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CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICA DE QUIXADÁ

CURSO DE DIREITO

Niely Martins de Sousa

A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº


95/2016, QUE VERSA SOBRE A LIMITAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS EM
SAÚDE E EDUCAÇÃO, FRENTE AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO
RETROCESSO SOCIAL NO BRASIL.

QUIXADÁ - CEARÁ

2017
Niely Martins de Sousa

A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº


95/2016, QUE VERSA SOBRE A LIMITAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS EM SAÚDE E
EDUCAÇÃO, FRENTE AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
NO BRASIL.

Monografia submetida à Coordenação do


Curso de Direito do Centro Universitário
Católica de Quixadá, para a obtenção do
grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Esp. Marcos Vinícius dos


Santos Júnior.

QUIXADÁ - CEARÁ

2017
Niely Martins de Sousa

A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº


95/2016, QUE VERSA SOBRE A LIMITAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS EM SAÚDE E
EDUCAÇÃO, FRENTE AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
NO BRASIL.

Monografia submetida à Coordenação do


Curso de Direito do Centro Universitário
Católica de Quixadá, para obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Aprovado em ___ /___ / ____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Prof. Esp. Marcos Vinícius dos Santos Júnior
Orientador

______________________________________
Prof. Esp. José Ivan Calou de Araújo e Sá
Membro

______________________________________
Prof. Me. Sandro Luis Brito Novais
Membro
Dedico este trabalho a Deus e minha família,
que garantem a base primordial para alcançar
os meus objetivos: força. Dedico os
professores e coordenadores do Curso de
Direito da Unicatólica, com quem aprendi a
pensar, profissionalmente, sobre a arte do
direito.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, que me concedeu o dom da vida e me proporciona,


diariamente, toda a força que necessito para superar os obstáculos; ao meu São Jorge
Guerreiro que sempre me trouxe conforto nos momentos difíceis. Agradecimento à
minha família, na pessoa de meus pais, Fabiana e Eudásio; meus irmãos, Nayanne e
Nícolas, que são a minha base e sempre me apoiaram nessa jornada, sem medir esforços
para que eu alcançasse meus objetivos. Aos meus amigos e colegas de trabalho, que,
mesmo alguns estando distantes, sempre acreditaram no meu potencial, muitas vezes até
mais que eu mesma, e sempre me impulsionaram a correr atrás dos meus objetivos, em
especial ao grupo de amigas intitulado “Grupo das Lulus”, que partilham essa árdua
jornada que é a graduação.
Justiça é consciência, não uma consciência
pessoal, mas a consciência de toda a
humanidade. Aqueles que reconhecem
claramente a voz de suas próprias consciências
normalmente reconhecem também a voz da
justiça. (Alexander Solzhenitsyn).
RESUMO

O presente estudo pretendeu analisar a constitucionalidade da Emenda Constitucional n°


95/2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal e dispôs sobre as limitações das despesas
primárias do Governo Federal, e expressamente, nas searas de investimentos nas áreas da
saúde e educação pelos próximos 20 (vinte) exercícios financeiros. Foram analisados os
aspectos mais relevantes dos direitos fundamentais, tendo em vista que os direitos à saúde e
educação são direitos sociais, e que necessitam da prestação positiva por parte do Estado. A
concretização de tais direitos foi analisada com base no principal mecanismo de proteção dos
mesmos, o Princípio da Vedação do Retrocesso Social, uma vez que tem o condão de
preservar os direitos de fundamental importância para a garantia de uma vida digna e com
igualdade ao homem. Foram analisados os casos concretos, no âmbito do direito brasileiro,
levados ao Supremo Tribunal Federal, em ações que versavam acerca da constitucionalidade
de normas. Concluiu-se através da ponderação, acerca da existência ou não de retrocesso no
dispositivo constitucional, para que se pudesse asseverar sobre sua constitucionalidade com
base na proteção do núcleo essencial dos direitos à saúde e educação. Foi realizada no
trabalho atual a investigação sobre até que ponto a EC 95/2016 atinge os direitos
apresentados, de forma a contribuir para o conhecimento e entendimento desse dispositivo,
que é, além de atual, de bastante relevância para toda a sociedade, uma vez que versa sobre a
limitação de despesas do Governo Federal, o que direta, ou indiretamente, afeta toda a
população do país. Bem como, analisar se o dispositivo está em consonância com os ditames
constitucionais, à luz da vedação do retrocesso.
PALAVRAS-CHAVES: Direitos Sociais. Vedação do Retrocesso. Emenda Constitucional
95/2016. Constitucionalidade.
ABSTRACT

The present study aimed to analyze the constitutionality of Constitutional Amendment n °


95/2016, which established the New Fiscal Regime and established the limitations of primary
expenditures of the Federal Government, and expressly, in the fields of investments in the
areas of health and education for the next 20 (twenty) financial years. The most important
aspects of fundamental rights were analyzed, since the rights to health and education are
social rights, and that need the positive benefit of the State. The realization of these rights was
analyzed based on the main mechanism of protection of the same, the Principle of the Fence
of Social Retrogression, since it has the power to preserve the rights of fundamental
importance for the guarantee of a dignified life and with equality to the man . We analyzed
the concrete cases, under Brazilian law, brought before the Federal Supreme Court, in actions
that dealt with the constitutionality of norms. It was concluded by weighing whether or not
there was a retrocession in the constitutional system, so that it could be asserted on its
constitutionality based on the protection of the essential core of the rights to health and
education. The current work was carried out to investigate the extent to which EC 95/2016
reaches the rights presented, in order to contribute to the knowledge and understanding of this
device, which is, in addition to being of current relevance, a the federal government, which
directly or indirectly affects the entire population of the country. As well, examine whether
the device is in line with constitutional dictates, in light of the retracement fence.
KEYWORDS: Rights. Social rights. Retention Seal. Constitutional Amendment 95/2016.
Constitutionality.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................09

2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................................11

2.1 CONCEITUAÇÃO.............................................................................................................11
2.1.1 Direitos Fundamentais e Direitos Humanos: confusão terminológica...................12

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................14

2.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...........................................19


2.4 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................20

2.4.1 Os direitos de primeira dimensão..............................................................................20

2.4.2 Os direitos de segunda dimensão...............................................................................21

2.4.3 Os direitos de terceira dimensão................................................................................21

2.4.4 Os direitos de quarta dimensão.................................................................................22

2.4.5 Os direitos de quinta dimensão..................................................................................23

3. DOS OS DIREITOS SOCIAIS E O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO


SOCIAL...................................................................................................................................24
3.1 DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE
1988...........................................................................................................................................24

3.2 DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS – MÍNIMO


EXISTENCIAL.........................................................................................................................25

3.3 RESERVA DO POSSÍVEL................................................................................................26

3.4 DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL......................................27

3.4.1 Conceituação e aspectos importantes...........................................................................28

3.5 CARÁTER POSITIVO E NEGATIVO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO


RETROCESSO SOCIAL..........................................................................................................30

3.5.1 O dever de progressão do Estado.................................................................................31

3.6 DA RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO


SOCIAL....................................................................................................................................32
4. A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016, FRENTE AO PRINCIPIO DA
VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL E SUA
CONSTITUCIONALIDADE.................................................................................................36

4.1 CONTEÚDO DA EMENDA 95/2016................................................................................36

4.2 O NOVO REGIME FISCAL E OS GASTOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO....................37


4.2.1. Impactos nas despesas com Saúde...............................................................................39

4.2.2. Impactos nas despesas com Educação.........................................................................40

4.3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL NO


BRASIL AO CASO CONCRETO...........................................................................................40

4.3.1. Direitos em colisão: Saúde e Educação X Efetividade dos demais


direitos......................................................................................................................................42

4.4 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA EC 95/2016 COM BASE NA


JURISPRUDÊNCIA – À LUZ DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL......................43
5. CONCLUSÃO.....................................................................................................................47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................49

ANEXOS
9

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico pretendeu discorrer acerca da análise da


constitucionalidade da Emenda à Constituição de nº 95/2016, que versa sobre a limitação dos
gastos públicos primários do Governo Federal, pelos próximos 20 (vinte) exercícios
financeiros, contendo previsão expressa para limitação dos gastos destinados às searas da
saúde e educação, direitos, eminentemente, fundamentais sociais.
A análise da constitucionalidade da norma que instituiu o Novo Regime fiscal foi
executada frente ao Princípio da Vedação do Retrocesso Social no Brasil, princípio que tem
como principal objetivo a proteção dos direitos sociais, das arbitrariedades cometidas por
meio de medidas do Estado. Esse princípio se apresentou como sendo de suma importância
para a proteção da Segurança Jurídica e do Estado Social, uma vez que prevê a proteção do
núcleo essencial dos direitos sociais e o dever de progressão das prestações por parte do
Estado.
A importância da discussão da temática fundamentou-se na atualidade do assunto em
comento, tendo em vista ter sido promulgada recentemente e ainda não haver muito material
discorrendo sobre o assunto. Outro fator importante se dá pela vivência prática do tema pela
sociedade, pois versa sobre um assunto que permeia o dia-a-dia de qualquer ser humano, qual
seja, a necessidade de acesso à saúde e à educação públicas. Para tanto, resolveu-se discorrer
sobre a constitucionalidade da EC nº 95/16 como forma de se fazer mais latente a discussão
acerca dos impactos à concretização dos direitos sociais.
A presente pesquisa teve como finalidade alcançar o objetivo principal de analisar a
constitucionalidade da Emenda à Constituição nº 95/16, de forma a verificar sua viabilidade
em confronto ao Princípio da Vedação do Retrocesso Social, visto que traz em seu texto,
limitações de ordem econômica aos direitos fundamentais à saúde e educação.
Bem como, pretendeu discorrer acerca dos objetivos acessórios de conceituar os
aspectos mais relevantes dos direitos fundamentais e sociais; pontuar acerca da previsão do
Princípio da Vedação do Retrocesso Social no ordenamento jurídico nacional e internacional
e verificar as bases doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade de ser declarada a
inconstitucionalidade de normas que atentem ao núcleo essencial dos direitos sociais, nesse
caso, a Emenda n° 95/16.
Nesse sentido, se fazem necessárias abordagens de temas como esse, para ser
possível elucidar: O que significam os direitos fundamentais elencados pela Constituição
brasileira? Quais os direitos chamados de Sociais no ordenamento jurídico? Sobre o que versa
10

e qual objetivo do Princípio da Vedação do Retrocesso Social? Qual o teor da EC 95/16? A


mesma é eivada de vícios que possam acarretar sua inconstitucionalidade?
Para solucionar esses e demais questionamentos, o presente estudo está desenvolvido
em três capítulos, organizados da seguinte forma: no capítulo 01 serão analisados todos os
aspectos pertinentes aos direitos fundamentais, como sua conceituação, previsão no
ordenamento jurídico, evolução histórica, bem como, as suas principais características e
classificações.
Será abordado no capítulo 02, o que diz respeito especificamente aos direitos sociais,
como os aspectos mais importantes acerca de conceituação, histórico, além de apresentar os
conceitos do que se entende por mínimo existencial e reserva do possível. Também será
objeto de análise nesse capítulo, as informações concernentes ao Princípio da Vedação do
Retrocesso Social, com toda a evolução até sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro,
assim como, a sua efetiva aplicação na proteção contra arbitrariedades de medidas tomadas
por parte do Poder Público.
Por fim, no capítulo 3 do presente trabalho, será abordado o teor da EC 95/2016, com
a análise de todos os dispositivos que incluiu ao Ato de Disposições Constitucionais
Transitórias, da mesma maneira que, serão analisados os impactos dessa medida à
concretização dos direitos à educação e saúde. Além do que, serão verificados os direitos que
se encontram em conflito no caso concreto abordado, colocando o dispositivo legal frente ao
Princípio da Vedação ao Retrocesso Social, de forma a concluir acerca da constitucionalidade
da emenda, com base, também, em acórdãos do Supremo Tribunal Federal, nos quais foi
citado o princípio em comento.
Para o desenvolvimento do referido estudo monográfico utilizou-se o procedimento
metodológico eminentemente bibliográfico, através de um estudo descritivo e exploratório,
desenvolvido através da pesquisa documental com a leitura e interpretação de projetos, leis,
normas, resoluções, pesquisas on-line, jurisprudências, dentre outros que tratam sobre o tema..
Esperou-se com o presente estudo, contribuir para o conhecimento acerca do que
prevê a Emenda Constitucional n° 95/2016, dispositivo recente, inserido ao ordenamento
jurídico brasileiro, analisando quais os impactos à concretização dos direitos à saúde e
educação, de forma a concluir acerca da adequação da emenda às normas constitucionais e
frente ao princípio do retrocesso social, verificar a constitucionalidade do dispositivo.
11

2. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 CONCEITUAÇÃO

Os Direitos Fundamentais, em um conceito genérico, são direitos que norteiam a vida


do indivíduo em sociedade, garantindo ao mesmo, condições para que tenha qualidade de
vida, e trazem em seu bojo, além de diversos outros, os conceitos de liberdade, igualdade e
dignidade da pessoa humana. Conforme traz os ensinamentos do doutrinador George
Marmelstein (2014, p. 17):
Os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de
dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano
constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua forma
axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico.

