releu o diário,
porém, concluiu que era preciso fazer mais, uma decisão dificultada pelo
fato de que o direito autoral especificava que não mais de 10% da peça
original de 1955 podiam ser alterados.
De fato, a adaptação de Kesselman é mais fiel ao diário que a anterior.
A voz de Anne, sua inteligência e seu espírito transparecem mais
claramente, e há passagens mais longas de seu diário lidas textualmente. As
referências de Anne ao próprio corpo – e à sua lembrança de tocar os seios
de outra menina – foram restauradas. Dessa vez, ouvimos o discurso
radiofônico do ministro Bolkestein que inspirou Anne a pensar que seu
diário poderia ser publicado e a alimentar a esperança de se tornar uma
escritora quando crescesse. Os contextos histórico e religioso foram
explicados, assim como a ameaça que pairava sobre os moradores do anexo,
se fossem presos. Ouvimos a voz de Rauter, comandante da SS, ordenando
que os Países Baixos fossem expurgados de judeus. (O fato de apenas uma
pequena percentagem de judeus holandeses ter sobrevivido foi, afirma
Kesselman, uma “revelação” que mudou, para ela, a noção corrente de que
toda a população holandesa estava ou escondendo judeus ou trabalhando
para a Resistência.)
Os personagens secundários estão mais bem-acabados e convincentes,
e a sra. Van Daan ganha uma fala comovente sobre como se apaixonou pelo
marido. Numa leitura pública da versão de Kesselman, Linda Lavin, que fez
o papel da sra. Van Daan, ficou emocionada até as lágrimas a primeira vez
que leu a passagem.
Consta que um agente teria comentado sarcasticamente que “ela não
faz isso com muita frequência.”
A crença de Anne na bondade do coração humano foi conservada, mas
retornou ao que Cynthia Ozick chamou de “leito de espinhos”. As frases
sobre a transformação do mundo numa selva e o sofrimento de milhões são
as últimas que ouvimos de Anne na peça, que termina com Otto informando
à plateia como os outros morreram e como Hanneli viu Anne, nua, a cabeça
raspada, cheia de piolhos, pouco antes que ela morresse de tifo.
Diferentemente da adaptação de Goodrich e Hackett, a de Kesselman torna
difícil para o público continuar em dúvida sobre o que aconteceu com
Anne.
Em última análise, porém, uma peça é apenas um roteiro, um projeto, e
muito depende da qualidade da produção. Na primavera de 2007, uma
encenação da versão de Kesselman, dirigida por Tina Landau no
Steppenwolf Theater de Chicago, parece ter maximizado seu potencial.
As reações à produção de 1997 na Broadway foram mais variadas. Ben
Brantley, o crítico de teatro do The New York Times, ficou totalmente
enlevado com a protagonista:
Ver Natalie Portman no palco do Music Box Theater é compreender o que Proust quis dizer
quando falou de raparigas em flor. A srta. Portman, uma atriz de cinema que faz seu début na
Broadway, tem apenas 16 anos e, apesar de seu currículo precoce, desprende um puro frescor de
botão de rosa que não pode ser fingido. Há uma graça inefável em sua falta de jeito e até sua
pele parece fulgurar com a promessa de uma miraculosa transformação.57
decididamente artificial, tendo sido instruída a se comportar de uma maneira que teria
embaraçado até a Gidget de Sandra Dee. A srta. Portman parece nunca andar se pode saltar;
quando se deita no chão, de bruços, calcanhares para cima, escrevendo em seu querido diário,
seus pezinhos ficam sempre sacudindo para frente e para trás como os de uma menina de quatro
anos. A menina que vemos não tem nenhuma relação com os pensamentos que expressa, seja
em pessoa ou em narração pré-gravada.59
Aos 16 anos, quando representei Anne na Broadway, eram seus defeitos – vaidade,
hiperatividade e pavio curto – que me interessavam mais. E agora, depois de minha leitura
cuidadosa mais recente apenas algumas semanas antes de completar 18 anos, fiquei mais
fortemente impressionada com sua introspecção, sua solidão, perfeita autoconsciência e
determinação … A beleza e a verdade de suas palavras transcenderam os limites impostos à sua
vida pela perversidade da natureza humana.60
8. O f ilme
E assim parece que nossa estada aqui terminou. Deram-nos só um momento para pegar nossas
coisas. Podemos levar uma sacola, qualquer coisa onde enfiar nossas roupas, mais nada. Assim,
querido diário, isso significa que tenho de deixá-lo para trás. Adeus por algum tempo … Por
favor, por favor, qualquer pessoa, se por acaso você encontrar este diário, por favor guarde-o
para mim, porque um dia eu espero…10
E assim parece que nossa estada aqui terminou. Nossa estada aqui?
De volta da guerra, Otto Frank entra no sótão com Kleiman e Kruger,
que explicam por que estavam ausentes no dia em que os moradores do
anexo foram levados. Na realidade, como sabemos, os dois ajudantes
estavam no escritório, e foram presos junto com os judeus;
presumivelmente, sua presença no momento crítico foi eliminada para
simplificar a cena e aumentar seu impacto dramático. Otto conta para os
amigos holandeses sobre os campos, sobre sua viagem de volta para casa,
sobre a busca por sua família entre tantos outros que procuravam entes
queridos.
