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1°Ato-Vicente entra em cena e senta-se na rede com um cigarro entre os dedos.

Chico Bento
entra em cena logo em seguida.

Vicente: Boa tarde compadre. Abanque-se!

Chico B.: Compadre, vim fazer um negócio, umas reses que eu queria vender.

Vicente: Então é verdade que vai simbora?

Chico B.: Inhor sim. A Dona Marocas já mandou soltar o gado... Hoje mesmo abri as porteiras...
A seca tá braba.

Vicente: Oxente, um gado bom daqueles! Aquela velha é doida! Eu que não abandono meus
cabras numa desgraça dessas! Enquanto houver juazeiro e mandacaru em pé e água no açude,
trato do que é meu!

Vicente abaixa a cabeça pensativo. Depois subitamente fugindo a idéia que o preocupava:

Vicente: Quantas reses você tem pra negócio?

Chico: Um boiote, uma vaca solteira e um garrote. Tem mais a minha roupa de couro e está
em bom estado compadre!

Vicente: Quanto você quer por isso?

Chico: Pela roupa o compadre podia me dar vinte mil réis.

Vicente: E pelas reses?

Chico: Pelas reses...Me dê quarenta mil réis, por cabeça...É o mesmo que lhe dar dado!

Vicente: Quarenta mil réis é caro!

Chico: Se o compadre quiser fazer uma troca... Me dava um animal de carga e uma volta em
dinheiro. Me dê um cavalo!

Vicente: É... Aliás eu nem devia andar comprando gado agora...mas vamos ao curral pra você
ver os animais que eu tenho.

Os dois saem de cena.

2°Ato- (Passa-se na casa de Chico Bento).

Entra em cena Cordulina, com uma bacia. Cordulina está lavando roupa e Chico Bento entra

Chico B.: A gente tem que ir embora. Dona Maroca já mandou soltar o gado!
Cordulina: Mas Chico, eu tenho tanta pena de deixar a minha barraquinha! Onde é que a gente
vai viver nesse mundão de meu Deus?

Chico B: Em todo pé de pau há um galho mode a gente armar a tipóia. E com umas noites
limpas assim, dá até vontade de se dormir no tempo.

Cordulina: Ò miséria, Ò miséria!

Chico B.: Agora eu vou até a cidade vê se eu arrumo as passagens pra fortaleza, pra gente
seguir pro Amazonas.

Cordulina: Tá bom! Vai que eu vou arrumar as nossas trouxas!

Chico Bento e Cordulina saem de cena.

3° Ato- (Passa-se na fazenda de Dona Inácia).

Conceição está lendo na frente de casa quando Inácia chega.

Inácia: você não larga esse livro, Conceição?

Conceição: Lá vem mãe Nácia com briga! Não é domingo? Estou descansando.

Inácia toma livro da mão dela e olha o título.

Inácia: E esses livros prestam pra moça ler, Conceição? No meu tempo, moça só lia romance
que o padre mandava...

Conceição: Isso não é romance, mãe Nácia. É livro sério, de estudo.

Inácia: De que trata? Você sabe que eu não entendo francês...

Conceição: Trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos


maternais...

Inácia: E pra que uma moça precisa saber disso? Você quer ser doutora pra escrever livros?

Conceição: Qual o que mãe Nácia, leio pra aprender, pra me documentar...

(Inácia se vira e Vicente chega)

Conceição: Mãe Nácia, o Vicente!

Vicente: Ainda aqui? Eu já fazia você na cidade!

Conceição: Pedi uma licença de um mês, pra ver se mãe Nácia se desengana do inverno e vai
comigo.

Inacis: Como vai sua gente?

Vicente: Tudo bem, mandaram lembranças. E o que resolveu, tia Inácia?


D. Inácia: É meu filho, não dá mais pra ficar aqui. Estou indo com Conceição pra Fortaleza.

Vicente: Eu vou ficar aqui até essa seca passar, não vou deixar os meus animais morrerem.

Conceição: Mas você é cabeça dura hein Cente. Vai ficar sozinho nessa degradação?

D. Inácia: Pois é meu filho, nós estamos partindo amanhã bem cedo. Espero que você fique
bem. Agora me dão licença que eu vou terminar de arrumar as minhas coisas.

Dona Inácia sai deixando Vicente e Conceição sozinhos.

Conceição: Talvez você possa nos visitar, passar alguns dias lá com a gente.