Os direitos e garantias fundamentais, positivadas através da Constituição Federal, se


tornaram ao longo dos anos, de suma importância para a garantia de uma vida digna ao
homem em meio à sociedade e o Estado.
José Afonso da Silva (2011, p. 178), em sua obra Direito Constitucional, ensina que os
direitos fundamentais são objeto de oposição dos cidadãos frente à Administração Pública,
como uma forma de limitar o Estado. Salienta que foram constituídos com a função principal
de proteger o ser humano, enquanto sua posição de cidadão, de eventuais arbitrariedades
cometidas pelo Poder Público.
Os direitos fundamentais também se prestam a garantir que o Estado tome medidas
que sirvam para melhoria das condições sociais das pessoas. Em termos mais didáticos, aduz
Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 109-110):
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica
instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões.
Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o
homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos
sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à
fraternidade e à solidariedade).

Na Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais estão elencados no Título II


e também em outros dispositivos que se encontram espalhados na Carta Magna, e tais direitos
possuem como características principais a historicidade, universalidade, limitabilidade,
concorrência e irrenunciabilidade, que serão aprofundadas em momento oportuno no presente
trabalho.
Faz-se de suma importância mencionar os dizeres de Jayme Benvenuto Lima Junior
(2001, p. 55) acerca dos direitos fundamentais e a Constituição Federal:
12

A Constituição Brasileira de 1988 é, até o momento a que melhor acolhida faz aos
Direitos Humanos em geral. Tanto em termos da quantidade e da qualidade dos
direitos enumerados, como da concepção embutida no texto constitucional, a Carta
de 1988 é inovadora.

Nesse sentido, observa-se o quão importante é a Carta Magna de 1988 para a garantia
dos Direitos Fundamentais como se vê atualmente. No entanto, para contextualizar o leitor
acerca do conteúdo dos direitos fundamentais, faz-se importante analisar a evolução da
terminologia e história de como se deu a evolução dos referidos direitos, como se verá
posteriormente.

2.1.1 Direitos Fundamentais e Direitos Humanos: confusão terminológica

O conceito de direitos fundamentais, amplamente explorado anteriormente, demonstra


sua importância e nesse sentido, por diversas vezes as expressões “direitos fundamentais” e
“direitos humanos”, foram usadas como sinônimas. Porém, há claras distinções entre as
mesmas. Os direitos fundamentais, como já conceituados, são normas jurídicas positivadas no
âmbito constitucional, consagrando a ideia de inclusão desses direitos nas constituições
internas de cada Estado.1 Acerca da existência de diferenças entre os termos apresentados,
preleciona Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 35-36):
(...) o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação
com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas
que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação
com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal,
para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter
supranacional.

A expressão “direitos humanos”, atualmente, tem sido objeto de algumas polêmicas.


Devido à generalidade do termo e do quão amplo este pode chegar, é possível concluir de
diversas maneiras acerca de seu cabimento e aplicação, o que pode prejudicar o entendimento
de seu real significado, causando confusão quanto ao reconhecimento e proteção de tais
direitos.
Alguns autores, que adotam posicionamento jus naturalista, entendem que os direitos
humanos são aqueles advindos da condição de pessoa humana, por pertencer a essa espécie,
ou seja, consideram como direitos inerentes ao ser humano por conta de sua espécie.

1
Embora muitos doutrinadores considerem direitos humanos e direitos fundamentais como expressões
sinônimas, outra parte dos autores entende que existem algumas diferenças entre elas como, por exemplo, em
relação à conceituação de cada uma.
13

Apesar de ser um entendimento lógico, essa concepção acaba por restringir o


significado, pois mesmo sendo direitos inerentes aos seres humanos, exclui,
consequentemente, as conquistas ao longo do tempo, do homem enquanto um sujeito de
direitos e deveres, aqueles direitos que decorreram da evolução histórica, social, política e
econômica.
O conceito de direitos humanos deve reconhecer, tanto a sua evolução histórica, como
o fato de que esses direitos não surgiram junto à vida humana, de forma autônoma, mas sim
que foram construídos ao longo da história do homem, através de sua evolução em sociedade.
Surgiu através da constante mudança das realidades sociais com o passar do tempo, e
se pauta na realidade política, industrial e econômica, estando em constante evolução até os
dias atuais. E de acordo com os ensinamentos de Perez Luño (1999, p. 48):
Los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones que,
en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la
igualdad humana, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los
ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional.

Portanto, mesmo os direitos humanos sendo inerentes ao homem, sua construção e


proteção são frutos do processo histórico de evolução para que chegassem ao patamar que se
encontram atualmente.
Por sua vez, os direitos fundamentais, nasceram a partir da positivação dos direitos
humanos ou direitos do homem, e surgiram a partir do reconhecimento pelas legislações
positivas dos direitos. Nesse sentido, José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 259):
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente
utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos
distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos
os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem,
jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os
direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter
inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.

A expressão, direitos humanos, tem sido utilizada pelos autores para a identificação
dos direitos inerentes ao homem, considerados de forma universal, enquanto que, direitos
fundamentais referem-se a ordenamentos jurídicos positivados, que reconhecem os direitos
inerentes aos seres humanos, geralmente por uma constituição.
No mesmo sentido, o termo direitos fundamentais, deve ser considerado apenas após a
positivação, que ocorre no ordenamento jurídico de cada Estado, normalmente, através de
constituição, conforme salientado anteriormente.
14

Portanto, é possível considerar os direitos humanos como, direitos que visam à


proteção da pessoa humana, individual e coletivamente, tendo em vista a vida em sociedade,
em caráter universal (Antunes, 2005, p. 340).
Em suma, utilizar a expressão direitos humanos é cabível para atribuir ao momento em
que foram reconhecidos pelo homem e a expressão direitos fundamentais, pode ser utilizada
para marcar a positivação desses direitos.

2.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Acerca de como surgiram os Direitos Fundamentais, é válido salientar o ensinamento


de Alexandre de Moraes (1999, p. 178), que afirma que “(...) surgiram como produto da fusão
de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos
pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito
natural”.
Do ensinamento do doutrinador transcrito acima, é possível concluir que a teoria dos
direitos fundamentais, como é conhecida atualmente, é resultado de uma transformação lenta
e profunda das concepções jurídicas e das instituições políticas.
A civilização, desde os primórdios até os dias de hoje, passou por diversas mudanças,
fruto da evolução humana, nos âmbitos político, cultural, econômico, religioso e social; o que
demonstra a complexidade da vida do ser humano em sociedade.
Os direitos e garantias, previstos hoje, são frutos de uma complexa construção e
evolução, o que torna necessária sua análise histórica e evolutiva. A ciência jurídica, da forma
que é condicionada à existência do homem em sociedade, também passou por diversas
modificações, grandes avanços e alguns retrocessos. Fazendo-se necessária a análise histórica
para a melhor compreensão dos acontecimentos.
Só é possível compreender os direitos fundamentais ao relacioná-los à história, uma
vez que foram construídos ao longo dos anos, de acordo com a experiência e evolução do
indivíduo em sociedade, tornando-se, cada vez mais, uma ferramenta de igualdade entre o
sujeito e o poder estatal. Acerca do tema Norberto Bobbio (1992, p. 5) afirma que:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou
seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez
e nem de uma vez por todas.

Preleciona José Joaquim Gomes Canotilho (2004, p. 9) na mesma toada:


15

A colocação do problema – boa ou má deixa claramente intuir que o filão do


discurso subseqüente – destino da razão republicana em torno dos direitos
fundamentais – se localiza no terreno da história política, isto é, no locus
globalizante onde se procuram captar as idéias, as mentalidades, o imaginário, a
ideologia dominante a consciência coletiva, a ordem simbólica e a cultura política.

Os direitos que são essenciais ao ser humano, para a garantia de uma vida confortável
em sociedade, como dito anteriormente, são frutos de gradativa e constante evolução no
decorrer dos anos, que consistiram, basicamente, em lutas contra a opressão do Estado, que,
desde os primórdios da vida do homem em sociedade, demonstrou forte poder sobre o povo.
A compreensão do homem de que não seria possível uma vida digna e justa em
sociedade, impulsionou a essa constante busca por proteção dos direitos inerentes ao ser
humano ao longo dos anos. A partir dessa visão, foi possível vislumbrar a necessidade de
direitos que servissem como norte para o ordenamento jurídico, já que deveria proteger o bem
mais precioso, a vida, como forma de fazer perdurar uma sociedade justa ao longo dos anos.
Nesse sentido, por meio de mobilizações sociais, o ser humano cogitou a incorporação
desses direitos no ordenamento jurídico, que deveriam atender a função primordial da garantia
de uma vida digna em sociedade, e acompanhar as constantes mutações pelas quais as
necessidades do ser humano, como ser social, passavam ao longo dos anos.
Assim, pode-se concluir que o reconhecimento de direitos humanos e a positivação
dos direitos fundamentais só foram possíveis por meio da constante evolução histórica,
através de descobertas e lutas do homem por maior proteção e garantia de uma vida digna em
sociedade, sendo possível observar, que a luta pela limitação do poder político foi um dos
principais fatores para a evolução desses direitos (Comparato, 2003, p. 40).
Uma das primeiras limitações do poder do estado que se tem conhecimento, aconteceu
no século X a.C. quando foi instituído o reino de Israel. Rei Davi, que era o responsável por
aplicar a lei divina sobre o povo, auto denominou-se delegado de Deus, diferente do que
ocorria nas monarquias da época, nas quais os reis se declaravam deus e autoridade para
decidir nas situações em que fosse necessária a avaliação do que seria justo ou injusto
(Comparato, 2003, p. 40).
Seguindo a mesma toada, uma das primeiras manifestações no reconhecimento dos
direitos humanos aconteceu na Grécia Antiga, onde, posteriormente, foram efetivamente
positivados, quando surgiu a ideia do antropocentrismo, que colocou o ser humano como
centro de todas as reflexões filosóficas e políticas. Nessa época, estava perdendo espaço, a
explicação do mundo de forma mitológica, e passou-se a usar o homem como centro das
discussões (Martins, 2003, p. 21).
16

Com o surgimento do Cristianismo, também houve contribuição para a limitação do


poder político, quando surgiram as distinções do que seriam atribuições do chefe político e do
que seria fruto do poder de Deus, além do fato de haver a pregação de que todos poderiam ser
salvos por Jesus Cristo, o que trouxe a ideia de igualdade entre os povos.
Segundo Jorge Miranda (2000, p. 17):
É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de
condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados a
imagem e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são chamados à
salvação através de Jesus, que, por eles, verteu o Seu sangue. Criados à imagem e
semelhança de Deus, todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição
política ou social pode destruir.

No entanto, mesmo que, durante a Antiguidade, tenha havido significativa


contribuição para o início do reconhecimento de que o ser humano era dotado de direitos,
havia, ainda nessa época, práticas que afrontavam esses direitos, como a escravidão,
diferenciação por sexo e classe social, o que era muito comum. Restando claro, o quanto os
direitos deveriam evoluir para alcançar essas práticas, como será possível visualizar adiante.
Já no período da Idade Média, restou caracterizada a clara descentralização política,
pois havia inúmeros centros de poder, que surgiram por influências do Cristianismo e
feudalismo, decorrentes da dificuldade na prática do comércio. Havia três estamentos, que
funcionavam como “classes sociais”, quais sejam: o clero, que exercia a função religiosa com
certo poder sobre o povo; a nobreza, que tinha como objetivo a vigilância e proteção do povo,
também com poder sobre os mesmos; e o povo, que tinha como função, trabalhar para garantir
o sustento de todos.
Em continuidade, com o advento da Magna Carta de 1215, o rei João Sem-Terra
assumiu o trono, no entanto, não tinha influências políticas, devido ao fato de não ser
primogênito e não possuir nenhum feudo, o que representava poder, à época. Aproveitando-se
dessa situação de vulnerabilidade do rei, os barões feudais forçaram-no a assinar, logo que
assumiu, uma Carta de Direitos, conhecida como Magna Charta Libertatum. Foi a primeira
declaração formal de direitos que positivou prerrogativas que hoje são consideradas direitos
fundamentais, além de algumas que ainda existem no Direito Constitucional, como o habeas
corpus, tribunal do júri, devido processo legal, entre outras.
Seguindo a mesma linha histórica, faz-se mister a análise de Dalmo de Abreu Dallari
(1999, p. 54) acerca da contribuição de São Tomás de Aquino, no final da Idade Média,
afirmando que:
No final da Idade Média, no século XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de
Aquino, que, tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos,
condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser humano tem direitos
17

naturais que devem ser sempre respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelião
dos que forem submetidos a condições indignas.

