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Benci - Economia - Crista - Governo - Escravos 1700
Benci - Economia - Crista - Governo - Escravos 1700
Benci - Economia - Crista - Governo - Escravos 1700
INTRODUÇÃO
1. Que sendo o gênero humano livre por natureza, e senhor não sòmente
de si, senão também de todas as mais criaturas (pois todas elas as sujeitou
Deus a seus pés, como diz David) (a) Omnia subiecisti sub pedibus eius. Psal. 8,8
(p.47).Comentário: A citação literal do texto do salmo 6, 7 e 8, conforme a Bíblia de Jerusalém,
é: “E o fizeste pouco menos do que um deus [anjo], coroando-o de glória e beleza. Para que
domine as obras de tuas mãos sob seus pés tudo colocaste: “ Na tradução grega e latina, ao
invés da palavra deus, se coloca anjo),chegasse grande parte dele a cair na servidão
e cativeiro, ficando uns senhores e outro servos, foi sem dúvida um dos efeitos
do pecado original de nossos primeiros pais Adão e Eva, donde se originaram
todos os nossos males.[[ Com essa primeira premissa, Benci coloca por terra a
legitimidade da escravidão. Para ele a escravidão é consequência do pecado.
A escravidão é um pecado e é efeito de um pecado. A escravidão vai contra a
própria natureza do homem que deve ser senhor de si mesmo e senhor do
meio ambiente, ser criado por Deus para ser dominador e não dominado. A
escravidão viola essa natureza original do homem.]]
mesmo vai de encontro à idéia de homem como senhorio de outro homem. Nos
Evangelhos, em nenhuma parte, se encontra algum texto que diga que Jesus
tenha transmitido a autoridade de um homem sobre outro homem. Ele
transmitiu a ‘diaconia’, o serviço. A diferença é que o serviço é de quem é
senhor de si mesmo e espontaneamente serve. A servidão é peculiar a quem
não é senhor de si mesmo e é obrigado a servir. Na servidão o servo aliena a
sua personalidade a outrem. O que deveria ser seu passa a ser alheio.]]
coeli; para que entendessem que o seu domínio não passava dos brutos, e que
não se estendia aos mais homens, que deles haviam de nascer: Rationalem
factum ad imaginem suam noluit nisi irrationabilibus dominari: non hominem
homini, sed hominem pecori – escreveu S. Agostinho: (d) D. Aug. Lib. 29, de Civit.
Dei, c. 15. (p.48). Comentário: A citação é da Civitas Dei, “A Cidade de Deus”, de Santo
Agostinho. Benci não o cita diretamente mas o faz através da citação que Santo Tomás de
Aquino insere em sua Suma Teológica, 1ª Parte, Questão XCVI, Art. IV, no. 1. Mas, na citação
de Santo Thomás figura o Livro 19 e não o 29 da “Cidade de Deus”. (Cf. Santo Agostinho : A
Cidade de Deus Contra os Pagãos. São Paulo, 1990, Parte II, Página 405.). A tradução
portuguesa é a seguinte: “Quis que o homem racional, feito à sua imagem, dominasse
unicamente os irracionais, não o homem ao homem, mas o homem ao irracional”. O Capítulo
15, que aqui é citado, tem como título “A Liberdade Natural e a Servidão do Pecado”.
[[Desdobrando, ainda, a sua idéia central, Benci mostra que o homem, como
senhor de si mesmo, deve dirigir as suas ações para o seu bem, ou seja para a
sua realização pessoal. Benci afirma que Deus deu ordem ao homem para
dominar os animais, mas não deu domínio de um homem sobre outro homem.
Essa idéia de homem superior à natureza existiu desde o Gênesis, segundo o
qual Deus criou todas as coisas dentro da natureza, mas, quis criar um ser
livre, capaz de louvar e servir a Deus, livremente. A escravidão é a negação
dessa liberdade. A importância desse primeiro trecho de Benci é porque ele
está condenando a escravidão pela raiz bíblica. Considerando sua obra como
um documento público da Igreja onde, naquela época, não se encontrava uma
condenação da escravidão como instituto, a obra de Benci condenava a
escravidão pela raiz, por ser perversa e má, não devendo existir. Nesse
sentido, as premissas da obra são bem avançadas.]]
4. 0 pecado, pois, foi o que abriu as portas por onde entrou o cativeiro no
mundo; porque rebelando-se o homem contra seu Criador, se rebelaram nele e
contra ele os seus mesmos apetites. Destes tiveram sua origem as dissensões
e guerras de um povo contra outro povo, de uma nação contra outra nação, e
de um Reino contra outro Reino. E porque nas batalhas, que contra si davam
as gentes, se achou que era mais humano não haver tanta efusão de sangue
introduziu o direito das mesmas gentes que se perdoasse a vida aos que não
resistiam, e espontaneamente se entregavam aos vencedores; ficando estes
com o domínio e senhorio perpétuo sobre os vencidos, e os vencidos com
perpétua sujeição e obrigação de servir aos vencedores. [[Esse segundo
argumento de Benci depois do belo argumento inicial, vai de encontro ao
primeiro, pois, se escravizar era pecado, como dizer que era mais humano? Se
o pecado gerou a dominação do homem sobre o homem, como um pecado, e
se essa dominação é consequência da guerra (outro pecado), como, da guerra,
nascerá o lado o humano da escravidão? Manuel Ribeiro da Rocha, cinquenta
anos depois, escreverá O Etíope Resgatado onde ele contesta essa prática
decorrente da escravidão dos prisioneiros de guerra. Mais tarde vão distinguir
que poderão ser escravizados somente os ‘prisioneiros de guerra justa’. Mas, o
que vem a ser uma guerra justa? Logo, dizer que “era mais humano aprisionar
do que matar”, destoa da argumentação introdutória. No conceito bíblico
original, humano é ser livre, autônomo, e desumano é perder a liberdade no
gesto pecaminoso da guerra. Com esse segundo argumento, Benci se baseia
no ‘direito das gentes’, anterior ao direito romano, válido além do ecumenes
(territórios dominados pelos romanos). Era o direito natural, anterior ao direito
romano. O direito positivo é o direito sistematizado. Isto é, filosoficamente
discutido e oficializado. Esse segundo argumento sugere que a sujeição dos
vencidos em troca de não matar é como a aplicação da máxima “dos males o
menor” só que essa máxima é aplicada negativamente porque o mal é sempre
erro.]]
5. Isto se colhe do mesmo nome de servo, que vale o mesmo que servatus;
porque, como diz o Imperador Justiniano, os servos se apelidam assim do
patrocínio e conservação, com que os Imperadores os livravam da morte. (e)
Servi autem ex eo appellati sunt, quod Imperatores captivos vendere, ac per hoc servare
dicuntur, nec occidere solent. — § Serv. Instit., de iure person. (p. 49). Comentário: Flavius
Petrus Sabbatius Justinianus foi imperador bizantino do ano 527 a 565. Empreendeu ele uma
grande obra de codificação jurídica que foi compendiada no Corpus Juris Civilis que, por sua
vez, compreendia o Codex o Digesto ou Pandectas e as Institutas. A citação, no presente caso,
parece ser do Corpus Juris Civilis, quando ele trata do instituto da servidão (Cf. Noções de
Direito Romano de Magela Cantalice, Salvador, 1977, p. 65-68). Sendo pois o senhorio
filho do pecado: que maravilha (1) No texto: Maraviglha (p.49) que nasçam dele
culpas e resultem ofensas de Deus, pelas sem-razões, injustiças, rigores e
tiranias, que praticam os senhores com os servos? [[ Assim, prevalece a idéia
de que não é humana a escravidão decorrente do direito do vencedor. É
consequência do pecado, pois envolve o senhorio do homem sobre o homem.
Justiniano explica que a palavra servatus significava preservado (preservado
da morte), mas o fato de ter sido preservado não justificaria o fato da
escravidão. Assim, a origem inicial da palavra servo, vem de preservado mas
depois tomou o significado de escravo.]]
razão disto é porque senhor e servo são de tal sorte correlativos, que assim
como o servo está obrigado ao senhor, assim o senhor está obrigado ao servo.
[[ A idéia do servus servorum Dei, da qual São Gregório I utilizou como lema
do seu ofício de pontífice romano, e da qual vai falar São João Crisóstomo,
muito tempo mais tarde, é uma idéia evangélica e baseada na mística de
serviço de Cristo: o ‘Grande Servo de Javé. Jesus disse: ‘vim para servir e não
para ser servido’. É toda uma mística do serviço na qual senhor e servo são de
tal forma correlativos, numa comunhão de serviços que, assim como o servo
está obrigado ao senhor, também, o senhor está obrigado ao servo. Com
Cristo, a idéia evangélica veio substituir o conceito de servidão pelo conceito de
serviço, porque permanecendo o conceito de serviço desaparece o conceito de
servidão. A servidão é o serviço violentado e o serviço é para quem é senhor
de si mesmo, obrigado pela lei da caridade.]]
11.Usar o senhor dos escravos como de brutos, é coisa tão indigna, que
Clemente Alexandrino julgou que não podia caber em homem de razão e de
juízo (q). Neque vero tamquam jumentis famulis utendum est ei, Qui fuerit sanæ mentis. —
Clem. Alexand., Lib. 3, Pædag. Cap.11. ( P.52). E se isto não é obra de homem
racional, muito menos o pode ser de homem Cristão, a quem o mesmo Cristo
encomendou tanto o amor e caridade com o próximo.
20. E isto é o que dizem com as obras (quando o não digam com as
palavras) os senhores, que não dão o sustento a seus servos, ou lhes não
dão tempo suficiente, em que o possam buscar. Digo que lhes não dão o
sustento ou tempo suficiente, em que o possam buscar; porque eu não
condeno (antes louvo muito) o costume, que praticam alguns senhores neste
Brasil, os quais achando grande dificuldade em dar o sustento aos escravos,
que os servem das portas a fora nas lavouras dos Engenhos, lhes dão em
cada semana um dia, em que possam plantar e fazer seus mantimentos,
com os quais os que se não dão à preguiça têm com que passar a vida. [[
Quando ele diz que não condena, pelo contrário, louva os senhores que
permitem o cultivo, ele mostra que era aquele um momento em que a prática
daqueles que permitiam era uma prática rarefeita. Mas adiante ele vai falar
sobre aqueles que permitiam, porém, no Domingo. Assim, quando ele louva,
ele exclui estes últimos.]]
21. E quem lhes tira esse tempo (me direis vós) se não proibimos a
nossos escravos, que nos domingos e dias santos busquem sua vida e
trabalhem para si? Nos Domingos! Nos dias Santos! Dizei-me, senhores
meus: onde vivemos? Em Berberia entre os Mouros de Argel ou no Brasil
entre os Cristãos da Baía? Já vejo que me respondeis que entre os cristãos.
E haverá algum Cristão, que não saiba que Deus manda santificar as festas
e guardar os dias santos; e que é pecado mortal, fora do necessário e
preciso, mandar que se trabalhe nestes dias? Logo, se por faltar com o
sustento aos escravos, os obrigais a procurá-lo nos domingos e dias santos:
não vedes que pecais gravemente, contra o terceiro Mandamento da Lei de
Deus? [[Aqui ele fala da maioria, aqueles senhores que davam o dia de
Domingo para que os escravos trabalhassem a terra para tirar o sustento,
pondo em prejuízo a guarda do dia santo, como reza o terceiro Mandamento.
Além disso, ele relembra que está falando para cristãos da Bahia em um
tempo onde tudo girava em torno da religião, com prática religiosa obrigatória
e eivada pela fé, apesar das contradições daquela época. Nesse caso, ele
tenta recuperar a condição de cristão daqueles senhores. Ele diz que, na
prática, aqueles são piores do que os da Berbéria. Compreende-se daí, que é
um tempo de muita fé mas uma ‘fé’ que, se por um lado nega o ateismo e a
falta de fé, por outro lado, na prática, se negava completamente o ‘Credo’ que
na missa eles professavam. O fato de ele elogiar aqueles senhores que
davam um dia da semana, sabe-se que os jesuítas praticavam o sustento dos
escravos pelo seu próprio trabalho (Frei Hugo vai dar o texto).
27. Senhores h , que não faltam aos escravos com a ração quotidiana; mas
esta ‚ tão limitada e escassa, que mais serve para que não Morram ... fome
do que Para que sustentem a vida. Se ao servo se lhe medisse o trabalho
pela mesma medida, com que se lhe mede o sustento, calara-me eu
nesse ponto. Por‚m que haja o escravo de trabalhar Como mouro, e comer
como formiga: não sei que direito o permita! 0 que sei ‚ que o sustento do
escavo deve ser em tanta quantidade, que antes lhe sobeje do que lhe falte.
Assim 0 notou S. João Crisóstomo comene tanto as palavras do Apóstolo,
em que manda aos senhores que guardem aos escravos o que ‚-justo e
racion vel (p) Domini, quod justum est et æquum, servis præstate. — Coloss. 4, 1.(P.62).
Comentário: As palavras do Apóstolo Paulo a que se refere Benci, são as seguintes: “Quem
faz injustiça receberá de volta a injustiça, e nisso não há acepção de pessoas. Senhores, daí
aos vossos servos o justo e eqüitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu “). Mas
que ‚ o que convém e ‚ justo que guardem os senhores para com os servos?
pergunta S. João Crisóstomo: Quid vero iustum est? Quid xquum? Dar-lhes o
sustento com tanta abundância, que não necessitem de recorrer a outros.
Omnia abunde (responde o mesmo Santo Doutor) suppeditare, et non ita ut
aliarum ope indigeant (q). Crysost. Hom. 10. in cap. 4. Epist. ad. Coloss.(P.62).
28. Que bem entendeu esta doutrina aquela Mulher forte tão celebrada nos
Provérbios! Por isso as rações que repartia pelas escravas, não as media
pelo singular, senão pelo plural: Et cibaria ancillis suis. Porque não lhes dava
o sustento com mão escassa, mas mui liberal; nem s¢ lhes dava o pão, mas
também o conduto, cibaria ancillis suis (r) Prov. 31, 13) Comentário: O trecho que
fala da prodigalidade da ‘perfeita dona de casa’ diz o seguinte: Noite ainda, se levanta Para
alimentar os criados. E dá ordens às criadas... Estende a mão ao pobre, ajuda o indigente.