“Mas Anne … Eu ainda tinha esperança. Ontem eu estive em
Roterdam. Conheci uma mulher ali, ela esteve em Belsen com Anne. Agora
eu sei…”11 A música aumenta de novo, a câmera se eleva para uma ampla
tomada das nuvens e gaivotas se precipitando, e ouvimos Anne repetindo
que, apesar de tudo, ela ainda acredita que as pessoas são boas no fundo.
Ela soa como uma menina americana. E por que não? É um filme
americano. Somos a cavalaria que surge por sobre a colina. Nesse caso, a
cavalaria fez o melhor que pôde, mas não foi o bastante para salvar Anne. O
Dia D foi um evento extraordinário, e o filme utiliza as tomadas que
Stevens fez da invasão. Quando seus atores não reagiram com suficiente
entusiasmo à notícia de que os americanos haviam desembarcado nas praias
da Normandia, George Stevens pôs “The Star-Spangled Banner” para tocar
para eles.
Na internet, é possível assistir às tomadas do Dia D feitas por Stevens.
A cor distorcida do filme degradado lhes confere uma beleza espiritual. Há
uma tomada particularmente linda de couraçados, em silhueta contra o
horizonte, flutuando sob um céu pontilhado de balões de vigilância. Um
link o levará a um fragmento de filme identificado apenas como
“Libertação de Auschwitz. Tomadas russas raras”. É narrado em alemão e
parece ter sido feito para a TV alemã. Um pequeno grupo de soldados
russos corre pelos campos, tropeçando e caindo nos grandes montes brancos
de neve. Em seguida vemos os prisioneiros recém-libertados, um por um,
homens com semblantes de grande estranheza e impressionante
individualidade. Depois, imagens de covas comuns, cadáveres na neve e
prisioneiros de todas as idades, inclusive crianças.
O angustiante filme nos lembra o que ficou esquecido na pressa de
tornar o diário de Anne uma mercadoria lucrativa, popular e moralmente
edificante. Os campos, os prisioneiros e os inocentes mortos contam a
verdade sob os embustes das produções da Broadway e de Hollywood, sob
os rascunhos, as reformulações, os processos e as decepções, sob a história
americana simultaneamente ingênua e cínica que terminou com uma
modelo explicando que, apesar de tudo, ela ainda acredita, no fundo, que as
pessoas são boas.
e A autora, aqui, faz um trocadilho com o termo regular, que em inglês é sinônimo de soldado. (N.T.)
9. Negação
Quando uma foto de 50 anos atrás de uma adolescente adoentada que morava do outro lado do
oceano aparece na primeira página do Statesman, sabemos que o programa político de alguém
está em ação. A perpetuação do mito de Anne Frank por choramingas crédulos e oprimidos pela
culpa é uma difamação da verdade e um tapa na cara da história.1
f Uma pesquisa com as palavras em português (“Anne Frank negação Holocausto” e “Anne Frank
fraude”) dá resultados semelhantes. (N.T.)
PARTE IV Anne Frank nas
escolas
10. O diário ensinado
Talvez os professores hesitem … em instruir seus alunos sobre um episódio histórico marcado
por incompreensível selvageria e ódio. A própria ideia de falar sobre o fato de que, entre 1933 e
1945, 6 milhões de judeus, junto com outras pessoas … foram desumanizados pela fome e
depois aniquilados em câmaras de gás, execuções em massa e outros métodos empregados
pelos capangas de Hitler é impensável. Discutir os horrores que aconteciam em campos de
concentração … pode parecer bárbaro demais. No entanto, uma compreensão do Holocausto
deveria estimular a compreensão pessoal dos direitos humanos de todos os judeus e não judeus
… A natureza idealista do adolescente estimula a discussão e o estudo sobre os direitos
humanos e a justiça.2
Mesmo a mais positiva discussão sobre os direitos humanos, porém,
acaba por se deparar com a cruel realidade do que aconteceu com Anne
Frank, e até a opinião mais esperançosa a respeito do poder da não
violência deve tratar desse aspecto da natureza humana sobre o qual Anne
escreveu com honestidade e concisão: “Há uma necessidade destrutiva nas
pessoas, a necessidade de demonstrar fúria, de assassinar e matar. E até que
toda a humanidade, sem exceção, passe por uma metamorfose, as guerras
continuarão a ser declaradas, e tudo o que foi cuidadosamente construído,
cultivado e criado será cortado e destruído; depois, a humanidade terá de
começar tudo de novo!”3 Os professores sempre serão obrigados a enfrentar
o desconforto natural – particularmente forte entre os jovens, e, por alguma
razão, entre americanos – diante de questões para as quais simplesmente
não há respostas fáceis ou, pior, resposta alguma. Aqui, o mistério insolúvel
é o do mal, do traço aberrante da natureza humana que alimentou os
esforços nazistas para exterminar populações inteiras.
O fio luminoso que pode ser, e que com frequência foi, desemaranhado
do conteúdo sombrio do diário atravessa uma palestra dada em 2003 pela
dra. Lesley Shore, então professora assistente na Universidade de Toronto.
Anne Frank, observou Shore,
luta pela bondade – e é frequentemente rejeitada por isso … Anne, como Antígona de Sófocles,
escolhe “participar amando, não odiando”, embora, como Freud, compreenda o mal que
espreita no interior das pessoas … Anne Frank traz à luz o melhor de nós. Nós a amamos
porque sabemos que, se pudéssemos acreditar como ela, diante do terror, ou mesmo na
imundície de Bergen-Belsen, queríamos desesperadamente acreditar na bondade humana. Esse
é o poder de seu legado. Ela, somente ela, ousa admitir que quer acreditar, no fundo, que as
pessoas são basicamente boas.4
VERDADEIRO OU FALSO:
As únicas pessoas mortas durante o Holocausto eram judias.
