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Resumo: O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica que tem como objetivo discutir
como os conceitos de imaginação e criatividade se manifestam e se relacionam nas obras de Lev
Semionovitch Vigotski e Edwin Gordon. Foi possível constatar que existem alguns pontos de
convergência entre essas duas teorias: a importância dada em cada uma delas às relações sociais como
propulsoras do desenvolvimento do indivíduo; a vivência como lastro para a capacidade de imaginar e
criar; e a busca pela compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento na infância.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo discutir como os conceitos de imaginação
e criatividade se manifestam e se relacionam nas obras de Lev Semionovitch Vigotski e
Edwin Gordon, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento infantil. Embora Gordon
não se insira dentro do campo epistemológico do Materialismo Histórico-Dialético, sua obra
foi influenciada pelo trabalho do pesquisador soviético, sendo Vigotski referenciado em
muitas de suas publicações.
Para empreender tal trabalho, optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica, em que
diversas obras de ambos os autores foram consultadas. É importante ressaltar que alguns
trabalhos já abordaram a relação entre a Teoria de Aprendizagem Musical de Edwin Gordon e
a Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski, como Tormin (2014) e Mariano (2015).
2. Entendendo a Audiação
Vigotski (2021, p. 226) enfatiza que o ser humano vê o mundo “não apenas de cores e
formas, mas como um mundo que possui significado e sentido”. Dessa forma, o ser humano,
enquanto ser social, vai além da estrita dependência que os animais têm dos cinco sentidos e é
capaz de operar de forma consciente sobre suas necessidades vitais e espirituais. Neste
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De acordo com Vigotski (2018b), todos os seres humanos possuem dois tipos de funções psicológicas, sendo
essas as inferiores ou naturais (comum aos animais) e as superiores ou culturais (que nos caracteriza como
humanos - ligadas às formas de linguagem, adquiridas na relação com o outro socialmente).
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Por “musicalidade” esse trabalho considera a definição de Mullen (2021): a capacidade de audiar o material
musical (compreender musicalmente) e expressar ideias musicais próprias através de sintaxes musicais formadas
por seu próprio vocabulário musical.
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para gerar algo novo a partir da combinação de diferentes produtos de sua vivência e também
de vivências de outras pessoas compartilhadas com ele. Daí a afirmação de Vigotski (2009,
p.16) que admite que “é exatamente a ação criadora que faz do homem um ser que se volta
para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente”.
É importante atentarmos, contudo, para o fato de que essas duas categorias de
atividade não se dão de forma isolada, pelo contrário, uma serve de insumo para a outra, em
uma relação dialética. Ao aprofundar nas formas de relação entre fantasia e realidade na
atividade criadora do ser humano, uma das formas levantadas por Vigotski elucida essa
questão:
A construção da fantasia pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu
na experiência de uma pessoa e sem qualquer correspondência com algum objeto
realmente existente; no entanto, ao ser externamente encarnada, ao adquirir uma
concretude material, essa imaginação ‘cristalizada’, que se fez objeto, começa a
existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas (VIGOTSKI, 2018a, p. 30-
31)
Estabelece-se assim um ciclo: aquilo que é imaginado pelo ser humano, em uma
atividade combinatória, é trazido ao mundo pela sua ação, e uma vez cristalizado isso que
outrora ocupava apenas o plano das ideias, passa a influenciar novas atividades de reprodução
e criadoras. Em outras palavras, é possível dizer que “a função combinadora precisa da função
reprodutora, pois será a partir destas memórias que a imaginação e fantasia (caracterizada
pelo autor como a atividade criadora) poderão atuar” (MARIANO, 2015, p. 88).
Reivindicando então sua base materialista, Vigotski (2018a) nos coloca o processo de
criação não como algo espontâneo, inato e idealista, mas sim como algo que depende das
vivências prévias do indivíduo para que ele tenha um vocabulário que o permita usar como
referência na hora de criar.
Nesse ponto, percebemos uma certa semelhança com a maneira como Gordon (2012)
compreende o processo de criação musical. Segundo o autor estadunidense, “criatividade e
improvisação não podem existir em um vácuo” (GORDON, 2012, p. 137, tradução nossa),
isto é, ao se engajar em uma atividade de criação musical, o indivíduo vai fazer uso de tudo
aquilo que já estabeleceu enquanto vocabulário de escuta e de performance. Dessa forma, sua
vivência musical será determinante não apenas ao performar uma música, mas também na
hora de imaginar e criar música.
Portanto, quando pensamos em um ciclo que vai desde o momento de primeiro contato
com a música, por meio da escuta; passando pela performance, em que o indivíduo executa
sua atividade reprodutora, imitando os sons que escuta; até um estado de total fruição musical,
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em que o ser humano executa sua atividade combinatória e é capaz de criar musicalmente,
coloca-se cada etapa desse ciclo como algo essencial para o desenvolvimento musical. O que
uma pessoa acumula enquanto vocabulário de escuta serve de referência para construir um
vocabulário de performance, que por sua vez serve de referência para que se construa um
vocabulário de criação (e de audiação). Supera-se assim a contraposição mecânica entre
participação ativa ou passiva, entre o escutar e o tocar: são todos momentos essenciais que, de
acordo com Gordon (2012), se fazem necessários em uma aula de música.
todos conhecem a simples verdade de que não se pode ensinar a alguém uma matéria
numa idade precoce, mas poucos ouviram, até mesmo no curso de pedologia, que
não se pode ensinar qualquer matéria tardiamente, existindo sempre o melhor
período etário para a instrução e não apenas o mínimo ou o máximo.