Se neva, não teme pela casa, porque todos os criados vestem roupas forradas.... Porque
como ‚ possível que o escravo ou escrava, andando em contínua lida e
trabalho, sustente a vida com uma ração escassa de farinha de pau, sem
outra coisa que a ajude a levar? Se ‚ verdade que não pode o homem
sustentar a vida unicamente com pão, ainda sendo o pãode trigo: Non in solo
pane vivit horno (s) Matth. 4, 4. Comentário: O texto se refere à resposta de Jesus ao
demônio, no deserto: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca
de Deus”); como se há-de sustentar o miserável escravo sem outra coisa mais
que uma triste ração de farinha de pau? Não vedes que isto‚ fazê-los comer
terra? Porque, vendo-se tão perseguidos da fome e do trabalho, a comem, e
acabam miseravelmente a vida (1)
29. E j que estamos neste ponto, não quero deixar de dizer aos
senhores do Brasil, que bem podiam aprender dos antigos Romanos a não
ser tão escassos nas rações que dão aos servos, como o não são nas
distribuições das tarefas. Eram os servos em Roma tratados de seus
senhores com tanta abundância no sustento (como escreve Donato no
comento de Terêncio) que só em pão lhes davam cada mês três medidas de
trigo, a que chamavam módio. Cada módio, pela calculação de Berlinch,
continha dezasseis sextários, e cada sextário quinze onças de trigo (t) Donat.
Apud Berlinch. in Theat. Vit. hum. Lit. S., verb. servor, victus et dicta. Apud. eund. lit. M, verb.
Mensura. (P.63). ; e assim, pela conta dos arráteis de Portugal, cada módio
vinha a ter quinze libras de trigo.- E dando os senhores aos escravos três
módios de trigo em cada mês, vinham estes a ter quarenta e cinco libras de
trigo, que com o crescimento da água com que se amassa, dão sustento
mui abundante parà qualquer trabalhador.
30. E porque em tempos de Juvenal havia em Roma certo pai, que entre os
mais documentos que dava a um seu filho para que não desperdiçasse a
fazenda era que cortasse Pela ração dos escravas, falsificando a medida;
Ponderou a ambição deste pai o Poeta, e com liberdade disse assim:
§ II
Do vestido, que devem os senhores aos servos
32. Mas com parecer isto assim, ‚ verdade indubitável e certa, que não
são menos obrigados os senhores a dar aos servos o alimento, com que se
mantenham e sustentem, do que são obrigados a dar-lhes também o vestido,
com que se cubram. Assim ;:) entendeu Jacob. Espertou Jacob do
prodigioso sono, em 'que' viu aquela escada composta de mais mistérios que
degraus; e diz o texto, que fizera a Deus este voto: se Deus me der pão para
comer e vestido para me cobrir, prometo de o reconhecer sempre por meu
Deus e meu Senhor (z) Vovit etiam votum, dicens: Si — Deus — dederit mihi panem ad
vescendum, et vestimentum ad induendum, — erit mihi Dominus in Deum. — Gen. 28, 20 et
21. (P.65). Comentário: O texto em português, diz assim: Jacó fez este voto: << Se Deus
estiver comigo e me guardar no caminho por onde eu for, se me der pão para comer e
roupas para me vestir, se eu voltar são e salvo para a casa do meu pai, então Iahweh será
meu Deus >>”. E porque não se contentava Jacob com o sustento, senão que
para ser servo do Deus com quem falava, queria também o vestido? Não
basta que Deus lhe dê pão, para que o reconheça e sirva como a seu
senhor? Não. E porque não? A razão é: porque a obrigação do senhor não é
só dar o sustento ao servo para se alimentar, mas também o vestido para
se cobrir. Eu faço voto, diz Jacob, Vovit et¡am votum, de reconhecer a Deus
Por meu senhor, erit mihi Dornirtus; porém há-de ser como condição, que me
dê pão para comer, si dederit mihi Panem ad vescendurn; e vestido para me
cobrir, et vestimenturn ad induendum. Assim pacteava Jacob Com Deus; e
assim o executou Deus com Adão.
33. Pelo pecado ficou Adão, de senhor que era, escravo e -bem escravo.
Deu-lhe Deus o sustento, como já disse, in sudore vultus tui vesceris pane
tuo (a) Gen. 3, 19. (P.66). Comentário: O texto se refere à perdição de Adão e ao castigo
que lhe foi dado por Iahweh: “Com o suor do teu rosto comerás teu pão” e, para se
mostrar senhor verdadeiro e perfeito, deu-lhe também, assim a ele como a
sua mulher, o vestido. Fecit quoque Dorninus Deus Adce et uxori eius
tunicas pelliceas et induit eos (h). Ibid. 21.(P.66). Comentário; “Iahweh Deus fez para
o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu”. 0 meu reparo está naquele fecit,
que Deus mesmo com suas mãos lhes fizesse o vestido. Não podia o Senhor
mandar a Adão que matasse algumas feras, e que com as peles delas se
vestisse a si e a sua mulher? Quem o duvida? Pois porque lhes faz o
mesmo Deus com a sua mão os vestidos, fecit Dorninus Deus? A razão está
naquela palavra Dorninus, Senhor. Porque sendo Deus o verdadeiro
exemplar e norma dos senhores, quis satisfazer cabal e perfeitamente à
obrigação de senhor. Se Adão caçara as feras, era mostrar que o escravo
devia buscar o com que se vestir. Pois não seja assim; corte-lhe o mesmo
Deus com sua mão o vestido, já que ‚ Senhor - Fecit quoque Dominus Deus
Adae et uxori eius tunicas pelliceas - para que saibam e entendam os
senhores que a eles pertence dar o vestido aos escravos, e não aos
mesmos escravos o procurá-lo.
34. Sendo pois obrigação precisa do senhores vestir aos servos:
como se acham senhoras, que não dando com que se vistam ...s escravas,
as querem mui bem trajadas? E de que sorte hão-de buscar elas estes trajos
e estes vestidos? Pedindo-os de esmola? Se vós, que lhos deveis, de
justiça, lhos não dais: como lhos há-de dar por caridade quem lhos não
deve? Sabeis o que é isto? É querer que elas o comprem a preço de
pecados. E queira Deus que o não façam melhor, ou pior, do que eu o digo!
Senão, dizei-me: de que e com que se traja a maior parte das escravas
de todo o Brasil, senão à ousta das ofensas que cometem contra Deus? E
haver senhores e senhoras, que obriguem ou consintam que suas escravas
se trajem com as ofensas de Deus, e façam gala de sua culpa? Tomara
saber onde está aqui o brio, o timbre e o pundonor dos Portugueses (1)! Em
1700, quando se escreveu este livro, no Brasil chamavam-se Portugueses
não só os nascidos em Portugal, mas todos os nascidos no Brasil, que não
fossem Índios nem Pretos.(P.67).
35. Bem sei que o ornato 'dos servos ‚ crédito dos senhores; porque, como
diz S. João Crisóstomo, o senhor que consente que seus escravos andem
indecentemente despidos, ou tão rotos, que mais serve o vestido de os
descobrir que os cobrir, a si mesmo se desonra (c) Qui servos suos indecore
nudos, ac detritis obsoletisque vestibus esse sinit, sui corporis bonam partem dedecore
afficit. — Chrisost. Apud Salazar. Comment in Prov. Salom. C. 31, v. 21, n. 122. (p.67).
Comentário: São Chrissostomo................ Na tradução usada no presente texto, o trecho dos
Provérbios diz o seguinte: “. E pela contrário, tanto redunda em cr‚dito do
senhor o bom trajo do servo, que julga o Santo Doutor ser às vezes melhor
vestido do servo a melhor gala do Senhor (d). Ita ut nonnumquam expediat servos,
ac domesticos alios splendidius indui, et conversari, quam dominos. — Ibid.(P.68) .Mas isto
se deve entender, os que lhe dão o vestido. Por sendo o senhor e a senhora
que verdadeiramente não sei que honra seja levar a senhora atrás de si um
grande número de escravas, trajadas todas com a libré do pecado, tão vária
nas sedas, e nas cores, como são várias as mãos de quem a receberam.
37. E não vedes que cada cor destas . ‚ urna nódoa, que mancha a
vossa honra? é a morte, cor do vosso brio e a esplêndida mortalha do vosso
cr‚dito; porque estes trajos adquiridos e granjeados com o pecado das
escravas não são vestidos. E porque o não são? Porque não cobrem nem
encobrem-o que deviam encobrir. 0 principal fim do vestido 'foi para ocultar o
que não era decente que andasse exposto aos olhos de todos. Pois isto ‚ o
que falta a essas galas fabricadas e cortadas na oficina do pecado; que em
lugar de encobrir, manifestam a soltura das escravas, e conseguintemente a
mis‚ria, com que os senhores e as senhoras se fazem cúmplices dos pecados
das servas.
38. Pecou Adão, e tanto que ouviu a voz de Deus que o buscava no Paraíso,
diz o texto, que, fugindo da sua vista se escondeu, abscondit se (h) Gen. 3,8
(P.69). Comentário: A tradução hebraica é a seguinte: “Eles ouviram o passo de Iahweh
Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da
presença de Iahweh Deus, entre as árvores do jardim”.). Pára, fugitivo, vem cá :
porque te escondes, Adão? Porque me vejo despido e descoberto, diz o
mesmo Adão (i). Timui eo quod nudus essem, et abscondi me. Ibid. 10 (P.69).
Comentário: Continuando, os versículos 9 e 10 dizem: “Ihaweh Deus chamou o homem: <<
onde estás? >> Disse ele. << Ouvi teu passo no jardim >>, respondeu o homem; << tive
medo porque estou nu, e me escondi >>). Aqui reparo. Se Adão e Eva, logo que
pecaram, e se lhes abriram os olhos para verem sua desnudez, se vestiram
com folhas (1) Et aperti sunt oculi amborum cumque cognovissent se esse nudos
consuerunt folia ficus, et fecerunt sibi perizomata. — Ibid. 7.(P.69). como diz Adão que
estava despido? A razão se deve colher da mesma figueira, donde Adão e
Eva colheram as folhas, de que teceram o vestido, com que cobriram sua
desnudez. Esta árvore, ‚ comum parecer, que foi a mesma árvore, por causa
de cujo fruto pecaram, diz Basílio de Selêucia (m)Circa arborem prævaricati, ab ipsa
tegumentum mutuantur. — Orat. 3. In Adamum. (P.69).. E vestido, tirado da árvore
'que foi ocasião do pecado, não encobre, descobre e manifesta mais a
culpa: por isso ainda depois de vestido se achou Adão despido mais do
que era dantes: timui eo quod nudus essem. Logo se as escravas tiram
os trajos e as galas da ocasião do pecado, por mais vestidas e trajadas que
andem, mais descobrem a sua dissolução e conseguintemente a mis‚ria de
quem, faltando-lhes com o vestido, concorre para as suas dissoluções.
39. Que se h logo de fazer? 0 mesmo que fez Deus com Adão e com Eva.
Vestiu Deus a Adão e Eva, com temos dito, com peles de animais (n) Fecit
quoque Dominus Deus Adæ, et uxori ejus tunicas pelliceas, et induit eos. — Gen. 3, 21.
(P.70). Comentário; “Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os
vestiu”.) E não me admirara eu de que os vestisse, se os achara despidos;
por‚m que os vestisse achando-os vestidos, isso ‚ o que me admira. Se Deus
vestira a Adão e Eva, quando eles se viram despidos logo que se lhes
abriram os olhos depois do pecado, fizera o que devia a Senhor, porém
depois de eles terem feito os seus vestidos de folhas, tomos a vestir e com
vestidos de sua mão -Fecit quoque Dominus- Deus! - parece que satisfaz
mais a sua liberalidade, e excedeu as obrigações de Senhor. Assim parece,
mas não foi assim. Não disse eu já que as folhas, com que Adão e Eva se
vestiram, foram tiradas da árvore que ocasionou a culpa? Pois eis aí a razão,
que teve Deus para vestir de novo a Adão e a sua mulher. Vestidos estavam
Adão e Eva; por‚m esse vestido era tirado da árvore, que havia sido a
ocasião do pecado e ofensa de Deus; e com semelhante vestido não
consente Deus que se trajem Adão e Eva, para que não façam gala de sua
culpa; por isso os despe dessas folhas e lhes d novo vestido à sua custa:
Fecit quoque Dominus Deus Adce et uxori eius tunicas pelliceas.
42. Além de que os que isto dizem, não são comumente os mais pobres,
porque estes não deixam de acudir aos seus os mais abundantes e ricos, a
quem eu temo muito sejam do número daqueles ricos mentirosos, de que fala
o Eclesiástico no Capítulo vinte e cinco. Três espécies de homens, diz o
Eclesiástico que aborrece Deus e abomina e detesta suas almas (o) Tres
especies odivit anima mea, et aggravor valde animæ illorum. — Eccli. 25, 3.
(P.72).Comentário: A tradução, a partir do texto hebraico é: “Há três coisas que minha alma
deseja, Que são agradáveis ao Senhor e aos homens: a concórdia entre irmãos, a amizade
entre vizinhos, um marido e uma mulher que vivam bem”. Porém, o trecho a que se refere
Benci encontra-se no versículo 2: “Mas minha alma detesta três tipos de pessoa; irrito-me
profundamente com o seu viver” O pobre orgulhoso, o rico mentiroso, o ancião adúltero e
estulto”.). Deixando por agora o primeiro e o terceiro, vamos ao segundo, que ‚
o rico mentiroso, divitem mendacem (p) Ibid., 4 (P.72). Comentário: Benci fala do rico
mentiroso.
43. Mas que rico mentiroso ‚ o de que fala aqui o Espírito Santo? Não ‚ outro
(diz S. Agostinho) senão aquele, que, por não satisfazer a suas obrigações,
diz que não pode; sendo que a verdade ‚ que não quer (q). Potest in iis, quæ vult;
in iis, quæ non vult, non potest. D. Aug. apud in Quadrag. con. 22, § 14. (P.72). Pode
gastar em jogos, pode gastar em galas,, pode gastar no sustento e regalo da
concubina; e tudo pode, por que quer, potest in iis, quec vult, mas não pode
acudir com um retalho de pano ao seu escravo, que anda despido e nu; e a
razão porque não pode ‚ porque não quer, in iis, quce non vult, non, potest.