Importante contribuição na teoria se deu com os escritos de São Tomás de Aquino, que
ressaltou a necessidade da garantia de dignidade e igualdade entre os seres humanos, uma vez
que este foi criado à imagem e semelhança de Deus. Por fim, distinguiu quatro tipos de lei, a
lei eterna, a lei natural, a lei divina e a lei humana, sendo a última, oriunda da expressão de
vontade do detentor de poder político, o soberano, devendo estar nos limites da razoabilidade
e de acordo com a vontade de Deus (Magalhães, 2000, p. 18-19).
As características da Idade Média, como a descentralização política, a predominância
da Igreja Católica, com o clero, e a vida feudal, deixam de existir de forma progressiva, e a
sociedade evolui gradativamente à sociedade moderna, a qual trouxe consigo diversas
mudanças, como a criação da classe da burguesia, que eram diferentes dos senhores feudais, e
o surgimento do Estado Moderno, a centralização do poder político, fazendo com que os
direitos fossem garantidos a todos, de forma igual, dentro do mesmo reino.
Com a evolução da sociedade, começou a surgir a mundialização da cultura, trazendo
novas formas de pensar, de forma mais científica, não se pautando apenas na religião. Nessa
toada, vários documentos com regramentos que deveriam ser seguidos, e garantidos ao povo,
foram surgindo e se tornaram instrumentos importantíssimos para a construção dos direitos
como são na atualidade.
Na Inglaterra, o Petition of Rights, de 1628, foi um dos importantes documentos que
serviram como marco para a positivação das normas, no qual, reconhece, dentre outros
importantes direitos, o da proibição das detenções arbitrárias. Trouxe em seu bojo também, a
Lei de habeas corpus, de 1679 que protegia a liberdade de se locomover e foi como um norte
para todo o ordenamento jurídico mundial.
No entanto, mesmo com grandes avanços na garantia dos direitos do homem, nessa
época, os mesmos não podiam ser considerados universais, tendo em vista que não limitavam
a atuação do poder político do período, podendo ser revogadas, pois os direitos eram meras
concessões reais.
Dentre as revoluções movidas pela sociedade, em todo o mundo, e em diversas épocas,
foram de suma importância e é válido citar, as revoluções francesa, inglesa e americana que
reconheceram vários direitos da pessoa humana e tiveram grandes contribuições para
constituições do século em que ocorreram, XIX (Rubio, 1998, p. 82).
O Bill of Rights de 1689, reconheceu alguns direitos inerentes ao ser humano, como
por exemplo, o direito à liberdade, à segurança e à propriedade privada, que já haviam sido
18

previstos em outros documentos, porém foram reconhecidos mais uma vez, devido a
constante violação por parte do poder público.
Em contrapartida, apesar de garantir tantos direitos importantes ao cidadão, trouxe
como imposição aos súditos do rei da Inglaterra, que seguissem a religião oficial estabelecida,
o que demonstra ofensa ao direito de liberdade de crença, reiterando o entendimento de que o
poder pode ser utilizado como forma de imposição da vontade de quem o detém.
Reforçando o que fora explicitado, Fabio Konder Comparato (2003, p. 92) afirma que:
A Revolução Inglesa apresenta, assim, um caráter contraditório no tocante as
liberdades públicas. Se, de um lado, foi estabelecida pela primeira vez no Estado
moderno a separação de poderes como garantia das liberdades civis, por outro lado
essa fórmula de organização estatal, no Bill of Rights, constituiu o instrumento
político de imposição, a todos os súditos do rei da Inglaterra, de uma religião oficial.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 20) ao comparar a Declaração Francesa e


americana, afirma que a primeira tem como principais características que a destacam
favoravelmente o “esplendor das fórmulas e da língua, a generosidade de seu universalismo”.
Ao passo que as norte-americanas tinham como primordial preocupação a efetivação dos
direitos ingleses.
Seguindo a análise, a principal diferença entre as declarações francesa e norte-
americana, se pauta no fato de que os revolucionários franceses “elegeram” o poder
legislativo como poder principal, limitando, em consequência, os poderes executivo e
judiciário; a revolução americana, por sua vez, reconhece e confia os direitos e garantias à
Constituição, norma superior, limitando o poder político. E segundo Maurizio Fioravanti
(2003, p. 83):
En pocas palabras, se puede afirmar que la revolución francesa confía los derechos y
libertades a la obra de un legislador virtuoso, que es tal porque es altamente
representativo del pueblo o nación, más allá de las facciones o de los intereses
particulares; mientras que la revolución america desconfía de las virtudes de todo
legislador – también del elegido democráticamente ... y, así, confía los derechos y
libertades a la constitución, es decir, a la posibilidad de limitar al legislador con una
norma de orden superior.

Dando seguimento, é válido citar a importância da Declaração Universal dos Direitos


do Homem, de 1948, a qual foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e se
tornou um marco para a internacionalização dos direitos humanos, reconhecendo no contexto
internacional os direitos fundamentais, que, consequentemente seriam prevalentes nas
constituições e ordenamentos jurídicos internos.
A partir do ano de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os
direitos fundamentais, passaram a ter mais importância e foram reconhecidos,
internacionalmente e nas constituições e ordenamentos jurídicos internos de cada Estado. Os
19

direitos fundamentais passaram a ser enxergados como primordiais para a garantia da


isonomia e vida digna ao ser humano em sociedade, sempre como forma de limitação do
poder político, fazendo prevalecer a liberdade individual.
Como foi possível observar, foi um longo caminho percorrido através da história, para
que os direitos fundamentais fossem reconhecidos e adquirissem a importância que detém
hoje, sendo utilizados como forte mecanismo de proteção do homem em sociedade e
limitação do poder do Estado. Além da prevalência da liberdade individual, esses direitos
permaneceram em constante evolução, protegendo também a coletividade, com direitos
sociais visando à proteção da sociedade como um todo, como será abordado mais adiante.

2.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais têm diversas características que os diferem dos demais


direitos assegurados no ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina traz algumas
características principais, citadas e explicitadas, conforme segue.
Inicialmente, uma das principais, quiçá a principal, característica dos direitos
fundamentais é a da historicidade, que versa sobre o fato de os direitos fundamentais terem
natureza histórica, sendo fruto da evolução da sociedade, como apresentado anteriormente em
seu contexto histórico, tendo maior relevância com o passar do tempo até chegar ao patamar
que se apresenta hoje.
Outra característica é a da universalidade, tendo em vista que esses direitos são
garantidos a todos os seres humanos, alcançando a todos sem distinção. Há, no mesmo
sentido a característica da inexauribilidade, na medida em que os direitos fundamentais são
inesgotáveis, podendo ser ampliados e expandidos, além do que, conforme a sociedade sofre
mutações, podem surgir novos direitos. A característica da essencialidade versa sobre os
direitos fundamentais serem inerentes ao homem, aos seres humanos, e por terem como
principal ponto de proteção os valores mais importantes do homem, vida, liberdade,
dignidade, assumem posição normativa de destaque.
A imprescritibilidade traz o sentido de que tais direitos não perdem a sua
normatividade com o passar do tempo; inalienabilidade, pois não é possível haver a
transferência desses direitos; irrenunciabilidade, tendo em vista que não pode haver renúncia
desses direitos fundamentais, pois nenhum ser humano pode abrir mão da própria natureza;
inviolabilidade, uma vez que não podem ser violados por atos administrativos de agente do
Poder Público, ou leis infraconstitucionais, podendo haver a responsabilização do agente.
20

A efetividade é mais uma característica dos direitos fundamentais, uma vez que o
Estado e a Administração Pública devem buscar meios de efetivar esses direitos; a
limitabilidade, pois mesmo sendo inerentes ao homem e protegerem valores de grande
importância, os direitos não são absolutos, podendo sofrer proporcionalidade, sopesamento,
de acordo com os casos concretos em que estejam em conflito com outros direitos igualmente
importantes.
Por fim, a característica que será analisada mais profundamente no presente trabalho é
a vedação do retrocesso, tendo em vista que os direitos fundamentais não podem retroceder,
sendo diminuídos ou tendo seu aspecto protecional reduzido, após terem sido garantidos.

2.4. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são divididos em gerações, ou dimensões, para efeitos


acadêmicos, conforme a doutrina atual denomina. Cabendo salientar que é apenas uma
classificação didática, ao passo que os direitos fundamentais não são sujeitos a simples
classificações.
A terminologia gerações está sendo menos utilizada, pois traz a ideia de que os direitos
ficam ultrapassados na medida em que surge uma nova geração, o que não ocorre na prática.
Portanto, a doutrina atual tem utilizado a terminologia dimensões, que abrangem as
dimensões de direitos protegidos.

2.4.1 Os direitos de primeira dimensão

Os direitos de primeira dimensão fazem referência aos direitos civis e políticos, as


liberdades negativas, que tem como ponto central o princípio da liberdade. Esses direitos
surgiram com uma forma de resposta do Estado liberal ao Absolutista, inaugurando o
constitucionalismo no Ocidente.
Vale salientar o que preleciona Daniel Sarmento (2006, p. 12-13):
Dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como
limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados. Eles
demarcavam um campo no qual era vedada a interferência estatal, estabelecendo,
dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da sociedade civil e do Estado,
entre a esfera privada e a pública, entre o ‘jardim e a praça’. Nesta dicotomia
público/privado, a supremacia recaía sobre o segundo elemento do par, o que
decorria da afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado.
Conforme afirmou Canotilho, no liberalismo clássico, o ‘homem civil’ precederia o
‘homem político’ e o ‘burguês’ estaria antes do ‘cidadão’. (...) No âmbito do Direito
Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos limites à atuação
21

estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado,


que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental
era o da autonomia da vontade’.

São direitos oponíveis, sobretudo, ao Poder Público, e marcam a nítida separação entre
o Estado e a sociedade. Tem caráter negativo, pois não exigem do Estado uma prestação, e
sim uma abstenção, tendo como titular o indivíduo.
Exemplos dos direitos de primeira dimensão são os direitos à vida, à liberdade, à
propriedade, à liberdade de expressão, à liberdade de religião, entre outros.

2.4.2 Os direitos de segunda dimensão

Os direitos de segunda dimensão, de forma distinta ao explicitado anteriormente, se


relaciona às liberdades positivas, visando assegurar o princípio da igualdade material entre os
homens. Conforme explicitado por Daniel Sarmento (2006, p. 19):
As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) trazem em seu bojo novos
direitos que demandam uma contundente ação estatal para sua implementação
concreta, a rigor destinados a trazer consideráveis melhorias nas condições materiais
de vida da população em geral, notadamente da classe trabalhadora. Fala-se em
direito à saúde, à moradia, à alimentação, à educação, à previdência etc. Surge um
novíssimo ramo do Direito, voltado a compensar, no plano jurídico, o natural
desequilíbrio travado, no plano fático, entre o capital e o trabalho. O Direito do
Trabalho, assim, emerge como um valioso instrumental vocacionado a agregar
valores éticos ao capitalismo, humanizando, dessa forma, as até então tormentosas
relações jus laborais. No cenário jurídico em geral, granjeia destaque a gestação de
normas de ordem pública destinadas a limitar a autonomia de vontade das partes em
prol dos interesses da coletividade.

Os direitos de segunda dimensão cobram do Estado uma prestação, diferente do que


ocorre com os direitos de primeira dimensão. Se exige através desses direitos a prestação de
políticas públicas, sendo, portanto, direitos positivos. Alguns exemplos desses direitos são à
saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social, entre diversos
outros, são esses denominados direitos sociais.

