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1ª Parte - Apresentação do tema em 7 min.

- Setembro de 2020, Magazine Luiza abre o processo de Trainee unicamente


para pessoas pretas ou pardas. Causa alvoroço nas redes.
- Muitas pessoas atacaram a empresa com o discurso de que essa medida não
se trataria de uma ação afirmativa, mas, sim, de uma discriminação entre os
trabalhadores, injuriando o princípio da igualdade e o direito a não
discriminação (mais especificamente na não distinção na entrada do mercado
de trabalho)
- Magazine Luiza se defende colocando que houve pesquisa interna realizada
com o intuito de estudar e analisar o então quadro de funcionários e percebeu
uma grande disparidade. Havia 53% de pretos entre os contratados, enquanto
apenas 16% dos cargos de liderança eram compostos de pessoas de tais
cores de pele.
- Além disso, a empresa reiterou que sempre buscou apoiar medidas de inclusão
e representação, criando antes do caso cotas para pessoas pretas e pardas
para os mesmos programas de Trainee, mas que isso não resultou em uma
notável modificação do perfil da empresa.
- As reclamações nas redes se devem à Ação Civil Público feita pelo Defensor
Público Federal, Jovino Bento Júnior, que chegou a afirmar que tal política
poderia se caracterizar como racismo, crime inafiançável, imprescritível
punível com reclusão.
- Jovino recebeu críticas do Grupo de Trabalho de Políticas Étnico-raciais da
Defensoria Pública da União ou DPU, os quais emitiram nota técnica
repudiando a ação, sendo assinada por 11 defensores declarando que eles
não se sentiam representados pelo posicionamento de Jovino. O Ministério
Público do Trabalho também publicou nota após inúmeras denúncias contra a
empresa que colocava o processo seletivo como legítimo e um exemplo de
ação afirmativa de reparação histórica.

Resolução do conflito
− A empresa se posicionou contrária ao proposto pelo defensor de que se tratava
de um crime de racismo e discriminação e reforçou que sempre se pautou com
o interesse de alcançar medidas igualitárias entre os funcionários reduzir a
desigualdade como exemplo poderíamos citar a política de não demissão
durante o período pandêmico e a participação da empresa no grupo chamado
Comitê de Mulheres do Brasil.
− A empresa foi uma das primeiras a disponibilizar um canal de denúncia para
mulheres e políticas de incentivo para cargos de chefia serem liderados pelo
público feminino alcançando até mesmo 40%, porém, a empresa encontrou
dificuldade maior quanto à questão da representatividade racial, além disso a
empresa realizou incentivos à pequenas empresas contrapondo o argumento
de que ela acabaria prejudicando outras parcelas de trabalhadores fora do
mercado de trabalho. Segundo o SEBRAE, as micro e pequenas empresas
compõem mais da metade da mão de obra com carteira assinada e 40% da
massa salarial. Outrossim, a Magazine possui um programa de bolsas de
estudo há mais de uma década denominado Bolsa Luiza que promove a
qualificação independente de etnia ou raça.
− A empresa ainda ressalta que a medida visava a mudanças internas, não
necessariamente implicando em uma imposição de pautas para o restante da
sociedade. A própria Luiza Trajano, em entrevista ao programa Roda Viva,
reiterou a importância de movimentos políticos apartidários comprometidos
com o desenvolvimento do Brasil. Afirmou ainda que a decisão obteve respaldo
de grupo como o comitê de mulheres do Brasil e do comitê Zumbi dos Palmares
além de embasamento jurídico.