VERDADEIRO OU FALSO:
O Holocausto jamais poderia acontecer de novo.
VERDADEIRO OU FALSO:
O Holocausto ocorreu durante a Revolução Americana.
VERDADEIRO OU FALSO:
Anne Frank publicou seu diário e ganhou muito dinheiro.
VERDADEIRO OU FALSO:
Duas de cada três pessoas judias na Europa foram mortas durante o Holocausto.5
Mesmo quando explicitamente informados de sua morte cruel, os estudantes ainda tendiam a
imaginá-la de maneira esperançosa. Quando estudantes responderam a uma questão em seu
livro didático … que perguntava como Anne poderia ter sido feliz num campo de concentração,
Charlotte respondeu: “Pelo que conheço de Anne, ela foi feliz nos campos de concentração.
Não precisava mais ficar em silêncio; podia se divertir lá fora. Podia estar na natureza. Ela
amava a natureza. Acho que esse foi um grato alívio para ela.” A base para a versão de
Charlotte era simplesmente “Pelo que conheço de Anne…” Quando Karen perguntou aos
colegas de classe de Charlotte se concordavam com ela, a sala se encheu de braços levantados;
alguns levantaram as duas mãos, mas ninguém abriu a boca ou manteve um braço abaixado em
protesto contra a declaração da aluna. Ninguém. Esse é um atestado da poderosa influência da
Anne Frank americanizada.8
O QUE FAZ COM QUE NOS SINTAMOS ainda mais gratos aos professores que
adotam O diário de Anne Frank é a campanha que foi movida para impedir
que ele fosse sequer ensinado – ele está entre os livros mais frequentemente
proibidos ou contestados em bibliotecas e escolas americanas.
Numa lista compilada pelo Online Computer Library Center em 2005,
O diário de Anne Frank era o número 13 numa lista de livros censurados. A
National Coalition Against Censorship relata que no verão de 2004, “na
Fowler High School em Fowler, Colorado, a professora iniciante Sara
McCleary não foi recontratada porque pediu a seus alunos do nono ano que
lessem O diário de Anne Frank. Depois que um dos pais fez objeção a uma
referência sexual, o Conselho Escolar cancelou seu contrato e retirou o livro
das salas de aula, deixando um único exemplar na biblioteca”.12
Durante alguns anos, esses ataques ao livro – e aos que o ensinavam –
foram sobretudo reações às reflexões de Anne sobre as mudanças em seu
corpo e seu encantamento por Peter. Essas passagens, afirmava-se,
estimulavam uma atmosfera de permissividade sexual inadequada a um
ambiente de sala de aula – ou, presumivelmente, qualquer ambiente em que
adolescentes estivessem presentes. Um levantamento de 1982 descobriu que
o livro havia sido proibido em parte porque “descreve o desenvolvimento
físico de uma menina de maneira explícita demais”. Inadvertidamente, essas
objeções fazem eco a Ditlieb Felderer e outros como ele que condenaram o
diário como um livro sexual depravado. Na verdade, uma razão por que o
diário continuou sendo tão apreciado por jovens leitores tem a ver com a
abordagem franca e não histérica de Anne ao sexo, um tópico que mesmo
os adolescentes mais astutos muitas vezes acham ameaçador e embaraçoso.
É lamentável que o livro deva ser retirado do currículo por causa de algo
que ele faz bem – transmitir tão precisamente a crescente consciência da
sexualidade de uma adolescente de maneira que ainda pareça honesta e
verdadeira.
Mais tarde, à medida que a disposição nos conselhos escolares
distritais avançou mais para a direita, as acusações ao diário se expandiram
para incluir a rebeldia de Anne, vista como um estímulo implícito para que
os leitores adolescentes incorram na falta de respeito pela autoridade. Mais
recentemente ainda, a lista de objeções dos pais e da comunidade expandiu-
se para incluir os próprios valores morais e espirituais que o diário costuma
ser usado para fomentar.
Em dezembro de 1983, sete famílias fundamentalistas processaram o
distrito escolar público do condado de Hawkins, Tennessee, afirmando que
um livro escolar adotado nas classes dos filhos expunha estudantes a
valores e ideias – humanismo secular, liberalismo, diversidade religiosa,
tolerância – que violavam as crenças mais profundas delas. Na ação judicial
Mozert vs Hawkins County Board of Education, eles sustentaram que “o
uso de certos textos violava seu direito de livre exercício da religião e o
direito fundamental dos pais de controlar a instrução religiosa e moral de
seus filhos”.
O caso começou quando uma mãe, Vicki Frost, descobriu que um livro
didático do filho estava cheio de referências a bruxaria e magia. O começo
de Macbeth e uma seleção de trechos de O mágico de Oz eram
particularmente ofensivos. Ela ficou ainda mais encolerizada com um
trecho do diário de Anne Frank que sugeria que não importa em que Deus
você acredita, desde que você acredite em algum.
A passagem era da peça de Goodrich-Hackett, não do diário.