2.4.3 Os direitos de terceira dimensão

Os direitos de terceira dimensão protegem os direitos da coletividade, visam interesses


difusos, não sendo destinados apenas à proteção dos interesses individuais. Essa dimensão de
direitos demonstra grande preocupação com as presentes e futuras gerações humanas e possui
origem na revolução dos meios de transporte e comunicação.
Paulo Bonavides (2006, p. 569), discutiu acerca do tema, o que vale salientar:
22

Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta


historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de
humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se
no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à
proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado
Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento
expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade
concreta.

Portanto, os direitos de terceira dimensão tem como sujeito de proteção, a


coletividade, os direitos difusos, tendo em vista que não visam apenas um indivíduo, grupo,
ou Estado, e sim o interesse de todos os homens em sociedade.
Analisando as três dimensões de direitos, já explanadas, é possível observar que as
mesmas, respectivamente, correspondem ao lema da Revolução Francesa – liberdade,
igualdade e fraternidade.

2.4.4 Os direitos de quarta dimensão

Atualmente, há correntes doutrinárias que defendem a existência da quarta dimensão


de direitos, que se desenvolve de acordo com os avanços da tecnologia e apesar de não haver
consenso na doutrina sobre qual o conteúdo dessa dimensão de direitos, para Noberto Bobbio
(1992, p. 6), “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia genética”.
De forma diversa à pensada por Noberto Bobbio, Paulo Bonavides (2006, p. 571-572),
também defende a existência dessa dimensão de direitos, no entanto, a analisa como sendo
fruto da globalização política, sendo relacionada à democracia, à informação e ao pluralismo,
conforme segue:
A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de
valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a
qual não tem jurisdição à ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos
fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia.
Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional.
(...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos
de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização
do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade
aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o
mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da
primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da
terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade,
permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito
à democracia.

Seguindo essa toada, é possível observar que os direitos de quarta dimensão são a
maior prova de que os direitos fundamentais devem, e acompanham a constante evolução
pelas quais passa a sociedade.
23

2.4.5. Os direitos fundamentais de quinta dimensão

A doutrina atual já defende a existência dos direitos de quinta dimensão, e entre os


doutrinadores que lecionam acerca do tema, vale citar Paulo Bonavides, quando de suas
declarações em eventos que discutiam acerca da temática, nos quais afirmou que a Paz seria
um direito de quinta geração. Para tanto, vale mencionar as palavras de Raquel Honesko
(2008, p. 195-197), quando ressalta que:
(...) em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio
Nacional de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de
2006, bem como II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais,
realizado em Fortaleza/CE, em abril de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à
possibilidade concreta de se falar, atualmente, em uma quinta geração de direitos
fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o
atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solo norte-americano), exsurgiria
legítimo falar de um direito à paz. Embora em sua doutrina esse direito tenha sido
alojado na esfera dos direitos de terceira dimensão, o ilustre jurista, frente ao
insistente rumor de guerra que assola a humanidade, decidiu dar lugar de destaque à
paz no âmbito da proteção dos direitos fundamentais.

Esses direitos seriam aqueles necessários à boa convivência entre os homens e a busca
pela paz tão almejada em tempos de instabilidade de relações. Conduzindo os direitos a todas
as formas físicas e plásticas, de modo a impedir a fixação de um estereótipo de beleza que
acaba por induzir a diversas formas de preconceito com raças ou padrões que são tidos como
inferiores ou fisicamente imperfeitos.
Para tanto, essa é a divisão doutrinária dos direitos fundamentais, que os dividem em
dimensões, conforme os direitos protegidos por cada dimensão, e retratam, de forma didática,
os direitos individuais, sociais e coletivos, demonstrando também o quanto a sociedade está
em constante evolução, e junto com ela, os direitos fundamentais sofrem mutações, em
constante evolução histórica.
24

3. OS DIREITOS SOCIAIS E O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO


SOCIAL

3.1. DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988

Os direitos sociais surgiram da Revolução Industrial no século XIX, quando se passou


a substituir o homem pela máquina, o que gerou altos índices de desemprego e muita
desigualdade social, visto que excedia mão de obra e sobravam pessoas sem dinheiro para se
subsistir. Esse cenário levou a necessidade do Estado proteger o trabalho e outros direitos
como: a saúde, a educação, ao lazer, entre outros.
Esses direitos pertencem à segunda dimensão dos direitos fundamentais e estão
expressamente previstos na Constituição Federal de 1988, nos artigos 6 a 11 e no capítulo de
direitos de ordem social, nos artigos 193 a 232. São direitos que carecem de prestações
positivas por parte do Poder Público para que sejam colocados à disposição do cidadão.
Conforme aduz José Afonso da Silva (2011, p. 286-287):
Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são
prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente,
enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida
aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais
desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

Nesse sentido, são aqueles direitos que têm por objetivo a garantia de condições
mínimas para uma vida com dignidade e igualdade aos indivíduos e por isso exige do Estado
uma prestação de ordem social. Assim, diferente dos direitos à liberdade, os direitos sociais se
realizam por meio de atuação estatal positiva visando a diminuição das desigualdades sociais.
Acerca da conceituação tida pela doutrina, André Ramos Tavares (2012, p. 837)
preleciona que são direitos “que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma
atuante do Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. São, por esse
exato motivo, conhecidos também como direitos de prestação, ou direitos prestacionais”.
O rol de direitos sociais elenca direitos essenciais à garantia de uma vida digna ao ser
humano em sociedade e dentre eles, se destacam os direitos que serão objetos de análise
posteriormente: os direitos à saúde e educação.
25

3.2. DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS – MÍNIMO


EXISTENCIAL

Os direitos fundamentais não são ilimitados e podem sofrer restrições, somente após
autorização da Constituição Federal, por normas constitucionais ou infraconstitucionais. No
entanto, essa medida não pode ser utilizada pelo legislador para suprimir a essência do direito
fundamental, o seu mínimo existencial, principalmente aos que se referem a direitos sociais.
A essência do direito diz respeito às necessidades básicas do ser humano, aquelas de
suma importância à sua existência e bem estar, como os direitos à vida, saúde, educação,
segurança, dentre outros que asseguram o mínimo de dignidade ao cidadão.
O núcleo essencial, apesar de não ser previsto explicitamente na Constituição Federal
de 1988, é inserido no rol de cláusulas pétreas, que fixam limites materiais para a alteração da
Constituição. E, através de uma interpretação sistemática, tendo por base o princípio da
dignidade humana, os direitos sociais estão incluídos nesse rol do artigo 60, no parágrafo 4º.
Há, no entanto, divergências doutrinárias acerca da inserção desses direitos,
especificamente ao que é disposto no inciso IV, parágrafo 4º, do artigo 60 da Carta Magna de
1988, tendo em vista que o mesmo estabelece limitação material para alterações aos direitos e
garantias individuais.
Aqueles que defendem a interpretação restritiva e literal do dispositivo constitucional
entendem não estarem, os direitos sociais, elencados no rol. Por outro lado, de acordo com
uma interpretação extensiva, maior parte da doutrina entende que os direitos sociais integram
o rol de cláusulas pétreas, e Paulo Bonavides (2006, p. 641-642) assevera o que segue acerca
da temática:
A nova hermenêutica constitucional se desataria de seus vínculos com os
fundamentos e princípios do Estado democrático de Direito se os relegasse ao
território das chamadas normas-programáticas (...). Sem a concretização dos direitos
sociais não se poderá alcançar jamais ‘a Sociedade livre, justa e solidária’,
contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º) (...) Em obediência aos princípios
fundamentais que emergem do Título I da Lei Maior, faz-se mister, em boa doutrina,
interpretar a garantia dos direitos sociais como cláusula pétrea (...) Tanto a lei
ordinária como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem a
essência protetora dos direitos sociais (...) padecem irremediavelmente da eiva de
inconstitucionalidade.

A proteção dos direitos básicos à sobrevivência do ser humano tem fundamento na


dignidade da pessoa humana, precipuamente, servindo como forma de garantir que o cidadão
terá concretizado pelo Estado, o mínimo existencial que necessita para uma vida digna. No
26

caso dos direitos sociais significa dizer que a prestação deve ser assegurada e qualquer forma
de usurpá-la por via legislativa está suscetível de incidir em inconstitucionalidade.
Apesar de não haver na Constituição de 1988 meios explícitos da proteção do mínimo
existencial dos direitos fundamentais, entendimento jurisprudencial já sustenta a necessidade
de proteção com base na dignidade da pessoa humana e segurança jurídica, dentre outros
princípios, conforme parte do julgado da ADPF 45/DF, Rel. Ministro Celso de Mello,
Informativo/STF 345/2004:
[...] A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular,
pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo
ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui,
além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de
existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo
existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos
públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos
recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo
existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias,
é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível [...].

Nesse sentido, é possível discernir que os direitos sociais devem ser assegurados pelo
Estado, através de ações do Poder Público que viabilizem que os cidadãos tenham acesso a
esses direitos, bem como, que estes sejam protegidos, sem sofrer arbitrariedades legislativas,
tendo em vista serem essenciais para a garantia de uma vida digna.
Em suma, acerca dos aspectos dos direitos sociais que se fazem mais importantes para
o presente trabalho, vale salientar que, além da prestação positiva do Estado, este deve se
abster de suprimir o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, de forma a garantir o
mínimo de condições para uma vida digna e com igualdade ao ser humano.

3.3. RESERVA DO POSSÍVEL

A concretização dos direitos fundamentais sociais está diretamente ligada à dimensão


econômica, uma vez que carecem de políticas públicas por parte do Estado. E, especialmente
os direitos sociais, demandam altos investimentos, como é o caso dos direitos à saúde e
educação.
O crescimento desses direitos fundamentais e a escassez de recursos estatais deram
origem à interpretação da Reserva do Possível, que tem origem no Tribunal Federal da
Alemanha em 1972, e no Brasil, a reserva do possível foi aplicada ao fato de os recursos
serem insuficientes para a concretização de todos os direitos pleiteados pelo cidadão de forma
individual. Diferente da interpretação original da teoria, que analisou a razoabilidade do
direito pleiteado, sem restrição à análise de cunho unicamente financeiro.
27

No Brasil, a teoria da reserva do possível, ao ser adequada à realidade pátria, foi


transformada em uma teoria da reserva do financeiramente possível, podendo ser considerada
como limite à efetivação dos direitos fundamentais prestacionais.

3.4. DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

O princípio da vedação do retrocesso social tem origem ligada à Alemanha, na década


de 1970, quando houve forte discussão acerca da supressão de benefícios sociais garantidos
aos cidadãos, durante a crise econômica pela qual passava o país. Houve forte debate à época,
tanto por conta da expansão cada vez mais latente do Estado Social, quanto pelo fato de,
diferente de outros sistemas constitucionais, a Lei Fundamental de Bonn de 1949, não ter
previsto nenhum direito fundamental, de caráter social, de forma expressa. Tendo sido
utilizado, este princípio, como forma de resposta e de defesa.
O doutrinador Luciano Parejo Alfonso (1983, p. 53-55) afirmou que Konrad Hesse,
em sua obra de 1978, discorreu acerca da teoria da irreversibilidade, que previa o dever do
Estado em tratar de forma diferenciada certas situações fáticas, visando à igualdade e com a
clara limitação do Poder Legislativo, oriunda da cláusula do Estado Social na Constituição
Alemã. Essa limitação do poder de legislar se manifestou com a possibilidade da declaração
de inconstitucionalidade de medidas que ferissem tal princípio da irreversibilidade.
Essa teoria, desenvolvida por Konrad Hesse, partiu da ideia de que não é possível
induzir o conteúdo da vinculação social do Estado diretamente da Constituição, no entanto,
quando são produzidas as regulações, garantindo direitos, qualquer norma posterior que venha
a limitar ou extinguir os mesmos, podem ser declaradas inconstitucionais, ou seja, haveria
uma irreversibilidade das conquistas sociais alcançadas.
Seguindo a toada da análise internacional da previsão desse princípio, a constituição
portuguesa, que exerce muita influência ao constitucionalismo brasileiro, prevê em seu
ordenamento jurídico a vedação do retrocesso social, e o doutrinador José Joaquim Gomes
Canotilho (2003, p. 338-339) assevera que, uma vez implementados e concretizados, os
direitos sociais passam a constituir verdadeiro direito subjetivo, ficando impedida a revogação
de tais direitos por parte do legislador infraconstitucional, sob pena de incidir em
inconstitucionalidade por omissão. Assim:
A idéia aqui expressa também tem sido designada como ‘proibição de contra-
revolução social’ ou da ‘evolução reacionária’. Com isto quer dizer-se que os
direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência,
direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a
constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A
28

‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises


econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a
reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de
desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da
confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do
núcleo essencial da existência mínima, inerente ao respeito pela dignidade da pessoa
humana. O reconhecimento desta protecção de ‘direitos prestacionais de
propriedade’, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e,
ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os
direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação do
núcleo essencial afectvado justificará a sanção de inconstitucionalidade
relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada ‘justiça social’.