Entendam pois estes mentirosos ricos que não enganam, nem mentem a
Deus; pois bem conhece que a razão, porque não querem podendo, ‚ o
pouco caso que fazem de que, por falta do vestido, o ofendam os escravos.
44. Direis ainda (e esta ‚ a segunda desculpa, das que costumam alegar
os que buscam pretextos , para não satisfazerem ao que devem) que os
escravos (e com maior razão as escravas) não se contentam com qualquer
sorte de vestidos, porque querem romper sedas e galas de subido preço, e
não podem os cabedais 'dos senhores satisfazer a este luxo e vaidade
dos servos. Esta razão, ainda que aparente, é indigna de que a profira um
senhor, que tem obrigação de fazer que os servos se contentem com o
vestido que lhes d . E quando não queiram contentar-se, deve fazer o que
fazia certo senhor bem conhecido nesta Baía, onde isto escrevo.
Costumava este dar aos seus escravos todo o necessário para andarem
decentemente vestidos; e se acaso sabia que algum ou alguma se trajava
com outra libré, que ele lhe não houvesse dado, além de lha queimar ... sua
vista, mandava que lhe dessem o merecido castigo.
45. Oh! se quisesse Deus que todos os senhores do Brasil observassem
este bom costume, digno na verdade de que todos o observem! Quantas e
quantas ofensas de Deus se evitariam, principalmente nas escravas! Sejam
pois os senhores tão tementes a Deus, que não facilitem as ofensas do
mesmo Deus aos escravos, negando-lhes o vestido que lhes devem; pois
igualmente com o sustento se compreende o vestido na palavra pão, sem o
qual perecer o servo: panis, ne succumbat.
§ III
Do cuidado, que devem ter os senhores
dos servos em suas enfermidades
48. Sendo contudo isto assim; no Brasil (e queira Deus que s¢ no Brasil) se
acham senhores de entranhas tão pouco compassivas e em tanta maneira
duras, que logo que vêem os servos enfermos (principalmente se a doença
pode cura dilatada e custosa) os desamparam, deixando-os á discrição da
natureza, e indiscrição e rigor da enfermidade. Que entre Cristãos pudesse
haver tirania e crueldade semelhante, eu o não crera, se a experiência não
tivesse manifestado a meus olhos espectácu-los tão lastimosos nesta
matéria, que se podiam avaliar por grande excesso, ainda quando tivessem
acontecido em Berberia nos escravos de Argel ou Tetuão. Que direi pois a
estes senhores tiranos e bárbaros, que com tanta inumanidade tratam aos
servos enfermos? Duas coisas lhes hei-de dizer: a primeira‚ que não são
dignos do poder e domínio, que têm nos escravos; a segunda, que não
merecem ser contados no número dos Cristãos, senão numerados entre os
Gentios.
49. Digo primeiramente que não são dignos do mando que têm, nem de ser
senhores, os que não cuidam dos servos enfermos; e digo bem. E não sou
eu s¢ o que o digo, porque o dizem comigo as Leis Civil e Canônica; as quais
em pena do grave delito que cometem os senhores desamparando aos
servos no tempo da enfermidade e lançando-os bárbaramente de casa para
os não curarem, decretaram que os mesmos senhores perdessem o domínio
que tinham nos servos desamparados, e estes ficassem livres e forros. Ouvi
como gravemente fala o Direito Civil: Se alguém lançar de casa ao seu
servo enfermo, e o puser na rua, não tratando de o curar, ou não dando
comissão a outrem para que lhe assista; este tal servo, ainda contra
vontade de seu senhor, consiga no mesmo ponto a liberdade, e seja tido e
havido por cidadão romano (r). Siquis servum suum ægritudine periclitantem a
domo sua publice ejecerit, neque ipsum procurans neque alteri commendans: talis itaque
servus libertate necessaria, domino etiam nolente, reipsa donatus, illico fiat civis Romanus.
— L. I § Sed scimus cod. de Latin. Libert. Tollend. (P.75).
51. Digo mais, que semelhantes senhores devem ser contados entre os
Gentios e não no número dos Cristãos. E assim é; vede-o claramente:
Caminharam os exploradores del-Rei David em seguimento dos amalecitas;
quando lhes apareceu à vista um mancedo de todo já desfalecido e quase
sem vida. Alentaram-no e alimentaram-no com o sustento, que então
puderam haver; e voltando para o Arraial o presentaram ao mesmo David.
Perguntou-lhe este, quem era? e respondeu com estas palavras: Sou um
mancebo natural do Egito, servo de um Amalecita, desamparado de meu
senhor (t) Puer Aegyptius ego sum, servus viri amalecitæ: dereliquit autem me dominus
meus. — I. Reg. 30, 13. (P.76).). Mas que motivo poderia ter seu Senhor para o
deixar em um caminho público, exposto às injúrias do tempo, e às crueldade
das feras? 0 motivo que teve, como disse o mesmo servo, foi adoecer no
caminho: Quia agrotare coepi nudiustertius (u) Ibid.(P.76).
52. Vede, agora, quem são os que desamparam os servos enfermos. São os
Amalecitas, que eram Gentios. E destes Amalecitas, destes Gentios, não
está povoado todo o Brasil? Com quanta maior razão se deve fazer nestas
regiões a exclamação, que fazia em outras um Apostólico Português! Ah.
Deus! E quantos Amalecitas. semelhantes há nesta terra! Ah Amalecitas,
Gentios e Infiéis! Porque o servo adoeceu, por isso o haveis de deixar em um
total desamparo! (x) Oh Deus, et quam similes Amalecitæ sunt in hac regione! Oh
Amalecitæ, Ethnici, et infideles! Quia servus ægrotare cœpit, eum derelinquitis? — Philip.
Dias, Conc. Fer. 5 post. Cineres n. 14. (P.77).
.
53. Mas que digo Gentios, se sois ainda piores que os mesmos Gentios?
Gentio era aquele nobilíssimo Centurião, de que faz menção S. Mateus; e
contudo vede o desvelo, com que tratava da saúde de seu servo; pois ele
mesmo em pessoa lhe buscou o remédio, lançando-se aos pés de Cristo, e
pedindo-lhe com grandes rogos e mui deveras, que o sarasse: Puer meus
iacet in domo paralyticus et male torquetur (y) Matth. 8, 6 (P.77). Comentário: Benci
refere-se ao Evangelho de Sãp Mateus que cita o centurião de Cafarnaum que dizia: ”Senhor
o meu criado está em casa paralítico, sofrendo dores atrozes. Jesus lhe disse: eu irei curá-lo.
Mas o centurião respondeu-lhe: Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu teto; basta
que digas uma palavra e o meu criado ficará são”.. Ouvistes (diz Paludano) que não
disse o Centurião: In platea, sicut faciunt mali domini, qui servos reiiciunt,
cum coeperint infirmari (z) Palud enarrat. 2 Dom. 2 post. Epiphaniam. (P.77).. Não
disse: o meu servo está na rua, para onde os maus senhores costumam
mandar os servos, quando adoecem, mas disse: in domo, em minha casa.
Pois na casa de um Gentio acham abrigo os servos enfermos; e não o
acharão em casa de Cristãos?
58. j vejo, que estais todos admirados, e reparando como pudesse David
com tÆo pequeno n£mero de soldados (pois nÆo passavam, de sei¢os)
destro‡ar e p"r a fio da espada o numeroso ex‚rcito de Arnalec. Adverti,
por‚m, que vit¢ria tÆo memor vel nem ao forte bra‡o de David, nem ao valor
de seus soldados se h -de atribuir, senÆo ao poder e for‡a do bra‡o da
divina Justi‡a, que para castigar aos Amalecitas tomou por instrumento a
David e seus soldados. Mas qual seria o pecado, de que queria Deus tomar
vingan‡a tÆo severamente? NÆo falta quem d iga, que o pecado foi haver
um dos mesmos Amalecitas desamparado ao servo enfermo (de que j fal
mos) nÆo lhe assistindo com o que devia como a servo, de quem era
senhor (h). E se um s¢ senhor (pesai bem a consequˆncia) se um s¢ senhor,
por desamparar a um servo enfermo, irritou a indigna‡Æo de Deus em tal
maneira,(9) que este s¢ pecado o castigou em todos os Amalecitas: que ser
com os pecados de tantos senhores neste Brasil, que nÆo acudindo nas
enfermidades a seus escravos, os deixam morrer ao desamparo?
59. Olhai bem, senhores, para a vossa obriga‡Æo e vede o que fazeis;
porque faltando com o rem‚dio e medicina ao,vosso servo no tempo da
enfermidade, provocais contra v¢s e conea todos os vossos a -espada e
vingan‡a eterna. E talvez que esta seria a causa e razÆo total, pela qual
experimentou o Brasil tantos e tÆo not veis destro‡os das armas Holandesas
trazidaspor Deus da Europa para ru¡na e destrui‡Æo da Am‚rica. Ainda o
chora Olinda, feita cad ver e sepulcro de si mesma; a quem pode
acompanhar a Ba¡a, pois tamb‚m viu cair por terra, destru¡das ... vio-lˆncia do
fogo, as mais ricas e opulentas f bricas dos ses a‡£cares. NÆo
obrigueisa Deus com vossas tiranias a desembainhar a espada de sua
indigna‡Æo. NÆo desam- pareis aos vossos servos quando enfermos;
assisti-lhes com o rem‚dio e cura -conveniente, pois lha deveis nÆo menos
que o sustento e o pÆo, para que nÆo pere‡am, panis, ne succumbat.
b) Et percussit eos David — et non evasit ex eis quisquam, nisi quadrigenti viri
adolescentes, Qui ascenderant camelos, et fugerant. — I. Reg. 30, 17. (P.80).
c) Valderama, Exercicio para el Jueves despues de la Ceniza.(P.80).
DISCURSO II
60. Como os servos são criaturas racionais, que constam de corpo e alma, não só deve o senhor dar-
lhes o sustento corporal para que não pereçam seus corpos, m s também o espiritual para que não
desfaleçam suas almas, panis, ne succumbat. Debaixo deste nome Pão, na frase hebreia, não só se
compreende o alimento corporal, mas ainda o espiritual, como notou A Lápide, comentando aquelas
palavras com que pedimos a Deus o sustento de cada dia, panem nostrum quotidianum; e alega por si a S.
Agostinho, a S. João Crisóstomo, a S. Cipriano e outros (i).
61. E se me perguntam em que consiste o alimento espiritual? Digo que em três coisas, que
correspondem ás três vezes que mandou Cristo a S. Pedro que apascentasse as suas Ovelhas: pasce agnos
meos; Pasce agnos meos; pasce oves meas (1). Mas que três coisas são estas? 0 Concílio Tridentino as
declara, e diz que são a Doutrina Cristã, uso dos Sacramentos, e o bom exemplo da vida (m). E, suposto
que neste lugar fala o Concílio particularmente com os Párocos e Pastores de Almas, não deixa contudo de
falar também com os senhores, pois também de algum modo são Curas das almas de seus servos.
Comecemos pela doutrina.
§I
62. Devem primeiramente os senhores alimentar as almas de seus servos com a Doutrina Cristã, para
que saibam os mistérios da Fé, que devem crer, e os preceitos da Lei de Deus, que hão-de guardar: Verbi
divini prcedi catione pascere. Bem sabeis que a maior parte dos servos deste Brasil vem da Gentilidade
de Guiné [e] mais partes da África, tão rudes nos mistérios de nossa Santa Fé, e tão ignorantes nos
Mandamentos da Lei de Deus, que de Cristãos não têm mais que o Baptismo, sendo que até este falta a
muitos. Pergunto pois: a quem pertence instruí-los nos mistérios da Fé e ensinar-lhes o caminho do céu?
Vós direis que aos Párocos, Curas e mais Pastores de suas Almas. Assim é; mas não só a eles pertence
ensinar os escravos, senão também a vós. A vós, torno a dizer, porque sois seus senhores; a vós, porque
os tendes mais à mão; e a vós, porque assim, como, tendes obrigação de lhes dar o pão para o corpo, a
tendes também de lho dar para a alma: panis, ne succumbat.
63. Esta obrigação reconhecem nos senhores todos os teólogos que trataram desta matéria. Ouçam ao
Doutor Navarro: Peca mortalmente o senhor, que tendo algum servo convertido de novo à Fé, não trata de
lhe ensinar, ou por si ou por outrem, a Doutrina Cristã, e o que deve e é obrigado saber e obrar qualquer
Cristão (n). O mesmo, e quase pelas mesmas palavras, ensina o nosso Português Fagundes da Companhia
de Jesu. Peca gravemente o senhor, que tem em seu poder algum servo recém-baptizado, se lhe não ensina
a Doutrina Cristã (0). Deixo os mais, para escusar alegações supérfluas.
64. Mas perguntar-me-á alguém: em que se funda esta tão precisa obrigação, que tem os senhores de
catequizar os servos? Digo que no poder e domínio que têm sobre eles; porque o doutrinar aos rudes ‚
conseqüência de quem tem neles senhorio. Despedindo-se Cristo de seus Discípulos nas últimas horas
de sua partida para o Céu, lhes disse estas palavras: Data est mihi orrinis potestas in coelo et in terra.
Euntes ergo docete ornnes gentes (P). Deu-me meu Eterno Padre todo o domínio, poder e senhorio
sobre o Céu e sobre a terra, ide pois, e doutrinai a todas as gentes. 0 meu reparo está só, naquele Ergo. 0
Ergo ‚ ilação e conseqüência: A conseqüência e ilação pede antecedente ou premissa donde se possa
deduzir. Pois, qual é o antecedente ou premissa, donde infere Cristo que devem ser doutrinadas todas as
gentes? Euntes ergo docete omnes gentes? 0 antecedente está bem claro nas palavras antecedentes,
data est mihi omnis potestas. Diz Cristo que tem poder, domínio e senhorio sobre todas as gentes? Pois
deste senhorio, deste domínio e deste poder se tira por legítima conseqüência, que hão-de ser doutrinadas
todas as gentes, euntes ergo docete ornnes gentes. Logo, se entendeis muito bem, senhores, que tendes
domínio e poder sobre os escravos; entendei também que a conseqüência deste poder e deste domínio é a
obrigação de os ensinar e instruir nos mistérios da Fé e preceitos da Lei de Deus.
