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A FUNÇÃO SOCIAL DO ORGASMO

Prof Dr Ocir Andreata

O orgasmo é um estado de gozo, o átimo de um instante de clímax em uma


relação erótica. Relação que pode ser auto, a dois, a três, ou mais, com afeto ou de
forma mecânica, na opção homo, hetero ou poli, pois cresce a diversidade de modos
de gozo quanto maior a liberdade ética ao prazer. O prazer é a marca do orgasmo.

Orgasmo e prazer não são sinônimos, mas são aspectos complementares de uma
experiência subjetiva pessoal e intersubjetiva com outro, pois que tanto se mostra num
átimo de instante de gozo consigo mesmo quanto com o outro. Portanto, um gozo que
desperta ipseidade e alteridade ao mesmo tempo. Ipseidade (Ipso, eu, mesmo), um
prazer consigo mesmo, na identidade de si; alteridade (Alter, outro, diferente), um
prazer de partilha da presença doada do outro.

Mas, o que é mesmo o orgasmo? Como defini-lo, se pode ser entendido desde
pequenas contrações prazerosas de espasmos anatomofisiológicos, a sucessivas ondas
de um estado intenso de prazer psicológico, até a expressão máxima do poético na
experiência pessoal, que se dá de forma diferente na natureza masculina e feminina, ou
que pode nunca haver mesmo em uma vida de relações? Logo, o orgasmo é complexo.

Fisiologicamente, em termos de uma descrição psicofísica, apesar da consagrada


igualdade entre gêneros hoje, a compreensão do orgasmo passa inevitavelmente pelo
reconhecimento de naturezas biológicas opostas e complementares entre os corpos de
homens e mulheres. A complexidade de elementos, subjetivos e objetivos, e o alcance
de gozo do orgasmo feminino, faz do orgasmo masculino um instante falho e pífio,
quanto mais este se vincule ao ato ejaculatório. Tanto pior numa ejaculação prematura.
Nesta analogia, o orgasmo feminino é reflexo psicofísico que se abre de continnum a
um gozo de prazer crescente até ao limítrofe do descontrole emocional; o orgasmo
masculino, ao contrário, um processo psicofísico de fechamento e fim de um ciclo de
excitação, cuja tensão exige descarga e resolução (repouso) logo após a ejaculação.
Neste sentido, o orgasmo feminino é rico e o masculino pobre. Na verdade, o gozo é
feminino; o homem, no máximo, goza de dar gozo.

Psicologicamente, o pai da psicanálise, Freud, buscando descrever e explicar o


fenômeno da sexualidade falou pouco do termo orgasmo, mas sua tentativa de uma
concepção psicofisiológica do prazer ligava o desejo, à excitação e orgasmo como uma
psicodinâmica de geração energética, compressão e descarga. Imagem tomada, porém,
sempre do ponto de vista masculino. E, desconhecendo ainda a extensão anatômica e a
função do clitóris, pensa o sexo feminino pela analogia da castração e cria o indevido
mito do orgasmo critoriano como prematuro ou infantil e o suposto orgasmo vaginal
como maduro ou adulto. Nada mais equivocado. Sabemos que o clitóris é um órgão
altamente inervado e exclusivo do prazer, e que faz uma função subjetiva do orgasmo.
Historicamente, o sociólogo inglês Anthony Giddens observou no fenômeno
social e relacional crescente desde meados do Séc. XX, que, após décadas de revoluções
culturais, o prazer entra definitivamente na agenda das relações pessoais, afetivas e
sociais. Gradualmente as relações afetivas mútuas passam a ser organizadas e pactuadas
entorno da busca de prazer. As várias formas cada vez mais democráticas de prazer, que
exigem o orgasmo, formam novos laços afetivos e de famílias, que também facilmente
se desfazem frente ao não mais prazer. Desejo, prazer e orgasmo tornam-se sinônimos
de união conjugal, hetero, homo ou poliamor. Nas duas últimas décadas observa-se o
que chamo paradigma Tinder-Pornô (Tinder, ícone da facilidade de acesso ao sexo;
Pornô, imagem padrão do erótico), ainda que performático e distorcido, incrementado
pela adição de brinquedos eróticos e terceiros na cama, complicando ainda mais as
relações pactuais. Há uma revolução sexual em curso e uma sintomatologia em
demanda. A atual sociedade do gozo não quer abrir mão do orgasmo, mas também este
começa a se perder, na medida em que o sexo orgástico se torna comum e banal, e em
que o masculino entra em crise frente à potência de gozo da mulher livre e na medida
em que a defesa se desloca para o novo sintoma do não-desejar da nova assexualidade.

Entretanto, a partir da experiência clínica e retomando a observação de Wilhelm


Reich, pai da revolução sexual cultural, parece haver de fato uma função do orgasmo,
enquanto formação de vínculo afetivo e ética relacional da parceria, hetero ou
homossexual. Se a atual evolução social da sexualidade orgásmica exige a manutenção
do nível de prazer na relação, em cuja ausência facilmente se rompe, também se nota
que o orgasmo é a amálgama de gozo que mantém o laço afetivo. Logo, gozar a dois é
preciso e necessário, cada vez mais, para se habitar num ninho familiar. O que Reich
pensava como “potência orgástica” era um laço de relações afetivo-sexuais mutuamente
prazerosas de forma contínua a formar um campo bioenergético vital. Relações, tanto
quanto possível, de mutualidade amorosa, carícias, carinho e alteridade.

Qual é, então, a função social do orgasmo? A manutenção social da relação. Na


relação se mantém o sentido do afeto prazeroso, cuja qualidade de vivência se torna em
amor. No amor se mantém a conjugalidade e a parentalidade familiar. Certamente o
amor é uma qualidade da relação afetiva, a qual, como vimos, exige o prazer. Em
termos sexuais, o vínculo do prazer é o orgasmo. Portanto, o orgasmo tem a função
social da manutenção da relação. Neste sentido, há uma ética do orgasmo que exige a
mutualidade de prazer, tanto livre quanto respeitoso.

Mais que nunca é preciso gozar muito e junto. Talvez por isto mesmo tenha-se
designado um “dia do orgasmo”, 31 de julho, para celebrar a dimensão afetiva, social e
ética desta qualidade especialmente humana de comunhão de arte, alegria e vida. Então,
feliz Dia do Orgasmo.

Prof Dr Ocir Andreata


Psicoterapeuta e sexólogo
Coordenador da Pós-Graduação em Sexualidade Humana, Universidade Positivo
ocirandreata@gmail.com

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