Nos ensinamentos de Canotilho e Vital Moreira (1991, p. 131), as normas


constitucionais que preveem direitos sociais trazem consigo essa proibição de retrocesso,
tendo em vista que “uma vez dada satisfação ao direito, este se transforma, nessa medida, em
direito negativo, ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar
contra ele”.
É possível concluir que esse é um princípio constitucional, de caráter retrospectivo,
tendo em vista que visa à proteção do estado de coisas já conquistado, contra a sua supressão,
restrição ou extinção, feita de forma arbitrária pelo Poder Legislativo.
O princípio da proibição do retrocesso social foi acolhido pelo ordenamento jurídico
nacional por meio do Pacto de São José da Costa Rica, e vale ressaltar que, no âmbito do
direito constitucional brasileiro, o princípio decorre de modo implícito do sistema
constitucional, e tem como fundamento vários princípios, sendo o principal, o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Não é um assunto novo, já houve várias discussões acerca do tema, no entanto, em
análise histórica e conceitual, no Brasil e no âmbito internacional, é possível auferir que não é
aceitável retroceder, nos direitos fundamentais sociais, sem que isso acarrete
responsabilidades, pois uma vez assegurados, são garantias e direitos subjetivos do cidadão.

3.4.1. Conceituação e aspectos importantes

O princípio não possui um simples conceito delimitado, e nesse sentido, como forma
didática de conceituação, assevera Ingo Sarlet (2009)2 que o princípio da proibição de
retrocesso social significa “toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em
face de medidas do poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que

2
SARLET, Ingo Wolfgang. A assim designada proibição de retrocesso social e a construção de um direito
constitucional comum latino-americano. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC. Belo Horizonte,
ano 3, n. 11, jul./set. 2009.
29

tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles
sociais, ou não)”.
Seguindo a mesma toada, é válido citar Luis Roberto Barroso (2007, Prefácio), que
preleciona acerca do conceito do princípio da vedação do retrocesso social:
Trata-se, em essência, de um limite à liberdade de conformação do legislador,
retirando-lhe a possibilidade de revogar total ou parcialmente determinadas leis
quando isso decorra da paralisação ou considerável esvaziamento da eficácia de
dispositivos constitucionais dependentes de regulamentação. (...) A vedação do
retrocesso operaria em um segundo momento, impedindo que, uma vez criada
norma regulamentadora, esta viesse a ser suprimida, devolvendo a ordem jurídica ao
vazio anterior, contrário à Constituição.

Nesse sentido, os direitos sociais não podem ser simplesmente restringidos por
medidas retrocessivas tomadas pelo Poder Público, salvo se estas vierem acompanhadas de
uma previsão que compense a diminuição e que mantenha o mesmo nível de proteção social.
No entanto, essa compensação não pode se fazer apenas com meras promessas, deve ser real e
específica. Jorge Miranda (2000, p. 397) aponta como princípio material dos direitos sociais o
“não retorno da concretização”. Além disso, defende que estes dependem de normas
infraconstitucionais para que sejam efetivados, sendo atuantes por meio dos chamados
direitos relativos às prestações.
Ademais, existe uma forte relação entre a proibição do retrocesso social e o princípio
da segurança jurídica, e no entendimento doutrinário de Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 436-
437), é possível analisar que a Vedação do Retrocesso Social pode se apresentar como um dos
aspectos do Princípio da Segurança Jurídica, conforme segue:
A problemática da proibição de retrocesso guarda íntima relação com a noção de
segurança jurídica. (...) a idéia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente
vinculada também à própria noção de dignidade da pessoa humana. Com efeito, a
dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as
pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não
estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranqüilidade,
confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa
estabilidade das suas próprias posições jurídicas.

Além da relação do princípio da vedação do retrocesso social com a segurança


jurídica, revelando ser aquele uma espécie de desdobramento deste, o mesmo tem intrínseca
ligação com o, também princípio, da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que esse
princípio tem como uma de suas funções a de “impedir que as pessoas sejam reduzidas à
condição de mero objeto no âmbito social, econômico e cultural” 3, porque é exigida do
Estado, a prestação do mínimo de direitos sociais.

3
SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a assim designada proibição de retrocesso social no constitucionalismo
Latino-americano. Rev. TST, Brasília, v. 75, n. 3, jul.-set. 2009.
30

Vale salientar, ainda, que os direitos sociais não são apenas normas programáticas, e
sim, com fundamento no princípio da vedação do retrocesso, são normas que concretizam
direitos fundamentais para a sociedade, não devendo ser encarados como obrigação moral, e
sim plenos direitos. O direito à proibição de retrocesso social consiste em uma importante
conquista civilizatória, como refere Dayse Coelho de Almeida (2007, p. 122):
O conteúdo impeditivo deste princípio torna possível brecar planos políticos que
enfraqueçam os direitos fundamentais. Funciona até mesmo como forma de
mensuração para o controle de inconstitucionalidade em abstrato, favorecendo e
fortalecendo o arcabouço de assistência social do Estado e as organizações
envolvidas no processo. [...] Em um país tão marcado pela desigualdade social como
o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as matizes
neoliberais políticas fazem brotar no constitucionalismo contemporâneo a
necessidade de elaborar formas de proteger os direitos sociais, em especial os
trabalhistas, (aqui em especial acrescentaria também o direito a saúde) garantindo o
mínimo necessário à dignidade da vida.

O princípio da proibição do retrocesso social tem importante valia aos direitos


fundamentais sociais e, principalmente, aos direitos prestacionais, uma vez que esses
demandam, em regra, atuação do legislador para que sejam concretizados. No entanto, essa
proibição do retrocesso não se restringe aos direitos fundamentais sociais, estende-se, na
verdade, a todos os direitos fundamentais.
Para tanto, é possível observar a suma importância que o Princípio da Vedação do
Retrocesso Social desempenha na garantia de segurança jurídica, bem como, no dever de
progressão da prestação do Estado.

3.5. CARÁTER POSITIVO E NEGATIVO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO


RETROCESSO SOCIAL

O princípio da proibição do retrocesso se alinha como um princípio constitucional


implícito, de caráter negativo que prevalece em relação a seu caráter positivo. Negativo,
quando impõe ao legislador o respeito, ao elaborar normas, de forma que não haja a supressão
ou redução dos direitos fundamentais sociais já consagrados e efetivados por norma
infraconstitucional, de forma desproporcional. O caráter positivo se molda no dever do
legislador de permanecer em constante evolução, ampliando o grau de efetividade dos direitos
sociais. Havendo, portanto, a proibição de retroceder e a obrigação de progredir socialmente.
No entendimento de Marcio André Keppler Fraga (2001), em dissertação sobre o
assunto, quando os direitos sociais atingem determinado grau de eficácia e efetividade, na
medida em que são implementados pelo Estado, ganham, a função, em sua dimensão
31

negativa, de direitos de defesa, exigindo desse modo, do Poder Público, no mínimo, a


abstenção no sentido de não reduzir a efetividade daquele direito social já implementado.

3.5.1. O dever de progressão do Estado

A vertente positiva do princípio da Vedação do Retrocesso está segmentada no dever


de ampliar, de forma progressiva, de acordo com as situações que compõem o sistema
jurídico-econômico, a concretização dos direitos fundamentais sociais, por parte do legislador.
A grande questão que pode trazer controvérsia é de qual status é almejado com a
aplicação da vedação do retrocesso, a garantia da manutenção do status quo, ou a
progressividade da concretização desses direitos. Acerca da temática surgiu um importante
ponto, que é válido salientar: o dever de progressão do Estado.
Como forma de didática de compreensão, a analogia pode ser utilizada para relacionar
a evolução dos direitos fundamentais com a evolução necessária das garantias prestacionais
por parte do Poder Público. Como explicitado anteriormente no presente trabalho
monográfico, os direitos fundamentais como são vistos atualmente, são frutos de uma
evolução histórica que remonta desde a Antiguidade, e nesse sentido, é válida a afirmação de
que são direitos que estão em constante evolução, na medida em que o ser humano em
sociedade é um ser em constante evolução.
Ao passo que a prestação é reconhecida pelo Estado, é reconhecida, de forma
conjunta, a obrigação do progresso, pois uma vez assegurado ao ser humano, o Estado passa a
ter a obrigação negativa de se abster de regredir dessas garantias, de acordo com o
ensinamento de Canotilho e Moreira (1991, p. 131) que aduz que “uma vez dada satisfação ao
direito, esse se transforma, nessa medida, em direito negativo ou direito de defesa, isto é, num
direito a que o Estado se abstenha de atentar contra ele”.
Para tanto, é possível afirmar também, que o Estado, com o dever prestacional de
concretizar os direitos sociais, deve se manter em progressiva manutenção da prestação desses
direitos, revelando o dever de progressão do Estado, tendo em vista que a evolução do ser
humano em sociedade tende a incorporar a necessidade de mais direitos e garantias.
No mesmo sentido, cabe ressaltar, que o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, e o Protocolo de San Salvador, consagram o princípio da
progressividade como forma de evolução na implantação dos direitos sociais. Da aplicação
progressiva desses direitos, considera Flávia Piovesan (2002):
32

Se os direitos civis e políticos devem ser assegurados de plano pelo Estado, sem
escusa ou demora – têm a chamada auto-aplicabilidade, os direitos sociais,
econômicos e culturais, por sua vez, nos termos em que estão concebidos pelo Pacto,
apresentam realização progressiva. [...] No entanto, cabe realçar que tanto os direitos
sociais, como os direitos civis e políticos demandam do Estado prestações positivas
e negativas, sendo equivocada e simplista a visão de que os direitos sociais só
demandariam prestações positivas.

Para tanto, ao passo que o princípio da proibição de retrocesso tem relação direta com
a proteção e a concretização dos direitos fundamentais sociais, tem estreita ligação, da mesma
forma, com o dever da progressiva prestação e evolução por parte do Estado.

3.6. DA RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

É possível observar, na atualidade, que há grande reconhecimento acerca da proibição


do retrocesso em matéria de direitos fundamentais sociais, doutrinária e jurisprudencial,
nacional e internacionalmente. No entanto, há discussão acerca da amplitude de aplicação
desse princípio. Um dos pontos que mais apresenta controvérsias se desdobra sobre o fato de
a vedação do retrocesso ter caráter absoluto ou relativo. De acordo com Sarlet (2009, p. 137):
O reconhecimento de uma proibição de retrocesso não pode resultar na
transformação do legislador em órgão de mera execução das decisões
constitucionais e nem assegurar (caso compreendida como absoluta vedação de
qualquer alteração ou ajuste) aos direitos fundamentais sociais a prestações
legislativamente concretizadas uma eficácia mais reforçada do que a atribuída aos
direitos de defesa em geral, já que estes podem ser restringidos pelo legislador,
desde que preservado seu núcleo essencial, já foi objeto de referência na doutrina.
Posta a questão em outros termos, a aplicação de uma proibição de retrocesso por si
só não veda uma diminuição dos níveis de proteção e promoção de direitos sociais,
especialmente na perspectiva subjetiva, para assegurar outros interesses públicos
urgentes e relevantes, pois do contrário poderia levar a uma proteção maior dos
direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos. Em síntese, se uma posição
preferencial das liberdades há de ser afastada, pelo menos no sentido de um caráter
secundário dos direitos sociais, no Estado Democrático de Direito também não se
poderia justificar uma posição preferencial dos direitos sociais, tema que, à
evidência, merece maior reflexão do que aqui se pode oferecer. Aliás, bastaria esta
linha argumentativa para reconhecer que não se pode encarar a proibição de
retrocesso como tendo a natureza de uma regra de cunho absoluto, seja pelo fato, já
apontado, de que a atividade legislativa não pode ser reduzida à função de execução
pura e simples da Constituição, seja pelo fato de que esta solução radical, caso tida
como aceitável, acabaria por conduzir a uma espécie de transmutação das normas
infraconstitucionais em Direito Constitucional, além de inviabilizar o próprio
desenvolvimento deste. Além disso, resulta evidente que a admissão de uma
vedação absoluta de retrocesso – especialmente no sentido estrito aqui versado –
inexoravelmente resultaria na procedência das críticas formuladas pelos seus
adversários.