65. Nem se desculpam bem os senhores, que se escusam deste santo ministério, dando por causa a
rudeza dos escravos, e dizendo que são brutos, que são boçais, e que são incapazes de perceber o que nos
ensina e manda crer a Fé. Não se desculpam bem, torno a dizer; porque a esses mesmos brutos e boçais, e
(ao que vos parece) incapazes, quer Deus que se ensine e pregue a sua doutrina. Em conseqüência do poder,
que tinha sobre todas as gentes, mandou Cristo (como acima dizíamos) doutrina-las a todas por meio de
seus Discípulos, docete omnes gentes. A todas as Gentes, Senhor! Entre essas gentes h gente, que mais tem
de bruto, que de gente. Há alarves em Guiné tão rudes e boçais, que s¢ o vosso poder lhes poder meter o
Padre Nosso na cabeça. Há Minas tão brutos e incapazes, que mil vezes nos havemos de benzer deles,
primeiro que eles aprendam a benzer-se. Pois a esses brutos, a esses alarves, a esses boçais se há-de ensinar
a vossa doutrina? Sim, diz Cristo: todas as gentes, por brutas, por boçais e rudes que sejam, todas sem
excepção (1) hão-de ser instruídas nos mistérios de minha Fé e nos Mandamentos de minha Lei: Docete
omnes gentes. Pois se assim o manda Jesus Cristo: porque o não hão-de pôr em execução os senhores com
os escravos, ainda que estes se pareçam na rudeza com os brutos?
66. E sendo certo que tendes, senhores, tão estreita obrigação de ensinar aos escravos, ainda que rudes,
ainda que boçais, e ainda que brutos, os mistérios da Fé e os Mandamentos da Lei de Deus; considerai-vos
como ministros deputados por Cristo para a propagação do seu Evangelho, que tais vos considera S.
Agostinho. Explicando o Santo Doutor aquelas palavras do mesmo Cristo, em que promete a seus ministros
o mesmo lugar que ele tem, ubi sum ego, illic et minister meus erit (q), falava assim com o seu povo de
Hipona: Quando ouvis as honras, que fará Cristo a seus ministros, não deveis imaginar que só os Bispos,
Párocos e mais Clérigos são ministros seus; porque também vós, conforme vosso estado, não só podeis,
mas deveis ser ministros de Jesus Cristo (r). E de que modo poder isto ser? Pregando o nome de Cristo, e
ensinando a sua doutrina a todos aqueles que puder (5). Pois com quem melhor o podeis de deveis fazer,
que com aqueles que Deus vos sujeitou, fazendo-os vossos escravos, para que sejais seus Mestres na
Cristandade?
67. Nem deveis imaginar, que fazendo-vos na Doutrina Cristã mestres de vossos escravos, diminuís ou
abateis em coisas alguma a autoridade de senhor, porque não é assim: como entenderam ainda nas trevas
da Gentilidade senhores muito nobres e poderosos. Marco Crasso, um dos principais senadores de
Roma Gentílica, que no poder das outras e riqueza podia competir com um grande Rei, sustentava das
portas adentro de seu palácio grande número de servos, e para que saissem bem disciplinados e
doutrinados, ele mesmo em pessoa assistia às lições de bem viver, que lhes mandava dar; e não se
contentando com isto, algumas vezes tomava ele a mão, e fazendo-se Mestre de seus servos, lhes
explicava os preceitos da Filosofia moral, por onde unicamente regulavam suas vidas os gentios, e
costumava dizer, que o principal cuidado de um pai de famílias devia ser o ensino e doutrina dos servos (t)
68. Pois se um gentio, sem mais outra luz que a da razão natural, entende que não se abate a autoridade
senhoril doutrinando aos escravos, e ensinando-lhes as regras de bem viver; como haverá homem Cristão,
que alumiado da Fé tenha por menoscabo do senhorio cooperar para a salvação das almas ermidas com o
precioso Sangue do Filho de Deus, e despreze um ministério, em que se ocuparam os maiores Santos da
Corte do Céu, quais são os Apóstolos, e que por ser o exercício contínuo de Cristo mestre e Senhor nosso,
enquanto viveu na terra, foi avaliado de S. Dionísio Areopagita pela obra mais divina de todas as divinas?
69. E quando não possais ou não queirais doutrina por vós mesmos os vossos escravos: porque os não
trazeis aos Cólegios e Casas de Companhia, e aos mais Conventos das outras famílias Religiosas, onde há
operários, que tem à sua conta ensinar os escravos no seu mesmo idioma: porque desta sorte se suprirá a
vossa falta? É possível que haja Cristão entre Portugueses, que se prezam, e com razão, de ser o povo
escolhido entre todas as mais nações para propaggar e dilatar a Fé de Jesu Cristo; é possível digo, que haja
Cristão, que por não perderem o negro serviço deixem viver os escravos anos e anos gentílicamente, sem
doutrina e sem conhecimento de Deus! É possível que uma alma, que sabemos por fé que coutou a Jesu
Cristo todo seu sangue e sua mesma vida, não merece que perca o senhor por seu respeito alguns dias de
serviços, para que fique bem doutrinada na que há-de crer e obrar para viver conforme manda a Lei de
Deus!
70. Disse alguns dias, e não disse muito; porque não é possível que um escravo boçal, que pouco
há saiu da gentilidade de Guiné, se possa catequizar e instruir nos mistérios de Fé e tão pouco tempo, como
muitos senhores querem; pois apenas o trouxeram aos pés do Instrutor, quando o querem levar ou baptizado
ou confesado. Não sois vós aqueles que dizeis que o escravo é tão rude, como um tronco, e tão duro como
uma pedra? Ora tomai um tronco informe ou uma pedra tosca, e levando-a a casa de um Imaginário ou
Estatuário, dizei-lhe que desse tronco e dessa pedra vos faça logo logo à vossa vista uma imagem ou
estátua. Não se há-de rir de vós este Artífice? Não vos h de dizer que lhe haveis de dar tempo? Não vos há-
de pedir dias e meses para a formar? Tudo é verdade. Logo, confessando vós por vossa boca que o escravo
é tronco ou pedra; como pode ser que em poucos instantes se forme dele uma estátua e imagem de Cristão?
71. Porventura para isso não se requer tempo? Tempo, para se desbastar o mais grosso de
seus erros e superstições á força de grandes marteladas. Tempo, para lhe abrir com o cinzel da doutrina os
ouvidos, para que penetre a palavra de Deus; os olhos, para que conheça os mistérios da Fé; e a boca, para
que saiba orar. Tempo, para lhe tornear o pescoço, para que o sujeite ao suave jugo de Cristo, e os braços,
para que os estenda ás boas obras. Tempo, para lhe dividir nos dez dedos os dez Mandamentos da Lei de
Deus, e para o mais, que concorre a formar um verdadeiro e perfeito Cristão. Pois se para tudo isto se
requer tempo: vede se ‚ possível formar um Cristão em poucas horas! E se não é possível, para que são as
pressas, com que cansais a paciência do instrutor se não para que torne o escravo tão rude para casa como
de lá veio? Deixai pois á discrição do Missionário gastar o tempo, que julgar conveniente, na instrução do
escravo; e dai graças a Deus, de haver quem vos alivie da obrigação que tendes de dar o pão da Doutrina
Cristã ao vosso servo: Verbi divini pradicatione pascere.
§ II
72. Que a doutrina e instrução dos escravos no que toca à sua salvação e bem de suas almas, deva
correr por conta de seus Curas e Párocos, só o poderia duvidar quem ignorasse a obrigação precisa, que
têm os Pastores de Almas de dar o pasto espiritual a suas Ovelhas. Sendo porém certíssimo que estão
obrigados não só pelo Direito Canónico, mas também pelo Divino e natural, à Instrução de seus Fregueses
(x) (pois a eles como pastores, mais principalmente foi dito: Pasce oves meas) (Y); bem se colhe, que
ainda têm maior obrigação de doutrinar aos escravos, pela maior necessidade que há neles de doutrina,
por causa de sua natural rudeza e ignorância.
73. E se não, pergunto. Quando vos deram o benefício, fizeram-vos somente Pastor dos livres e dos
brancos ou também dos pretos e dos cativos? Já ouço que me respondeis que de todos; porque todos
igualmente somos Ovelhas de Jesu Cristo e remidos todos com seu preciosíssimo sangue. Logo se sois
Pastor também dos pretos e dos cativos; porque sois tão descuidados em os catequizar, sabendo que há
neles tanta ignorância das coisas de Deus? Porventura não o fazeis, porque este ministério não rende, nem
dá lucro algum? Ora guardai esta resposta para a dares no tribunal divino, quando no dia de Juízo vos fizer
Deus cargo. Ouvi porém entretanto o que agora vos direi.
74. Se vós tratais s¢ da doutrina dos brancos e livres, porque esperais deles a recompensa com as
ofertas e conhecenças, que não podeis ter dos pobres pretos e miseráveis cativos: não vedes que isto não é
tratar de apascentar as Ovelhas de Jesu Cristo com o pasto da doutrina espiritual, senão de vos
apascentar a vós; e que por isso sobre vós cai aquele tremendo ai, com que Deus ameaça a condenação
eterna aos Pastores de Almas, que só cuidam de se enriquecer a si com lucros e interesses temporais, e não
tratam do pasto espiritual do seu rebanho? Ai de vós Pastores de Israel, que esquecidos de apascentar as
vossas Ovelhas, s¢ procurais apascentar-vos a vós! E sendo de Deus este ai, que outra coisa prognostica
senão a condenação eterna? (a). Se não quereis pois entrar no número dos Párocos e Pastores, de que
continuamente se vai povoando o Inferno: nestes pobres e miseráveis cativos deveis empregar o zelo
pastoral (se o tendes), instruindo-os, para que saibam tudo o que devem saber, e tudo o que devem obrar,
para serem verdadeiros e perfeitos Cristãos.
75. Desta sorte mostrareis, que sois verdadeiros Pastores, e não mercenários, que olham somente para o
interesse e conveniência própria e não para o bem de suas Ovelhas: e juntamente seguireis o verdadeiro
exemplar de todos os Pastores, Jesu Cristo, que disse, falando de si mesmo, que o enviara o Eterno
Padre e mandara ao mundo para doutrinar e evangelizar unicamente aos pobres: Evangelizare pauperibus
misit me (b). Nas quais palavras reparo assim e quisera reparásseis todos comigo.
76. Se Cristo foi constituído Pastor universal de todos e para que a todos, assim ricos como pobres,
ensinasse a doutrina de seu Evangelho, e a todos indiferentemente mostrasse o caminho do Céu e da
salvação: como profere e diz agora o mesmo Cristo, que o Eterno Padre o enviara para evangelizar e
catequizar somente aos pobres, Evangelizare pauperibus misit me? Direi: Não há dúvida que Cristo foi
mandado de seu Eterno Padre para instrução e doutrina de todos, ou fossem ricos ou pobres; porém porque
doutrinando aos ricos, podia haver alguma presunção de interesse e conveniência própria, a qual não podia
haver em catequizar aos pobres; por isso de tal sorte se considerava Cristo enviado de seu Eterno Padre
para pregar o seu Evangelho a todos, como se fora enviado para o ensinar somente aos pobres:
Evangelizare pauperibus misit me. Se os Párocos e Curas se despirem de toda a afeição, que podem ter aos
interesses e lucros temporais, logo se hão-de considerar deputados especialmente por Deus para doutrinar
aos pobres, e assim não deixarão de acudir aos pretos, que entre os pobres são os mais pobres e
miseráveis.
77. Nem cuidem os Párocos que satisfazem à sua obrigação não mais que só com perguntarem pela
Quaresma aos escravos, no tempo da desobriga, se sabem as Orações e os Mandamentos da Lei de Deus; e
vendo que os sabem ou, para melhor dizer, que os rezam (pois muitos os rezam sem saberem o que
rezam) logo sem mais outra doutrina os admitem aos Sacramentos. Este certamente não ‚ o modo, com que
devem ser doutrinados este rudes; porque não está o ponto em que os escravos digam quantas são as
Pessoas da Santíssima Trindade e rezem o Credo e os Mandamentos e mais Orações; mas é necessário que
entendam o que dizem, percebam os mistérios que hão-de crer, e penetrem bem os preceitos que hão-de
guardar. E ao Pároco pertence explicar-lhos e fazer-lhos perceptíveis de maneira que os entendam os
escravos.
78. 0 pão da Doutrina Cristã deve-o repartir o Pároco a estes ignorantes, tão bem partido e
esmiuçado, que o possam comer e digerir. Porém a isto faltam ordinariamente os Párocos, como o lamenta
Jeremias. Os pequenos pediram pão, e não houve quem lho partisse, para que o pudessem comer (c).
Mas que pequenos são estes, e que pão ‚ o que pedem? Os pequenos, na frase da Escritura, não são somente
os de pouca idade, mas também os de muita, quando são novamente convertidos à Fé (d). E o pão, que
pedem estes pequenos, é o pão da doutrina cristã, diz Hugo (e). Notai agora: Não se queixa o Profeta, que
falte quem. reparta o pão da Doutrina aos pequenos e recém-convertidos; senão, que não haja quem lho
parta: Non erat qui frangeret. Porque não faltam Párocos, que dão o pão da Doutrina Cristã aos Pretos; mas
que monta, se este pão não vai partido de sorte que possa servir de alimento ao escravo? Quero dizer: Que
importa que o Pároco ensine aos escravos as Orações, os mistérios da Fé, e os preceitos da Lei de Deus,
se os não propõem com palavras acomodadas á rudeza e pouca capacidade de, Negros boçais? Se os não
explica e declara, uma e outra vez, para que o entendam? Se não usa de semelhanças e exemplos
palpáveis? Se lhes não faz patente aos olhos o mistério, de que não ‚ capaz o entendimento? Porque a todas
estas pensões e explicações estão obrigados os Párocos, pois livremente tomaram à sua conta o cuidado
das Almas das suas Ovelhas. Devem, para não faltarem a esta obrigação, ensinar uma e muitas vezes a
Doutrina; explicar uma e muitas vezes o mistério; e declarar uma e muitas vezes o que ensinam.