Vicente: Quem pode! Só se eu deixasse aqui tudo morrendo... Não sei se posso nem ver vocês
assim de carreira!

Conceição: Dê um jeito! Você querendo dá!

Vicente: Vou sentir saudades...

Conceição: Eu também Cente!

D. Inácia: Conceição, minha filha, me ajude a achar aquele álbum de fotos do seu avô.

Conceição: Claro mãe Nácia.

Vicente: Bem... Eu vou dar uma olhada no gado. Depois nós conversamos.

Dona Inácia, Conceição e Vicente deixam o cenário.

4°Ato-(Na casa de Chico Bento).

Na sala estão: Cordulina costurando uma roupa com Duquinha no colo, Josias brincando no
chão e Mocinha varrendo a sala.

Duquinha: Mãe dá mamá?

Cordulina: Mocinha! Vê se tu dá um pirão de peixe pra esse menino que anda em tempo de
me comer os peitos!

Mocinha pega o menino do colo de Cordulina e sai de cena. Em seguida entra Chico

Bento nervoso e Bêbado.

Chico B.: Diaba do couto duro como o cão! Pior que alazão da fazenda!

Cordulina: Como cê foi Chico? Trouxe o dinheiro e as passagens?


Chico B.: Que passagens? Tem que ir tudo por terra feito animal! Nessa desgraça quem é que
arranja alguma coisa? Deus só nasceu pros ricos!

Cordulina: Mas Chico, pra que é que você toma quando vai no Quixadá? Toda vez que vem é
desse jeito!

Chico B.: Besteira mulher! ...Tomei nada! A vontade que eu tinha era de tá bebinho mesmo pra
esquecer de tudo quanto é desgraça.

Terminando de falar, Chico Bento, Cordulina e Josias saem de cena.

5°Ato- Na fazenda de Dona Inácia.

Conceição: Oxente mãe Nácia, ainda chorando? Os olhos não cansaram da despedida, da visita
a tia Idalina?

Inácia: deixar tudo assim, morrendo de fome e seca! Fazia 25 anos que eu não saía do
logradouro, a não ser para o Quixadá!

Vicente: fé em deus, que essa seca não é pra sempre!

Conceição: Adeus Cente! Diga as meninas que eu escrevo assim que chegar. Dê um abraço
bem grande em tia Idalina.

Vicente: Cadê o meu abraço?

Ela ri e abraça-o em seguida.

D. Inácia: Adeus meu filho! Fique com Deus!

Vicente: Adeus! Passar bem lá na cidade.

Conceição: A gente vai ficar te esperando caso você resolva aparecer. Adeus!

Saem todos de cena.

6° Ato- No caminho do sertão para Fortaleza.

Chico Bento e sua família entram em cena. Estão próximos de uma pequena cidade.

Josias: Mainha tô com fome. Dá de comer?

Cordulina: Come um pouco dessa rapadura com farinha que é só o que nós tem pra comer!
Josias sai devagar, vai para um cantinho onde encontra um pé de mandioca e come.

Cordulina: Como é que nois faz com essas crianças? A rapadura e a farinha tão acabando. E
agora homem?

Chico B.: Não sei mulher! Deus há de nos ajudar!

Josias: Mãe tô com fome de novo.

Cordulina: Vai dormir diabo! Parece que tá espritado! Soca um quarto de rapadura no bucho e
ainda fala em fome! Vai dormir!

Entra em cena Mocinha toda animada e bem risonha.

Mocinha: Fui no castro! Tem lá uma mulher que carece de uma moça mode ajudar na cozinha
e vender na Estação.

Cordulina: E tu não tem medo de ficar aqui mais esses estranhos?

Mocinha: Assim... Quem não tem pai nem mãe como eu... Todo mundo é estranho!

Cordulina: Então isso quer dizer um adeus?

Cordulina abraça Mocinha.

Chico B.: Se é melhor pra você Mocinha... Então fica! Qualquer dia desses a gente se cruza
nesse mundão de meu Deus.

Cordulina dirigindo-se aos meninos.

Cordulina: Tome a benção de sua tia!

Josias: Benção titia.

Mocinha: Deus te abençoe meu filhinho.

Cordulina: Adeus meu bem!

Mocinha: Adeus!

Todos se despedem de Mocinha e ela sai de cena.