O doutrinador Vieira de Andrade (2006, p. 307-309), tem posição cautelosa acerca da


matéria apontando no sentido de que a proibição do retrocesso não pode ser encarada como
regra geral, ao passo que traria sério risco à autonomia do Poder Legislativo, por que o
33

legislador não pode ser considerado como poder de mera execução das decisões
constitucionais.
Além disso, assevera que a proibição do retrocesso, de forma absoluta, daria aos
direitos fundamentais e às prestações concretizadas, maior força do que a atribuída aos demais
direitos de defesa, já que poderiam ser restringidos pelo legislador. Vale ressaltar, que o
direito constitucional lusitano já consagrou a juridicidade reforçada dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais.
De acordo com os ensinamentos de Jorge Pereira da Silva (2003, p. 281), a proibição
de retrocesso social, sendo relativa, não deve abrir margem ao questionamento acerca da
maior proteção dos direitos sociais em face das liberdades, tendo em vista que seria absurda a
consideração da vedação do retrocesso como absoluta, pois poderia gerar um efeito paradoxal:
o legislador dificilmente progrediria nas prestações sociais, com relevante receio de assumir
compromissos que, em tempos de instabilidade econômica, o Estado não pudesse honrar.
Em termos práticos, parte da doutrina defende que a proibição do retrocesso não deve
ser tida como uma regra geral de caráter absoluto, tendo em vista o risco de engessar a
atividade legislativa, o que iria prejudicar o próprio direito, como um todo. O princípio da
vedação do retrocesso deve ser tido como um princípio constitucional fundamental implícito,
que pode ser aplicado ao Estado de Direito, ao passo que protege e tem íntima relação com a
segurança jurídica, e ao princípio do Estado Social, quando tem o condão de proteger as
condições mínimas para o ser humano, normas de direitos fundamentais sociais.
Nesse mesmo contexto, vale ressaltar o que já fora explicitado acerca da proteção do
núcleo do direito, tendo em vista que, a legislação se limita a alterar a concretização dos
direitos até o seu núcleo essencial.
Porém, a vedação do retrocesso deve ser considerada relativa, na medida em que, pode
haver a substituição de legislações, com a proteção do núcleo essencial dos direitos, como
prevê Barroso (2003, p. 218 e SS):
A própria possibilidade de substituição, em determinados casos, da disciplina legal
por outra, ainda que referente ao núcleo essencial do direito social regulamentado,
aponta para a relatividade da proibição de retrocesso social, de tal maneira que a
modificação da disciplina infraconstitucional de um direito fundamental social pode
ocorrer, desde que preservado o nível de concretização legislativa já alcançado. Para
além do núcleo essencial, o princípio da proibição do retrocesso será perfeitamente
suscetível de ponderação com outras normas constitucionais, observado, para tanto,
o princípio da proporcionalidade.

O princípio da proibição do retrocesso social não poder ser visto como regra absoluta,
tendo em vista sua natureza principiológica, que demanda maior cuidado em sua aplicação,
devendo haver a relativização frente ao caso concreto. As situações que envolvam direitos
34

sociais, em que não está em discussão o seu núcleo essencial, merece ponderação de
princípios, sendo aceitável, em alguns casos, redução de conquistas sociais. Esse caráter
relativo do princípio é vislumbrado ao analisar a própria realidade, ao passo que deve se
adequar à realidade da sociedade na qual os direitos são inseridos, não podendo dissociar-se
desta.
Nesse sentido, a vedação do retrocesso não é absoluta, e é objeto de ponderação, salvo
nos casos em que a medida atente contra o núcleo essencial do direito. A própria Constituição
brasileira prevê em seu bojo, casos em que pode haver restrições de direitos, como é o caso do
estado de defesa ou de sítio, sendo situações extremas na qual há a relativização da vedação
do retrocesso enquanto dure a situação delicada do país.
Seguindo a mesma toada, não é aceitável, na realidade atual, que passa por diversas
modificações constantes, sociais e econômicas, que haja um princípio absoluto, que verse
sobre a absoluta inviabilidade de retrocesso em matéria de direitos sociais. Fazendo
importante ressaltar que o que deve prevalecer é o sopesamento entre o princípio que protege
os direitos sociais a ser atingido pelo retrocesso e o outro que protege o direito de retroceder,
para atingir a finalidade de chegar à solução mais adequada.
Apesar da relativização da vedação do retrocesso, é válida a ressalva de que nos casos
em que seja envolvido o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, o legislador não
pode, após a concretização de um direito social no plano da legislação infraconstitucional,
suprimi-lo, afetando o seu núcleo essencial concretizado. Sendo assim, deve ser observado se
o núcleo essencial do direito social está protegido.
O núcleo essencial do direito social está intimamente ligado ao princípio da dignidade
da pessoa humana, tendo em vista discorrerem sobre o conjunto de prestações indispensáveis
para uma vida digna, bem como com a noção do mínimo existencial, que se refere ao
conjunto de prestações que garantam ao indivíduo uma vida digna, saudável, transcendendo a
sobrevivência apenas física.
A dignidade da pessoa humana é o princípio máximo da ordem jurídica e social, e é
plenamente possível asseverar que as medidas e políticas públicas do Estado que se destinam
à garantia de uma vida digna não podem ser suprimidas ou reduzidas. Sendo assim, conclui-se
que em cada caso concreto, em que não estejam sendo confrontados os núcleos dos direitos
sociais, mas que verse sobre medida que venha a trazer retrocesso a outros direitos sociais,
merece maior atenção e ponderação de interesses, para se alcançar a solução mais adequada
que atinja a finalidade do princípio da dignidade da pessoa humana.
35

Para tanto, para que medidas retrocessivas, por parte do Poder Público, não violem o
princípio da vedação do retrocesso social, devem ter, além de uma justificativa com base
constitucional, proteger o núcleo essencial, em qualquer hipótese, dos direitos sociais,
principalmente naquilo que garante às prestações materiais indispensáveis para uma vida com
dignidade para todas as pessoas.
Concluindo, tendo o conhecimento de que a dignidade da pessoa humana e a noção de
mínimo existencial não são os únicos critérios a serem analisados para a aplicação do
princípio da vedação do retrocesso social, mas também são consideradas as noções de
segurança jurídica, que pressupõe a confiança na estabilidade de uma situação atual. Em
assim sendo, a partir do princípio da proteção da confiança, qualquer medida que venha a
interferir na concretização de direitos sociais deve gerar uma ponderação de valores entre a
agressão provocada pela medida que restringirá o direito e o objetivo do legislador, que deve
ser sempre justificado, sendo um dos pressupostos indispensáveis à legitimação do respectivo
procedimento do poder público.
36

4. A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016, FRENTE AO PRINCIPIO DA


VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL E SUA CONSTITUCIONALIDADE.

4.1. CONTEÚDO DA EMENDA 95/2016

A Emenda à Constituição de nº 95/2016, promulgada no dia 15 de dezembro de 2016,


pelo Congresso Nacional, acrescentou nove artigos ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), instituindo o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e
da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos
artigos 106 a 114 do ADCT e tem como finalidade o equilíbrio das contas públicas, por meio
de uma rígida limitação de despesas.
O novo regime estabelece regras limitadoras às despesas primárias 4, de forma
individualizada, para cada exercício financeiro. Essa limitação se apresenta por meio da regra
de que os gastos primários de cada ano aumentarão de acordo com a inflação do ano anterior;
ou seja, no ano de 2017, o limite de gastos aplicável a cada órgão ou poder, equivale à despesa
primária paga no exercício financeiro de 2016, corrigida em 7,2% (sete vírgula dois por
cento) 5.
Esses limites se aplicam às despesas primárias do Poder Executivo, do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça
do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça
do Distrito Federal e Territórios, no âmbito do Poder Judiciário; do Senado Federal, da
Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo; do
Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e da Defensoria
Pública da União.
A regra vigorará pelos próximos vinte exercícios financeiros, ou seja, por 20 anos,
tendo em vista que o exercício financeiro equivale a um ano, na forma do artigo 34 da Lei nº
4.320/64, e aplicará os limites da mesma forma explicitada anteriormente, o qual será
calculado pelo gasto do exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do IPCA ou
de outro índice que o substitua.

4
Despesas primárias são aquelas que o governo dispõe para executar suas políticas públicas, são os gastos com
saúde, educação, assistência social, cultura, defesa nacional, entre outras.
5
Variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, que leva em conta os dados para o período de doze meses encerrado em junho do
exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
37

Vale salientar, acerca da possibilidade de alteração do índice, que o Presidente da


República poderá propor, a partir do décimo exercício da vigência do Novo Regime Fiscal,
projeto de lei complementar para a alteração apenas do método de correção dos limites de
despesas primárias.
A emenda em comento acrescentou o artigo 107 ao ADCT, e o mesmo estabelece que
os órgãos e poderes devem encaminhar os respectivos projetos de lei orçamentária,
demonstrando os valores máximos de programação, que sejam compatíveis com os limites
previstos. Além disso, é vedada a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o
montante total autorizado de despesa primária, seguindo as regras do novo regime.
No parágrafo 6º do artigo supracitado, estão previstas as situações sobre as quais não
incidirão a regra de limitação com base na despesa do exercício anterior atualizada, quais
sejam: as transferências constitucionais estabelecidas, transferências de recursos da União
para estados e municípios, os créditos extraordinários, despesas não recorrentes da Justiça
Eleitoral com a realização de eleições, as despesas com aumento de capital de empresas
estatais não dependentes e as verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação Básica - FUNDEB.
Nos termos do artigo 109 do ADCT, caso haja o descumprimento do limite
individualizado imposto às despesas primárias, são aplicadas diversas vedações aos órgãos e
poderes até o final do exercício e retorno das despesas aos limites previstos. São vedados
durante esse período gastos com aumento do quadro de pessoal, vantagens na remuneração,
realização de concursos públicos, entre outras despesas.
Está prevista, ainda, no artigo 114 do ADCT a possibilidade de suspensão, por até 20
dias, a requerimento de um quinto dos membros da Casa, da tramitação de emendas à
Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e
resoluções, caso esses acarretem aumento de despesa ou renúncia de receita, os quais serão
analisados acerca de sua compatibilidade com o Novo Regime Fiscal.
Nesse ponto, o art. 113 do ADCT prevê que a proposição legislativa que crie ou altere
despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu
impacto orçamentário e financeiro.