Ironicamente, as linhas controversas são tomadas da mesma cena que
causou tanto desgosto a Meyer Levin, a discussão em que Anne diz a Peter
que desejaria que ele tivesse uma religião, depois diz que ele não precisa ser
ortodoxo, ou acreditar no céu e no inferno. “Quero dizer apenas alguma
religião… não importa qual.”
A desjudaização deliberada de Anne e sua família, e, por extensão, dos
milhões de outros que morreram nos campos nazistas, magoara o pobre
Levin e mais tarde enfurecera Cynthia Ozick. O resultado não foi menos
penoso para cristãos fundamentalistas, uma situação que os criadores da
peça – tão ansiosos por universalizar o apelo do material – dificilmente
teriam podido prever. Há de se imaginar como a comunidade
fundamentalista teria reagido ao diário em si, em que fica mais claro que as
pessoas no sótão não são unitaristas, mas judeus, e que Anne na verdade
tem uma preferência com relação ao Deus que ela cultua. Ao mesmo tempo
que alguns leitores e críticos censuraram o modo como o diário foi, nas
palavras de Ozick, “expurgado, distorcido, transformado” num apelo à
compreensão e à aceitação, outros acusaram o livro (ou, mais precisamente,
sua adaptação teatral) de ser tolerante demais.
Segundo os documentos do caso Mozert vs Hawkins County Board of
Education,
é essa filosofia subjacente que ofende os queixosos, que acreditam que Jesus Cristo é o único
meio de salvação. Os queixosos rejeitam para seus filhos qualquer conceito de comunidade
global, governo mundial ou interdependência humana. Eles também rejeitam fortemente
qualquer sugestão, portanto, de que todas as religiões são apenas diferentes caminhos para
Deus, considerando isso um ataque à própria essência da doutrina cristã da salvação.13
g Neologismos ingleses que designam, respectivamente, a maneira como os eventos são sequenciados
e a caracterização de atores históricos. (N.T.)
h Classe em geral menor, em que as matérias são apresentadas em maior profundidade. O pensamento
crítico e independente, a participação e a discussão na sala de aula são estimulados. Os alunos que
satisfazem a certos critérios podem se graduar “com honras”. (N.T.)
11. Bard College, 2007
NO FINAL DO OUTONO DE 2007, dei aula sobre O diário de Anne Frank para
uma turma do Bard College. Era um curso de close reading, ou leitura
analítica, em que estivéramos estudando as obras de escritores que iam de
John Cheever a Hans Christian Andersen, de Mavis Gallant a Leonard
Michaelis, de Roberto Bolaño a Grace Paley. Meus alunos eram não só
inteligentes, apaixonados e empenhados, mas intuitivos e
extraordinariamente cultos, e eu ficava frequentemente surpresa e encantada
com os saltos de imaginação que os levava da literatura para as artes visuais
ou a música. Uma discussão sobre Bolaño se transformara numa conversa
sobre Borges. Uma aula sobre “A rainha da neve” de Andersen inspirara um
debate sobre o erotismo inocente, perverso, fantástico do artista autodidata
Henry Darger.
Eu estava ansiosa por ouvir o que teriam a dizer sobre Anne Frank,
mas não estava preparada – nem eles – para a intensidade de suas reações.
Eu estivera pensando e escrevendo sobre os benefícios e os riscos de uma
identificação com Anne Frank; meus alunos demonstraram todos os
primeiros e nada dos últimos. Nascidos muito depois de sua morte, tinham a
impressão de que ela estava falando com eles. Como se fosse um deles.
Identificavam-se com sua humanidade, sua compaixão, seu humor, sua
impaciência, sua introspecção, suas lutas adolescentes, sem nunca perder de
vista a disparidade entre suas vidas confortáveis e privilegiadas e as
circunstâncias que a haviam levado ao esconderijo. Tinham aguda
consciência do abismo entre o que Anne fora obrigada a suportar e os
contratempos triviais que seus contemporâneos julgavam quase
insuportáveis.
Um estudante escreveu:
Eu não conseguia acreditar em como ela estava sempre decidindo ser mais feliz. Ela escreve
sobre muitas experiências de alegria. Mesmo naquelas condições extremas, consegue manter o
espírito de uma menina normal. Hoje coisas tão pequenas transformam pessoas em casos
perdidos, elas passam a tomar Prozac porque não conseguem pagar as faturas do seu cartão de
crédito. É difícil acreditar que ela consiga conservar tanto de si mesma. É capaz de contemplar
Amsterdam num dia ensolarado e ainda ficar extasiada com a beleza.
Eu lhes pedira que me enviassem antes da aula breves textos com suas
impressões e, talvez porque havíamos dado tanta ênfase ao modo como os
escritores escreviam, muitos se concentraram na eloquência de Anne.
Não só ela era uma escritora fabulosa, mas senti uma ligação especial com ela porque meus
avós ficaram escondidos durante a guerra, na França. Em certa altura ela diz que quer ser
jornalista, e fiquei pensando que esse é um dos melhores documentos jornalísticos da história.
Ela sabe tanta coisa. Percebia todos os sinais de perigo, os judeus não podem fazer isto, não
podem fazer aquilo. Quando sua irmã foi intimada, todos sabiam o que isso significava. É
assombrosamente bem escrito, e ela realiza um trabalho excelente ao nos fazer sentir o medo
que estava na base de tudo, o tempo todo.
foi que ela começa como uma garotinha e amadurece, tornando-se capaz de ver as coisas mais
objetivamente. Em vez de se enfurecer com as pessoas, é capaz de dar um passo atrás e ver a si
mesma. Torna-se um ser humano realmente maravilhoso. Gosto do modo como ele termina,
com ela pensando como a vida seria boa se não houvesse outras pessoas nela. Isso torna mais
trágico que não tenha podido realizar todo o talento e a humanidade que possuía.