Chico B.: Vamos continuar nossa caminhada


Cordulina: Vamos homem, já não tem outra escolha!

Nesse momento Josias reclama de dor na barriga.

Josias: Mãe tô com dor de barriga!

Cordulina: De quê?

Josias cai no chão e chora de dor.

Josias: Eu comi uma mandioca crua que eu encontrei no caminho!

Cordulina: Chico! Chico! Valha-me Nossa Senhora! O Josias se envenenou!

Chico Bento se desespera enquanto Josias morre aos poucos. Minutos se passam e algum
tempo depois...

Chico B.: Tem mais jeito não! Esta já é de Nosso Senhor!

Cordulina se desespera.

Cordulina: Meu Senhor, meu Deus, o que eu fiz pra merecer isso? Por que levou meu filhinho
Senhor?

Cordulina passa alguns segundos chorando sobre o corpo de seu filho. Silêncio nesse
momento.

Chico B.: Vamos seguir nosso caminho, é o que nos resta e que Deus cuide de nosso filhinho lá
no céu.

Eles pegam o corpo do filho e saem de cena.

7 ato - Cena da cabra

Começa com chico e a família andando, quando Cordulina para com Duquinha.

Cordulina: Chico, eu não posso mais... acho até que vou morrer. Tá me dando aquela zoeira na
cabeça!

Chico: Arrume um canto pra descansar então, que eu e Pedro vamos arrumar o que comer.
Cordulina e Duquinha saem de cena. Pedro vai procurar comida e volta trazendo a cabra.

Pedro: Olha pai! Achei ela ali sozinha!

Chico: Se não tem ninguém por perto, então o dono deve ter soltado no mundo...

Chico pega a cabra das mãos dele e pega um facão, quando Pedro interrompe.

Pedro: Olha pai!

O coronel aparece furioso.

Coronel: Cachorro! Ladrão! Vai roubar minha cabrinha, desgraçado!

Chico: Meu senhor, pelo amor de deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho pelo
menos que dê pra um caldo pra mulher mais os meninos! Foi por eles que eu roubei! Já caíram
com a fome!

Coronel: Não dou nada, ladrão! Cabra sem vergonha!

Ele tenta pegar a cabra de Chico, mas Chico se defende com a faca. Depois Chico joga a cabra
pra ele, e se ajoelha no chão envergonhado. Pedro vai até ele.

Coronel: Bando de cachorro! Deviam estar na cadeia! (Ele fala enquanto sai)

Cordulina entra, falando:

Cordulina: Chico! Chico, quem era aquele homem? O que foi que aconteceu?

Chico: Uma desgraça! Uma vergonha!

Ele fala enquanto a família levanta ele e saem de cena.

8° Ato ( Na casa de Conceição em Fortaleza).

Dona Inácia entra em cena com seu tricô e senta-se no sofá.


Vicente aparece fazendo uma surpresa.

D. Inácia: Você Vicente! Por aqui meu filho? O que te traz aqui?

Vicente: Vim por causa de uma partilha de caroço que eu encomendei para o gado.

D. Inácia: E como vão as coisas em Quixadá?

Vicente: Tudo na mesma... A casa fechada como vocês deixaram, o açude secando...

D. Inácia: E o seu gado?

Vicente: Vai salvando, mas dá um trabalho medonho! E Conceição?

Inácia: está na escola, isto é, a esta hora deve estar no campo de concentração. Ela faz parte
do grupo de senhoras que distribuem comida e roupa pros mais pobres.

Conceição aparece em cena.

Conceição: Nossa, não esperava você por aqui!

Vicente: Pois é. Estou de passagem pela cidade, e você como está? Vejo que mais bonita.

Conceição: Eu? Estou bem e você por que veio?

Vicente: Vim resolver uns negócios.

D. Inácia: Vou passar um café.

D. Inácia sai de cena.

Conceição se aproxima de Vicente.

Conceição: Ande conte o que há de novo no sertão?

Vicente: Contar o que? História de seca? Dizem que um negro, lá pras bandas da Morada
Nova, matou um menino, salgou e ficou comendo os pedaços aos poucos.

Conceição: Deveras? Credo! Que horror!

Vicente: E as coisas na cidade?

Conceição: Ando trabalhando muito no colégio e ajudando bastante no campo de


concentração. É retirante que não acaba mais.

Dona Inácia aparece novamente com o café.