4.2. O NOVO REGIME FISCAL E OS GASTOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO

O artigo 110 do ADCT dispõe, especificamente, sobre as limitações impostas aos gastos
com saúde e educação, nos seguintes termos:
38

Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e


serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino
equivalerão:
I – no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do
§ 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição Federal; e
II – nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do
exercício imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do
§ 1º do art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

É possível auferir, a partir da análise do dispositivo legal, que esta é a única previsão
expressa, incluída ao ADCT através da EC 95/2016, que trata sobre as limitações das
despesas com os serviços públicos de saúde e educação, e no caso do último, apenas o que diz
respeito à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.
Vale notar que não houve nenhuma previsão que revogue ou altere a determinação
constitucional de se observar limites mínimos em ações e serviços públicos de saúde e em
manutenção e desenvolvimento do ensino. Esses limites mínimos foram mantidos e serão
corrigidos, a partir de 2018, pela variação do IPCA, diferente do que ocorria antes da EC
95/2016, quando se pautava na variação da Receita Corrente Líquida.
Esses limites mínimos estão previstos no inciso I do § 2º do artigo 198 da Carta Magna
de 1988 que estabelece que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da
aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, a receita corrente líquida do
respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento)”.
Já o artigo 212, do mesmo dispositivo, estabelece que “a União aplicará, anualmente,
nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por
cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Nesse sentido, nota-se que a limitação prevista para as despesas com a concretização
dos serviços de saúde e educação se aplicam a partir do ano de 2018 e tem certas
peculiaridades.
O percentual de atualização será aplicado ao cálculo da despesa mínima, prevista
constitucionalmente, do exercício imediatamente anterior como explicitado anteriormente. A
peculiaridade que se observa é a de que, a atualização é feita sobre o valor das despesas
mínimas calculadas para o ano anterior. Ou seja, no ano de 2018, o limite das despesas com
saúde e educação corresponderá a esse valor mínimo calculado para o ano de 2017, acrescido
do percentual do IPCA.
39

4.2.1. Impactos nas despesas com Saúde

O Governo Federal, quando da proposição do projeto da emenda em comento,


publicou em site oficial do Ministério da Fazenda, possíveis dúvidas que poderiam surgir ao
cidadão ao tomar conhecimento do projeto, e dentre as perguntas previstas consta a seguinte:
O que muda na Saúde?
Conforme explicitado no tópico anterior, estão resguardados os limites mínimos
previstos constitucionalmente, e a atualização será feita com base nesse valor mínimo, do ano
imediatamente anterior, atualizado pelo índice do IPCA. Nesse sentido, a resposta para a
questão levantada foi apresentada de forma a demonstrar quais os impactos às despesas com
saúde, explicando que os limites não são individualizados para cada Ministério e sim para o
conjunto de despesas do Poder Executivo, bem como apresentou a previsão de aumento do
gasto mínimo, conforme segue:
(...) O somatório da despesa em saúde com as demais despesas do Poder Executivo
(transportes, energia, educação, saneamento, etc.) não pode extrapolar o limite. Mas
cada um dos setores ou cada um dos Ministérios que compõem o Poder Executivo
não está submetido a um teto específico.
A PEC garante para as áreas de saúde e educação, e para nenhuma outra, um piso
mínimo de gasto. (...) Na saúde haverá aumento do gasto mínimo em 2017 em
aproximadamente R$ 10 bilhões. Pela regra constitucional atual, o gasto mínimo
seria de 13,7% da Receita Corrente Líquida (R$ 104 bilhões). Com a PEC 241, o
gasto mínimo com saúde em 2017 sobe para R$ 114 bilhões, equivalente a 15% da
Receita Corrente Líquida.
A partir de 2018, o gasto mínimo com saúde passará a ser corrigido pelo IPCA, e
não mais pela variação da Receita Corrente Líquida. Nada impede que o Poder
Executivo proponha um valor acima do piso, ou que o Congresso aumente o valor
proposto pelo Executivo, desde que reduza despesa em outra área pertencente ao
Poder Executivo.
(...) O Governo já está gastando acima do piso da saúde, tanto em 2016 quanto no
Projeto de Lei Orçamentária para 2017. Em 2016 o piso é de R$ 92,4 bilhões e serão
gastos R$ 106 bilhões. Em 2017, sem a PEC, o piso seria de R$ 104 bilhões, e o
governo gastaria R$ 112 bilhões. Se a PEC for aprovada, o piso e o gasto total
subirão para R$ 114 bilhões.

Pode-se compreender que os limites impostos às despesas não são individualizados


apenas à saúde, tendo em vista que essa é apenas uma parte dos gastos do Poder Executivo, o
qual deve respeitar a limitação do Novo Regime Fiscal, com o valor de suas despesas totais a
cada exercício financeiro.
Em suma, a despesa na área da saúde, apontada expressamente pela Emenda, não terá
um valor engessado como limite, pois, além de ser atualizada a cada exercício financeiro com
base no mínimo previsto constitucionalmente, pode ultrapassar esse valor, tendo em vista não
ter um teto próprio e ser parte da despesa total do Executivo.
40

4.2.2. Impactos nas despesas com Educação

Seguindo a mesma toada, foi levantado questionamento acerca do que mudaria na


Educação, e da mesma forma que fora explicitado anteriormente, essa é apenas parte da
despesa total do Poder Executivo que deve respeitar o limite previsto pela EC 95/2016, e será
atualizada conforme a variação do IPCA sobre o mínimo previsto constitucionalmente, o que
garante que o valor destinado à educação não fique estagnado e permaneça em atualização
progressiva.
A resposta apresentada no site se deu da seguinte forma, acerca dos valores gastos com
educação e a previsão dos mesmos com a promulgação da Emenda:
A PEC só se aplica aos gastos do Governo Federal. Logo, não há qualquer limitação
às despesas de estados e municípios com educação. De acordo com os dados do
balanço do setor público consolidado, divulgado pelo Tesouro Nacional, os gastos
com a função Educação em 2015 totalizaram R$ 315,5 bilhões, aproximadamente
5,3% do PIB. Deste total, a parcela do Governo Federal aplicada na mesma função
totalizou R$ 90,3 bilhões (de acordo com dados do Relatório Resumido de Execução
Orçamentária do Tesouro Nacional) resultando em menos de 30% do gasto público
total. Já parcela do Governo Federal aplicada em Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino (sujeita à PEC nº 241/2016) totalizou R$ 59,4 bilhões, equivalente a 18,8%
do total aplicado em educação pelo setor público brasileiro. Assim, mais de 80% da
despesa pública com educação NÃO está sujeita aos limites estabelecidos pela PEC.
Vale ressaltar que, conforme se depreende acima, apenas as despesas referentes à
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino estão sujeitas às limitações do Novo Regime
Fiscal, e essas correspondem a uma pequena parte da despesa total com educação. Além disso,
as despesas com educação básica também não são limitadas pela emenda, tendo em vista ser
provida pelos estados e municípios, que não tiveram os repasses limitados na forma prevista
pelo regime fiscal6.

4.3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL NO


BRASIL AO CASO CONCRETO

Como explicitado no capítulo anterior, o Princípio da Vedação do Retrocesso Social é


um mecanismo de proteção do núcleo essencial dos direitos sociais, do seu mínimo
existencial. Uma medida de cunho retrocessivo, que violar o princípio da proibição de
retrocesso, deve, além de contar com uma justificativa de porte constitucional, manter o
núcleo essencial dos direitos fundamentais.

6
Também não são passíveis de limitação, o programa de financiamento, FIES, e o financiamento através de
renúncia de receita, PROUNI, por serem despesas financeiras e não despesas primárias.
41

O princípio prediz que poderão ser objeto de inconstitucionalidade, normas que


venham a retroceder nas políticas públicas de concretização de direitos sociais. Nesse sentido,
o núcleo essencial do direito deve ser preservado, pra que não haja a sua extinção, tendo em
vista que uma vez adquiridos, os direitos sociais são subjetivos ao homem.
Acerca da aplicação desse princípio às normas que alcancem a efetividade de direitos
sociais, Flávia Piovesan (2010) assevera que esses “são direitos intangíveis e irredutíveis, que
são providos da garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que
tenda a restringi-los ou aboli-los”.
Juarez Freitas (2002, p. 209-210) no mesmo sentido, afirma que esse princípio da
proibição do retrocesso protege o núcleo dos direitos fundamentais, considerando que, no
nosso sistema constitucional brasileiro, não pode haver emenda constitucional nem qualquer
retrocesso legislativo que toque este núcleo intangível.
A liberdade do legislador encontra limites na garantia do núcleo essencial do direito já
concretizado, e a norma que preveja alguma limitação aos direitos sociais, para que seja
adequada constitucionalmente, deve demonstrar que, conforme preleciona Luísa Cristina
Pinto e Netto (2010, p. 232), não esvazia o núcleo do direito social; é um meio apto a atingir o
fim visado, sendo legítimo constitucionalmente; é o meio menos lesivo ao direito social, em
comparação com alternativas mais gravosas; foi determinada considerando a intensidade da
restrição ao direito social e ao favorecimento do bem que se visa proteger; está em
consonância com o princípio da igualdade, segurança jurídica e proteção da confiança; e foi
determinada otimizando os recursos disponíveis e adequada às atividades constitucionalmente
previstas.
A justificativa para a edição de norma com cunho retrocessivo, de acordo com as
circunstâncias fáticas em que se realiza, deve ser analisada mediante um juízo de
proporcionalidade, suficiente para prevalecer sobre um grau de concretização legislativa já
alcançada, de forma a analisar a existência ou não de retrocesso social.
Além do critério da proporcionalidade, outro critério importante é a análise das
práticas administrativas com base no princípio da eficiência. Essa eficiência deve ser
entendida como a melhor utilização dos recursos para garantir as prestações de interesse
coletivo e deve nortear todas as ações do Estado.
Insta salientar que, conforme assevera Harisson Ferreira Leite (2009, p.146-147) a
aplicação dos percentuais mínimos determinados por lei não é suficiente para que o direito
fundamental seja garantido, pois importa a efetivação do direito e não apenas o cumprimento
do mínimo legal estabelecido.
42

Pelos ensinamentos de Giacomoni (2005, p. 310), através da eficiência, é possível


analisar se os objetivos do governo foram alcançados, medindo o progresso alcançado dentro
da programação de realizações governamentais. Dessa forma, se mesmo com previsão
orçamentária reduzida, for possível concretizar o direito fundamental, não há de se falar em
retrocesso social e sim maior eficiência na atuação.
Para tanto, se faz necessária a análise da aplicação desse princípio sobre o teor da
Emenda Constitucional em estudo e para que seja possível fazer essa análise é necessária a
ponderação dos direitos que se encontram em conflito, uma vez que o princípio da vedação do
retrocesso social não é absoluto, sob pena de dar maior efetividade a alguns direitos em
detrimento de outros.

4.3.1. Direitos em colisão: Saúde e Educação X Efetividade dos demais direitos

Os direitos que se encontram em conflito no presente caso, são aqueles que dizem
respeito à garantia da concretização dos serviços públicos de educação e saúde e a efetividade
dos demais direitos.
Como exaustivamente mencionado, o princípio da vedação do retrocesso deve ser
analisado a cada caso concreto, utilizando da proporcionalidade e ponderação para que seja
possível concluir qual direito deve prevalecer.
No caso em questão, foi promulgada Emenda à Constituição de n° 95/2016, que
instituiu o Novo Regime Fiscal, o qual estabelece limites às despesas primárias, pelos
próximos 20 anos, na esfera Federal, não atingindo estados e municípios, com previsão
expressa de limitação aos gastos em saúde e manutenção e desenvolvimento do ensino.
Os direitos à saúde e educação são direitos sociais, previstos na Constituição Federal
de 1988 e, à luz do princípio da vedação do retrocesso social, devem ter o núcleo essencial
protegido, por normas que sejam editadas, caso contrário, pode a norma, incidir em
inconstitucionalidade.
Por outro lado, a finalidade da Emenda é resguardar a garantia dos demais direitos que
dependem de investimento público, uma vez que, se as contas públicas continuassem com os
elevados gastos a cada exercício financeiro, a economia do país entraria em colapso e todos os
demais direitos seriam prejudicados.
Nesse sentido, ao utilizar da proporcionalidade no presente caso, é possível analisar
que o núcleo essencial dos direitos à saúde e educação é mantido, à medida que os limites
43

mínimos constitucionais são garantidos e que a atualização do limite das despesas acontecerá
a cada exercício financeiro, garantindo um progressivo aumento do valor.
Bem como, é previsto como exceção, os repasses aos estados e municípios, e a
inexistência de um teto específico para essas áreas possibilita que o Poder Executivo
empregue um valor superior para a concretização desses direitos, caso necessário,
equilibrando o restante das despesas que compõem a despesa total. Além do que, a Emenda
prevê limitação para apenas parte da despesa com educação, qual sejam a manutenção e
desenvolvimento do ensino.
Para tanto, com essa limitação, é previsto que se chegue a um equilíbrio entre receitas
e despesas, de forma a manter a dívida pública sob controle, adequando o gasto público
federal à capacidade do governo em custeá-lo.