Outro concordou. “Ela começou como uma menina otimista tão
inocente e tornou-se tão mais inibida e consciente de si mesma.”
Outro ainda escreveu:
Anne é formidável. É tão poderosamente viva. (Dizer isso dessa maneira me parece um pouco
tolo, mas não sei bem de que outra maneira expressá-lo.) Tudo que ela descreve sobre o Anexo
Secreto é interessante porque ela está interagindo com ele e contando sobre ele à sua maneira
perspicaz, engraçada. Ela fala muitas vezes sobre seus pais, o sr. e a sra. Van Daan e Dussel
tentando corrigi-la ou envergonhá-la para que mude de comportamento. Nunca vemos
realmente o que aconteceu antes que os adultos a perseguissem, porque Anne está sempre
escrevendo depois do fato, não explicando seu próprio comportamento, o que quer que tenha
feito, mas não é difícil imaginar. Anne era provavelmente uma pessoa de convívio muito difícil.
Ela falava sem parar, dizia o que lhe vinha à cabeça, tinha opiniões firmes e era apenas uma
menina de 13 anos. Que companhia para se ter num Anexo Secreto!
Tornamo-nos “Kitty”, a amiga que ela inventa e a quem dirige todas as suas entradas. Anne
nos encontra pela primeira vez e pouco a pouco passa a nos conhecer e a se sentir à vontade
para nos fazer confidências. Como Kitty, somos os depositários de seus segredos.
Ouvindo-o, pensei: eles teriam sido amigos. Ela era uma menina de 15
anos. Via a si mesma ao mesmo tempo como comum e especial, crescendo
em circunstâncias que nada tinham de normais, ainda que seus pais
insistissem em seguir a rotina de uma vida cotidiana. O certo era que Anne
não cresceu acreditando que seria enviada para Auschwitz, e que morreria,
aos 15 anos, em Bergen-Belsen.
Ouvi meus alunos, tão cheios de vitalidade e ansiosos como ela teria
sido, apenas alguns anos mais velhos do que ela era quando morreu. Pedi a
um deles para ler alguma coisa do diário em voz alta, e ele escolheu a
última entrada, a passagem em que Anne imaginou a pessoa que ela poderia
ter sido se não houvesse mais ninguém no mundo.
Quando ele terminou, a classe estava em silêncio. Na quietude, pensei
sobre o desejo de Anne de continuar vivendo depois de sua morte. E ficou
claro para mim, como esteve durante todo o tempo em que escrevi este
livro, que seu desejo foi atendido. Lembrei como, mais de 50 anos atrás, na
primeira vez em que li o diário, continuei lendo até que a luz desaparecesse
pouco a pouco em meu quarto, como desaparecera agora, nessa sala de aula.
E durante aquelas horas nas quais meus alunos e eu falamos sobre seu
diário, pareceu-me que o espírito de Anne – ou, em todo caso, sua voz –
tinha estado ali conosco, presente e completamente vivo, audível em mais
um aposento que escurecia aos poucos.
Notas
2. A vida
3. O livro, parte I
4. O livro, parte II
6. A casa
7. A peça
8. O filme
9. Negação
Livros
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Anne Frank Remembered (DVD). Direção de Jon Blair. Narrado por Kenneth Branagh. S.l., Sony
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Anne B. Real (DVD). Direção de Lisa France. Com Janice Richardson, Carlos Leon, Ernie Hudson.
S.l., Screen Media Films, 2003.
The Diary of Anne Frank (DVD). Direção de George Stevens. S.l., Twentieth-Century Fox Films,
1959. [Título no Brasil: O diário de Anne Frank.]
Agradecimentos e fontes
Aprendi muitas coisas ao escrever este livro, e uma delas foi o que os
autores querem dizer quando afirmam, em páginas como estas, que há
pessoas sem as quais seu trabalho teria sido simplesmente impossível.
Segue abaixo uma lista (apenas parcial, lamento) daqueles que tornaram a
criação e a concretização desta obra uma possibilidade – e um prazer.
Em Amsterdam, Annemarie Bekker, Mariela Chyrikins, Theresien da
Silva e Norbert Hinterleitner cederam generosamente seu tempo. Erika
Prins não só me guiou pelos caminhos intricados do arquivo Anne Frank
como leu o manuscrito e fez valiosas sugestões. Jan Eik Dubbelman e
Dienke Honduis foram fontes inesgotáveis de amizade, competência e
encorajamento quando eu mais precisava. Historiadora e escritora, Dienke
leu o manuscrito de forma meticulosa, fazendo críticas e sugestões de
edição úteis – na verdade, indispensáveis – que incorporei à versão final.
Na Basileia, Bernd Elias e Barbara Eldridge leram o livro com
disposição e reponderam com um entusiasmo que significou muito para
mim. No Anne Frank Center, em Nova York, Maureen McNeil não só me
apresentou a professores e alunos da Bell Academy como me forneceu
valiosos contatos de seus colegas em Amsterdam.