79. Estando Moisés já no último quartel da vida, para que fosse com acerto e proveito o que ensinava,
pediu a Deus que a sua doutrina fosse como a chuva (f). Duas propriedades considero na chuva: a primeira
como se faz; e a segunda o que faz; como se faz para cair, e o que faz caindo. Vamos com a primeira.
Como se faz a chuva? Levantam-se da terra os vapores delgados e subtis, e subindo até à região do ar, aí os
engrossa o calor do Sol, e os converte em chuva. E isto mesmo deve ter quem ensina aos rudes e boçais a
Doutrina. Os mistérios mais subtis e delgados, deve-os engrossar com as semelhanças e exemplos, e
explicar com palavras acomodadas à capacidade dos ouvintes, para que os entendam: Concrescat, ut pluvia,
doctrina mea. Esta ‚ a primeira propriedade da chuva. Vamos à segunda.
80. Que faz a chuva caindo? Não cai uma só gota, senão muitas e repetidas, uma sobre outra, até regar
e fecundar a terra. Se caísse na terra uma só gota de água, seria sem proveito e sem fruto. E o mesmo passa
na doutrina. Se se, ensinar uma só vez, não há de aproveitar, nem fazer fruto; mas ensinando-se uma e outra
vez, explicando-se e tornando-se a explicar, então regar e fará proveito, ainda nas pedras mais duras, isto é,
nas almas mais rudes. Lá disse o Poeta, que a água abrandava e fazia mossa nas pedras, gutta cavar
lapidem (9). Mas como? Não caindo uma s¢ vez, é mas caindo uma e outra e muitas vezes, saepe
cadendo. Dizeis que escravo é tão rude e tão duro como as pedras. Ensinai-o uma e outra vez; apertai com
ele, não só no tempo da Quaresma, mas em todos os Domingos e dias Santos, como manda o Concílio
Tridentino; e vereis que com esta continuação, e repetição se há-de abrandar e quebrar a dureza dessas
pedras, e se transformarão em bons e verdadeiros Cristãos.
81. Mas porque os Párocos, Curas e senhores (que aos senhores também compete tudo o que dos
Párocos está dito) não procuram haver-se deste modo, porque não ensinam a doutrina Cristã aos servos; ou
se lha ensinam, quando muito ‚ uma vez no ano, e isto mui à pressa e de corrida; por isso há tão grande
ignorância das coisas de Deus nos escravos do Brasil, que são a maior parte dos seus habitadores. E desta
ignorância tão geral e comua, que se hà-de seguir, senão que torne a experimentar o Brasil os mesmos
castigos, que já experimentou e que continuem os que ainda experimenta? Pois estes lhe ameaça Deus
com o mesmo, rigor, com que antigamente os ameaçava pelo Profeta Isaías ao Povo de Israel.
82. Primeiramente lhe ameaçava guerras e cativeiros (h). Estas guerras experimentou já o Brasil no
tempo dos Holandeses (como pouco h dissemos). Depois lhe ameaçava fomes e esterilidades, das quais se
seguiria tanta falta de víveres e mantimentos, que os mesmos nobres pereceriam de pura necessidade e
falta do necessário para a vida (i). Estas fomes, e esterilidades, não há tantos anos que as padecemos? E
por mais remédios que se apliquem para que haja abundância, não continua a carestia? Ainda mal, que tudo
é verdade. Ultimamente lhe ameaçava pestes e mortandades tão formidáveis, que o comum cemitério
(chamado vulgarmente inferno) não seria bastante para se sepultarem os corpos dos defuntos (1). E que
destroços e mortes não experimentou a maior parte do Brasil com aquele mortífero contágio da Bicha, cujas
cabeças até agora não estão de tal sorte cortadas, que as não vejamos ainda brotar por vezes em febres e
doenças mortais?
83. E porque culpas havia de mandar Deus ao seu Povo tantos estragos e assolações? A razão dá o
mesmo texto: porque faltou nele a verdadeira ciência (m); isto é (diz Hugo) a doutrina e notícia da Lei de
Deus e seus mistérios: Scientiam Dei (n). Pois se basta esta ignorância de Deus e dos mistérios de sua
Fé, para que mereça um Povo escolhido ser castigado com guerras, fomes e pestes; por que não atentam os
Párocos e senhores do Brasil, que deixando os escravos naquela ignorância e rudeza, que trouxeram do
Gentilismo, chamam e provocam contra o mesmo Brasil todas essas guerras, todas essas fomes, e todas
essas pestes? Para evitar pois todos estes castigos e gerais destroços, apliquem os Párocos e Senhores o
maior de seus cuidados em dar o pasto espiritual às almas dos Pretos, inculcando-lhes, uma e muitas vezes,
a Doutrina Cristã e os mistérios da Fé, como têm de obrigação: Verbi Divini prxdicatione pascere.
§ III
Como os senhores estão obrigados a
procurar que os servo recebam a seu
tempo os Santos Sacramentos.
84. Devem secundáriamente os senhores dar o pão seu exemplo este grande documento aos mais
senhores, espiritual aos servos, procurando que vivam conforme a Lei de Deus recebendo a seu tempo os
Santos Sacramentos: Sacramentorum administratione pascere. Os sacramentos devem os senhores querer e
buscar para os servos, com o mesmo cuidado e diligência, com que os querem e buscam para si. Grande e
admirável senhor se mostrou nesta parte Abraão, quando Deus para remédio do pecado original
instituiu a Circuncisão, Sacramento da Lei Velha. Mandou o Senhor ao Patriarca que se circuncidasse a si,
a seu filho, e a todos os de sua família; e diz o texto, que no mesmo dia, em que Abraão recebeu este
preceito, se circuncidou a si, a seu filho Ismael, e a todos os escravos de sua casa (0).
85. Não me admira que o Patriarca se apressasse tanto em circuncidar-se a si e a seu filho, sem pôr
tempo em meio entre o preceito e a execução dele; s¢ reparo que igualasse os servos aos senhores, ficando
todos circuncidados no mesmo dia, eadem die. Não podia Abraão circuncidar-se a si, e a seu filho em um
dia, e no outra circuncidar os escravos? Pois porque não faz diferença de si aos escravos, senão que os
circuncida juntamente consigo, no mesmo dia: eadem die? Sabeis porquê? Porque Abraão, como senhor
entendido, via que igualmente eram obrigados a receber este Sacramento os servos e os senhores; e que
como não era bem diferir ele para si o recebê-lo, assim não era bem que o diferisse para os escravos.
Por isso no mesmo dia, em que se circuncidou a si e a seu filho, circuncidou também, aos escravos(1),
dando com seu exemplo este grande documento aos mais senhores, que devem querer e procurar os
Sacramentos para os servos com o mesmo cuidado, com que os devem querer e procurar para si.
86. Se os senhores do Brasil entendessem bem esta verdade, certamente não deixariam
morrer os escravos muitas vezes sem Confissão e muitas mais sem Viático. Que Senhor haverá, que não
deseje morrer Sacramentado? Pois estando o servo gravemente enfermo, porque não lhe da Penitência?
Porque lho dilatais de sorte que, quando chegar o Sacerdote, o acha destituído dos sentidos e talvez já
morto? E se, por causa do vosso descuido se perder a alma do escravo, que clamores e brandos não dará ela
do profundo do Inferno, pedindo a Deus vingança contra seu senhor, que por lhe não acudir com a
Confissão a tempo, e deixou cair naquele abismo de penas?
87. No salmo setenta e oito diz o Santo Profeta e Rei David, que as almas dos justos bárbara e
inumanamente mortos pelos tiranos, estão continuamente no Tribunal Divino pedindo vingança de seu
sangue injustamente (1) derramado (p). E contudo a morte, que receberam, foi para eles princípio de su
eterna vida; donde (prescindindo da ofensa cometida contra Deus) mais devem os Mártires ao ferro dos
Tiranos que lhes tiraram a vida, do que ao mesmo ventre de suas Mães que lha deu. Porque, como
agudamente advertiu S. Agostinho, por mais obséquios que fizessem os Tiranos aos Santos mártires nunca
podiam chegar a fazer-lhes grande bem, como o que lhes deu o ódio e crueldade, com que os mataram (q).
Colhei agora daqui quais serão os brados e clamores daqueles miseráveis escravos, que morreram
sem Confissão, contra os senhores, que foram a ocasião de sua eterna morte. Haverá momento, em que não
clamem vingança contra um senhor tão inumano, que podendo chamar a tempo um Confessor para lhe
granjear a eterna vida no Céu, pelo não chamar os deixou cair nos incêndios do Inferno, em que estarão
eternamente penando?
88. E se por acaso o escravo enfermo não está em estado para ser levado à Igreja a receber o
Santíssimo Viático: porque haveis de fingir inconvenientes para lho mandar vir a casa? Entendei (1),
senhores, que se não é inconveniente levar o Santíssimo Sacramento ao senhor enfermo, também o não é
levá-lo ao escravo doente. Não é Cristo Pai universal e Redentor de todos? É certo que sim; porque para
com Cristo, diz o Apóstolo, não há servo, nem livre (r), todos somos os mesmos. Pois se Cristo visita aos
livres enfermos, porque não há-de visitar aos cativos doentes? Quando o Centurião buscou a Cristo para
alcançar dele a saúde para o seu servo enfermo, respondeu-lhe benigna e amorosamente o Senhor, que ele
iria a buscar o mesmo servo à sua casa e lá o curaria (5). Pois se Cristo não recusa entrar em casa de um
servo para lhe dar a saúde do corpo, como hà-de recusar buscá-lo para lhe dar a saúde da alma? E se Cristo
o não recusa: porque há-de ser tão pouco Cristão um senhor, que ache inconvenientes onde os não há, e
deixe morrer ao escravo sem o Santíssimo Viático?
89. Mas não é este o único Sacramento, que os senhores impedem aos escravos; pois também lhes
atalham o Santo Matrimónio. É o estado do Matrimónio tão livre ainda aos Cativos, que não há poder na
terra (diz o doutíssimo Padre Sanchez) que lho possa impedir (t). E suposto que pelo Direito Imperial
aos livres sómente seja permitido contrair matrimónio; o direito Canónico, revogando nesta parte a
disposição da lei civil, como contrária ao direito divino e natural, que concede aos homens a multiplicação
de sua espécie (u), declara que aos servos se não deve impedir o matrimónio, e que fica válido, ainda
fazendo-se contra a vontade dos senhores (x). Pois o que não podem proibir os Imperadores, poderão
proibi-lo os senhores do Brasil?
90. Pergunto: Para que foi instituído o Santo Matrimónio? Não só para propagação do gênero humano,
senão também (diz o mesmo Sanchez já citado) para remédio da concupiscência e para evitar pecados (Y).
H porventura algum senhor, que tenha poder para enfrear a concupiscência nos escravos de sorte que não
brote em seus efeitos, e os não provoque e estimule a pecar? É certo que não. Pois se não podeis reprimir
nos escravos os efeitos e estímulos da concupiscência, porque lhes haveis de tirar o remédio, que Deus lhes
deu? E não vedes que além de incorrerdes na excomunhão que contra os que impedem os matrimónios
promulgou o Sagrado Concílio Tridentino, vindes desta sorte a fazer-vos participantes de todos os pecados,
que contra o sexto Mandamento cometem os servos?
91. Dir-me-eis, que para essa gente bruta não são os matrimónios; pois tanto que casaram, deixam,
assim os maridos como as mulheres, de fazer vida entre si, e se entregam a maiores pecados depois de
casados. Mas se vos parece bastante esta razão, respondei-me no que agora vos quero perguntar.
Quantos senhores há casados com mulheres dotadas assim de honra como de fermosura, e as deixam
talvez por uma escrava enorme, monstruosa, e vil? Logo diremos que não convém que casem também
os brancos e os senhores? Ninguém dirá que é boa esta conseqüência; porque ainda que haja nos senhores
depois de casados estas solturas, nem por isso se lhes há-de negar o matrimónio. Logo, ainda que haja
entre os escravos e pretos, alguns e algumas, que se desmandem depois de casados, nem por isso se segue
que não convêm casá-los. Casai-os vós, querendo eles; que desta maneira satisfareis à vossa obrigação. E
se depois de vinculados com o Santo matrimónio, forem viciosos; a eles tocar , e não a vós, dar conta a
Deus dos pecados, que cometerem.
92. E não devendo os senhores impedir o matrimónio aos servos, também lhes não devem impedir o
uso dele depois de casados apartando o marido da mulher e deixando a um em casa, e mandando vender ou
viver o outro em partes tão removas, que não possam fazer vida conjugal. Porque quando não pequeis
contra a justiça, privando ao servo do que lhe compete por direito natural, como ensina o Padre Sanchez
(z); não se pode negar que pecais ao menos contra a caridade: porque, apartando os servos casados um do
outro, vindes a privá-los do bem do matrimónio, no que lhes causais dano mui grave, que a caridade proíbe
se faça ao próximo sem urgentíssima causa (a).
93. E sendo isto assim, ‚ muito para admirar a. facilidade com que alguns senhores, por qualquer leve
causa, mandam vender a outras terras ou o servo casado ou a serva casada, ou de qualquer outro modo os
apartam um do outro. Quem vos deu poder para fazer estes divórcios, se a Igreja, em quem unicamente se
acha este poder, é tão delicada nesta matéria, que não consente que haja divórcio entre o marido e a mulher,
sem haver causas mui justificadas e urgentes (1)?