Argumentação
O primeiro ponto a ser colocado é justamente os motivos que levaram o
Magazine Luiza a ser tão drástico, colocando somente pretos e pardos. Como eles
mesmos revelaram, foi pelas sucessivas falhas em colocar pretos e pardos em cargos
de chefia, mesmo com programa de cotas. Um estudo feito pelo Instituto Ethos, em
2017, coloca que entre as 500 empresas com maior faturamento, apenas 6,3% dos
cargos de gerência e 4,7 do quadro executivo são pessoas pretas.
Importante é ressaltar também que houve outros casos de medidas de
afirmação com outras empresas, por exemplo, a Google que fez um programa de
estágio para pessoas pretas e pardas em 2019, mas que não chegou a sofrer tais
ataques nas redes sociais. Tudo contribui para montar a ideia de que o que realmente
incomoda a sociedade não é a falta de vagas para pessoas de outras cores de pele,
e sim o fato de pessoas pretas e pardas estarem com a oportunidade de alcançar
cargos de liderança.
Segundo Cida Bento, psicóloga e escritura, existe na sociedade uma espécie
de “Pacto Narcísico da Branquitude” que não é necessariamente verbalizado, mas
que trabalha para a naturalização das pessoas brancas em locais de poder e de
hierarquia superior. Maneiras mais comuns de produzir essa naturalização é
justamente o discurso meritocrático, da competência, que tendem a reforçar o mito
da democracia racial. É por isso que quando esse discurso acaba sendo questionado,
a reação instintiva é a de negação, como bem colocou o texto “Como naturalizamos
o racismo” da Sueli Carneiro, dentro do livro do Sílvio de Almeida.
Ademais, também é interessante que falemos sobre os artigos de lei que se
relacionam com o caso. No art. 170 da CF/88, mais precisamente no inciso IV, é dito
claramente sobre a importância de a ordem econômica levar em consideração as
desigualdades sociais.
Além disso, poderíamos colocar também, o parágrafo segundo do art. 4º da Lei
de Racismo, que revela que a discriminação por cor de pele pode ser aceita em casos
em que esse fator é algo que impactaria o trabalho, ou quando isso é relacionado à
função. Nessa situação é importante colocar que o motivo pelo qual a empresa
resolveu fazer o processo seletivo foi justamente o de mudar a relação da empresa
com a sociedade, principalmente os consumidores. Como também foi abordado no
livro de Sílvio de Almeida, o racismo institucional (embora longe de ser a única faceta
do racismo) é também elemento presente no Brasil, de forma que é relevante a
ocupação de altos cargos por membros racializados da sociedade justamente para
trazer representatividade e novas perspectivas que renovarão a visão da empresa
sobre uma população que também é composto largamente de pessoas pretas e
pardas.
Outrossim, existe também o art. 1º, item 4, da Convenção Internacional sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, o qual indica que: “Medidas
especiais tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o
progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de
proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades
fundamentais em igualdade de condições, não serão consideradas medidas de
discriminação racial”
Sobre o fato de ser a totalidade das vagas para pretos e pardos, é necessário
analisar que isso de forma alguma afeta a empregabilidade de outros grupos sociais,
e muito menos de outras minorias como as mulheres. Segundo pesquisa da FGV, no
terceiro trimestre de 2022, 65% dos desempregados eram pretos e pardos,
contabilizando mais de 6 milhões de pessoas. Além disso, outra pesquisa, agora
realizada pelo movimento Potências Negras, revela que 63% das mulheres negras já
foram discriminadas em processos seletivos para vagas de emprego. Além disso,
uma outra pesquisa, dessa vez na Europa, feita pela Revista Socio Economic, em
2023, pesquisou sobre a possibilidade de se ser aprovado para entrevista de emprego
dependendo de sua cor de pele e etnia, enquanto brancos tinham em média mais de
40% de aprovação, pretos e amarelos não passavam de 35%. Importante ressaltar
que todos possuíam o mesmo currículo.
Por fim, é interessante analisar também que na argumentação feita pelo
defensor Jovino Júnior, ele chega a se utilizar o ex-presidente da Fundação Palmares,
Sérgio Cabral, mencionando como este também repudiou o intento da Magalú. No
entanto, é no mínimo curioso que entre todas as autoridades, ele resolve indicar um
dos que mais prejudicou o movimento negro. É importantíssimo que não esqueçamos
frases ditas por Sérgio Cabral como “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os
descendentes. Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África”. Além disso,
outra pauta defendida por essa autoridade seria a de que os movimentos que buscam
conscientizar sobre o racismo no Brasil seriam discursos vitimistas da esquerda. Esse
fator político também não pode ser ignorado, vez que ele foi afastado do cargo em
2019 pelos ataques repetidos a minorias e a perseguições políticas, forçando
membros da fundação a delatar, como ele dizia os “esquerdistas” e que ao ser
questionado sobre a conduta ele responde: “Vou torturar sim, já que não posso
nomear. Black Ustra”, referindo-se ao torturador da ditadura militar.
Na verdade, outro ponto que é essencial ser discorrido é algo comum tanto a
Sérgio Cabral, como à juíza Ana Luiza Fischer (também mencionada pela defesa).
Sérgio Cabral chegou a dizer que o único racismo que existe é o individual
(comparando, portanto, a um simples desvio de conduta) e a juíza publicou em redes
sociais (logo após a anunciação do trainee): “e esse racismo. É do bem?”. Ambos
acabam por ignorar justamente esse fator estrutural do racismo, o histórico de
discriminação institucionalizada e simbólica que ocorreu neste país e todo o legado
deixado.
Último ponto que vale reflexão é algo dito pelo defensor Jovino Júnior em
entrevista. Quando perguntado sobre a obrigatoriedade de vacinação, o defensor
resolveu comentar o caso de um tenista que foi barrado de entrar na Austrália pela
ausência de comprovante vacinal: “nem Hitler fez com Jesse Owens na Alemanha o
que o governo da Austrália está tentando fazer com Djokovic. E é exatamente isso.
Jesse Owens foi aquele negro, ganhou quatro medalhas olímpicas nas Olimpíadas
de 1936 em Berlim, tudo sendo assistido por Hitler. E Hitler não o impediu de competir,
de entrar no país, como se começa a se ver hoje nos países.”. É no mínimo paradoxal,
então, alguém tão comprometido com a luta pela igualdade e pela não discriminação
tecer comentários que banalizam um fenômeno tão grave como o do nazismo.

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