4.4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA EC 95/2016 COM BASE NA


JURISPRUDÊNCIA – À LUZ DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

Como anteriormente mencionado, o Princípio da Vedação do Retrocesso Social


funciona como um mecanismo de proteção aos direitos sociais, resguardando o núcleo
essencial do direito, seu mínimo existencial, com o objetivo de evitar que atos discricionários
do legislador restrinjam ou excluam direitos já concretizados anteriormente.
Normas que diminuam o núcleo essencial dos direitos sociais podem ser passíveis de
sofrer inconstitucionalidade, e para concluir se uma norma retrocede ou não na concretização
desses direitos, deve-se analisar com base na proporcionalidade e ponderação.
Antes, foram analisados os direitos que estão em conflito no presente caso e podem ser
observados os principais pontos que justificam a edição da Emenda à Constituição n°
95/2016, dentre eles, o mais importante: o reequilíbrio da dívida pública para que os demais
direitos não sejam anulados pelo colapso iminente das contas do Governo Federal.
A primeira menção ao princípio da vedação do retrocesso social nas decisões dos
tribunais brasileiros aconteceu no ano de 2000, por meio da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI n° 2065-DF) de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence. Essa
ADI questionava a constitucionalidade de dispositivos legais que extinguiam os conselhos
municipais e estaduais da Previdência Social. Em seu voto, o Ministro explicitou o que segue:
[...] quando, já vigente a Constituição, se editou norma integrativa necessária à
plenitude da eficácia [da norma constitucional], pode subseqüentemente o legislador,
no âmbito de sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente
integrativa do preceito constitucional programático ou de eficácia limitada; mas não
pode retroceder – sem violar a Constituição – ao momento anterior de paralisia de
44

sua efetividade pela ausência da complementação legislativa ordinária reclamada


para implementação efetiva de uma norma constitucional. [...] Com o admitir, em
tese, a inconstitucionalidade da regra legal que a revogue, não se pretende emprestar
hierarquia constitucional à primeira lei integradora do preceito da Constituição, de
eficácia limitada. Pode, é óbvio, o legislador substituí-la por outra, de igual função
complementadora da Lei Fundamental; o que não pode é substituir a regulação
integradora precedente – pré ou pós constitucional – pelo retorno ao vazio normativo
que faria retroceder a regra incompleta da Constituição à sua quase completa
impotência originária.

Ainda que a ADI em comento não verse, especificamente, sobre saúde e educação, é
possível utilizar o voto do ministro como base para a análise de que a intenção do princípio da
vedação do retrocesso não é empregar à norma que concretizou os direitos, um patamar
hierárquico superior, o que não pode ocorrer, é o retrocesso na prestação dos direitos, sem o
estabelecimento de nenhuma contraprestação.
Nessa sequência, após ter sido expressamente utilizado na jurisprudência, a vedação
ao retrocesso demonstrou liberdade ao legislador, respeitando o mínimo existencial, de forma
a garantir que, mesmo retrocedendo na concretização de direitos, não esvazie seu núcleo
essencial, para que esteja em consonância aos ditames constitucionais.
Após essa primeira previsão expressa, na ADI 3105-DF, no ano de 2004, de relatoria
do Ministro Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade da
Emenda n° 41, que autorizou a instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos
dos servidores inativos. O Ministro Celso de Mello votou pela inconstitucionalidade da
emenda, com base na vedação ao retrocesso, conforme segue:
(...) a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua
concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de
natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização
dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos.

Por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa votou pela improcedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade, sustentando que “o princípio dos direitos adquiridos, do mesmo modo
que outros princípios constitucionais admitem ponderação ou confrontação com outros
valores igualmente protegidos pela nossa Constituição”, e que se estaria “diante de princípios
constitucionais relativos, que admitem ponderação com outros princípios, desse confronto
podendo resultar o afastamento pontual de um deles”.
A ADI foi julgada improcedente, tendo sido declarada a constitucionalidade da
Emenda n° 41, através da proporcionalidade e ponderação, com a justificativa de que essa
instaurou regime previdencial nitidamente solidário e contributivo, mediante a previsão
explícita de tributação dos inativos, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro
e atuarial.
45

Recentemente, a ADI n° 5230-DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, questionou, no


ano de 2015, a constitucionalidade das medidas provisórias n° 664 e n° 665, que alteraram
dispositivos de leis que disciplinam benefícios previdenciários e trabalhistas. A finalidade da
edição das medidas é semelhante à apresentada à emenda, tema central do presente trabalho,
qual seja a preservação do equilíbrio financeiro, nesse caso, do Regime Geral de Previdência
Social e do Regime Próprio de previdência da União, tendo em vista que a falta de
sustentabilidade dos Regimes poderia tornar vulneráveis os direitos sociais por carência de
recursos.
O processo foi extinto sem resolução de mérito, por estar prejudicada a ação, no
entanto, é possível extrair o parecer da Procuradoria-Geral da União, que pugnou pela
extinção do processo, com fundamento na legitimidade das medidas provisórias, visto que
essas poderiam ser editadas para alterar os benefícios previdenciários e trabalhistas. Bem
como, vale salientar a manifestação da Advocacia-Geral da União que colacionou o que
segue:
Previdência e assistência social. Medidas Provisórias n° 664 e n° 665, que
disciplinam a concessão de pensão por morte, auxílio-doença, seguro desemprego e
seguro defeso. Constitucionalidade formal. Critério de urgência e relevância.
Discricionariedade do Chefe do Poder Executivo. Ausência de abuso de poder. Não
incidência do artigo 246 da Constituição da República. Ausência de alteração
substancial do artigo 201 da Carta pela EC n° 2011998. Precedentes dessa Corte
Suprema. Constitucionalidade material. O princípio da vedação do retrocesso
social não é absoluto. Observância do núcleo essencial dos direitos sociais e do
princípio do equilíbrio financeiro e atuarial. Conformidade dos atos normativos
impugnados com o Texto Constitucional. Manifestação pela improcedência do
pedido veiculado na presente ação direta. (Grifo nosso).

Para tanto, o princípio da vedação do retrocesso deve ser analisado a cada caso
concreto, visto que não é absoluto e pode ser relativizado com base na proporcionalidade. No
caso apresentado, mesmo não tendo sido julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade, foi
possível analisar a semelhança com a emenda n° 95/2016, que restringe direitos sociais com a
finalidade de resguardar os demais direitos.
Em suma, o Supremo Tribunal Federal já levou o princípio da vedação do retrocesso
social à pauta, por diversas vezes, sendo o mesmo utilizado além de uma mera justificativa, se
utilizando da proporcionalidade e ponderação para avaliar a constitucionalidade de normas de
cunho retrocessivo.
É possível concluir, com a análise dos acórdãos mencionados, que no Brasil, a vedação
do retrocesso é exaustivamente invocada quando há risco de retrocesso na concretização dos
direitos, principalmente, direitos sociais. Além do que, o mesmo é encarado de forma relativa,
46

tendo em vista que, ao avaliar os direitos que estão em conflito a cada caso concreto, pode
haver retrocessos pontuais, para que não restem prejudicados os demais direitos.
No caso em tela, a Emenda à Constituição n° 95/2016 estabelece um teto de despesas,
atualizado anualmente, com base no índice do IPCA. Essa limitação de gastos se aplica
apenas ao Governo Federal, não alcançando repasses aos estados e municípios. A grande
questão do presente trabalho se pauta na análise da constitucionalidade dessa emenda, tendo
em vista que estabelece, expressamente, os limites que serão aplicados aos gastos com saúde e
educação.
Ao expor as decisões exaradas em julgamentos de Ações diretas de
inconstitucionalidade, é possível auferir que o princípio à vedação do retrocesso é
amplamente explorado, nos casos em que direitos fundamentais são objeto de retrocesso.
Mesmo havendo abordagens diferentes acerca do princípio, vale ressaltar que um ponto é
denominador comum: o uso da proporcionalidade.
É nítida a aplicação do princípio e a análise de normas que versam sobre direitos
sociais, com base na ponderação e na consideração de que a vedação ao retrocesso não é
absoluta, com o risco de garantir maior efetividade ao direito social em detrimento de outros.
Nesse sentido, é possível o retrocesso pontual quando é visada a concretização de outros
direitos, como é o caso da Emenda n° 95/2016, que tem como finalidade o reequilíbrio das
contas, de forma a garantir a efetividade dos demais direitos.
Portanto, se fez necessária toda a análise conceitual dos direitos fundamentais, sua
esfera social de direitos, a previsão de proteção do núcleo essencial, de forma a ressaltar a
importância da proteção desses direitos das arbitrariedades legislativas. Bem como, analisar o
teor da emenda, à luz do Princípio da Vedação do Retrocesso Social e na jurisprudência, como
forma de analisar, através da proporcionalidade e ponderação, se o mínimo existencial dos
direitos à saúde e educação estava sendo assegurado, na forma dos ditames constitucionais,
para concluir acerca da constitucionalidade dessa norma.
47

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou analisar a constitucionalidade da Emenda à Constituição


de n° 95/2016, à luz do Princípio da Vedação do Retrocesso Social. A emenda instituiu o
Novo Regime Fiscal e estabelece limites aos gastos públicos primários, na esfera do Governo
Federal, e prevê, expressamente, as limitações aos gastos com o serviço público de saúde e
educação.
Os direitos à saúde e à educação são direitos fundamentais de segunda dimensão,
sendo classificados como direitos sociais, tendo em vista sua natureza positiva, pois
necessitam de prestações concretas do Estado para que sejam efetivados.
O teor da emenda no que diz respeito à limitação dos gastos em saúde e educação, foi
analisado à luz do princípio da vedação do retrocesso social, visto que, esse é um importante
mecanismo de proteção do mínimo existencial dos direitos sociais, evitando que medidas, sem
justificativa de porte constitucional, tomadas pelo legislador, restrinjam ou excluam direitos
sociais consagrados aos seres humanos.
Nesse sentido, todo o conteúdo da emenda foi analisado pontualmente para que se
pudesse chegar à conclusão acerca de sua constitucionalidade, tendo como base, também,
acórdãos do Supremo Tribunal Federal que citaram o princípio à vedação do retrocesso social
como ferramenta de proteção dos direitos.
Pude concluir, com a análise de todos esses pontos, que a vedação do retrocesso social
é um princípio relativo, que deve ser analisado a cada caso concreto, para que não figure
maior posição hierárquica a alguns direitos e sim, através da proporcionalidade, pondere sobre
quais direitos devem prevalecer a cada caso, podendo haver retrocessos pontuais da norma já
efetivada.
Nesse sentido, a Emenda à Constituição n° 95/2016, traz em seu bojo, apenas um
artigo no Novo Regime Fiscal que trata expressamente sobre os gastos com saúde e educação.
Fixando que apenas os gastos que dizem respeito à manutenção e desenvolvimento do ensino
estão sujeitos à limitação na seara dos gastos com educação.
A emenda mantém os limites mínimos previstos constitucionalmente para os gastos
com saúde e manutenção e desenvolvimento do ensino, estabelecendo que, a partir do ano de
2018, as despesas com saúde e manutenção e desenvolvimento do ensino estarão limitadas
aos percentuais mínimos previstos, calculados para o ano imediatamente anterior, atualizado
pela variação do IPCA.
48

Vale ressaltar, que essas despesas não tem teto específico, são mencionadas pelo Novo
Regime Fiscal de forma a alterar o método de atualização das mesmas, que antes se dava
através da Receita Líquida e será feita a partir da variação do IPCA. Além do que, essas
despesas compõem a despesa total do Poder Executivo, não incidindo essa limitação de forma
absoluta, pois o Executivo, caso necessário, pode elevar os limites gastos com saúde e
manutenção e desenvolvimento do ensino, adequando as demais despesas primárias, de forma
que não seja ultrapassado o limite previsto pela Emenda.
Para tanto, analisei os direitos em conflito no presente caso, uma vez que a finalidade
da emenda é a proteção da efetividade dos demais direitos, tendo em vista que os altos gastos
sem limitação levariam a economia do país ao colapso, o que prejudicaria a efetividade dos
demais direitos.
Defendo, portanto, a constitucionalidade da Emenda à Constituição n° 95/2016, com
fundamento na proporcionalidade entre os direitos conflitantes, quais sejam: o direito à saúde
e educação e a efetividade dos demais direitos; uma vez que, o núcleo essencial dos direitos à
saúde e educação é protegido pela continuidade de investimento público na área, ou seja, não
há exclusão do direito, apenas restrição pontual para a garantia da efetivação dos demais
direitos; apresento fundamento no fato de não incidir na limitação, os repasses aos estados e
municípios, além do que, a limitação pode ser ultrapassada, caso necessário.
Entendo que, os gastos com os direitos sociais à saúde e educação serão
progressivamente elevados, na medida em que vão sendo atualizados, não permanecendo
engessados, de forma que pudesse prejudicar sua efetividade. Além do que, com a crise que
assola o país, decorrente de diversos fatores, a economia desenfreada tenderia a entrar em
colapso, prejudicando toda a concretização dos direitos previstos no ordenamento jurídico.
Portanto, a análise do dispositivo constitucional frente aos princípios e direitos
elencados, bem como, dos acórdãos da jurisprudência brasileira, no presente trabalho, me
fizeram concluir pela constitucionalidade da EC 95/2016, porém, se faz necessária a constante
análise, de cunho econômico, acerca dos valores que estão sendo aplicados pelos próximos 20
exercícios financeiros, bem como, a revisão se o índice é o mais adequado, no décimo
exercício de vigência, quando é facultado ao Presidente da República alterar o índice de
atualização.
49

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