Quero agradecer a Peter Carey e ao programa de bolsas Hertog
Fellowship, do mestrado do Hunter College; seu auxílio me proporcionou
assistentes de pesquisa que colaboraram comigo em todas as etapas do
trabalho: Ana Jomolca, Annie Levin e Tennessee Jones. Agradeço também
a Zachary Wolfe, Christina Bailly e Alexandra Bowe por ajudarem a
preparar o livro para publicação, e a Mark Schaevers por seu humor,
amizade e ajuda com pesquisa e tradução.
Meus brilhantes alunos no Bard College reagiram ao diário de Anne
Frank de maneiras tão profundamente emocionantes que decidi incluir no
livro um capítulo descrevendo suas manifestações. Gostaria de agradecer a
cada um deles: Alex Carlin, Gabriel DeRita, Evelyn Fettes, Sam Freilich,
Simon Glenn Gregg, Shay Howell, Samuel Israel, Sonya Landau, Sara
Lynch-Thomason, James Molloy, Emily Moore, Evan Neuwirth, Angela
Sakrison, Tegan Walsh e Daniel Whitener. Agradeço também a Leon
Botstein por ter me levado para o Bard College, e a Norman Manea por sua
amizade e gentileza ao me apresentar a essa notável instituição.
Minha editora, Terry Karten, foi, como sempre, paciente, inspiradora e
mais solícita (em diversos sentidos) do que eu poderia expressar. Também
não tenho palavras para dizer o quanto dependi da presteza, do cuidado e da
constante alegria e energia positiva de minha agente, Denise Shannon.
Embora eu costumasse brincar que podia ouvir meus amigos folheando uma
revista do outro lado da linha quando eu telefonava para falar
obsessivamente sobre o assunto deste livro, a verdade é que contei com eles
para me ouvir e aconselhar. Obrigada a meus filhos, Bruno e Leon Michels,
e a minha nora, Yesenia Ruiz. Por fim, nenhuma palavra deste livro, ou de
qualquer coisa que eu tenha escrito em mais de 30 anos, poderia jamais ter
chegado ao papel não fosse o amor, os conselhos e o apoio de meu marido,
Howie Michels.
***
Robert Alter, trechos de “The view from the attic: an obsession with Anne
Frank”, The New Republic, 4 dez 1995. Copyright © 1995, Robert Alter.
Reproduzidos com permissão do autor. | Algene Ballif, trecho de
“Metamorphosis into American adolescence”, Commentary, nov 1955.
Copyright © 1955, The American Jewish Committee. Reproduzido com
permissão de Commentary. | John Berryman, trechos de “The development
of Anne Frank”, in The Freedom of the Poet. Copyright © 1967, 1976, John
Berryman. Reproduzidos com permissão de Farrar, Straus & Giroux LLC. |
Anne Frank, trechos de The Diary of Anne Frank: The Revised Critical
Edition pelo Instituto Holandês para a Documentação de Guerra, David
Barnouw e Gerrold Van Der Stroom (eds.), trad. de Arnold J. Pomerans,
B.M. Mooyaart-Doubleday & Susan Massotty. Copyright © 1986, 2001,
Anne Frank-Fonds, Basileia/Suíça para todos os textos de Anne Frank.
Tradução inglesa copyright © 2003, Doubleday, uma divisão de Random
House, Inc. e Penguin Books, Ltd. para The Diary of Anne Frank: The
Revised Critical Edition. Usados com permissão de Doubleday, uma divisão
de Random House, Inc. | Miep Gies, trechos de Anne Frank Remembered:
The Story of the Woman Who Helped to Hide the Frank Family, com um
novo posfácio por Miep Gies e Alison Leslie Gold. Copyright © 1987,
Miep Gies e Alison Leslie Gold. Reproduzidos com permissão de Simon &
Schuster, Inc. Todos os direitos reservados. | Bernard Kalb, trechos de
“Diary footnotes”, The New York Times, 2 out 1955, p.3. Copyright © 1955,
The New York Times Company. Usados com permissão e protegidos pelas
Leis do Copyright dos Estados Unidos. É proibida a impressão, cópia,
redistribuição ou retransmissão do material sem expressa permissão escrita.
| Meyer Levin, trechos de “Anne Frank: A play”, p.2, 7, 17, 41, 60, 68-69
(manuscrito inédito). Reproduzidos com permissão de The New York
Public Library, Dorot Jewish Division. | Meyer Levin, trecho de “A
challenge to Kermit Bloomgarden”, The New York Post, 13 jan 1954.
Copyright © 1954, NYP Holdings, Inc. Reproduzido com permissão. |
Carson McCullers, trechos de cartas a Otto Frank e Fritzi Frank.
Reproduzidos com permissão de The Lantz Office. | Laureen Nussbaum,
trechos de “Anne Frank”, in Women Writing in Dutch, Kristiann Aercke
(org.). Copyright © 1994, Garland Publishing, Inc. Reproduzidos com
permissão de Garland Publishing, Inc. sob o Copyright Clearance Center. |
Robert Warshaw, trecho de carta a Otto Frank do arquivo Anne Frank no
Museu Anne Frank em Amsterdam. Reproduzido com permissão de Paul
Warshaw. | Cara Weiss, trecho de uma carta a Otto Frank, in Love, Otto:
The Legacy of Anne Frank (Cara Wilson e Otto Frank. S.l., Andrews
McMeel, 1995). Reproduzido com permissão de Cara Wilson-Granat. |
Barbara Zimmerman, trechos de cartas editoriais. Usados com permissão de
Doubleday, uma divisão de Random House, Inc.