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Gordon (1989) ainda explica que a criatividade não pode ser ensinada, mas sim
guiada, isso porque não é possível criar pela outra pessoa. Sendo assim, o desenvolvimento da
habilidade de criar só é possível quando as crianças são estimuladas com ambientes musicais
diversos e com referências mais experientes, que poderão impactar suas habilidades e
potencialidades musicais, para que esta se torne cada vez mais criativa musicalmente. E mais
uma vez nota-se a relação entre o meio e o desenvolvimento da criança, em que vivências
musicais diversificadas mediadas afetivamente por modelos mais experientes musicalmente
poderão afetar significativamente a forma como uma criança desenvolve sua musicalidade.
Portanto, podemos afirmar que “Vigotski [...] e também Gordon (em termos musicais)
acreditam no desenvolvimento potencial que as crianças têm para aprender, desde que lhe
sejam dadas as devidas condições para elas construírem seu conhecimento, respeitando suas
necessidades e interesses” (TORMIN, 2014, p. 284).
Além da imaginação e criação serem impactadas pela própria vivência da criança,
Vigotski (2014) propõe um segundo tipo de interação, na qual a criança é impactada pela
experiência prévia de outras pessoas. A socialização e as diversas formas de linguagem as
quais as crianças são expostas em sua cultura tem papel determinante na relação.
Vigotski dá o exemplo de obras de arte que retratam desertos e revoluções,
reproduzindo determinados contextos sócio-históricos: “se ninguém tivesse visto nem descrito
um deserto africano e a revolução francesa, formar uma ideia adequada de deserto ou de
revolução francesa seria uma tarefa completamente impossível (2018b, p.14)”. A experiência
alheia é então condutora da própria experiência e da interpretação do contexto no qual a
criança está inserida. O produto da imaginação coincide com a realidade, uma vez que a
criança consegue entender e assimilar o que está lhe é relatado. “Se no primeiro caso a
imaginação se apoia na [própria] experiência, no segundo a própria experiência se apoia na
imaginação [própria e alheia]” (VIGOTSKI, 2014, p.15).
Portanto, uma vez que a criança se constitui enquanto um indivíduo que está tendo
seus primeiros contatos com o mundo e todo desenvolvimento cultural das gerações passadas,
a Psicologia Histórico-Cultural (MIRANDA; SÁ, 2020) nos orienta a compreender que as
crianças em idade pré-escolar têm o direito e a necessidade de, em seu processo de
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5. Conclusão
Ao longo do presente trabalho, buscou-se discutir os conceitos de imaginação e
criatividade nas obras de Lev Semionovitch Vigotski e Edwin Gordon e como tais conceitos
se relacionam entre si. Foi constatado que apesar dos autores se posicionarem em campos
epistemológicos distintos, é possível estabelecer relações entre os conceitos tratados em suas
obras.
Entre os principais pontos de convergência entre essas duas teorias podemos citar a
importância das relações sociais para o desenvolvimento do indivíduo; a vivência como lastro
para a capacidade de imaginar e criar; e a busca pela compreensão dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento na infância.
Para ambos os autores, a imaginação se posiciona como algo essencial para a atividade
criadora, mas ela depende das vivências de cada ser humano. Tais vivências surgem das
relações sociais, o que indica que a capacidade de criar e imaginar musicalmente não é algo
inato, mas sim desenvolvido socialmente. Além disso, a qualidade e quantidade dessas
vivências também influenciam a atividade criadora, justificando assim a necessidade da
variedade musical e de experiências diversas na primeira infância.
No âmbito musical, Gordon teoriza sobre a audiação, que assume a posição de função
superior responsável por atribuir sentido musical aos sons captados por meio da audição, além
de servir de ponte para trazer ao mundo as ideias musicais que um indivíduo imaginou. Assim
como qualquer função superior, é no social que a audiação pode ser desenvolvida, o que
aproxima ainda mais a Teoria de Aprendizagem Musical da Psicologia Histórico-Cultural.
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Como possíveis sugestões para pesquisas futuras, julgamos que seria proveitoso
buscar compreender a relação a organização dos processos de instrução de acordo com cada
uma dessas teorias. Também julgamos relevante buscar compreender as diferenças e
semelhanças entre a periodização do desenvolvimento infantil para a Psicologia Histórico-
Cultural e para a Teoria de Aprendizagem Musical.
Referências
GORDON, Edwin. Audiation, Music Learning Theory, Music Aptitude, and Creativity.
Suncoast Music Education Forum on Creativity, Estados Unidos, v. 75, p. 75-81, 1989.
GORDON, Edwin E.. Improvisation in the music classroom: sequential learning. Chicago:
GIA Publications, 2003.
GORDON, Edwin. Music learning theory for newborn and young children. Chicago: Gia
Publications, 2013.
LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II. Tradução de Nélio Schneider. São
Paulo: Boitempo, 2013.
MIRANDA, Maria Auristela Barbosa Alves de Miranda; SÁ, Antônio Villar M. de.
Apropriação de conceitos matemáticos na Educação Infantil. Educação Matemática Debate,
Montes Claros, v. 4, n. 10, e202049, p. 1-23, out. 2020.
MULLEN, Andy. How to teach the language of music: a very beginner’s guide to Gordon’s
musiclearning theory. The Improving Musician, . 2021.
TORMIN, Malba Cunha. Dubabi Du: uma proposta de formação e intervenção musical na
creche. São Paulo, 2014. 399 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
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