94. Bem sei que pode haver caso, em que possam e talvez devam os senhores mandar vender ou viver
em partes remotas os escravos, ainda que casados, principalmente quando de os reter em seu poder se segue
grave dano ás almas ou dos mesmos escravos ou de seus senhores; porém neste caso não deve o senhor
proceder ex abrupto e com paixão, senão com muita madureza e grande ponderação, consultando primeiro
a Teólogos doutos e timoratos para que vejam e examinem se há causa suficiente para isso. E no caso em
que determinem que há causa bastante, sendo o sido o que merece este degredo; deveis perguntar à mulher
se o quer seguir. E querendo ela acompanhar o marido, vá ela também com ele, e corra a mesma fortuna,
que ele correr; e se o não quiser seguir, por razão do grave incómodo que nisto haja de padecer, então vá
embora a vender só o marido. E sendo a mulher a delinquente, se há-de proceder com o marido do
mesmo modo, que acabamos de dizer da mulher. Assim deve obrar quem quer obrar o que Deus manda,
para não impedir aos servos os Sacramentos e uso deles, que o senhor lhes deve procurar como pasto
espiritual de suas almas: Sacramentorum administratione pascere.
§ IV
Do bom exemplo
que devem dar os senhores aos servos
95. Ultimamente para darem o alimento espiritual aos servos, devem os senhores ir diante com o
exemplo de virtudes e santos costumes: Bortorum omnium operum exemplo pascere. Pouco aproveita a boa
doutrina, que dão nos servos os senhores, quando falta o bom exemplo dos mesmos senhores. 0 melhor
modo de doutrinar não é com palavras, é com as obras. As obras vêem-se, as palavras ouvem-se: e o que se
ouve talvez entra por um ouvido e sai por outro, e o que se vê entra pelos olhos, e, como não tem Porta para
sair, penetra até o coração. Por isso o mestre, que é mestre, mais há-de ensinar como que faz, do que com o
que diz. De Cristo nosso Mestre disse Isaías que nossos olhos o veriam (b); porque o verdadeiro Mestre
mais ensina visto, do que ouvido. Logo, se quereis que saiam bem doutrinados os escravos, obrai primeiro
o que lhes haveis de ensinar. Assim o fez o mesmo Cristo: Coepit Jesus facere et docere (c). Primeiro
obrou, facere; e depois ensinou o que obrava, et docere. Mais hão-de aprender os escravos em poucos,
dias da vida exemplar de seu senhor, do que podem aprender em muitos anos de doutrina. Tem muito que
andar, quem caminha para a virtude pelo caminho dos preceitos; e a poucos passos se acha no- termo
quem toma o caminho pelo atalho dos exemplos (d).
96. A razão desta diversidade é: porque o exemplo tem uma qualidade oculta, com que suavemente
atrai as vontades, para que o imitem; e esta qualidade falta aos preceitos. Por isso, tanto que o escravo vê o
exemplo do senhor, anima-se a segui-lo. Sendo os escravos vagarosos e descansados por natureza em dar à
execução o que se lhes manda; achareis no Gênesis ao servo de Abraão mui acelerado em executar o
mandado de seu senhor: Qui festinavit (e). Não vos espante a pressa do servo à vista de Abraão que se
apressa: Festinavit Abraham (f). Viu o escravo ao senhor apressado para dar agasalho a três hóspedes, que
lhe vieram a casa, e logo lançou de si os vagares de servo e tornou a pressa de seu senhor Qui festinavit.
97. Pouco porém disse, dizendo que o exemplo de senhor que se faz mestre do servo, o atrai, e incita à
imitação; porque havia de dizer que lhe faz força e o obriga. Depois que Cristo lavou os pés a seus
Discípulos, lhes disse que tinham obrigação de fazer o mesmo, e lavar os pés uns aos outros (9). E qual
seria o fundamento da obrigação, que Cristo reconheceu nos Apóstolos, de seguir suas pisadas? 0 mesmo
exemplo que o Senhor lhes havia dado (h).
98. Sondemos bem o fundo destas palavras. Qualquer outro exemplo é somente incentivo e estímulo
para a imitação: logo, que mais tinha o exemplo de Cristo, para passar de estímulo e incentivo a ser
obrigação, debetis? A razão, o mesmo Cristo a deu: Vós chamais-me Mestre e Senhor: e dizeis bem,
porque na realidade o sou (i). Logo se eu sendo vosso Senhor e vosso Mestre, vos lavei os pés; também vós
deveis, e tendes obrigação, de lavar os pés uns nos outros (1). Reparai bem. naquelas duas palavras,
Dominus et Magister; porque nelas se encerra todo o fundamento de obrigação, debetis. Era Cristo Senhor,
e era Mestre, Dominus et Magister; e o exemplo de quem ‚ senhor, e juntamente mestre, não só incita, e
estimula, mas quase com força e eficácia de preceito obriga à imitação: Et vos debetis. Esta é uma singular
diferença, que tem o exemplo do senhor, que doutrina aos servos, do exemplo de quem não é senhor e
ensina aos que não são servos; porque nos que não são senhores, é o exemplo incentivo somente e estímulo
para a imitação; e nos que são senhores, não só é estímulo, não só é incentivo, que move, mas é como
preceito, que obriga a que o imitem. Logo, se o senhor se fizer mestre de seus servos, ensinando-lhes o
caminho do Céu, não só com a doutrina, mas muito mais com o seu exemplo: quem duvida que os há-de
obrigar, e seguir o mesmo caminho?
99. 0h! Se quisesse Deus que não faltasse aos escravos tão importante género de doutrinal Com os
veríamos grandes Cristãos! Que preceito há na Lei de Deus tão dificultoso, que não observassem à risca os
servos, vendo que também o guardavam seus senhores? Mandou Deus a Abraão, que se circundasse com
toda a sua família, para que ele e a sua descendência se diferençasse das mais nações infiéis e bárbaras. Já
reparámos na diligência, com que executou Abraão este preceito; agora reparo na prontidão com que o
aceitaram os escravos, deixando-se todos circuncidar, sem que houvesse neles a mínima repugnância. 0
preceito era novo e rigoroso, era de opróbrio nos adultos, e de perigo nos meninos; e contudo no mesmo
dia se viu correr o sangue de todos, assim do senhor, como, dos servos: Todos os servos de Abraão, assim
os que lhe haviam nascido em casa, como os que havia comprado, se sujeitaram prontamente ao rigor do
golpe (m). Mas com que os obrigou Abraão à execução de preceito tão rigoroso? Com ameaças de castigo
ou com promessas de prêmio? Nada disto foi necessário; porque por tudo bastou o exemplo do mesmo
Abraão, que em senhor. Viram os servos que seu Senhor Abraão se circuncidou a si primeiro, no mesmo
dia em que Deus lhe tinha dada o preceito: Eadem die circumeisus est Abraham; e à vista do exemplo de
seu senhor, todos, sem repararem no rigor do preceito, se sujeitaram à Circuncisão: Et omnes viri domus
illíus, tam vernaculi, quam emptiffi, et alienigenae, pariter circumcisi sunt. Quando o senhor pode dizer
ao servo: segue-me, que eu vou diante; não recusa o servo de o seguir, ainda que seja por feridas e mortes
violentas. Se o senhor vai diante vestido com a púrpura de seu sangue na guarda dos preceitos divinos; não
duvida o servo em derramar o das próprias veias, para seguir o exemplo de seu senhor. Observem pois
os senhores exactamente os Mandamentos da Lei de Deus; que na observância, ainda dos preceitos mais
rigorosos, não haver servo, que repugne, precedendo com exemplo seu senhor.
100. Pelo contrário, por mais que os senhores inculquem aos escravos a observância dos preceitos da
Lei de Deus; se virem que eles são os primeiros que os quebram, nunca acabarão de se persuadir a guardá-
los; porque os escravos no governo de suas vidas não atentam para o que os senhores lhes dizem, senão
para o que obram. Os servos (diz David) põem os olhos nas mãos de seus senhores, e as servas nas mãos de
suas senhoras (mm). Cuidava eu que os escravos, havendo de aplicar algum sentido a seus senhores,
aplicariam os ouvidos, para saberem o que deles querem, sendo sua obrigação executar o que lhes mandam;
e não os olhos, para verem o que eles fazem. Assim havia de ser, se os escravos no governo de suas vidas
se regulassem pelo que lhes dizem seus senhores. Porém, como se não regulam pelo que lhes ouvem
dizer, senão pelo que os vêem obrar; bem diz David que os servos põem os olhos nas mãos de seus
senhores, sicut oculi servorum iri-manibus dominorum suorum; e as servas nas mãos de suas senhoras,
sicut oculi ancilia ín manibus domime suœe. Donde se segue, que os senhores, que querem persuadir aos
escravos a exacta observântia dos preceitos divinos, devem viver de sorte que vejam neles os mesmos
escravos um exemplo e retrato de verdadeiro cristão.
101. Daqui se pode inferir qual é a principal, causa de escandalosa vida, com que ordináriamente
vivem os escravos e as escravas do Brasil. Mas como não há-de ser assim,, se nos senhores e nas senhoras
não vêem exemplos de Cristãos, senão escândalos próprios de Gentios? Que importa que se lhes ensine
com palavras o modo com que hão-de viver cristãmente; se a má vida de seu senhor desmente com
costumes viciosos a doutrina, que lhes dá . Se um edifica, e outro de faz o mesmo edifício; que hão-de
tirar ambos (diz o Espírito Santo) senão o trabalho (n)? E não há-de cansar-se debalde na doutrina dos
escravos o senhor, que tudo o que lhes ensina com as palavras, vai desfazendo tom as obras? É certo.
102. Porque, como há-de crer o escravo, que é pecado gravíssimo jurar pelo nome de Deus, vendo
que seu senhor jura e perjura a cada passo por Deus e pelos Santos, por mais que o mesmo senhor lhe diga
que Deus proíbe os juramentos? Como h -de acabar consigo de observar as Festas assistindo ao menos
ao Santo Sacrifício da Missa nos Domingos e dias santos, se vê que seu senhor a ouve de ano em ano, por
mais que o mesmo Senhor lhe iniculque que Deus as manda guardar? Como se há-de capacitar que não é
lícito matar ou ferir para se desagravar das injúrias, vendo que seu Senhor por razões de pouca ou nenhuma
entidade promete feridas e balas, por mais, que o mesmo senhor lhe intime que Deus ordena que se não
cometa homicídio, nem faça outro dano à vida do próximo? Como se há-de persuadir a viver continente
e casto, vendo que seu senhor sustenta das portas adentro a concubina, por mais que o mesmo senhor lhe
ensine que Deus quer que se guarde castidade? Como há-de assentar consigo não furtar e contentar-se
com o que lhe, dá seu senhor, vendo que o mesmo senhor não se contenta com o seu, mas busca modos e
traças para enriquecer com o alheio, por mais que lhe pregue que na Lei de Deus estão severamente presos
os furtos? Fique logo assentado, que toda a mais doutrina, que os senhores derem aos servos, se não for
acompanhada do seu exemplo e confirmada com suas obras, não serve de alimento espiritual, que devem
dar ás almas de seus escravos: Bonorum omnium operum exemplo pascere.
§V
103. Se os senhores (como temos visto) pecam tão gravemente faltando à obrigação, que têm, de dar
aos servos o pão e alimento espiritual, sem o qual pereceriam suas almas, panis, ne suecumbat; que pecado
ser o dos mesmos senhores, quando por qualquer caminho lhes dão a beber o veneno, que lhe traz a
morte eterna? Chamo veneno a tudo aquilo, que induz e convida a pecar, a que os Teólogos vulgarmente
chamam escândalo; e é o mesmo que dar ocasião, ou com palavras ou com obras mênos rectas, à ruina
espiritual do próximo, como define S. Tomás (o). 0 que suposto: que pecado(torno a dizer) ser o dos
senhores, que dão este veneno a seus servos, induzindo, os a que pequem?
104. A gravidade deste pecado, além de se poder bem inferir do que nos parágrafos atrás está dito, se
prova com a razão. Porque se pecam gravemente os senhores, que negam o alimento espiritual nos servos,
só porque lhes não fazem a suas almas o bem, que lhes é devido; quanto mais gravemente pecarão
fazendo-lhes positivamente o maior mal, qual ‚ induzi-los ao pecado? Mas, para que melhor se conheça a
deformidade destas induções ou destes pecados de escândalo, quatro coisas havemos de ponderar neste
parágrafo. 0 dano, que com eles fazem os senhores ás almas dos seus escravos; o grande serviço, que fazem
ao demônio, o mal, que se causam a si mesmos; e a injúria, que fazem a Cristo.
105. 0 dano, que fazem os senhores nos escravos, quando por qualquer modo os induzem a pecar, não
só é o maior, mas é o sumo dano. 0 maior dano, que pode fazer qualquer senhor a um servo, é tirar-lhe a
vida; mas suposto que este é o maior, não é sumo: 0 sumo e maior de todos os danos, que lhe pode fazer, é
induzi-lo a pecar. E a razão é tão natural como certa. E se não, dizei-me: Se vos virdes reduzido a um de
dois extremos, isto é, que ou hajais de perder e vida morrendo, ou a graça de Deus pecando: a qual destes
vos dita a razão que vos inclineis? Não há dúvida que vos dita que haveis de eleger antes perder a vida
e mil vidas do que pecar; porque de dois males sempre se escolhe o menor. Logo a mesma razão natural
ensina e dita que muito maior mal é o pecado, que a morte.
106. E a última razão é, porque o pecado é ofensa de Deus; e o culto e veneração que devem as
criaturas ao mesmo Deus pede que antes se de perder a vida, do que cometer um pecado. Sendo pois o
pecado maior mal que a mesma morte; não podem negar os senhores que maior dano fazem aos servos
induzindo-os a pecar, do que tirando-lhes a vida matando-os; porque matando-os, tiram-lhes a vida do
corpo; e induzindo-os a pecar, tiram-lhes a da alma; e quanto vai da, alma ao corpo, tanto vai de dano a
dano, e de pecado a pecado.
107. 0 grande serviço, que fazem ao demônio os senhores induzindo os escravos a pecar, só o pode
entender quem sabe o desvelo e ânsia, com que o demônio solicita e procura a ruína de nossas almas. É tão
ansioso o demônio em procurar que os homens pequem, que S. Pedro o compara ao leão faminto, que
segue e persegue as feras para as tragar: Adversarius vester Diabolus tanquam leo rugiens circuit, quxrens
quem devoret (P). Notai muito aquela palavra, circuit, que significa própriamente andar à roda e voltear
uma e outra vez. E assim faz o demônio após de uma alma. Anda continuamente à roda e em seguimento
dela; dá uma volta e outra volta; não, desiste de a tentar freqüentemente, até que ia vence e rende á sua
vontade, fazendo-a cair na culpa e acrescentar pecados sobre pecados.