Índice remissivo
Geiringer-Schloss, Eva, 1
Geiringer-Schloss, Fritzi (mais tarde Elfriede Frank), 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
Geiss, Edgar, 1
Gies, Jan, 1, 2, 3, 4
na Resistência, 1
Gies, Miep, 1, 2
apresentada a açougueiro para abastecer anexo, 1-2
carteira de identidade, 1-2
casamento e noivado apressado, 1-2
disposição para ajudar os Frank e outros, 1-2, 3, 4-5
interrupção de Anne em seu trabalho descrita por, 1
lembra leitura do diário por Otto Frank, 1-2
lembra de oficial que efetuou a prisão, 1
na Resistência, 1-2
observação de Edith Frank, 1
origens e relação com os Frank, 1-2
Otto Frank acha um grão de feijão esquecido, 1
passagem sobre corte por Otto Frank, 1
Pfeffer e, 1-2
preparação do anexo secreto, 1
recupera e guarda diário e manuscritos de Anne, 1-2, 3, 4
sobre apartamento dos Frank, 1-2
sobre Auguste van Pels, 1-2
sobre estrelas amarelas usadas por judeus, 1
sobrevivência de, 1
tentativa de subornar Silberbauer para que os Frank fossem libertados,
1-2
Gilford, Jack, 1
Ginsburg, Eugenia, 1
Goldstein-van Cleef, Ronnie, 1
Goldwyn, Samuel, 1
Goodrich, Frances, 1, 2, 3, 4-5, 6
Goslar, Ruth, 1
governo holandês no exílio: necessidade de um arquivo para documentos de
guerra, 1
Graver, Lawrence, 1
Guatemala, 1
Guide for Using Anne Frank, A: “The Diary of a Young Girl” in the
Classroom, 1
Guilhermina, rainha dos Países Baixos, 1
Jacobi, Lou, 1
Japão, 1
Anne no Nikki (desenho animado), 1
Jewish Advisory Council, 1
Johnson, Rebecca Kelch, 1
Jones, Judith, 1, 2
Jones, Stephanie, 1
Joop ter Heul (Van Marxveldt), 1, 2, 3, 4
Juliana, princesa coroada dos Países Baixos, 1
Kalb, Bernard, 1
Kaletta, Charlotte, 1, 2, 3
Kanin, Garson, 1, 2-3
Kantrowitz, Andrea, 1
Kazan, Elia, 1, 2
Keller, Michelle, 1
Kesselman, Wendy, 1, 2, 3
Kitty (confidente inventada), 1, 2, 3, 4-5, 6, 7, 8, 9, 10, 11
Kleiman, Corrie, 1
Kleiman, Johannes, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7, 8, 9
ajudante dos moradores do anexo secreto, 1-2
correspondência cifrada com família do Otto na Basileia, 1
prisão de, 1
pseudônimo de Anne para (Koophius), 1
retorno à Opekta e desejo de ler os diários, 1-2
sobrevivência, 1
Klemperer, Viktor, 1
Koco, sorveteria, 1
Koestler, Arthur, 1
Kopf, Hedda Rosner, 1
Kugler, Viktor, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
ajudante dos moradores do anexo secreto, 1
como “Kraler” no diário, 1
estante para esconder anexo construída por, 1
prisão de, 1
sobrevivência, 1
Kuhn, Ernst, 1
Landau, Tina, 1
Langer, Lawrence, 1
Lapine, James, 1
Last Seven Months of Anne Frank, The (documentário e adaptação como
livro), 1, 2
Lavin, Linda, 1
Lederman, Susanne, 1
“Letters from Paris” (Flanner), 1
Levante, O (Hersey), 1, 2, 3
Levi, Primo, 1, 2, 3
Levin, Meyer, 1-2, 3, 4, 5, 6-7, 8, 9-10, 11-12
acordo obtido por, 1-2
adaptação de O diário para AJC, 1
adaptação teatral de O diário, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8, 9
em Bergen-Belsen, 1
processo contra Cheryl Crawford e Otto Frank, 1, 2-3, 4-5, 6-7
resenha de O diário, 1-2, 3-4, 5-6, 7-8
The Obsession, 1-2, 3
Lewinsohn, sr. (“sr. Lewin”), 1
Lewisohn, Ludwig, 1
Liceu Judaico, 1-2
Anne Frank escreve sobre, 1-2
pantomima para comunicar destino de crianças ausentes, 1
Lindwer, Willy, 1, 2
Literature, Persecution, Extermination (Dresden), 1
“Literature as invitation” (Probst), 1
Little, Brown, editora, 1
Lively, Pierce, 1
Love, Otto (Weiss), 1
Mandela, Nelson, 1
Mandelstam, Nadezhda, 1
Mapes, Elizabeth A., 1
Marks, Joseph, 1
Maus (Spiegelman), 1
Mauthausen, campo de, 1
morte de Peter van Pels no, 1
McCleary, Sara, 1
McCullers, Carson, 1, 2
Mellor, William, 1
Melnick, Ralph, 1, 2
Member of the Wedding, The (McCullers), 1
Memorial do Holocausto em Berlim, 1
Menuhin, Yehudi, 1
Mermin, Myer, 1
“Meu primeiro dia no Liceu” (Frank), 1
Miller, Arthur, 1, 2
Molloy, James, 1, 2
Mozert vs. Hawkins County Board of Education, 1
Müller, Melissa, 1