D. Inácia: Aqui está o café!

Vicente: Obrigado!
D. Inácia: Desculpe Vicente mas eu estou de saída, tenho que levar umas doações para uns
pobres flagelados. Adeus Vicente. Mande lembranças para todos lá em Quixadá.

Dona Inácia abraça Vicente e sai de cena novamente.

Conceição: Eu vou te acompanhar até a estação! Tenho que voltar ao trabalho. Vamos?

Ela pega sua bolsa e os dois saem de cena.

9° Ato ( Em Fortaleza)

Entram em cena Chico Bento, Cordulina e Duquinha. Todos admirados com a cidade grande.

Cordulina: Graças a deus, nós conseguimos chegar em Fortaleza.

Chico B.: Vamos procurar o tal abrigo dos retirantes que aquela mulher falou pra gente.

Nesse momento entra Conceição.

Conceição: Por aqui compadre?

Chico B.: Ah! Comadre Conceição! A senhora por aqui! Cheguei hoje, agorinha...

Conceição dirigindo-se a Cordulina.

Conceição: E você comadre? Como vai? Tão fraquinha hein? Vocês tão magros demais.

Chico B.: O que tanta miséria não faz! Só Deus sabe o que a gente passou nesse sertão.

Conceição: Imagino compadre! É retirante que não acaba mais. E esse é meu afilhado? O
Manoel?

Cordulina: É sim! A gente chama ele de Duquinha.

Conceição: Me dê ele aqui. Mas como tá magrinho! E o Josias? Cadê ele?

Chico B.: Morreu! Comeu mandioca crua.

Conceição: O coitadinho, meu Deus! Mas e o outro, o Pedro?


Cordulina: Ele desapareceu! Já procuramos o bichinho e nada! (ela fala enquanto enxuga os
olhos)

Conceição: Misericórdia comadre! Eu imagino o que vocês estão sentindo nesse momento!
Mas vocês estão pensando em ir pra onde?

Chico B.: Prum tal de campo de concentração!

Conceição: Eu trabalho lá! Mas faço questão que vocês fiquem na minha casa. Vamos.

E todos vão para a casa de Conceição. Chegando, eles sentam e ela arruma alguma coisa pra
eles comerem. Depois entra Dona Inácia toda feliz.

D. Inácia: O tempo está fechando! Vamos ter chuva!

Todos vibram com a notícia.

Chico cumprimenta Dona Inácia e logo dirigindo-se as duas.

Chico: minha comadre, quando eu saí do meu canto era determinado a embarcar para o
Norte, trabalhar no Amazonas... Mas depois da morte do Josias, a mulher desanimou, com
medo de perder o que nos resta... eu queria que a senhora desse uns conselhos pra ela, e que
arranjasse umas passagenzinhas...

Conceição: Isso não compadre! A comadre tem certa razão, além da viagem, como vão fazer
com tanta doença? Diz que até no Maranhão, tem família inteira que morre de sezão.

Chico: Então que é que se há de fazer? A senhora bem está vendo que eu não posso ficar aqui,
nesta desgraça...

Conceição: ...Por que vocês não vão pra São Paulo? Dizem que lá é muito bom, trabalho por
toda parte, clima sadio...

Chico: Eu já tenho ouvido contar muita coisa boa do São Paulo, terra rica, de café, cheia de
marinheiro...

Conceição: E as passagens, como você vai comprar?

Chico B.: Eu ainda não sei.

Conceição: Eu vou ajudar vocês! Eu compro as passagens. Agora, eu só queria pedir um favor.

Chico: O que é, comadre?

Conceição: Que me deixem ficar com meu afilhado, o Duquinha!

Cordulina: É, a gente não tem condição de criar o bichinho... o que diz, Chico?

Chico: O menino tá em boas mãos com a comadre, ele ia sofrer mais se ficasse com a gente.

Conceição: Muito obrigado comadre, compadre! Vou fazer dele um homem!


Depois de muitos agradecimentos, eles saem.

Chico B.: Comadre eu e Cordulina temos que ir simbora!

Conceição: Mas já?

Chico B.: É! Temos que reconstruir logo nossa vidinha!

Cordulina: Nossa senhora lhe proteja! E tenha caridade com o pobre do meu filhinho!

Conceição: Então está bem! Vamos pra estação que eu vou comprar logo as passagens de
vocês. Agora é seguir em frente que Deus tem uma vida nova para todos!

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