108. Colhei agora daqui o grande serviço que faz ao demônio o senhor, que escandaliza aos escravos
induzindo-os a que pequem; pois tira ao mesmo demônio o trabalho de andar tão sem sossego após das
almas, entregando-lhas (como dizeis) ás mão lavadas, e dando o melhor dia ao Inferno. Quando um
pecador se arrepende e faz penitência, diz Cristo que há grandes festas no Céu (q) . E porque não haverá
no Inferno alegrias, quando uma alma se arroja ao pecado e perde a graça, sendo tão oposto o inferno ao
Céu?
109. 0 mal que se causam a si os mesmos senhores com os seus escândalos, é o mesmo que o que
causam nos servos; porque assim como aos servas lhes procuram a morte da alma, essa mesma procuram
também para si, e para si sempre certa; porque pode não o servo, ainda que induzido do senhor; e sempre
peca o senhor que induziu ao servo. Mas além de tudo isto se faz digno da maldição tremenda de Deus, por
ser instrumento do demônio, na perdição e ruína das almas.
110. Bem sabem todos o que sucedeu à serpente no Paraíso, quando dela se valeu o demônio para que
tentasse a Eva e a induzisse a comer o fruto vedado. Diz o texto que lhe lançara Deus sua maldição (r).
Onde se deve muito reparar, que não sendo a Serpente mais que só instrumento do demônio, que usara
dela, e de suas vozes para tentar a Eva, só por isso a amaldiçoou Deus. Mas assim havia de ser; porque não
merece menos castigo, quem é instrumento do demônio para a perdição das almas, senão que venha
sobre ele a maldição divina: Maledictus es. E notai, que a serpente não foi voluntariamente instrumento do
demônio; porque ele se lhe introduziu no corpo, e a obrigou a falar, não sabendo ela o que falava nem o
que fazia. E se contudo ainda a amaldiçoou Deus; que fará ao senhor, que se faz instrumento do mesmo
demônio, livre e voluntariamente e sabendo que faz mal quando induz os servos ao pecado?
111. Resta s¢ ponderar por último a ofensa, que fazem a Cristo os senhores, que com seu escândalo
são causa de ruína espiritual a seus escravos. Esta ponderou o Apóstolo na Epístola aos de Corinto, armado
de zelo contra os que escandalosamente, comiam as carnes oferecidas em sacrifício aos ídolos, na presença
dos Neófitos convertidos do Judaísmo á nossa Santa Fé. As suas palavras são estas: Pecando vós desta
sorte, isto é, dando escândalo a vossos Irmãos, e perturbando-lhes as consciências, pecais contra Cristo (s).
E foi o mesmo que se dissesse, comenta S. João Crisóstomo: Não haveis de imaginar, que induzindo vós o
próximo a que peque, e dando-lhe escândalo, para que tomam também as carnes, que foram sacrificadas
aos ídolos, todo o dano, que nisso fazeis, seja só ofender ao próximo, porque não só ofendeis ao próximo
com o vosso escândalo, mas ainda passais a ofender a Cristo, que por todos deu a vida em uma Cruz
(1). De maneira, que toda a razão, porque encarece o Apóstolo a deformidade do escândalo, não é só
porque com ele se ofende ao próximo, mas porque mais principalmente se ofende a Cristo: Transit enim ad
Christum ipum.
112. Sendo os comentos, que dão os Santos, nos textos, para explicarem o sentido dos mesmos textos e
os darem a entender; eu nem entendo este texto do Apóstolo, nem o comento dele. E senão, vede. Nenhum
gênero de pecado cometem os homens contra o próximo, que não seja também ofensa de Cristo. Quem
tira ao próximo a vida, ou a honra, ou a fazenda, peca também contra Cristo. Logo, que nos diz de novo o
Apóstolo, e com ele o Santo Doutor, dizendo que o pecado de escândalo não só ofende ao próximo, mas
também ao mesmo Cristo?
113. Direi. De duas maneiras podem os homens, ofendendo ao próximo, ofender a Cristo; ou o podem
ofender como a Deus e Criador, ou como a Cristo e Redentor. Então o ofendem como a Deus e Criador,
quando ofendem ao próximo nos bens, que receberam do mesmo Cristo como Deus e Criador; e estes são a
vida, a honra, a fazenda e os mais pertencentes ao corpo. Então o ofendem como a Cristo e Redentor,
quando ofendem ao próximo nos bens que de Cristo receberam como Cristo e Redentor, e estes são as
virtudes infusas, a graça, a salvação, e todos os mais dons sobrenaturais. E por que o pecado de escândalo
se ordena directamente (2) a privar o próximo da graça e salvação, por isso este pecado mais que outro
qualquer, diz o Apóstolo que ofende a Cristo: In Christum peccatis.
114. Ainda não está ponderado. E que mais tem ofender a Cristo enquanto Cristo e Redentor, do que
ofendê-lo enquanto Deus e Criador, para que diga o Apóstolo tão vivamente que quem ofende ao próximo
escandalizando-o, ofende também a Cristo como Cristo e Redentor e não como Deus e Criador: In
Christum peccatis? 0 que tem de mais já (bem se adverte) fica dito acima, mas agora me explicarei melhor.
Os bens, que nos dá Cristo como Deus e Criador, só lhe custaram uma palavra: fiat. E quanto lhe
custaram os bens, que nos dá como Cristo e Redentor? Custaram-lhe afrontas, custaram-lhe espinhos,
custaram-lhe açoites, custaram-lhe o sangue e custaram-lhe ainda a mesma vida. E como o que custa
mais, mais se estima; e o que mais se estima, sente-se mais, se se perde: por isso sente mais Cristo e maior
é a ofensa, que se lhe faz induzindo com escândalo ao próximo a que peque e perca a alma, do que sente
ofensa, que se lhe faz danificando ao mesmo próximo nos bens do corpo.
115. E à vista de tantos e tão grandes males, que traz consigo o escândalo, não é coisa digna de
todo o pasmo e admiração, que haja senhores, que traguem, sem reparo ú sem escrúpulo algum, escândalos
tão multiplicados e enormes? Que haja senhores, que não reparem nem advirtam no grande escândalo, que
dão a suas escravas, consentindo que saiam de casa a quaisquer horas e desoras, ou sejam da noite ou do
dia, sabendo que daí provêm tantas ofensas de Deus! Oh! Se pudessem falar as ruas e becos das Cidades e
povoações do Brasil! Quantos pecados publicariam, que encobre a noite, e não descobre o dia! Mas não
quero individuar, nem dizer o mais, que deste sair das escravas se segue; porque ainda a mesma pena treme
e pasma de os escrever.
116. Que haja senhores, que não reparem no grande escândalo, que dão a suas escrava, ou louvando-as
de industriosas, quando as vêem trajadas com as librés, que adquiriram por meio das ofensas a Deus; ou
dando-lhes em rosto com a sua pouca indústria e menos brio, quando não fazem o que vêem fazer as
outras de vida estragada e perdida! Que haja, digo, senhores, que nisto não reparem, conhecendo que assim
enfeitam a culpa, para que mais fàcilmente a cometam; e aprovam, como se fosse bom, o que por todos os
títulos é mau; e reprovem, como se fosse mau, o que por todos os títulos é bom! Vae vobis (ameaçava
Deus pelo Profeta lsaias) qui dicitis malum bonum et bonum malum! Ai de vós, que aprovais o mau, como
se fosse bom; e reprovais o bom, como se fosse mau (u)! E contra quem mais directamente (3) fala este
ameaço, senão contra vós, ó senhores, e com maior razão contra vós, ó senhoras, que aprovais as galas das
vossas servas, ganha, das com o pecado, e reprovais se as não querem ganhar por não ofenderem a Deus?
117. Que haja senhores, que não reparem no grande escândalo, que dão a suas escravas, repartindo por
elas o sustento da casa, e encarregando-lhes a cada uma sua porção! A uma a farinha ou o pão para a mesa;
a outra a carne ou o peixe para o prato; esta há-de pagar os aluguéis das casas; aquela há-de dar o azeite
para a candeia; e todas hão-de concorrer com o que lhes toca e está taxado. E que isto se faça entre
Cristãos! Que haja tão pouco temor de Deus, que se não atente pelas consequências destes tributos tão
indignos de um católico! Dizei-me, senhores, ou dizei-me senhoras (que convosco principalmente falo):
Onde hão-de ir buscar as vossas escravas, com que satisfazer a estas pensões? Têm porventura algumas
rendas, donde hajam de tirar o que lhes mandais e impondes para pagarem? É certo que não. Pois donde
lhes há-de vir, senão dos pecados e torpe uso de seus corpos? E sustentando-vos vós e deste mau lucro e
destes pecados; que é o que sois, senão um pecado vivo e animado? Lá disse o Filósofo, que cada um não é
outra coisa, senão aquilo, de que se sustenta (x). E sendo assim que vos não sustentais de outra cousa, senão
do pecado: que haveis de ser, senão o mesmo pecado?
118. Mas ainda não param aqui os escândalos dos senhores do Brasil; porque não contentes com
induzir, aconselhar, consentir, e ainda mandar aos escravos que pequem, passam muito mais avante,
obrigando-os com o castigo ou ameaços dele a ofender a Deus, e faltar à guarda de seus preceitos. E
senão, dizei-me. Não é escândalo, e o mais execrando e diabólico, obrigar o senhor ao servo a que leve
recados e embaixadas ilícitas, e seja terceiro para o pecado do mesmo senhor? E não é ainda muito maior
mal, e muito mais escandaloso excesso, castigar rigorosamente ao mesmo servo, quando ou repugna a ir ou
não indo (e provera a Deus que nenhum fora!) finge e diz que foi? Assim é.
119. Pois sabei que o senhor, que isto faz (quero dizer, que manda estas embaixadas) não é senhor, é
Lúcifer, e tem domínio nos seus escravos do mesmo modo que o tem Lúcifer nos demónios. Lúcifer, bem
sabem todos que é o príncipe e senhor do Inferno, e tem poder e domínio sobre os demónios. Mas em
que o exercita? Em os mandar pelo mundo a tentar e solicitar os homens para o pecado. E tal é o domínio
daqueles senhores, que usam dos seus escravos mandando-os no mesmo fim a que manda Lúcifer os seus
demónios. Mas eu prometo que assim aos senhores que mandam a tão mau fim, como aos escravos que lhes
obedecem, não pode faltar o castigo do fogo eterno; pois para uns e outros está aparelhado: Qui paratus est
diabolo et angelis ejus (Y); ou (como lê S. Cirilo) Et nunt s ejus (z). Para estes Lucíferes da terra, e para
estes seus embaixadores acendeu Deus aquele activo fogo, que os há-de abrasar e consumir por toda a
eternidade! In ignem ceternum (a).
120. Não é escândalo, e o mais abominável nos olhos, de Deus, amigar-se o senhor com n sua
escrava? E não é ainda muito maior e mais abominável obrigá-la á força a consentir neste pecado de seu
senhor, e castigá-la quando repugna e quer apartar-se desta ofensa de Deus? Nenhum católico o há-de
negar. E espera salvar-se o senhor, que isto faz? Se sucederam estes casos na Mauritânia ou Barbaria, onde
dispensou Mafoma no sexto Mandamento, alguma razão havia com que se desculpassem os senhores,
que cometessem delitos tão profanos e sobre profanos crueis. Mas que sucedam na Cristandade e a Cristãos
tão Cristãos como os Portugueses! Que havemos de dizer senão que, além da eterna pena, com que
merecem ser castigados na outra vida os senhores que assim violentam e obrigam as suas escravas a
pecarem, ainda nesta merecem a morte temporal, imposta pelo Direito comum, e lei particular de Portugal a
todos aqueles que violentamente, ou de outra maneira forçam e obrigam a pecar as mulheres de qualquer
qualidade que sejam, ainda aquelas, a que vulgarmente chamamos mundanas?
121. Não é escândalo finalmente (e tanto mais grave, quanto mais ordinariamente sucede) obrigar o
senhor ainda com castigo que paguem as escravas os furtos, que se fazem em casa ou as perdas, que
sucedem por seus descuidos? Quem o pode negar? E não é isto querer que solicitem pecados para
satisfazerem a essas perdas e a esses furtos? Ainda mal! E que haja senhores tão cegos, que não reparem,
nem advirtam na grande injustiça que cometem obrigando a seus servos a pagar-lhes o que lhes não devem!
Porque: que culpa tem o escravo ou a escrava, quando por acaso se lhe quebrou o cântaro ou a taça ou
qualquer outro móvel deste género? Que culpa tem que entrem os ladrões em casa, e levem o ouro, ou a
prata, ou o que puderam haver ás mãos? E sendo certo em boa Teologia, que não está obrigado a pagar as
perdas e danos aquele que os não causou voluntariamente, ainda que para eles concorresse sem culpa sua;
vede se ‚ injustiça manifesta obrigardes aos vossos escravos a que vos paguem, o que perdestes não por sua
culpa?
122. E tanto mais se devem abominar estas injustiças, quanto são mais leves as perdas, que recebem os
senhores. Dizei-me: Não é a maior indignidade, que por não perder o senhor quatro réis, ponha debaixo
dos pés a honra de Deus e a venda por tão vil e abominável preço? Se para impedir as ofensas de Deus
houvésseis de perder ou grande parte dos bens que possuís ou todos eles: quem não vê que merece Deus,
que antes os perdesseis todos, com o interesse somente de que não seja ele ofendido? E se isto merece Deus
que façais para que o não ofendam os estranhos; quanto mais merece que o façais, para que o não
ofendam os vossos servos, devendo vós de justiça impedi-los que não ofendam a Deus, e muito mais
quando é tão pouco o que interessais? Mas porque o não fazeis assim, antes fazeis todo o contrário, dais
ocasião a que se diga com muito maior razão de vós, o que dos Cristãos do seu tempo dizia Salviano:
Solus nobis in comparatione omnium vilis Deus est (b). Teme e treme a pena de escrever, e a boca de
pronunciar e traduzir estas palavras. Fazendo comparação (diz) entre a vileza do mundo, e a grandeza e
majestade de Deus, têm como por coisa assentada os Cristãos que todas as mais coisas são dignas da
maior estimação, e só Deus ‚ a coisa mais vil. Parece que tinha este grande Padre diante dos alhos os nossos
tempos; pois há senhores, que pela vileza mais vil da terra vendem a grandeza e majestade de Deus,
não reparando em que por uma pequena quantia permitem e consentem, e ainda mandam fazer, tantas e tão
enormes ofensas ao mesmo Deus.