Mulisch, Harry, 1
Museu Anne Frank, 1-2
carta de Meyer Levin ao Book Review no, 1-2
citação de Primo Levi na parede, 1-2, 3
cômodos desmobiliados, 1
criação do, 1-2
imagens nas paredes do quarto de Anne, 1-2, 3, 4
levantamento do site sobre ensino do Diário, 1-2
maquete do anexo secreto, 1
marcas do crescimento de Anne e Margot na ombreira da porta, 1-2, 3-
4
número de visitantes, 1-2
Oscar de Shelley Winters doado ao, 1
vídeo de Hanneli (“Lies”) falando sobre os últimos dias de Anne, 1-2,
3
visita ao, 1-2
Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
Auschwitz descrito, 1
filme caseiro de Anne Frank no, 1-2
filmes de Mellor no, 1-2
Perkins, Millie, 1, 2, 3
Persépolis (Satrapi), 1
Pfeffer, Fritz, 1
Auguste van Pels e, 1, 2
chega ao anexo secreto, 1, 2
como Dussel no diário, 1, 2
descrição no diário e na peça da Broadway, 1-2, 3, 4-5
destino após descoberto no anexo, 1, 2
horas das refeições, 1
Miep Gies e, 1
opinião sobre dieta deficiente, 1
Pick-Goslar, Hanneli (“Lies”), 1, 2-3, 4-5, 6, 7, 8
vídeo no Museu Anne Frank sobre últimos dias de Anne, 1-2, 3-4
Pierce, William, 1
Polônia
emigração de judeus para, 1-2
maior porcentagem de população judaica morta, 1-2
Portman, Natalie, 1-2, 3
Presser, Jacob, 1
Pressler, Mirjam, 1, 2, 3, 4
Pretzien, Alemanha, 1
Price, Frank, 1, 2, 3, 4
Primeira Guerra Mundial: Otto Frank na, 1
Probst, Robert, 1
Queda (Presser), 1
Querido, editora, 1
Ucrânia, 1, 2, 3
Vallentine-Mitchell, editora, 1
Van Amerongen-Frankfoorder, Rachel, 1
Van Ammers-Küller, Jo, 1
Van der Waal, Jopie, 1
Van Maaren, W.G., 1, 2
Van Maarsen, Jacqueline (Jacque), 1, 2
Van Marxveldt, Cissy, 1
Van Pels, Auguste, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
arranjos para o banho, 1
chega ao anexo secreto, 1
descrição no Diário, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8
descrição no filme, 1-2
deseja ler o diário, 1
destino após descoberta no anexo, 1, 2, 3, 4-5
horas das refeições, 1
jogo, fantasias de libertação, 1-2
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
passagens sobre, cortadas por Otto Frank, 1
Pfeffer e, 1-2, 3
Van Pels, Hermann, 1, 2
arranjos para o banho, 1
chega ao anexo secreto, 1
como supervisor da Pectacon, 1
descrição no Diário, 1-2, 3-4, 5-6
destino após descoberto no anexo, 1, 2, 3
horas das refeições, 1
jogo, fantasias de libertação, 1-2
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
passagens sobre, cortadas por Otto Frank, 1-2
Van Pels, Peter, 1, 2-3
arranjos para o banho, 1
descrição no Diário, 1-2, 3, 4
descrição no filme, 1-2
chega ao anexo secreto, 1, 2-3
destino após descoberto no anexo, 1-2
jogo, fantasias de libertação, 1-2
horas das refeições, 1
nomeado no Diário, 1
opinião sobre dieta deficiente, 1-2
prisão de, 1-2, 3
revisões de escritos sobre, 1, 2-3
romance de Anne com, 1, 2-3, 4-5, 6-7, 8-9, 10-11, 12
Vanguard Press, 1
Viking Press, 1
Von Randwijk, Henk, 1
Voskuijl, Elizabeth “Bep”, 1, 2, 3, 4, 5
Voskuijl, Johannes, 1, 2
“Voz de uma criança, A” (Romein), 1
Waaldijk, Berteke, 1
Ward, Geoffrey C., 1
Warshaw, Robert, 1, 2
Weiss, Cara (Cara Wilson), 1, 2
Weitz, Marc Stuart, 1
Westerbork, centro de detenção de, 1, 2, 3, 4, 5, 6
Anne Frank em, 1-2
classificação como “judeus criminosos”, 1
comboios para Auschwitz a partir de, 1
diário de Etty Hillesum e, 1-2
família Frank vista no, 1
judeus de Amsterdam enviados para, 1
Margot Frank intimada a se apresentar, 1
moradores do anexo chegam ao, 1
White, Antonia, 1
Who Betrayed Anne Frank? (filme para TV), 1
“Who owns Anne Frank?” (Ozick), 1, 2, 3
Wiesenthal, Simon, 1
Williams, Tennessee, 1
Winters, Shelley, 1, 2-3
Wood, Natalie, 1
Wyler, William, 1
Tradução autorizada da primeira edição americana, publicada em 2009 por Harper, um selo de
HarperCollins Publishers, de Nova York, Estados Unidos
As citações de O diário de Anne Frank seguem, sempre que possível, a edição brasileira publicada
pela Record (1995, tradução de Alves Calado).