123. Sendo pois os escândalos, com que os senhores induzem para o pecado aos seus servos, tão graves
e tão frequentes como temos visto, é muito para admirar o pouco caso, que deles fazem os mesmos
senhores para o arrependimento. Vem a confessar-se um destes senhores, ou por obrigação da
Quaresma, ou por devoção (1) no meio do ano; e vereis, que gastando largo tempo aos pés do confessor em
se acusar de venialidades, destes escândalos não faz menção alguma, como se não fossem pecados. Esta
sem dúvida é a razão daquele tremendo ai de Cristo sobre o mundo, Vax mundo a scandalis (c)! Ai do
mundo, onde tanto reinam os escândalos! Porque sendo tão fáceis os homens em dar escândalos, são tão
difíceis em se arrepender e fazer penitência deles. Vede pois, Senhores, e atentai bem para as vossas
Confissões. Procurai arrancar de todo as raízes destes escândalos. Deixai por uma vez de dar a beber aos
vossos servos este tão mortífero veneno. Vede que assim a eles, como a vós mesmos causais a morte eterna.
Lembrai-vos que tendes obrigação de vos aplicar todos a procurar-lhes o alimento, para a alma, assim como
a tendes de lhes procurar o sustento para o corpo: panis, ne suecumbat.
DISCURSO III
Em que se trata de terceira obrigação
que têm os senhores para com os servos
§ I
Que os senhores devem castigar aos servos,
merecendo eles o castigo
§ 11
Que os senhores não hão-de castigar tudo,
mas relevar algumas faltas a seus escravos
§ III
Que as pragas e nomes injuriosos
não servem para castigo dos escravos
153. Suposto que o senhor deve perdoar algumas faltas aos servos
e forçosamente deva castigar outras, para que sem o freio do castigo se
não façam os escravos mais viciosos do que são e multipliquem culpas
sobre culpas; vejamos agora qual deve ser o castigo. Alguns senhores há
que se satisfazem castigando os servos com palavras; e principalmente
as senhoras, que só então cuidam que ficaram bem vingadas dos desatinos
do escravo ou da escrava, quando desabafaram o coração com palavras
injuriosas, pragas e maldições horrendas, dando-os e suas almas ao
demónio, e imprecando sobre eles o inferno todo. Mas este certamente
não é o castigo, com que se devem disciplinar os servos. Um dos
primeiros preceitos, que deu Platão aos senhores acerca do bom governo
dos servos, é que os não descomponham e maltratem com palavras
injuriosas (1). E por que não os senhores de descompor com nomes
afrontosos nos escravos, se com eles não deve ser injuriado nem ainda o
mesmo demónio?
154. Entre o Arcanjo S. Miguel e o demónio houve uma porfiada
contenda de parte a parte, sobre o lugar em que havia de ser sepultado
o cadáver de Moisés; e diz S. Tadeu, que se não atreveu o Arcanjo a
blasfemar do mesmo demónio (m). A blasfémia pròpriamente se comete,
quando se diz alguma palavra injuriosa contra Deus, conforme o comum
sentir dos Teólogos e definição de S. Agostinho, que declarando o que
é blasfémia, diz assim: Blasfemar ‚ dizer algum mal dos bons. E como
se possa duvidar da bondade de qualquer criatura, e só Deus
unicamente seja bom sem controvérsia, daqui vem, que só é tido
vulgarmente por blasfemo aquele que Profere palavras injuriosas contra
Deus (m).
155. Porém se o diabo, ninguém duvida que ‚ sumamente mau, como
Podia blasfemar dele S. Miguel? Logo que blasfémia seria esta, que se
não atreveu a proferir o Arcanjo contra o demónio? A versão Tigurina
diz que foi maldição (0); e a de Vatablo diz que foi nome ou
palavra injuriosa (P). Tudo isto seria, mas pergunto? Porque se não
havia de atrever S. Miguel a amaldiçoar o demónio, sendo o demónio tão
digno de todas as maldições, nem dizer-lhe uma palavra injuriosa, não
havendo injúria que ele não mereça? Aqui vereis o que são pragas, o que
são maldições e o que são nomes injuriosos; que nem contra o mesmo
demónio se atreve a proferi-los o Príncipe das jerarquias celestes. E
estas pragas, estas maldições, e estes nomes proferis vós tão
facilmente a cada passo contra vossos escravos. Ouvi coimo contra vós
argumenta o Doutor máximo, referido por Graciano: Se o grande Arcanjo
S. Miguel não se atreveu a praguejar, e amaldiçoar ao demónio, sendo
tão digno de maldição e de pragas: quanto mais nós os Cristãos
havemos de fugir de todas as pragas e maldições (q)!
156. E sendo isto assim, ‚ muito digno de ser notado o abuso dos
senhores, e muito mais das senhoras do Brasil, que sem reparo algum
praguejam e descompõem com palavras injuriosas aos servos e ás servas,
desde que nasce o sol até que se põe, não se ouvindo em vasa todo o dia
mais que nomes afrontosos e pragas medonhas. Este intolerável abuso
nasce, a meu ver, de cuidarem muitos que nisto não pecam; ou se pecam,
é muito levemente; sendo que assim as pragas, como os nomes injuriosos
são de sua natureza pecados mortais, e graves, como ensinam
uniformemente os Teólogos com o Mestre de todos S. Tomás. Ouçam pois,
os que injuriam com palavras afrontosas aos escravos, ouçam o que diz o
Santo Doutor, das contumélias: Como quer que as contumélias e injúrias
de palavra tragam consigo a desonra daquele contra quem são
proferidas, quando quem as profere intenta por elas tirar a honra ao
próximo, então comete pecado de contumélia, tão grave e mortal, como o
é o furto ou a rapina. Porque qualquer homem não ama menos sua honra,
do que os mais bens da fortuna, que possui (r).
157. Ouçam agora os praguentos o que o mesmo Santo Doutor diz
das imprecações e pragas: As imprecações e pragas, de que falamos, é
pronunciar algum mal contra outro, ou como quem lho deseja, ou como
quem lho manda. E desejar mal a outro, ou mandar-lho, é coisa
que repugna à caridade, com que se deve amar ao próximo; e por isso em
seu género é pecado mortal (s).
158. Bem vejo que esta doutrina era bastante para vos persuadir
que não é pecado tão leve o praguejar e dizer injúrias aos servos, como
muitos imaginais, se o mesmo Doutor Angélico não ensinasse no mesmo
lugar outra doutrina, com que parece que livra de pecado mortal a quase
todas as palavras injuriosas e pragas. A doutrina é: Que pode haver no
praguejar (o mesmo se há-de entender no dizer nomes afrontosos) pecado
venial, ou por razão de ser leve o mal que se roga, ou por não serem as
pragas proferidas com ânimo de fazer mal (I). Por isso ‚ costume mui
ordinário dos que se confessam, desculparem-se das pragas que rogam, e
dos nomes e conturmélias que disseram aos escravos, dizendo que foi com
paixão e cólera, e não com ânimo de que as pragas tivessem efeito, nem
para que ficasse afrontada a pessoa do escravo. E dão a razão:
Porque tanto que lhes saiu da boca a palavra injuriosa ou a praga, logo
se arrependem e ficam muito sentidos de a haverem rogado, e dito aquela
injúria.
159. Eu não nego que não possa talvez a paixão de cólera ser tão
arrebatada, que tire totalmente o sentido e advertência, ou a deixe tão
débil e fraca, que no haja, deliberação bastante Para contrair culpa
grave; digo porém que ordiriáriamente não sucede assim, e que, não
obstante a paixão, há a advertência que basta, e conseguintemente
a deliberação requisita para pecar mortalmente. A paixão é um eclipse
da razão; pois assim como os eclipses não chegam a escurecer o sol de
maneira que do dia façam noite; assim também as paixões e a cólera não
costumam escurecer de sorte a razão, que não fique bastante luz para
discernir o bem e o mal; porque se com a cólera e a paixão, não
houvesse advertência para o pecado, nunca o demónio tentaria com a
paixão e a cólera. Notai:
160. 0 fim, por que o demónio excita as paixões, é para nos
induzir mais facilmente ao pecado. Logo, se qualquer paixão e
indignação escurecesse o entendimento de tal modo que não deixasse
advertência e deliberação bastante para pecar ainda mortalmente: para
que era tentar-nos? Tempera ele os humores de sorte, quando nos provoca
a cólera, que perturbem o entendimento sim, para que não conceba tão
vivamente o mal que faz, e toda a deformidade que nele há ; porém
nunca o perturba de maneira que não conheça a malícia que basta
para pecar gravemente.
161. Para o demónio fazer bem o seu negócio e nos conquistar a
vontade para o consentimento do pecado, no há-de haver dia claro, nem
noite escura; há-de haver um ar pardo; isto é, há de estar o
entendimento nem totalmente claro, nem totalmente escuro. Não há-de
estar totalmente claro, porque se conhecer clara e vivamente a
deformidade da culpa, hão-de as vontades aborrecê-la e
fugir dela; nem há-de estar totalmente escuro, Porque se se não
conhecer a gravidade do pecado, não há-de haver malícia nas vontades,
que o cometem. Diz Job que os olhos do demónio são corno os
resplandores da Aurora (u). Mas qual será a proporção desta
semelhança? Agora a direi: Os resplandores da aurora luzem s¢
entre o dia e a noite, quando nem a noite é totalmente noite, nem o dia
total, mente dia. E tais são os olhos do demónio; só se apuram entre o
dia e a noite da razão; quando o conhecimento da malícia da culpa não é
totalmente claro, nem totalmente escuro, então é que olha o
demónio. E porquê? Porque o demónio só olha para o pecado, e como para
haver pecado, não há-de ser no entendimento nem tudo luzes nem tudo
trevas, senão um claro-escuro, como o tempo da aurora; por isso
diz Job, que os olhos do demónio se parecem com os resplandores da
aurora: Oculi ejus ut palpebrx diluculi. E por isso, outra vez: ainda
que o demónio excite em nós as paixões, que nos escurecem os
entendimentos, regularmente falando não é de maneira que nos tire
a luz necessária para pecar gravemente.
162. Nem o arrepender-se logo o senhor, depois de dizer as
pragas e nomes injuriosos aos senhor, é presunção suficiente para
julgar que faltas-se o desejo de os ofender, diz Soto (x). Quem se
havia de atrever a afirmar certamente que não cometeu pecado mortal
grave, aquele que tirando ao seu inimigo, diz que logo e quase no
mesmo tempo que deu a arma fogo, teve entranhável arrependimento de o
haver feito? Ninguém: porque o incorrer na malícia do homicídio não
depende em coisa alguma da vontade, que imediatamente se lhe
seguiu depois; senão da que houve no instante e actual exercício do
mesmo homicídio. Por isso quem tirou ao seu inimigo com vontade de o
matar no mesmo instante em que fez o tiro, não deixa de pecar
mortalmente, por mais que imediatamente se arrependa depois.
163. 0 mesmo, nem mais nem menos, se deve dizer no nosso caso.
Se naquele momento, em que se proferiu a injúria e praga, houve desejo
de que o escravo ficasse ofendido e injuriado, não deixam de ser
pecados graves, por mais que logo depois de proferidas se arrependesse
quem as proferiu. Logo o arrependimento, que se segue ao proferir os
nomes e as pragas, não é sinal certo de que faltasse o consentimento
necessário para haver pecado. Sabeis de que é indício certo? De
haverdes entrado em vós e conhecido o mal que fizestes; mas não
de o não haverdes feito. Não é logo tão certo, como por ventura até
agora cuidastes, que as pragas e nomes injuriosos, com que costumais
descompor aos escravos, não cheguem a ter malícia mortal e grave, por
serem proferidas no fervor da cólera, que vos arrebata e tira do
sentido.
164. E nem por ofenderdes gravemente a Deus, ou vos pordes em
perigo de o ofender praguejando e injuriando de palavras aos servos,
nem por isso (digo) vindes a conseguir o fim, que pretendeis, que ‚
por-lhes medo e castigá-los, porque os escravos ou pouco ou nenhum
caso fazem das vossas pragas e das vossas injúrias. E porque o
não fazem? Porque os escravos igualmetne podem castigar corri a língua
aos senhores, como os senhores os castigam a eles. Vós, para vos
vingardes do servo, armais contra ele uma trovoada de nomes e pragas; e
no mesmo tempo descarrega sobre vós o servo outra maior tempestade de
nomes ainda mais injuriosos, e de pragas ainda mais medonhas; e por
cada uma vossa vos retorna ele muitas mil; e desta sorte se d por bem
pago e satisfeito, e vai por diante em sua rebeldia.
165. Entendam pois os senhores que as palavras, por mais prenhes
que vão de injúrias, maldições e pragas, não servem para meter a
caminho os servos, porque, corno bem advertiu Salomão: 0 servo não pode
ser ensinado com palavras (Y). Logo com quê? Verberibus ac plagis,
comenta Salazar: Com o castigo (-). Deixai os nomes, as
maldições, e, as pragas, e dai no servo o merecido castigo; porque com
aquelas o injuriais e pecais não só contra a Caridade, mas também
contra a justiça; e com este, além de fazerdes uma obra de
misericórdia, alcançareis a emenda do escravo, que é o fim pelo qual
se lhe d o castigo: Disciplina, ne erret.
§ IV
Que no castigo dos servos
não devem usar os senhores de sevícia
DISCURSO IV
De quarta obrigação dos senhores
para com os servos
§ I
§ II
§ IV
Em que se mostra que são de nenhum vigor as
razões, que alegam os senhores, pelas quais
ocupam os servos nos domingos e dias santos
§ VII
Conclusão de toda a obra
F I M